A região da Luz como “nova” fronteira urbana. Apontamentos sobre a incidência da PPP Habitacional SP Lote 1 S/A na área
central de São Paulo


Ariel Machado Godinho

Departamento de Geografia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, Brasil.

Recibido: 15 de diciembre de 2021. Aceptado: 6 de noviembre de 2022.

Resumo

Este artigo aborda a incidência de parcerias público-privadas de habitação sobre a região da Luz, área central de São Paulo, enfocando a justaposição de parte dos empreendimentos habitacionais ao perímetro de fixação territorial da chamada Cracolândia. Consagrada como espaço “degradado”, a região da Luz foi esquadrinhada por uma sucessão planos e projetos urbanísticos iniciada na década de 1970. No entanto, é sobretudo a partir de 2005 que sua promessa de renovação urbana passa a ser atrelada à chamada Cracolândia e engendrar formas específicas de atuação localizada do Estado. Com a incidência da PPP Habitacional SP Lote 1 S/A a partir de 2015, interessa-nos compreender de que maneira a chamada Cracolândia passa a se relacionar com a modelagem jurídico-financeira que fundamenta a parceria entre concessionária e ente concedente. As coincidências entre as desapropriações e concessão de terrenos públicos e o gradativo desmantelamento da infraestrutura socioassistencial, entre o habite-se dos empreendimentos e a transformação das dinâmicas de policiamento levam-nos a indagar sobre o atual sentido da região da Luz como “nova” fronteira urbana e o anúncio de formas securitárias de controle e normalização do cotidiano nessa fração da área central.

Palavras-chave: PPP HABITACIONAL. REGIÃO DA LUZ. CENTRO DE SÃO PAULO. FRONTEIRA URBANA.

The Luz region as a “new” urban frontier. Notes on the PPP Habitacional SP Lote 1 S/A incidence in São Paulo downtown

Abstract

This article approaches the incidence of public-private housing partnerships on the Luz region, São Paulo downtown, focusing on the overlapping of housing developments to the territorial fixation perimeter of the Cracolândia. Established as a “decayed” space, the Luz region was scrutinized by a succession of plans and urban projects that began in the 1970s. However, it is especially since 2005 that its promise of urban renewal becomes linked to the Cracolândia and engender specific forms of localized state action. With the PPP Habitacional SP Lote 1 S/A incidence from 2015, we aim to grasp how the Cracolândia becomes related to the legal-financial modeling that underlies the partnership between concessionaire and grantor. The coincidences between the expropriations and concession of public land and the gradual dismantling of the social assistance infrastructure, between the developments occupation license and the transformation of the policing dynamics lead us to inquire about the current sense of Luz region as a “new” urban frontier and the announcement of security forms of control and normalization of everyday life in this fraction of downtown.

Keywords: PPP HABITACIONAL. LUZ REGION. SÃO PAULO DOWNTOWN. URBAN FRONTIER.

Palabras clave: PPP HABITACIONAL. REGIÓN DE LUZ. CENTRO DE SAN PAULO. FRONTERA URBANA.

Introdução

Nos últimos anos, empreendimentos habitacionais entregues sob regime de parceria público-privada parecem dar novos contornos a uma conhecida promessa de renovação urbana da região da Luz, fração da área central de São Paulo esquadrinhada por planos e projetos urbanísticos há quase meio século e, mais tarde, consonante com a chamada Cracolândia.

Concebida em meados de 2011 pela recém-criada Agência Paulista de Habitação Social - Casa Paulista, a PPP Habitacional é promovida como o primeiro programa de parcerias público-privadas do país voltado à provisão de habitação de interesse social, posteriormente estendida até as faixas de renda do dito mercado popular. Com a celebração do contrato referente ao lote inaugural do programa, o centro de São Paulo tornou-se um dos destinos privilegiados dos novos empreendimentos e das mais de 3.600 unidades habitacionais previstas no âmbito da parceria.

