Produção de centralidade, monopólio e despossessão: um olhar sobre a fronteira sul do Vetor Sudoeste de São Paulo

Gabriella Duarte Dantas De Biaggi

Departamento de Geografia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, Brasil.

Recibido: 13 de septiembre de 2020. Aceptado: 19 de marzo de 2021.

Resumo

Neste artigo, discutimos o processo de produção de centralidades de negócios em áreas anteriormente não-centrais de São Paulo. Considerando a tendência a uma nova expansão do eixo espacial da metrópole que concentra atividades de comando de grandes empresas, o chamado Vetor Sudoeste, analisamos o projeto de intervenção urbana Arco Jurubatuba, plano de reestruturação urbana proposto em 2018. Este projeto visa uma área que identificamos como fronteira sul do Vetor Sudoeste e as suas proposições parecem favorecer o avanço de uma frente imobiliária. No entanto, os objetivos e possíveis impactos do projeto não são homogêneos em relação ao território. A fim de compreender os processos de produção da centralidade, debatemos as suas condições, ligadas à concentração de poder econômico e político em determinadas áreas urbanas. Tendo em vista o sentido econômico de tal process, refletimos sobre o papel da centralidade enquanto localização privilegiada, que gera condições de monopólio para determinados setores do mercado imobiliário. Discutimos também a participação fundamental do Estado na atribuição de centralidade a novas partes,, promovendo substituições de usos e elaborando novas imagens e conteúdos simbólicos para o espaço através da mobilização de dispositivos jurídicos e da força repressiva.

Palavras-chave: CENTRALIDADES URBANAS. MERCADO IMOBILIÁRIO. PLANEJAMENTO URBANO. PROJETO DE INTERVENÇÃO URBANA ARCO JURUBATUBA.

Centrality production, space monopoly and dispossession: looking at the southern frontier of São Paulo’s Southwest Vector

Abstract

In this article, we discuss the process of producing business centralities in previously non-central areas of São Paulo. Considering the tendency to a new expansion of the spatial axis of the metropolis that concentrates command activities of large companies, the so-called Southwestern Vector, we analyzed the Urban Intervention Project Arco Jurubatuba, an urban restructuring plan proposed in 2018. This project targets an area that we identified as the southern border of the Southwestern Vector and its proposals seem to favor the advancement of a real estate front. However, the objectives and possible impacts of the project are not homogeneous in relation to the territory. In order to understand the process of centrality production, we discuss the conditions related to the concentration of economic and political power in certain urban areas. In view of the economic meaning of such a process, we examine the role of centrality as a privileged location, which generates monopoly conditions for certain sectors of the real estate market. We also discuss the fundamental participation of the State in the attribution of centrality to new locations, substituting uses and elaborating new images and symbolic contents for space through the mobilization of legal devices and its repressive force.

Keywords: URBAN CENTRALITIES. REAL ESTATE MARKET. URBAN PLANNING. ARCO JURUBATUBA URBAN INTERVENTION PROJECT.

Palabras clave: CENTRALIDADES URBANAS. MERCADO INMOBILIARIO. PLANIFICACIÓN URBANA. PROYECTO DE INTERVENCIÓN URBANA ARCO JURUBATUBA.

Introdução

Em São Paulo, a região em torno das avenidas Faria Lima e Berrini e da Marginal do Rio Pinheiros é hoje amplamente reconhecida como centralidade metropolitana. O caráter desta centralidade reside sobretudo na concentração de edifícios comerciais corporativos, onde se situam escritórios de grandes empresas, com conexões em nível mundial. Mas a produção deste espaço central se deu por processos relativamente recentes, iniciados na segunda metade do século XX, nos quais o Estado teve um papel decisivo. Valendo-se de sua força de lei e do controle de dispositivos repressivos, o poder estatal realizou a remoção de antigos moradores, construiu infraestruturas mais modernas, flexibilizou os limites de gabarito de altura, alterou os usos do solo previstos no zoneamento e as regulamentações urbanísticas de forma geral. Com isso, pode elevar hierarquicamente a localização de uma área antes predominantemente residencial e marcada pelos grandes lotes e galpões industriais.

Em grande medida, estas transformações foram viabilizadas pela realização das Operações Urbanas Nova Faria Lima e Água Espraiada, em 1995 e 2001, respectivamente (Carlos, 2001; Ferreira, 2003; Fix, 2009). Estas intervenções, realizadas em áreas contíguas, reforçaram um processo que já estava em curso de concentração de investimentos privados e públicos naquela região. Corroboraram, assim, para a formação do maior eixo de riqueza e poder da metrópole, o chamado Vetor Sudoeste. Materialização de um movimento de expansão da centralidade, este Vetor vem reelaborando as relações entre centro e periferia na metrópole paulistana nas últimas décadas.

Recentemente, a proposição de um novo projeto urbanístico que visa uma área adjacente ao Vetor Sudoeste suscita o debate sobre a possibilidade de que esta centralidade continue se expandindo. Em 2017, o vereador Milton Leite (DEM) propôs um Projeto de Intervenção Urbana (PIU) para o Arco Jurubatuba (ACJ), território que abrange uma ampla área de 2.158 hectares, na zona sul de São Paulo, entre a Avenida João Dias e o Autódromo de Interlagos. Em julho do mesmo ano, o PIU ACJ foi apresentado à consulta pública (Gestão Urbana, 2017) e, em março de 2018, enviado como projeto de lei à Câmara Municipal (Câmara Municipal de São Paulo, 2018). Chamam atenção as propostas do projeto no sentido de adensar demográfica e construtivamente o território, sobretudo por meio da verticalização, além da previsão de grandes obras de infraestrutura viária que criariam conexões mais diretas às centralidades corporativas já consolidadas.

Em agosto de 2019, a tramitação do projeto de lei do PIU ACJ foi suspensa pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, porque procedimentos de participação popular obrigatórios não haviam sido cumpridos pela prefeitura. Ainda assim, sua proposição, seus conteúdos e os anteriores avanços do mercado imobiliário sobre a região nos levam a considerar que o instrumento, caso aprovado, funcionaria como uma espécie de catalisador para o movimento já perceptível de expansão da centralidade do Vetor Sudoeste.

A partir de uma análise contextualizada e crítica do PIU, buscamos contribuir para a compreensão de transformações em curso e projetadas para a uma área que reconhecemos como fronteira da centralidade corporativa de São Paulo. Procuramos trazer ao debate o estado da arte dos processos de formação e avanço do Vetor Sudoeste, que foram objeto de aprofundadas análises críticas em momentos anteriores (Carlos, 2001; Ferreira, 2003; Fix, 2009). Com isso, esperamos fornecer elementos para a discussão mais ampla sobre os processos que têm complexificado as relações entre centro e periferia nas metrópoles da América Latina ao longo das últimas décadas.

Enfocando o aspecto econômico dos processos de produção das condições de centralidade em áreas anteriormente não-centrais, consideramos que a centralidade corresponde à localização privilegiada, que gera condições de monopólio para determinados setores do mercado imobiliário. A centralidade funciona, nesse sentido, como um fator que possibilita a rápida realização de produtos imobiliários diferenciados, direcionados àqueles que podem pagar mais caro (Lefèvre, 1982; Santos, 2011). A partir de proposições de Henri Lefebvre (2000), encontramos um fundamento da centralidade na raridade do espaço, ou seja, na exclusividade de determinada porção do espaço urbano sobre as condições necessárias à concentração de riqueza e poder. Desse modo, a extensão da centralidade a outras partes aparece simultaneamente como a abertura de uma frente de investimentos e como um tensionamento da condição de existência da própria centralidade, que está em sua restrição.

As reflexões aqui apresentadas são fruto de uma pesquisa realizada entre 2018 e 2019, que investigou a hipótese de expansão do Vetor Sudoeste em direção ao sul e o papel desempenhado neste processo pelo PIU ACJ. Os procedimentos metodológicos da pesquisa envolveram análises do projeto de lei do PIU ACJ e do próprio instrumento “Projeto de Intervenção Urbana”, incluído recentemente nos marcos regulatórios da cidade de São Paulo. Também foram analisados dados da Embraesp (Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio, 2018) de lançamentos imobiliários na Região Metropolitana (entre 1985 e 2018) e reportagens de grandes periódicos que trataram do PIU ACJ no período entre a sua apresentação à consulta pública e a formulação do projeto de lei. Realizamos entrevistas com um representante do sindicato das empresas do setor imobiliário e com dois arquitetos, responsáveis pela elaboração do PIU ACJ na empresa estatal de planejamento urbano de São Paulo. Fizemos, além disso, quatro trabalhos de campo, nos quais observamos e registramos as atuais características das áreas alvejadas pelo PIU ACJ.