A região da Luz situa-se nos distritos da República e da Santa Cecília, abrangendo os bairros da Luz, Bom Retiro, Santa Ifigênia e Campos Elíseos. Diante do exponencial adensamento populacional entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, a região caracterizou-se pela concentração de habitações coletivas – hospedarias, pensões, cortiços e casas de cômodos –, estimulada em grande medida pela proximidade com as estações ferroviárias da Luz e Júlio Prestes e reaquecida pela instalação do Terminal Rodoviário da Luz em 1961 (Rolnik, 1999; Branquinho, 2007). Nos primeiros estudos de geografia urbana de São Paulo, a região da Luz já figura como exemplo de “decadência”, onde formas de habitação coletiva resultantes da repartição e sublocação dos antigos imóveis conviviam com a presença de uma “população nitidamente flutuante” (Mendes, 1958).

Consagrada como espaço “degradado” na primeira metade do século XX, a região da Luz tornou-se suscetível a projeções de requalificação de suas formas de uso. Diferentes planos e projetos urbanísticos, empregando também diferentes delimitações e perímetros de intervenção, tratam de forjá-la como fronteira de renovação e revitalização pelo menos desde a década de 1970 (Branquinho, 2007; Kara-José, 2007; Petrella, 2017).1

Os sucessivos esquadrinhamentos dessa fração da área central, contudo, foram atravessados por sua identificação como suposto reduto de preparação e venda do crack. Mais precisamente, o início de sua veiculação midiática como Cracolândia data de 1995, poucos anos após a incorporação da “nova” droga ao mercado varejista em expansão na metrópole (Rui, 2019; Teixeira, 2012).

A coincidência entre a região da Luz e a chamada Cracolândia é enrijecida sobretudo a partir de 2005, tornando-se entrave à realização de uma promessa de renovação urbana que a antecede. Na ocasião, tratava-se da atuação coordenada do poder público por meio da primeira delimitação da Nova Luz – ainda na forma de lei de incentivos seletivos que antecede a criação do instrumento de concessão urbanística (Alvarez, 2016; Arantes, 2008) – e da chamada Operação Limpa, que desencadeou uma sequência de operações policiais justificadas como “de combate ao tráfico” e concomitantes às sessões de demolição de parte dos imóveis recém-desapropriados. O traçado do perímetro de intervenção urbanística, portanto, efetiva-se também como a delimitação mais imediata de uma área prioritária ao policiamento; à época, pautado pela aplicação diuturna de um método de clearing out seletivo, direcionado a dispersar e impedir a concentração daqueles identificados como usuários de crack (Adorno e Raupp, 2011).

Se comparadas aos planos para a região concebidos no século passado, as ambições exortadas pelo poder público a partir de 2005 parecem cada vez menos iluminar a “decadência” como mera deterioração do ambiente construído, conforme descrita por Mendes (1958). No discurso do poder público, tornavam-se recorrentes as menções à chamada Cracolândia como a “mancha negra que irradia degradação” (apud Arantes, 2008:17) e, ao mesmo tempo, justifica o fato dos esforços de “regeneração” anteriores terem soçobrado. Provisoriamente delimitada pelo Estado, a chamada Cracolândia e um maior ou menor deslocamento daqueles que a corporificam, mais ou menos ordenado pelo aparato policial, anunciavam-se como ameaça aos entornos da Nova Luz.

Outro marco diz respeito à Operação Centro Legal, deflagrada em janeiro de 2012 e popularizada como Operação Sufoco ao esgarçar o modelo de policiamento dispersivo de outrora e transbordar o perímetro ofertado pela concessão urbanística, sendo responsabilizada pela multiplicação de “cracolândias” reduzidas por todo o centro de São Paulo. A repercussão das investidas policiais, no entanto, expressou a inflexão das próprias formas localizadas de atuação do Estado, só então movendo o que entendemos como um processo de fixação territorial da chamada Cracolândia: a instalação de uma infraestrutura de serviços socioassistenciais e programas focalizados, conjugada à instituição de uma espécie de cercamento policial permanente (Godinho, 2020; Nasser, 2016).