O texto divide-se em quatro partes: na primeira apresentamos uma breve discussão sobre o conceito de centralidade com base em Lefebvre (2000), uma reflexão sobre o sentido da localização central nas estratégias dos negócios imobiliários em São Paulo e um debate sobre o papel do Estado na produção das condições de centralidade em novas áreas. Na segunda parte, retomamos rapidamente o histórico de formação do Vetor Sudoeste de São Paulo e discutimos a forma de expansão contígua da centralidade como estratégia econômica. A terceira parte do artigo é dedicada à situação atual da área que identificamos como fronteira sul deste Vetor e às propostas do PIU ACJ, sendo debatidos os seus vínculos com a produção de centralidade. Por fim, na quarta parte expomos nossas considerações finais, buscando tecer nexos entre os elementos apresentados nas partes anteriores.

Centralidade: dominação, monopólio e despossessão

A função da centralidade urbanas

A partir da reestruturação econômica observada em nível mundial desde os anos 1970, com a emergência do que alguns denominam “acumulação flexível” (Harvey, 1992), as centralidades urbanas de grandes metrópoles ganharam destaque como espaços de comando e decisão para o capital internacionalizado. Ao mesmo tempo, os negócios imobiliários passaram a representar uma importante via de investimento lucrativo de capitais, num cenário em que estas possibilidades se esgotavam em outros setores (Santos, 2011). Com isso, espaços centrais, concentradores de atividades corporativas, passaram eles mesmos a ser produzidos como negócio (Santos, 2006).

Para tratar do caráter da centralidade –que entendemos não se reduzir à morfologia do espaço central ou à sua posição geométrica–, recorremos à definição proposta por Henri Lefebvre. Segundo este autor, a centralidade é um dos elementos fundamentais do urbano, no qual culmina a potência de encontro e reunião do que coexiste no espaço. Em si mesma, a centralidade seria apenas uma forma vazia que atrai e concentra distintos conteúdos, a depender do contexto histórico e geográfico. São estes conteúdos centralizados, então, que passam a defini-la qualitativamente. Isso significa que, “cada época, cada período, cada modo de produção suscitou (produziu) sua própria centralidade: centro político, comercial, religioso, etc.” (Lefebvre, 2008:124).

Sob o modo de produção capitalista, a centralidade seria um espaço concentrador de poder econômico e político, um espaço de dominação que contém as condições da “Decisão” sobre os demais espaços. Nos termos do autor, “o centro condensa as riquezas, os meios de ação, os conhecimentos, a informação, a ‘cultura’. Tudo. A estas capacidades e poderes, ele sobrepõe o poder supremo, a concentração dos poderes: a Decisão” (Lefebvre, 2000:384, tradução livre). É importante notar que esta abordagem envolve necessariamente a relação do centro com o não-centro, relação esta de dominação e contradição, em que os termos se determinam reciprocamente em uma dialética espacial. Isso implica que uma área só pode ser considerada central na medida em que se diferencia e se sobrepõe às áreas não-centrais da cidade ou metrópole.

Ainda recorrendo ao debate proposto por Lefebvre (2000), compreende-se que a centralidade está profundamente vinculada ao fenômeno da raridade do espaço. Este fenômeno, conforme o autor, é o resultado da exclusividade de certas áreas da cidade em relação às condições materiais necessárias à dominação. Longe de ser fruto de uma escassez absoluta de espaço, a raridade deve-se às características da área central não encontradas em outras partes, e que, do ponto de vista do mercado imobiliário, a tornam uma mercadoria limitada. Isso significa que há uma restrição das áreas centrais que não é circunstancial, mas sim intrínseca ao próprio conteúdo da centralidade. Resumidamente, poderíamos dizer que o centro é espaço de dominação e comando, que nega os espaços não-centrais e se impõe sobre eles, ao mesmo tempo em que depende do um predomínio quantitativo destes outros espaços, de modo a firmar sua exclusividade.

Trazendo a discussão para a formação das atuais centralidades de negócios, faz-se necessário pensar sobre o sentido da aglomeração das funções de comando corporativas em determinadas áreas urbanas. Para tanto, vale retomar a contribuição de autores como Allen Scott, John Agnew, Edward Soja, Michael Storper e Saskia Sassen que –contrapondo-se à leitura corrente entre os anos 1980 e 1990, segundo a qual os novos meios de transporte e comunicação levariam a uma desmaterialização, difusão espacial das atividades econômicas e esvaziamento do papel da localização– destacaram o papel específico desempenhado pelos centros urbanos na economia mundial. De diversas formas, estes autores recolocaram no debate a importância material do espaço urbano, da concentração geográfica de determinadas infraestruturas e da própria localização enquanto fatores que permeiam os processos de acumulação do capital no contexto da globalização (Santos, 2015).

Nesse mesmo sentido, Neil Smith (2007) desenvolve uma análise potente, afirmando que a concentração geográfica de centros decisórios de grandes empresas e órgãos governamentais resulta de uma busca por “segurança espacial”. Segundo Smith, os espaços centrais proporcionam as condições necessárias à administração do tempo associada às atividades dos mais altos níveis de gestão, que funcionam em um tempo irregular, repleto de imprevistos e rápidas tomadas de decisão. Tais atividades, além disso, não se limitam a horários fixos, articulando centros decisórios ao redor do mundo, com diversos fusos horários. Quanto mais instáveis temporalmente se tornam as atividades econômicas, maior a necessidade de contato próximo e imediato com apoios profissionais, com parceiros de negócios e mesmo concorrentes. A necessidade de respostas instantâneas acentua-se no contexto de financeirização e reprodução crítica do capital, que torna o sistema econômico suscetível a crises maiores e mais frequentes. Com isso, a localização em áreas concentradoras das atividades de comando e de serviços auxiliares aparece como possibilidade de maior segurança em meio à imprevisibilidade da economia globalizada e financeirizada.

De forma sintética, podemos compreender a produção das centralidades de negócios como uma criação, em determinados fragmentos do espaço urbano, das condições de comando instantâneo sobre uma rede internacionalizada. Estas condições –ligadas à infraestrutura viária e tecnológica e às normas urbanísticas que favorecem a construção de edifícios corporativos– são confirmadas e realizadas pela presença efetiva das atividades de comando. Constituem-se, assim, as características exclusivas de áreas centrais, que as tornam mercadorias raras.

A centralidade e o duplo padrão imobiliário em São Paulo

Considerando que os negócios imobiliários desempenham um papel fundamental na produção de novas centralidades, retomamos uma análise, desenvolvida inicialmente por Rodrigo Lefèvre (1982), e debatida posteriormente por César Simoni Santos (2011), acerca da diferenciação interna do segmento imobiliário em São Paulo. Lefèvre afirma que, desde a segunda metade do século XX, quando a produção imobiliária fora do centro da metrópole ganhou maior relevância como forma de acumulação de capitais, é possível distinguir dois subsetores imobiliários: um central e outro periférico. Tal distinção viria da diferença entre os preços dos terrenos, mais caros no centro do que nas periferias, e das estratégias econômicas desenvolvidas nos negócios imobiliários a partir destas condições.

Ainda que a discussão de Lefèvre esteja amparada em parâmetros que foram em muito alterados após a abertura de capitais no setor imobiliário e o lançamento do programa Minha Casa Minha Vida, ela traz elementos relevantes para a compreensão do comportamento de parte do segmento em relação à centralidade. Assim, trazemos aqui alguns dos aspectos presentes em sua análise que permanecem relevantes para que se entenda o sentido e os impactos da localização central sobre a produção imobiliária.

O autor argumenta que nas áreas centrais, a necessidade de imobilizar maior capital na compra do terreno –o qual entra nos cálculos como parte do capital constante circulante– torna os limites de lucratividade mais estreitos. Por este motivo, teria sido desenvolvida uma estratégia econômica pautada no máximo aproveitamento das possibilidades de valorização e comercialização do espaço, a fim de distribuir os gastos por mais unidades imobiliárias. Como consequência, o padrão construtivo do subsetor central tenderia à verticalização, com a construção do maior número de pavimentos possível –tanto em altura quanto no subterrâneo– (Lefèvre, 1982).

Segundo Santos (2018), a verticalização em áreas centrais tem também outro papel: o de reproduzir, ao menos parcialmente, a área original do terreno, monopolizada pela propriedade. Com esta reprodução, parte do direito à renda que o terreno concedia ao proprietário é multiplicada pela quantidade de pavimentos construídos. Junto à valorização do espaço, portanto, o trabalho efetuado na produção de empreendimentos verticalizados traz também a reprodução da localização central, privilegiada.

Outra prática adotada pelo subsetor imobiliário central, de acordo com Lefèvre, é a diferenciação do produto. Isto é, à produção de imóveis suntuosos voltados a um público capaz de e disposto a pagar preços mais elevados (Santos, 2011). Poderíamos acrescentar, seguindo o debate proposto por Teresa Caldeira (2000), que um dos diferenciais que atualmente caracterizam os edifícios de luxo é a presença de aparatos de controle e vigilância. Os edifícios das centralidades de negócios são cada vez mais isolados por muros e grades, controlados por guardas armados e/ou outros sistemas eletrônicos de segurança que impõem “regras de inclusão e exclusão” (Caldeira, 2000: 259). O resultado das estratégias do subsetor imobiliário central, portanto, é um padrão de urbanização denso, verticalizado e com edifícios que buscam se distinguir por meio de desenhos arquitetônicos extravagantes, símbolos de poder, riqueza e segurança.

Um aspecto fundamental analisado por Lefèvre com relação a este subsetor é a demanda solvável por seus produtos imobiliários. A localização é uma característica essencial buscada pelas camadas mais abastadas do mercado consumidor, o que gera uma propensão à venda rápida das mercadorias imobiliárias centrais, sem que se dependa da burocracia de programas habitacionais e linhas especiais de crédito, que viabilizam os grandes negócios imobiliários em áreas periféricas. A disponibilidade de demanda pelos produtos imobiliários centrais permite uma estratégia de elevação das taxas de lucro por meio da redução do tempo de rotação do capital. Como a realização das mercadorias ocorre rapidamente, torna-se vantajoso o emprego de maquinaria e tecnologias poupadoras de trabalho, que aceleram também a etapa da produção (Santos, 2011).

No entanto, se a boa localização abre margem para um aumento dos lucros, o limite da oferta de terrenos centrais é também o limite no qual pode se dar esta forma de produção imobiliária, baseada em investimentos de capital intensivo. Dada a natureza de raridade que constitui e define a centralidade, o controle de um subsetor sobre a área central e sobre tal estratégia de acumulação ligada à localização privilegiada cria um nível de monopolização dentro dos negócios imobiliários. É exclusiva a este setor a possibilidade de produção da mercadoria imobiliária central, o que o isenta das pressões concorrenciais que restringiriam suas taxas de lucro. Em outras palavras, o preço das mercadorias imobiliárias centrais não é diretamente afetado pela competição de empreendimentos não-centrais, com preços mais baixos, pois estes não dispõem do mesmo atributo fundamental sendo comercializado: a localização (Santos, 2011).

Ocorre que, ainda que os produtos imobiliários centrais sejam voltados ao público mais abastado, a valorização sucessiva e crescente dos mesmos terrenos pode acabar elevando excessivamente os seus preços, reduzindo, de outra forma, as margens de lucro. A mesma restrição da área central que gera condições de monopólio que favorecem os investidores imobiliários pode levar ao esgotamento da estratégia econômica fundada no padrão central. Compreende-se, então, que reproduzir os atributos que constituem a localização central em novas partes da cidade ou metrópole aparece como uma saída potencialmente muito rentável. Neste caso, não se trata mais do investimento que produz a mercadoria imobiliária central individualmente, mas sim do processo que produz as próprias condições de centralidade.

Intervenções desse tipo, que valorizam o espaço e proveem novas infraestruturas, elevando a localização de áreas anteriormente não-centrais, permitem que investidores disponham dos benefícios da localização privilegiada tendo comprado os terrenos por preços bem mais baixos. No processo, apropriam-se do diferencial de renda referente ao potencial de valorização não pago aos proprietários anteriores dos terrenos, o chamado rent gap. Segundo Neil Smith, este é o diferencial “entre a renda da terra capitalizada pelo uso presente (deteriorado) e a renda da terra potencial que poderia ser capitalizada pelo ‘mais elevado e melhor’ uso da terra (...) em virtude da sua localização centralizada” (Smith, 2007:21). Veremos, a seguir, em que consistem tais processos.

A produção da centralidade e o papel do Estado1

Uma vez que a produção e comercialização das condições de centralidade em novas áreas constitui um negócio promissor, agentes privados tendem a pressionar o poder público para que este tome medidas que favoreçam a elevação hierárquica de determinadas localizações não centrais. A intervenção estatal mostra-se importante sobretudo para que sejam realizadas ações que fogem ao escopo de particulares. Compete ao Estado agir sobre a produção do espaço urbano para além dos limites das ações atomizadas de indivíduos ou empresas, limitadas pela propriedade. Implementando transformações normativas e físicas e determinando a distribuição destas sobre o território por meio do planejamento urbano, a autoridade estatal projeta a transformação de fragmentos do espaço, podendo reinseri-los, com novas funções, na divisão espacial da produção (Carlos, 2005).

Até hoje, só o Estado pode oficialmente fazer valer ou suspender as determinações da propriedade privada de terrenos e imóveis, comandando processos de desapropriação e efetuando transformações na estrutura fundiária. Cabe ao poder público reformular a divisão entre os lotes –agrupando ou dividindo-os de acordo com os padrões desejados para o novo parcelamento do solo urbano–, além de manter ou alterar os usos do solo permitidos pelas leis de zoneamento e mudar os limites de altura dos edifícios. Por meio do planejamento, novas funções são induzidas sobre o espaço visado e rearranjos patrimoniais são promovidos com a saída de antigos proprietários (Carlos, 2005).

Impulsionada pela ação estatal planejadora, a produção da centralidade passa pelo estabelecimento de usos do espaço mais diretamente atrelados à acumulação de capitais, com a substituição de residências por uma composição de atividades comerciais e de serviços. A maior sujeição dos novos usos à troca altera profundamente as dinâmicas socioespaciais e impõe a exigência de padrões de renda mais elevados para que se consuma o espaço tornado central (Santos, 2015). Santos (2011:s/p) aponta que esta expulsão, direta ou indireta, de habitantes e de suas práticas cotidianas é de fato uma parte essencial dos processos de produção de centralidade:

As antigas posses, os proprietários empobrecidos, um determinado uso do espaço, o tipo de sociabilidade, as práticas incrustadas no espaço são todos fatores que funcionam como barreiras à entrada de novos investimentos e o poder público deve atuar na eliminação dessas barreiras.

Como dito anteriormente, para que a mercadoria imobiliária se realize enquanto fragmento do espaço central, deve conquistar as fatias mais abastadas do mercado consumidor. Para tanto, além de suplantar os antigos usos e morfologias espaciais, também é preciso transformar as representações do espaço, por meio de uma “reequipagem simbólica”. A violência inerente a este processo é descrita por Santos como a “aniquilação física e simbólica” do espaço anterior, por meio da qual se efetiva a “abertura de novas frentes de valorização” (Santos, 2015:200).

O universo simbólico ligado à centralidade é condição e resultado da concentração espacial de capitais e dos centros de comando empresariais, com a criação daquilo que Mariana Fix denomina uma “paisagem de poder e dinheiro” (Fix, 2007:168). Especialmente nas metrópoles de países semiperiféricos, a representação da centralidade implica uma tentativa de adequação aos padrões e exigências internacionais do capital globalizado. No caso de São Paulo, desde os anos 1990, isto se evidencia pelo uso da noção de “cidade global” –que tornou-se uma constante em meios empresariais, acadêmicos e governamentais– para justificar a suposta necessidade de mimetizar formas arquitetônicas e urbanísticas dos centros financeiros de países centrais (Ferreira, 2003).

Compreendemos, assim, que o processo pelo qual se produz as condições de centralidade envolve a substituição forçada de usos e conteúdos sociais de uma determinada área, por meio da expropriação de terras, remoção daqueles a habitavam e apagamento de suas características anteriores. Trata-se de um processo intimamente ligado à acumulação de capitais, no qual destacamos a atuação do setor imobiliário. Mas esta faceta do processo de acumulação de capital não atende aos princípios da propriedade e da troca de equivalentes. É por meio das chamadas violências extraeconômicas, em grande medida levadas à cabo pelo Estado, que são abertas novas frentes de investimentos imobiliários de padrão central. Tal mecanismo corresponde a uma modalidade do que David Harvey (2003:145) denominou “acumulação por despossessão”, uma espécie de acumulação primitiva constantemente reposta, responsável por produzir capital a partir da apropriação de recursos por meio da pilhagem, da guerra e da destruição.

O vetor da centralidade

A formação do Vetor Sudoeste

Em meados do século XX, o Centro Histórico perdeu o posto de representante único da centralidade em São Paulo, de modo que os limites, a morfologia e a localização da área central têm sido reelaborados desde então. Entre os motivos para o esgotamento das antigas dinâmicas do centro tradicional da cidade podemos listar a incompatibilidade da sua infraestrutura com as novas demandas de rápida circulação de carros, a ausência de estacionamentos nos prédios de escritórios, os padrões ultrapassados dos espaços disponíveis para escritórios e a escassez de terrenos incorporáveis para a produção de novos edifícios (Carlos, 2001; Santos, 2006; Alves, 2015).