A infraestrutura socioassistencial que caracterizou a Cracolândia pós-Sufoco abarca programas focalizados no uso de álcool e outras drogas e na chamada situação de rua que sucederam-se ou, na maior parte do tempo, sobrepuseram-se, disputando beneficiários e assistidos mas partilhando de uma mesma promessa de “reinserção social”. Subordinados à prefeitura e ao governo estadual, estes foram majoritariamente gerenciados pelo chamado terceiro setor e contaram com extensos quadros de funcionários, centralizando “trabalhadores sociais” em duas ou três quadras conforme o cenário descrito por Nasser (2016). Programas como o De Braços Abertos (2014-2017) firmaram ainda convênios entre as secretarias municipais e os pequenos hotéis e pensões remanescentes que ofertam quartos na região, cobrando por diária ou por hora (Rui, Fiori e Tófoli, 2016).

Concomitantemente, o policiamento ostensivo tornou-se tarefa da Guarda Civil Metropolitana (GCM), articulado a uma crescente rede de videomonitoramento do espaço restrito de transição do fluxo. Convencionado como remissão à dinâmica de varejo de drogas ilícitas ali situada e ao “mercado de pulgas” contíguo a esta, o fluxo é aqui entendido também como a própria concentração de homens e mulheres que vivem ou frequentam regularmente a chamada Cracolândia. A despeito de fazerem ou não uso de crack, são em maioria pessoas em situação de rua, marcados por processos de desagregação dos vínculos familiares e densos históricos de encerramento institucional – incluindo penas em privação da liberdade, detenções provisórias, manicômios judiciários, hospitais de custódia e clínicas de reabilitação. Reunidos, ganham evidência os vários expedientes de sobrevivência que passam pelo “mangueio”, pela prostituição, por longas jornadas puxando carroça em busca de recicláveis e por trabalhos de ocasião – como é o caso daqueles que revendem cigarros unitários ou confeccionam diferentes modelos de cachimbos a partir da coleta de materiais recicláveis.

As reflexões aqui apresentadas desdobram-se de uma investigação em curso acerca da incidência da PPP Habitacional SP Lote 1 S/A sobre a região da Luz, abarcando trabalhos de campo e uma pesquisa documental que passa por licitações, contratos, chamamentos públicos e outros suplementos. No presente artigo, contudo, atemo-nos a alguns apontamentos em torno da justaposição de parte expressiva dos empreendimentos entregues ao perímetro de fixação territorial da chamada Cracolândia.2

Nossa hipótese é de que, ao requentar a promessa de renovação urbana da região da Luz, a incidência da PPP Habitacional SP Lote 1 S/A passa a se relacionar diretamente com as particularidades desse histórico recente, sobretudo no que diz respeito às formas localizadas de atuação do Estado nele engendradas. Assim, a projeção dessa fração da área central de São Paulo como fronteira urbana (Smith, 1996) parece extrapolar a própria relação jurídico-financeira entre Estado e agente privado que molda a parceria à medida em que é esta tensionada pelo perímetro de fixação territorial da chamada Cracolândia.

O texto divide-se em quatro partes: na primeira, resgatamos o paradigma da cidade competitiva e pacificada, flagrado por Vainer (2000) na difusão da lógica contratual das parcerias público-privadas por meio de agendas multilaterais a partir da década de 1990. A segunda parte apresenta o contexto territorial de incidência da PPP Habitacional SP Lote 1 S/A sobre a região da Luz, na tentativa de apreender como este passa a se relacionar com a modelagem jurídico-financeira da parceria e com as formas de atuação localizada do Estado que caracterizaram a chamada Cracolândia. A coincidência entre a entrega dos novos empreendimentos habitacionais e a transformação das dinâmicas de policiamento é tematizada na terceira parte do artigo, indagando sobre a emergência de formas securitárias de controle e normalização do cotidiano nessa fração da área central. Finalmente, consideramos as possíveis mediações entre os conteúdos elencados e o atual sentido da região da Luz como “nova” fronteira urbana.