Isso não implicou, contudo, em um esvaziamento das funções da centralidade. Como argumenta Lencioni, a concentração dos investimentos públicos e privados em determinadas áreas se manteve, assim como a concentração da maior parte dos empregos qualificados, de centros de comando corporativos, de “serviços avançados” e de indústrias de alta tecnologia (Lencioni, 2008:14). A obsolescência do Centro Histórico fez com que, já na década de 1960, surgisse um novo polo de escritórios, dessa vez na Avenida Paulista, que assumiu o posto de localização privilegiada da metrópole. Mas foi a partir dos anos 1970, no referido contexto de reestruturação econômica e crescente importância do setor imobiliário, que observou-se um grande impulso à expansão deste polo sobre novas áreas. Inicialmente houve um crescimento das atividades terciárias na região dos Jardins, adjacente à Paulista, mas logo a construção de novos edifícios comerciais se estendeu até a região da Avenida Faria Lima (Carlos, 2001; Fix, 2009).

O processo de extensão da centralidade, motivado pelo aumento da demanda por escritórios em edifícios corporativos, expressou-se em um movimento rumo ao sudoeste, seguindo o deslocamento prévio das residências da elite e dos focos de investimento público naquela direção (Caldeira, 2000; Botelho, 2005). Dada a crescente demanda do setor de negócios por vias de fluxo rápido de automóveis, a expansão da centralidade valeu-se também da presença de uma ampla infraestrutura viária na região sudoeste de São Paulo, produzida durante a ditadura militar (Ferreira, 2003; Fix, 2009).

Este processo, que originou o Vetor Sudoeste, foi chamado por Ana Fani Alessandri Carlos (2001) de “pulverização do Centro”. Isso porque as funções e usos associados ao antigo centro não foram simplesmente realocados. Contrastando com a complexidade do Centro Histórico, derivada da diversidade de usos do espaço e da heterogeneidade de grupos sociais (Frúgoli Jr., 2001), as novas centralidades são caracterizadas por Carlos (2001:178) como “subcentros especializados e monofuncionais”. Estes não comportam grande parte dos conteúdos sociais, políticos e simbólicos do antigo centro, que mantém a maioria dos espaços públicos mais tradicionais, dos monumentos da história oficial e dos locais aos quais estão ligadas diversas memórias, coletivas e individuais. No Vetor Sudoeste, a centralidade é sobretudo funcional, atrelada à concentração de edifícios corporativos e a determinadas formas de consumo produtivo do espaço.

A atuação do poder público foi decisiva para que se formasse o Vetor Sudoeste. Isso se evidencia primeiramente com a produção da referida infraestrutura viária. Quando a prefeitura concluiu as obras de abertura da Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini em 1975, por exemplo, a empresa Bratke-Coller iniciou, com uma ação monopolista, a criação de um novo polo de escritórios nas suas imediações (Ferreira, 2003; Fix, 2009). O resultado foi uma elevação gritante nos preços dos terrenos: em apenas oito anos, entre 1976 e 1984, o preço médio dos terrenos na Berrini elevou-se cerca de 250 vezes (Fujimoto, 1992, apud Ferreira, 2003:278).

Nas décadas seguintes, a região continuou atraindo cada vez mais investimentos imobiliários. Além das intervenções e obras públicas de ampliação viária, da derrubada de quarteirões e da reformulação dos loteamentos, contribuiu para tanto o processo de desconcentração industrial, ao longo dos anos 1980 e 1990. Diversos lotes que antes eram ocupados por galpões de fábricas foram liberados, disponibilizando amplos terrenos com acesso à marginal do Rio Pinheiros. Segundo Carlos, “o movimento de localização dos escritórios seguiu, de certa maneira, o deslocamento da indústria: esta foi liberando áreas para serem ocupadas por outras atividades” (Carlos, 2001:92).

Em 1992, um antigo projeto de expansão da Avenida Faria Lima foi retomado, tornando-se, com a criação de um novo instrumento urbanístico, a Operação Urbana Faria Lima. Tal projeto permitia transformações mais profundas nas áreas atingidas, as quais viriam a alterar de forma violenta o espaço e o tempo vividos naquela região (Carlos, 2001). Ademais, a OU tornava possível que as alterações de gabarito e uso, os remembramento de lotes e a desapropriação de habitantes fossem realizados com base na “parceria entre setor público e privado”, abrindo margem para uma interferência mais direta do mercado sobre o planejamento urbano (Fix, 2007:117).

No início dos anos 2000, quando começaram a aparecer limites ao crescimento contínuo do mercado imobiliário na nova centralidade de negócios do Sudoeste de São Paulo, a solução do setor privado foi, novamente, recorrer às obras públicas como fator de atração de demanda. A procura caíra antes mesmo que muitos dos empreendimentos ficassem prontos e as taxas de vacância dos edifícios se elevaram, chegando a bater recordes, com a marca de 70% de espaços vazios na região da Faria Lima. Ao mesmo tempo, o excesso de novas torres sobrecarregava a infraestrutura, causando congestionamentos e dificultando a absorção de mais usuários (Fix, 2007). Diante das pressões de investidores que haviam aplicado grandes quantidades de capital nas regiões da Faria Lima, Berrini e Marginal Pinheiros, a prefeitura mostrou que se mantinha à disposição das necessidades do mercado, lançando, ainda no fim do ano de 2001, uma nova Operação Urbana (OU) em uma área vizinha à da Faria Lima: a OU Água Espraiada (Figura 1).

Figura1

Figura 1. Localização das Operações Urbanas Faria Lima e Água Espraiada. Fonte: Prefeitura de São Paulo, Portal Geosampa, 2017 (alterações de configuração e recorte por Gabriella D. Dantas De Biaggi).

Além de impulsionar as centralidades constituídas em torno da Faria Lima e da Berrini, aprofundando a concentração de equipamentos físicos e simbólicos naquele eixo empresarial, a OU Água Espraiada também propiciou um movimento da centralidade em direção ao sul, uma vez que sua área de abrangência chega até a Avenida João Dias. Para Rafael Faleiros de Padua (2011:161), um dos principais objetivos desta OU foi justamente a construção da infraestrutura necessária para conectar a região da Berrini à Santo Amaro –bairro até então deixado de fora do Vetor Sudoeste– de modo a abrir uma nova frente imobiliária.

Podemos pensar, portanto, que esta OU tenha desempenhado um papel de tensionamento da fronteira entre o espaço central e o espaço não central da metrópole paulistana. A existência de dinâmicas de fronteira internas ao espaço urbano foi bem discutida por Neil Smith, que argumenta que, atualmente, a expansão econômica ocorre “não por meio da expansão geográfica absoluta, mas pela diferenciação interna do espaço geográfico” (Smith, 2007:17). Ou seja, a acumulação do capital depende de uma base espacial, mas esta não implica necessariamente no avanço sobre novas áreas, que marcou momentos anteriores do desenvolvimento capitalista. Pode ocorrer, como tem sido cada vez mais frequente, por meio de reestruturações urbanas que estabelecem fronteiras internas de avanço do mercado pela transformação de usos e morfologias do espaço. A formação e expansão do Vetor Sudoeste parece corresponder exatamente ao fenômeno analisado por Smith: o movimento de uma fronteira urbana eminentemente econômica.

No entanto, tendo em vista a crise de superoferta de escritórios que ocorreu na Faria Lima no início dos anos 2000, a projeção de uma nova expansão da centralidade de negócios coloca em questão a possibilidade e as contradições deste modelo de investimentos imobiliários com base em obras públicas. Afinal, o próprio caráter especializado e monofuncional das centralidades do Vetor Sudoeste de São Paulo gera uma concorrência não apenas entre os empreendimentos lançados, mas também entre as distintas localizações centrais. Uma vez que esta centralidade fragmentada está ligada a determinado tipo de consumo produtivo do espaço promovido pela produção de formas espaciais genéricas, ela não se vincula às particularidades de cada local. As diferenças qualitativas, resultantes da formação histórica e dos conteúdos específicos de cada espaço são desprezadas, convertendo-se, do ponto de vista do mercado, em meras diferenças quantitativas que hierarquizam os graus de centralidade e colocam em competição as distintas áreas da metrópole.

Neste contexto, e tendo em vista que a raridade é um aspecto fundamental do espaço central para as estratégias econômicas imobiliárias, propomos a hipótese de que a expansão contígua, com o prolongamento de um mesmo eixo de área central valorizada seja uma forma de “redução de danos” nos processos de produção de centralidade. No âmbito dos negócios imobiliários, associar novos produtos à imagem de alguma localização próxima mais valorizada é um artifício recorrente (Padua, 2011). Na produção das condições de centralidade, o efeito é semelhante: vinculando discursiva e fisicamente a área que se quer tornar central a algum centro consolidado nas proximidades pode-se estender a novas partes os benefícios da localização privilegiada.

Quando esta estratégia é adotada, a produção da centralidade em uma área anteriormente não-central envolve a reafirmação do prestígio da localização central já estabelecida. A referência à centralidade existente e mobilização dos seus atributos simbólicos na produção da nova pode, portanto, propiciar a manutenção das vantagens associadas ao centro consolidado ao mesmo tempo em que se opera a abertura de uma nova frente de investimentos. Esta lógica de manutenção-expansão pode ser verificada também na produção de infraestruturas viárias. Quando uma área não-central e desvalorizada recebe vias de trânsito rápido que a conectam às grandes redes de circulação metropolitana e aos polos de negócios consolidados, ela é valorizada e se aproxima mais das condições necessárias à centralidade. Ao mesmo tempo, tais obras ampliam as conexões que os referidos polos de negócios estabelecem com o restante da cidade, dinamizando seus fluxos.

Conforme Santos (2015), é possível identificar uma espécie de redundância na produção das centralidades de negócios em São Paulo. A densidade de capital investido e de ocupação do espaço urbano funcionam como condições para que a concentração seja reiterada e reproduzida. Assim, para que se produzam novas centralidades, deve haver algum grau de “centralização prévia”. É nesta chave que podemos observar a tendência de expansão do Vetor Sudoeste sobre áreas vizinhas, especialmente sobre aquelas que são visadas por planos de reestruturação urbana como o PIU ACJ. O movimento de expansão da centralidade, portanto, pode ser compreendido como uma forma de reproduzir, em novas áreas, as estratégias econômicas imobiliárias que se beneficiam da localização privilegiada. A expansão contígua responde à contradição que se estabelece entre a ampliação da área central e a condição de raridade que define a centralidade, sem, contudo, resolvê-la, promove uma espécie de adiamento da crise que viabiliza um novo ciclo de acumulação.

A intervenção planejada na fronteira sul do Vetor Sudoeste

O Projeto de Intervenção Urbana (PIU): flexibilização e participação privada

No Plano Diretor de São Paulo de 2002 (Art. N°146) aparece um dispositivo denominado Plano de Intervenção Urbana Estratégica, cujo alcance era bastante limitado, visando menos de 20 áreas restritas da cidade, nas quais poderiam ser implantados equipamentos para dinamizar e qualificar o entorno mais imediato. No Plano Diretor de 2014, no entanto, o renovado Projeto de Intervenção Urbana ganha destaque, passando a permitir a alteração de coeficientes de aproveitamento e usos do solo e transformações de grande escala (Silva, 2018).

Seguindo a leitura proposta por Fernanda Pinheiro da Silva (2018), compreendemos que os procedimentos previstos pelo PIU apontam no sentido de uma crescente desregulamentação das relações entre os setores público e privado. Em comparação com os instrumentos urbanísticos anteriores, o PIU permite que instituições privadas tenham maior poder decisório em relação às definições do objeto de intervenção (área ou equipamento público visados pelo planejamento), aos cronogramas de execução do projeto e as suas modelagens jurídica e financeira.

Em especial, dois mecanismos incluídos no PIU evidenciam esta flexibilização, pois eliminam a necessidade de licitações para a contratação de agentes do setor privado: o Processo de Manifestação de Interesse (PMI) e a Manifestação de Interesse Privado (MIP). Apesar de serem semelhantes e poderem inclusive ser usados em conjunto, estes mecanismos diferenciam-se pelo fato de que o PMI prevê um chamamento, por parte do poder público, a partir do qual agentes privados podem apresentar suas propostas de intervenção para um objeto pré-definido; na MIP, como o nome indica, a manifestação de interesse parte do próprio setor privado, que elege objetos de intervenção e os informa ao Estado. Cabe à prefeitura, então, elaborar uma chamada aberta a outros investidores, de modo a permitir a competição –mas as definições da intervenção advêm dos interesses já declarados por algum agente do mercado– (Silva, 2018).

Também é relevante notar que o universo de aplicações do PIU é extremamente amplo e diverso, tanto no tipo quanto no tamanho dos objetos visados. Os PIU podem alvejar desde grandes glebas que, através de Manifestações de Interesse Privado tornam-se alvo de intervenção, até terminais de ônibus que, junto aos seus entornos, são privatizados e reformulados por meio deste instrumento (Santoro e Nunes, 2018).

Não à toa, a inserção do PIU nos marcos regulatórios da cidade foi festejada por entidades representativas do mercado imobiliário como o Secovi-SP (Sindicato das Empresas do Setor Imobiliário de São Paulo). Eduardo Della Manna, da vice-presidência da instituição, defendeu que o instrumento traria a possibilidade de intervenções mais direcionadas às especificidades de cada caso, permitindo “um olhar especial, um tratamento diferenciado território por território” (E. Della Manna, em entrevista concedida em 15 de maio de 2018). A busca por maior controle e precisão nas intervenções, conforme Silva (2018), pode ser compreendida como uma resposta ao contexto de reprodução crítica do capital, no qual se verifica um aprofundamento das necessidades de controle de riscos.

Outra característica particular do PIU que merece destaque é a posição intermediária que ele assume na elaboração e realização de políticas urbanas. Sendo definido juridicamente como um “instrumento urbanístico de mediação”, sua função é demarcar um perímetro, estabelecer um diagnóstico e um programa de intervenções para então indicar quais são “instrumentos finalísticos”. Isto é, os instrumentos urbanísticos mobilizados para a efetiva transformação do espaço urbano. Mas, ainda que o PIU permita que diferentes ferramentas sejam utilizadas e diversas formas de relação entre agentes públicos e privados sejam estabelecidas em uma intervenção sobre o espaço urbano, ele já contém as diretrizes, os objetivos desta intervenção.

A sua versatilidade e adequação ao contexto crítico podem explicar o fato de o PIU ter se tornado uma ferramenta de crescente importância no repertório do planejamento urbano em São Paulo. De 2016, quando foi regulamentado (Prefeitura Municipal de São Paulo, 2016), até 2018, 35 PIU foram apresentados e debatidos pelo poder público municipal, alguns dos quais vindos de propostas da iniciativa privada. Ao todo, cerca de 102 km² (quase 10% da área urbana do município) foram visados por estes projetos em apenas dois anos (Santoro e Nunes, 2018).

Devemos notar, contudo, que apesar de trazer novidades em termos das maiores especialização e diversificação das intervenções, a criação do PIU não representa uma ruptura em relação às práticas anteriores de planejamento urbano de São Paulo (Silva, 2018). É possível identificar neste instrumento tendências consonantes àquilo que tem sido chamado de “planejamento estratégico”, vertente do planejamento urbano “inspirada em conceitos e técnicas oriundos do planejamento empresarial” e fortemente alinhada aos interesses de mercado (Vainer, 2007:76). A influência desta linha de planejamento se faz sentir no contexto paulistano principalmente desde a criação das OU. E estas, como dito anteriormente, foram mobilizadas pela primeira vez justamente na formação do Vetor Sudoeste. Assim, a possibilidade de que um PIU corrobore para a extensão deste Vetor parece indicar uma atualização da mesma lógica.

O território do Arco Jurubatuba

Em 2013, o território denominado Arco Jurubatuba (ACJ) tornou-se objeto de um grande projeto de reestruturação urbana do Estado pela primeira vez, compondo o Arco do Futuro, um ambicioso plano que teria impactos de escala metropolitana a partir da intervenção no entorno dos rios Tietê e Pinheiros. Todas as áreas visadas pelo Arco do Futuro são caracterizadas pela notável presença de infraestrutura de transportes (estações de trem e metrô, além das vias expressas marginais aos rios) e pelos grandes lotes e glebas industriais. Esta combinação de atributos qualifica-as como os mais importantes eixos de valorização de São Paulo (Silva, 2018).

O projeto seria realizado em etapas, através da sua subdivisão em quatro Arcos regionais, com propostas específicas e processos de implementação próprios: o Arco Tietê, o Arco Tamanduateí, o Arco Pinheiros e o ACJ. Este último, sobre o qual nos debruçamos aqui, é o mais ao sul da cidade e abrange uma área de 2.158 hectares, que se divide entre sete distritos (Vila Andrade, Campo Limpo, Santo Amaro, Jardim São Luís, Capela do Socorro, Campo Grande e Cidade Dutra). Com um perímetro desenhado majoritariamente no entorno do Rio Pinheiros, em ambas as margens, o ACJ conecta-se diretamente a dois espaços de especial interesse para os negócios imobiliários: a área alterada pela OU Água Espraiada e o Autódromo de Interlagos.