A hostilidade complementar entre público e privado:
entre a segurança urbana e a “cidade segura”

Sobretudo após a crise da dívida externa na década de 1980, agendas urbanas e habitacionais difundidas por agências multilaterais aos países da América Latina e do Caribe passaram a prescrever um extenso repertório de ajustes estruturais destinado às aglomerações urbanas, aparentando certa inflexão em relação ao primeiro modelo de “urbanização com baixos padrões” (cf. Arantes, 2006). Os novos e os já conhecidos instrumentos, sobretudo aqueles voltados à chamada governança urbana, foram gradativamente atrelados a uma mesma tarefa programática de forjar “cidades financiáveis” (Banco Mundial, 2000 apud Arantes, 2006) nas décadas seguintes. No caso de São Paulo, a área central firmou-se desde meados de 1990 como um dos destinos em potencial para a aplicação de empréstimos e suas respectivas contrapartidas, acompanhada de uma intervenção direta do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) (Arantes, 2008; Freire, 2018; Kara-José, 2007).

O mesmo contexto de “ajuste urbano” (Arantes, 2006) assinala a emergência das parcerias público-privadas, alavancadas pelo discurso da “competitividade urbana” que passa a acompanhar as agendas e anunciadas como veículo primordial para a viabilização de planos de reestruturação localizados que, cada vez mais, devem estar aptos a disputar por fontes de financiamento nos mercados de capitais.

A introdução do desenho contratual das parcerias, de acordo com Vainer (2000:89), aparece como um meio de assegurar que sejam contemplados os “interesses constituídos e dominantes no mercado”, na senda da concepção de “novos e mais ágeis mecanismos de transferências de recursos” públicos – financeiros e fundiários – a agentes privados. Nesse sentido, o que o autor denomina de market lead city planning traz consigo a ambição de superar uma suposta “separação rígida entre o setor público e o privado” (Castells e Borja, 1996:159 apud Vainer, 2000:88), traduzindo-se como tentativa de harmonizar, na figura das parcerias, a hostilidade complementar (Kurz, 1998) entre as diligências do aparato estatal e as esferas de atuação dos global players e sociedades anônimas.

Em um primeiro momento, Vainer se debruça sobre o receituário apresentado ao longo da década de 1990 pelos chamados consultores catalães a convite das agências multilaterais, lançando as bases para a crítica ao planejamento estratégico que apresentava-se como novidade nesse fim de século. Uma de suas principais contribuições, entretanto, é também a que costumeiramente passa desapercebida; a saber, o realce decisivo da imagem de “cidade segura”, nos termos emprestados pelo autor, em meio à barganha de “atributos específicos que constituem, de uma maneira ou de outra, insumos valorizados pelo capital transnacional” (Vainer, 2000:79).

A operacionalização desse atributo peculiar é pouco desdobrada por Vainer, limitando-se a situar o esboço de “cidade segura” nos diagnósticos do Plano Estratégico do Rio de Janeiro de 1996 e, mais especificamente, nas preocupações atestadas em relação à “visibilidade” da população de rua e da “pobreza urbana” (Vainer, 2000:81-82).3 Contudo, o que parece-nos central em sua elaboração é: se a oferta desse verniz de segurança e incolumidade, por um lado, passa a integrar o conjunto de atributos que fazem da cidade financiável e atrativa aos olhos de “investidores, visitantes e usuários solventes”, por outro, enquadra como mero “entorno social” todos aqueles externos à demanda solvável das formas de uso do espaço presentes e futuras, para empregar os mesmos termos de Castells e Borja (1996:192 apud Vainer, 2000:80). Expressa na diferenciação entre os “usuários” virtuais e seu “entorno social”, tal ampliação do conceito de solvência movida pelo city marketing seria o que, na exposição de Vainer, cumpre o papel de delinear a abertura de novas fronteiras urbanas no horizonte da cidade competitiva e pacificada (Vainer, 2000:80).