Em julho de 2017 foi apresentado à consulta pública o PIU que objetivava a requalificação do ACJ, enviado como projeto de lei à Câmara Municipal em março do ano seguinte. De modo geral, as proposições deste PIU preveem o adensamento construtivo e demográfico, a verticalização concentrada no entorno de avenidas, a substituição de usos habitacionais por usos comerciais e de serviços, o reparcelamento de lotes e a produção de nova infraestrutura viária, inclusive com um prolongamento da Marginal Pinheiros em uma das margens do rio.

Entre a apresentação à consulta pública e a proposição do projeto de lei, o Projeto foi amplamente divulgado em jornais de grande circulação, inclusive em jornais de fora do estado de São Paulo. Via de regra, foi apresentado em reportagens como um projeto que levaria o “desenvolvimento urbano” à zona sul da cidade. A área visada foi frequentemente caracterizada como subutilizada ou pouco povoada, com terrenos ociosos. Endossava-se, assim, um discurso de suposta necessidade de maior densidade construtiva e populacional.2

Muitos fatores corroboravam para a aprovação e realização deste PIU, que parecia articular interesses de agentes públicos e privados. Em agosto de 2019, no entanto, a tramitação do projeto de lei foi suspensa pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. A decisão resultou de uma ação da Defensoria Pública denunciando o fato de a prefeitura não ter promovido a formação de Conselhos Gestores das ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social) –medida obrigatória de participação popular nas intervenções voltadas à construção de habitação social–, aos quais o projeto deveria ser submetido para aprovação. Até que sejam constituídos os Conselhos, o PIU ACJ não avançará. Entretanto, caso essa medida seja tomada, o projeto de lei volta a tramitar e as projeções para o território voltam a valer. De toda forma, analisar as intenções traduzidas no projeto urbanístico, seja ele realizado ou não, pode ser bastante revelador em relação aos interesses públicos e privados frente à produção do espaço naquela área e em relação às possibilidades de um novo impulso à produção da centralidade por meio da estratégia de expansão contígua.

A fim de identificar os aspectos do PIU ACJ que podem se relacionar a um movimento de extensão da centralidade do Vetor Sudoeste, devemos atentar também à complexidade e à desigualdade internas ao território. Há áreas com maior presença de usos residenciais, outras em que os usos industriais predominam, diversos padrões de urbanização e distintos grupos sociais. Isso implica em distintos graus da “centralização prévia” a que se referiu Santos (2015), que traduzem-se em diferentes potenciais frente à produção das condições de centralidade.

A transformação projetada para o território pelo PIU leva em conta esta diferenciação interna, dividindo o ACJ em três partes e definindo uma Área de Intervenção Urbana (AIU) para uma. São elas: AIU Vila Andrade, AIU Jurubatuba e AIU Interlagos (Figura 2). Estas AIUs são os instrumentos finalísticos indicados para realizar a intervenção e o PIU prevê que cada uma tenha um Programa de Intervenções próprio, determinando o “conjunto de intervenções físico-territoriais de interesse público” a serem realizadas (São Paulo, 2018).

Figura3

Figura 2. Mapa das Áreas de Intervenção Urbana do PIU ACJ. Fonte: Secretaria de Urbanismo e Licenciamento e SPUrbanismo, 2018 (alterações de configuração e recorte por Gabriella D. Dantas De Biaggi, 2019).

A gestão destes Programas de Intervenções cabe aos Conselhos Gestores de cada AIU, formados por representantes dos setores público e privado. Os recursos utilizados para as obras advêm do pagamento de Outorgas Onerosas de terrenos em cada AIU, destinados a contas segregadas entre si no Fundo de Desenvolvimento Urbano (FUNDURB). A exceção a tal separação entre os fundos disponíveis é o investimento em Habitação de Interesse Social (HIS): para este propósito os recursos podem ser aplicados em qualquer parte do perímetro do PIU.

Há uma obrigatoriedade de que 30% do total arrecadado em cada AIU sejam destinados à construção de HIS. Ainda assim, 70% dos recursos vindos de Outorgas Onerosas pagas por investidores de cada AIU são reaplicados dentro da própria área, financiando obras que tem o potencial de valorizar a região. A disponibilidade de fundos para a realização de intervenções no espaço público, portanto, depende do interesse do mercado em investir na produção imobiliária vertical na região. Vejamos, portanto, as principais características de cada AIU e as respectivas previsões de intervenção.

Área de Intervenção Urbana Jurubatuba

A AIU Jurubatuba, a mais extensa das três, situa-se no entorno das marginais dos rios Pinheiros e Jurubatuba, abarcando as porções do território mais próximas das centralidades do Vetor Sudoeste, com o qual faz divisa na Avenida João Dias, no distrito de Santo Amaro. Além da contiguidade das áreas e continuidade da infraestrutura viária, também é a que mais se aproxima à centralidade de negócios em termos dos padrões de urbanização. Com o PIU, tudo indica que esse vínculo seria estreitado. A perspectiva de verticalização e adensamento construtivo concentra-se nesta AIU, sobretudo nos lotes lindeiros às grandes avenidas demarcadas como “Eixos Estratégicos”, nos quais não há limitação de gabarito. Também está previsto um remembramento de lotes, com junção dos pequenos terrenos –de modo a torná-los compatíveis com construções de maior porte– e repartição de glebas industriais excessivamente grandes. É revelador que esta seja a AIU onde encontram-se os maiores preços de Outorga Onerosa do PIU ACJ, pois isso indica um interesse especial do mercado sobre essa área no que se refere ao investimento na produção de torres.

No início dos anos 2000, o norte do distrito de Santo Amaro foi diretamente afetado pela OU Água Espraiada, e mesmo fora do perímetro deste projeto, sua influência se fez sentir com o avanço do mercado imobiliário (Padua, 2011). Com base em dados da Embraesp (Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio, 2018), de lançamentos imobiliários na Região Metropolitana de São Paulo (1985 a 2018), percebe-se que este movimento se deu inicialmente com a produção de edifícios residenciais.3 Mas depois, principalmente a partir de 2009, também com lançamentos comerciais,4 dos quais grande parte são arranha-céus.

Mais recentemente, o poder público adotou outra medida que aumenta de forma significativa a conexão de Santo Amaro à centralidade do Vetor Sudoeste. Com a construção do eixo viário formado pela Avenida Cecília Lottenberg e pela Rua Laguna, a Avenida Berrini passa a ligar-se diretamente à João Dias. Esta obra viária, realizada no início de 2018, seria complementada pela abertura de outro trecho da avenida, mais ao sul (obra prevista no PIU ACJ).

Hoje, o entorno da Avenida João Dias –que marca a divisa entre a área de abrangência da OU Água Espraiada e o ACJ– parece constituir uma zona de transição entre uma parte do distrito de Santo Amaro, mais fortemente afetada pelas dinâmicas de valorização e expansão imobiliária, e outra em que tais transformações não se deram de forma tão intensa, ao menos por enquanto. Ao sul da Av. João Dias, encontram-se ilhas de construções mais antigas e horizontais –principalmente residências e pequenos comércio – cercadas pela verticalização crescente e pela demolição de casas que transforma os terrenos, provisoriamente, em estacionamentos (Figura 3). Além disso, é marcante a presença de galpões industriais, muitos vagos e postos à venda ou aluguel. A área parece encaixar-se perfeitamente na caracterização de Padua (2011:219) dos espaços que constituem fronteiras econômicas ao mercado imobiliário: “o antigo e o novo dividem o mesmo lugar, fazem parte da urbanização atual do lugar”.

Figura26

Figura 3. Estacionamento na Rua Álvares Lobo, Santo Amaro, ao fundo, mais próximo à Marginal Pinheiros, grande um condomínio residencial. Fonte: Gabriella D. Dantas De Biaggi, 2018.

As outras partes desta AIU, mais distantes do Vetor Sudoeste, são caracterizadas por diferentes combinações de usos industriais e residenciais. No entorno da Avenida Eusébio Stevaux, paralela à Marginal Pinheiros, por exemplo, encontram-se indústrias modernas de médio a grande porte, em meio às quais despontam altas torres residenciais de médio-alto e alto padrão.5 Já na Península de Socorro, delimitada pelos rios Guarapiranga e Jurubatuba, os galpões industriais são menores, mais antigos e muitos estão visivelmente abandonados. As ruas em que localizam-se são estreitas e abrigam pequenas casas e sobrados característicos de um bairro operário. Evidentemente, estas áreas apresentam condições muito distintas do ponto de vista dos negócios imobiliários e recebem tratamentos distintos pelo PIU. Enquanto a Avenida Eusébio Stevaux é demarcada como Eixo Estratégico, sendo incentivada a verticalização e adensamento construtivo no seu entorno, a Península do Socorro não recebe a previsão de grandes transformações.