A aparência de segurança é assim entendida como elemento constitutivo de uma “mercadotecnia” da cidade que, por sua vez, envolve a difusão de regimes de concessão e parcerias entre os entes público e privado nas últimas décadas. Trata-se daquilo também já identificado por Telles (2015:19) como “ponto cego” comum aos debates mais recentes sobre o urbano: um enlace entre o espraiamento das lógicas de mercado e a emergência de formas securitárias de controle. Ou ainda em sentido aproximado aos apontamentos de Graham (2016:170-171) acerca dos Business Improvement Districts (BIDs) londrinos como vetores de uma “urbanidade controlada”, vinculada direta ou indiretamente à “remoção, demonização ou encarceramento de consumidores fracassados”. No entanto, como Vainer (2000) parece antecipar a partir do preconizado planejamento estratégico, o Estado é quem deve equacionar os virtuais danos e perigos a serem preventivamente repelidos e anulados em determinadas frações do tecido urbano, sobretudo quando candidatas à localização de potenciais investimentos privados.

Nos últimos anos, instalações de mobiliário antimendigo, amplas redes de videomonitoramento de vias e praças públicas e uma zeladoria urbana proativa – que por vezes é a mera identidade orçamentária de ações focalizadas na apreensão de pertences e no constrangimento seletivo da permanência da população em situação de rua em determinados espaços – tornaram-se medidas conhecidas pela grande maioria dos centros urbanos e que, como no exemplo de São Paulo, terminam sendo articuladas a albergues e centros de acolhida mantidos pela prefeitura municipal ou pelo chamado terceiro setor, na figura das organizações da sociedade civil. Complementares e inseparáveis do policiamento ostensivo, tais medidas conformam a primeira camada daquilo que Mbembe (2020:72) classifica como uma “malha de repressão ordinária”, voltada ao controle da visibilidade de condutas tidas como “indesejáveis” ao espaço seguro e saudável da urbe por meio de sucessivos enquadramentos institucionais, triagens e encaminhamentos.

Não por acaso a promoção de um recrudescimento das formas securitárias de controle à posição de atributo irrevogável na concorrência por fontes de financiamento seja coetânea ao surgimento da chamada segurança urbana em Nova York, líder nos rankings de competitividade urbana. Qualquer tentativa de genealogia da segurança urbana, afinal, passa pelos expedientes de criminalização da pobreza que as políticas de “tolerância zero” moveram em Nova York durante a década de 1990, percebidas em seu conjunto como uma espécie de doutrina de gestão da miséria a ser exportada (Smith, 2001; Wacquant, 2007).

Em São Paulo, foi criada em 2002 a Secretaria Municipal de Segurança Urbana (SMSU), desde então responsável por coordenar o corpo permanente da Guarda Civil Metropolitana (GCM). Nos últimos anos, todo o efetivo da GCM passou a ser armado com munições ditas menos-letais, além de contar com drones, bases móveis de videomonitoramento e ter como seu desmembramento, desde 2009, uma Inspetoria de Operações Especiais (IOPE) equipada em semelhança a tropas de choque. 4

Embora a atuação da GCM nas periferias da cidade venha tornando-se cada vez mais frequente como linha acessória da conhecida letalidade da Polícia Militar, subordinada ao governo estadual, a maior parte do corpo de guardas civis é concentrada prioritariamente na área central há quase uma década, visando a condução de ações de natureza preventiva e de repressão qualificada.5 De acordo com a pesquisa realizada pela Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas (2021:61), em 2020 a SMSU chegou a destinar cerca de 210 agentes para rondas de patrulha preventiva e checkpoints simultâneos nas cercanias da chamada Cracolândia.

Perseguir o paradigma da cidade competitiva e pacificada anunciado ainda na década de 1990 (Vainer, 2000), portanto, leva-nos a considerar seu crescente apadrinhamento pela chamada segurança urbana, aperfeiçoada enquanto campo autonomizado da violência “juridificada” e centralizada pelo Estado (Kurz, 1998).6 A partir desta perspectiva é que propomos alguns apontamentos acerca da incidência da PPP Habitacional SP Lote 1 S/A sobre a região da Luz em particular e, de modo mais geral, dos nexos entre os processos em curso na área central de São Paulo e a promessa de sua renovação urbana.

A promessa tornada parceria: a PPP
Habitacional SP Lote 1 S/A

Veiculada em 2012, a proposta preliminar da PPP Habitacional é direcionada originalmente a todo o centro expandido de São Paulo e apresenta uma primeira setorização que se propõe a “delimitar territórios de atuação com problemáticas e soluções particulares” (CGPPP, 2012:02).7 Dentre os seis setores esboçados, a região da Luz corresponde ao primeiro recorte territorial (Barra Funda – Santa Cecília) do setor A (Figura 1), apontando a chamada Cracolândia como um dos “desafios” postos às intervenções suscitadas, junto da Favela do Moinho. Os diferentes setores e recortes territoriais, no entanto, aparecem atrelados de antemão a uma mesma estratégia geral: alçar “a oferta de habitação como elemento integrador da renovação urbana” e “requalificação destes espaços degradados e desvalorizados” que, em maioria, coincidem com trechos da antiga orla ferroviária da cidade (CGPPP, 2012:02-03).


Figura 1. Setorização preliminar da PPP Habitacional sobre o centro expandido conforme chamamento público nº 004/2012. Fonte: Urbem (2012).

A oferta pretendida corresponde inicialmente a cerca de 10.000 unidades de habitações de interesse social (HIS) e, como fica explícito, fundamenta-se em uma inserção via subsídio da “população alvo” do programa no sistema de financiamento habitacional (CGPPP, 2012). Recortada em faixas de renda de acordo com a capacidade de endividamento familiar, a “população alvo” é prometida e assegurada pelo Estado como a demanda solvável dos futuros empreendimentos de HIS a serem distribuídos entre os setores de intervenção, na expectativa de assim torná-los atrativos ao parceiro privado ainda virtual.

O subsídio habitacional constitui o próprio caráter da política pública de habitação de interesse social, ao mesmo tempo em que funda o mecanismo de ajuste do interesse dos agentes de mercado. Ou seja, é por meio da execução da política de subsídios que o Estado pode incrementar o poder de compra da população alvo e, assim, garantir as condições de rentabilidade do investimento, atraindo os empreendedores privados para o segmento habitacional dito popular (CGPPP, 2012:13-14, grifo nosso).

Ao longo das últimas duas décadas, os imperativos de diversificação dos produtos e de ampliação do acesso ao crédito imobiliário até as faixas de renda mais baixas consolidaram-se no chamado segmento econômico, aparecendo como pressupostos da proposta preliminar e seus critérios gerais de atratividade para a área central de São Paulo.8 Nos moldes delineados pela Agência Casa Paulista, as operações de targeting (Arantes, 2021) previstas no âmbito do programa visam sobretudo solucionar um problema de capacidade de pagamento e contração de crédito, propaladas como a tentativa de assimilação de uma “demanda que não consegue se resolver no mercado”, nas aspas de um dos funcionários da agência (apud Pereira e Palladini, 2018:890).

A modelagem jurídico-financeira final do programa de parcerias é conhecida somente em 2014 com a publicação da licitação em edital de concorrência internacional, seguida pelo contrato de concessão do primeiro dos quatro lotes apresentados.9 A partir de 2015 é então instituída a PPP Habitacional SP Lote 1 S/A, sociedade de propósito específico (SPE) celebrada entre o governo estadual, na posição de ente concedente, e a Canopus Holding S.A., única empresa interessada e vencedora da licitação que inclui em seu quadro societário a International Finance Corporation (IFC), braço do Banco Mundial.