Em Socorro, os coeficientes de aproveitamento dos terrenos e gabaritos de altura são os mais baixos do ACJ. As principais transformações que o PIU projeta para a área dizem respeito à infraestrutura de circulação: além da construção de uma nova ponte, o Projeto prevê a abertura da chamada “Via-Parque Jurubatuba”, um prolongamento de 6 km da Marginal Pinheiros em direção ao sul. Os efeitos destas obras não se restringiriam à escala local e certamente contribuiriam para aumentar as ligações desta área à rede viária que conecta os principais polos de negócios da metrópole.

Considerando tais características e intervenções previstas, é possível pensar que certas partes do ACJ, que possuem características mais distantes daquelas da centralidade e aparecem atualmente como locais de pouco interesse para o mercado imobiliário (como a Península de Socorro), poderiam funcionar como “territórios-reserva”. Este termo, cunhado por Rosa Tello Robira (2005), refere-se aos espaços que, tendo passado por processos de deterioração e consequente baixa nos preços de terrenos, funcionam como reservas de mais-valias futuras. Como afirma Robira (2005:s/p), “a não renovação pode estender-se como estratégia para manter os espaços abaixo de suas possibilidades de obtenção de renda, estratégia para garantir que, no futuro, proporcionará o pleno rendimento”. Justamente pelo seu estado presente deteriorado, ligado à falta de investimentos públicos na manutenção e provisão de infraestruturas urbanas, as transformações trazidas pelo PIU podem permitir uma futura valorização e a extração de um diferencial de renda nestas partes do território.

Área de Intervenção Urbana Vila Andrade

Diferente da AIU Jurubatuba, a área da Vila Andrade não apresenta grandes galpões e lotes industriais. É ocupada principalmente por usos residenciais, mas não de forma homogênea. Atualmente, estrutura-se de maneira bipartida, sendo cortada ao meio por uma linha de alta tensão. Ao leste desta predominam torres residenciais de médio-alto e alto padrão (Figura 4) e à oeste casas de autoconstrução e moradias de famílias de baixa renda (Figura 5).

Figura16

Figura 4. Torres de condomínios residenciais na parte leste da Vila Andrade. À frente, um terreno vazio, onde um novo empreendimento será futuramente construído. Fonte: Gabriella D. Dantas De Biaggi, 2018.

Figura17

Figura 5. Casas de autoconstrução na parte oeste da Vila Andrade. Fonte: Gabriella D. Dantas De Biaggi, 2018.

A estrutura espacial cindida não é alvo de mudanças propostas pelo PIU. O Projeto propõe apenas a “integração” entre as suas porções leste e oeste, indicando que a faixa de terra sob a torre de alta tensão que as divide deve tornar-se mais permeável. Como um todo, a AIU Vila Andrade não prevê a implantação de grandes transformações nos padrões de urbanização. As suas propostas voltam-se sobretudo à “qualificação” da área, com a melhoria de praças e áreas públicas. É questionável, portanto, o sentido da suposta integração projetada. Afinal, sem alterações mais profundas, parece pouco provável que se supere a separação de espaços com características socioeconômicas tão distintas. A integração meramente formal, pela retirada de algumas das barreiras físicas do espaço público não garante a possibilidade de práticas espaciais mais integradas em termos da apropriação e uso do espaço.

Entre as duas partes da AIU, as grandes estruturas metálicas que dão suporte a cabos de alta tensão parecem formar um portal que divide dois espaços contraditórios. Na faixa de terra abaixo das linhas elétricas não é permitida a construção de casas ou quaisquer edifícios voltados à permanência de pessoas. Na prática, entretanto, o que isso implica não é a manutenção de uma área livre, mas o fato de que quem a ocupa para construir suas moradias é a população em condições econômicas mais críticas. Encontrando sob o linhão uma área cujo acesso não está restrito pela propriedade privada, famílias pobres erguem ali seus barracos de alvenaria ou madeira. Sua situação é de extrema precariedade, sem saneamento, coleta de lixo ou outras estruturas normalmente providas pelo poder público (Figura 5). Cabe pensar, portanto, que conforme o PIU as barreiras a serem retiradas a fim de “integrar” a Vila Andrade seriam justamente estas famílias, que deixam ali as marcas da sua pobreza.

Vale notar que a Vila Andrade é a AIU onde há mais favelas sob risco de remoção no ACJ (Figura 6). Além das famílias que vivem sob o linhão, estão ameaçadas aquelas que vivem nas áreas onde seriam construídas duas novas vias. Ambas se situam à oeste da linha de alta tensão, na parte mais pobre da AIU. De acordo com publicação do ObservaSP, a partir de dados do Portal Geosampa, estas obras atingiriam 1839 domicílios, das comunidades da Olaria, Canto do Rio Verde, Chapada de Minas, Caruxa e Pullman II.

Figura18

Figura 5. Favela sob as linhas de alta tensão que dividem a Vila Andrade. À esquerda, é possível ver condomínios residenciais da parte leste da AIU. Fonte: Gabriella D. Dantas De Biaggi, 2018.

Figura22

Figura 6. Mapa das comunidades ameaçadas pelo PIU ACJ. Fonte: Labcidade, com dados do Geosampa e do Centro de Estudos da Metrópole, 2018.

Embora os potenciais processos de despossessão sejam evidentes na AIU Vila Andrade, nenhum aspecto de suas propostas indica intenções de mudar as características funcionais da área ou a sua inserção na hierarquia espacial da metrópole, atribuindo-lhe condições de centralidade. O objetivo mais provável da intervenção nesta área é que o novo ciclo de investimentos públicos –junto ao crescimento do número de escritórios previsto para a AIU Jurubatuba– leve a um reaquecimento do mercado de condomínios residenciais de alto padrão, que encontra no distrito da Vila Andrade uma das suas principais áreas de atuação desde os anos 1980.

Área de Intervenção Urbana Interlagos

Ao sul da AIU Jurubatuba e delimitada pela Av. Interlagos, encontra-se a AIU de mesmo nome, da qual boa parte é coberta pelo Autódromo José Carlos Pace (Autódromo de Interlagos). O foco de intervenção da AIU é justamente este equipamento, que possui uma área total de aproximadamente um milhão de metros quadrados, onde ocorrem grandes eventos esportivos, como corridas de Fórmula 1 e vários shows. Com áreas locáveis que podem receber até receber 30 mil pessoas, esta estrutura de enormes proporções é um dos principais espaços em São Paulo para a realização de eventos internacionais com grande público.

Antes mesmo do projeto de lei do PIU ACJ, o Autódromo de Interlagos já fora anunciado como um dos principais alvos dos planos de privatização da prefeitura, constando entre os 10 projetos prioritários (de um total de 55) dentro do Plano Municipal de Desestatização da Secretaria Municipal de Desestatização e Parcerias. Mas o PIU trouxe novidades dentro da perspectiva de conceder o equipamento à iniciativa privada. Incluiu a possibilidade de que se construam, dentro dele, “um novo bairro residencial, um complexo empresarial com escritórios e hotéis e até um shopping” (Leite, 2018). Conforme prevista no texto do projeto de lei do PIU ACJ, a privatização do autódromo colocaria no mercado um espaço anteriormente não disponível, ampliando significativamente as possibilidades de produção de empreendimentos imobiliários no local.

Segundo Harvey (2003), a privatização de bens públicos figura entre uma das principais formas assumidas pelas estratégias espoliativas no contexto neoliberal, pois permite que recursos e riquezas antes não inseridos diretamente nos processos de acumulação de capitais tornem-se fonte de rendimentos.

Quanto à questão da produção da centralidade, cabe pensar que a intervenção sobre o Autódromo teria uma função ligada ao reequipamento simbólico do ACJ. A transformação deste ostensivo equipamento urbano, associada a um projeto mais amplo de reestruturação e valorização da região, parece contribuir significativamente para a atração de novos empreendimentos. O Autódromo, em sua nova versão privatizada e edificada, poderia representar tanto uma âncora de valorização na parte mais ao sul do ACJ quanto um símbolo de riqueza e poder, colaborando para atrair a centralidade do Vetor Sudoeste.

Considerações finais

Como apontado anteriormente, a expansão da centralidade faz com que seja tensionada a própria condição fundante do espaço central: a exclusividade da localização baseada na restrição de sua área. Isso se agrava devido à monofuncionalidade das centralidades de negócios produzidas por estratégias de acumulação, como aquelas que compõem o Vetor Sudoeste de São Paulo (Carlos, 2001). A redução das particularidades de cada local pela imposição de padrões e referências internacionais –ligados à imagem da “cidade global” (Ferreira, 2003)– faz com que os espaços produzidos como centrais tendam a tornar-se concorrentes, disputando a demanda por produtos imobiliários e pelos mais altos postos na hierarquia espacial metropolitana.

Frente ao iminente limite da estratégia econômica de produção da centralidade em novas partes, a configuração de eixos contíguos de área central parece ser, até hoje, a resposta adotada por meio de articulações do poder público com agentes privados. A produção da centralidade, com a (re)inserção de áreas da cidade em circuitos de valorização do capital, depende do estabelecimento de novos arranjos institucionais, legais e de infraestrutura, processos estes que cabem fundamentalmente ao Estado. Repondo a lógica que originou o Vetor Sudoeste, a proposição de um PIU para o território do ACJ abre possibilidades de estender ao sul as condições de centralidade já estabelecidas até a região afetada pela OU Água Espraiada.

Considerando as características do instrumento PIU e o histórico de criação das OU no contexto de formação do Vetor Sudoeste, sugerimos que este é mais do que um eixo de extensão da centralidade de negócios. O Vetor demarca também um espaço privilegiado para as inovações nos instrumentos urbanísticos alinhadas aos preceitos do planejamento estratégico. Tanto a OU quanto o PIU apareceram como instrumentos capazes de conceder mais poder à iniciativa privada em áreas sobre as quais os interesses do mercado já eram evidentes.

As divisões internas ao PIU e a proposição de três AIU como instrumentos finalísticos de intervenção indicam um reconhecimento das distinções e desigualdades preexistentes. Este tratamento diferenciado do território, entretanto, responde sobretudo às distintas potencialidades reconhecidas ali para os negócios imobiliários. Nota-se que as diferenças internas encontradas atualmente nos padrões de urbanização do ACJ tendem a ser reelaboradas pelo instrumento urbanístico, de acordo com os distintos graus de proximidade ou distância que possuem com o padrão central.

Em Santo Amaro, na zona fronteiriça do sul do Vetor Sudoeste, a maior centralidade prévia é reforçada pelo PIU com a previsão de adensamento construtivo, verticalização e substituição de usos residenciais por usos comerciais. Na Vila Andrade, a característica residencial se mantém. Mas a eliminação de moradias da população pobre reafirma impositivamente o pertencimento daquele espaço às classes média e alta, que potencialmente frequentam comércios e escritórios do centro de negócios que se expande sobre Santo Amaro. A Avenida Eusébio Stevaux também não é prevista como área estritamente central, mas como uma espécie de espaço de transição entre centro e periferia. Ali, as torres de condomínios e mesmo as indústrias modernas seriam beneficiadas pela centralidade que se aproxima, com a provisão de nova infraestrutura viária de rápida circulação, alterações da regulamentação urbanística e consequente valorização do espaço.

As partes do ACJ que apresentam menor grau de centralidade prévia e encontram-se em diversos estágios de deterioração, como a Península do Socorro, também não seriam convertidos em espaços centrais pelas intervenções do PIU. Contudo, é possível pensar que funcionariam como reservas de mais-valias a serem ativadas em futuros ciclos de acumulação, sobretudo quando considera-se a previsão de novas infraestruturas viárias que estreitariam os vínculos de tais espaços com restante do ACJ e com o Vetor Sudoeste.

Ainda quanto à diferenciação interna ao ACJ, destacamos o fato de as AIU terem contas segregadas entre si para armazenar os recursos vindos da venda de suas Outorgas Onerosas. Isso faz com que o montante de investimentos públicos aplicados sobre cada área esteja diretamente vinculado ao quanto ela interessa aos agentes privados. E o plano de privatizar o Autódromo de Interlagos segue a mesma lógica: as intervenções (inclusive a construção de Habitação de Interesse Social) são condicionadas à obtenção de recursos pela concessão do espaço a investidores privados. Se não há interesse por parte do mercado, não há meios para a realização de obras públicas. É reforçada, portanto, uma atuação do Estado no sentido de criar condições atrativas para os potenciais investidores.

Ademais, seja pela venda de Outorgas, seja pela privatização do Autódromo, o PIU representaria uma grande disponibilização de áreas anteriormente não disponíveis à edificação e venda. No caso das Outorgas Onerosas, trata-se da comercialização de solo criado –áreas expandidas verticalmente por normativa do Estado–, e no caso do Autódromo, da inserção no mercado de um equipamento que até então, sendo público, não poderia circular como mercadoria.

Efetivamente, tanto no processo histórico de formação do Vetor Sudoeste quanto nas projeções do PIU ACJ, percebe-se que o vínculo entre a produção da centralidade e a “acumulação por despossessão” (Harvey, 2003) não é algo pontual ou conjuntural. Observando o projeto de lei do PIU ACJ, notamos como muitas de suas propostas, se levadas à cabo, implicariam em separações forçadas entre a população habitante e o espaço habitado. Isso se evidencia tanto pela desapropriação de sobrados, casas e pequenos comércios em Santo Amaro, em função da abertura de novas vias, quanto pela remoção de favelas na Vila Andrade. Enquanto imposição física e simbólica, a centralidade urbana abarca processos sociais carregados de violência. Assim, a ideia de Henri Lefebvre, segundo a qual uma das características fundamentais da centralidade urbana nas sociedades capitalistas é que ela “expulsa, com uma violência inerente ao próprio espaço, os elementos periféricos” (Lefebvre, 2000:383, tradução livre), parece manter sua atualidade.

Agradeço às/aos pareceristas anônimas/os pelas sugestões e críticas, que contribuíram para o desenvolvimento do argumento aqui apresentado. Também sou grata ao grupo de estudos LIMIARES (Limites da Acumulação e Reprodução do Espaço), do Laboratório de Geografia Urbana da Universidade de São Paulo, pelas discussões que embasaram diversas reflexões presentes neste artigo e por todo o apoio mútuo nas trajetórias acadêmicas. A pesquisa em que se baseou este artigo foi realizada entre 2018 e 2019, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Destacamos ainda a parceria com o projeto de pesquisa HIGHRISE, sediado no Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo de São Carlos (IAU-USP), financiado pela FAPESP e realizado junto à Universidade de Lion, cujo trabalho envolve a produção e análise de dados sobre os processos de verticalização e construção de arranha-céus em São Paulo e Lion.

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Gabriella Duarte Dantas De Biaggi / gabrielladdb@gmail.com

Mestranda em Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), graduou-se em Geografia na mesma instituição (2019). Realizou uma pesquisa de Iniciação Científica voltada ao estudo da expansão das centralidades de negócios na metrópole de São Paulo, enfocando o Projeto Intervenção Urbana Arco Jurubatuba (2018). Atualmente, dá prosseguimento à pesquisa sobre a produção de centralidades, enfocando o controle e a militarização do espaço urbano.


1 Não buscamos com este artigo dar conta de uma discussão aprofundada sobre o que seja o Estado em toda sua complexidade e contradições internas. Visamos antes analisar o papel fundamental que o poder estatal desempenha em processos de produção de centralidade. Devemos destacar, no entanto, que a reflexão apresentada baseia-se em uma abordagem lefebvriana das relações entre o Estado e a reprodução social e econômica. Confrontando a representação dominante que apresentam o Estado como uma estrutura separada, acima da esfera das relações sociais, Lefebvre (2008) defende que este é continuamente chamado a agir, a fim de garantir, por meio da gestão e da violência, a reprodução das relações capitalistas junto à reprodução de sua própria dominação política.

2 Foram analisados cinco textos publicados em jornais de grande circulação entre junho de 2017, quando foi lançada a consulta pública online em relação à minuta do PIU ACJ, e março de 2018, quando foi proposto o projeto de lei na Câmara Municipal. As matérias examinadas foram: “Doria quer liberar mais torres em área nobre da zona sul” (Ferraz y Leite, 24 de junho de 2017); “Doria prioriza plano urbanístico em área entre Berrini e Interlagos” (Geraque, 1 de agosto de 2017); “Gestão Doria quer ‘esticar’ Marginal do Pinheiros até Interlagos” (Leite, 24 de fevereiro de 2018); “Projeto de Prefeitura de SP prevê bairro dentro de autódromo de Interlagos” (Agência Estado, 22 de fevereiro de 2018); e “Aliado diz que ‹não vale a pena vender› Interlagos com projeto de Doria” (Leite, 1 de março de 2018).

3 Entre 2001 e 2013 foram lançados 223 edifícios residenciais em Santo Amaro (71,9% do total de empreendimentos residenciais produzidos no distrito entre 1985 e 2018).

4 Entre 1985 e 2018 foram 56 lançamentos comerciais no distrito, dos quais 39 (ou 69,6%) ocorreram em um período de 5 anos, entre 2009 e 2013. Entre estes 39 empreendimentos, 30 possuem mais de 10 andares.

5 Segundo dados da Embraesp, 72 edifícios, quase um terço (31%) do total de empreendimentos construídos no distrito de Campo Grande –do qual a Av. Eusébio Stevaux faz parte– entre 1985 e 2018, foram lançados neste período de apenas 5 anos, entre 2005 e 2009.