O lote inaugural corresponde a 3.683 das mais de 14.000 unidades habitacionais previstas, agora distribuídas entre empreendimentos de habitação de interesse social (HIS) e de habitação de mercado popular (HMP) – na proporção de 2.260 e 1.423 unidades, respectivamente – de modo a ampliar o escopo das faixas de renda a serem atendidas pela concessionária. Para além da entrega das unidades, a Canopus Holding S.A. fica responsável pela gestão da carteira de mutuários e prestação de uma extensa lista de serviços próprios à “forma condominio” (Rufino, 2018), além de comércios e supermercados intramuros, obras de infraestrutura, revitalização e equipamentos públicos – como é o caso do recém-inaugurado CEI Nova Luz. Ao Estado, por sua vez, ficam contratualmente atribuídos o subsídio da demanda e a concessão dos terrenos aos empreendimentos de HIS e equipamentos públicos, bem como a remuneração do conjunto de serviços prestados pelo parceiro privado ao longo do prazo de 20 anos. Nesses casos, a forma primária de remuneração é derivada da fórmula da contraprestação pecuniária e ampara-se em um amplo sistema de garantias.10

A implantação dos empreendimentos, contudo, não se restringe ao perímetro nominal do lote objeto da concessão, conforme evidenciaram os primeiros lançamentos. Ainda que fora das áreas delimitadas em contrato, a região da Luz foi tornada um dos destinos privilegiados da PPP Habitacional SP Lote 1 S/A (Tabela 1). Entre os empreendimentos elencados na tabela, os únicos que distanciam-se significativamente da região são aqueles previstos para o terreno da antiga usina de asfalto, na Barra Funda.

Tabela 1. Empreendimentos de habitação de interesse social entregues
e previstos no âmbito da PPP Habitacional SP Lote 1 S/A.

Empreendimento

Unidades

Situação

Origem do terreno

Área (m²)

Resid. São Caetano

126

Entregue

Prefeitura (COHAB)

2.036

Resid. Alameda Glete

91

Entregue

Governo estadual (CDHU)

2.202

Resid. Gusmões

96

Entregue

Prefeitura

1.118

Complexo Júlio Prestes (Q49)

Ed. Duque de Caxias

170

Entregue

Governo estadual

16.965

Ed. Santa Efigênia

170

Ed. Barão de Piracicaba

170

Ed. Helvétia

170

Ed. Dino Bueno

234

Complexo Júlio Prestes (Q50)

Resid. Campos Elíseos

156

Entregue

Governo estadual

4.275

Resid. Cleveland

60

Complexo Mauá

Resid. Luz

140

Entregue

Prefeitura

2.320

Resid. Mauá

70

Extensão Complexo Júlio Prestes (Q38)

190

Em projeto

Prefeitura (a desocupar)

8.652

Usina de Asfalto

417

Em projeto

Prefeitura

17.704

PPP Habitacional SP Lote 1 S/A

2260

~55.272

Fonte: Governo do Estado de São Paulo (2021).

Uma explicação possível para tal centralização das unidades habitacionais na região da Luz relaciona-se à “disponibilidade” de terrenos públicos municipais e estaduais nessa fração da área central, bem como aqueles enquadrados como “baldios” ou “subutilizados” e passíveis de serem mobilizados via desapropriação pela parceria (Figura 2).

No caso do Complexo Mauá trata-se de um terreno decretado de utilidade pública, demolido em 2007 sob as ambições da Nova Luz e convertido em estacionamento até meados de 2017, quando então passa a receber contêineres que serviam a duas das três unidades de Atendimento Diário Emergencial (ATENDE) mantidas pela prefeitura, ofertando refeições e pernoites aos beneficiários do programa Redenção. Já as sessões de demolição das quadras que hoje abrigam o Complexo Júlio Prestes perduraram por quase dois anos, iniciadas com a derrubada do antigo Terminal Rodoviário da Luz e concluídas durante as operações policiais de 2012. Recém-demolidos, a maior parte dos terrenos serviu à instalação de estruturas desmontáveis e tendas de atendimento que inauguraram os programas socioassistenciais destinados à chamada Cracolândia nesse mesmo período.


Figura 2. Contexto territorial de incidência da PPP Habitacional SP Lote 1 S/A sobre a região da Luz. Fonte: elaboração do autor sobre base do Mapa Digital da Cidade de São Paulo (2021).

Tal especificidade fundiária que caracteriza a incidência da parceria público-privada determinou certa imprescindibilidade de desmantelar a infraestrutura socioassistencial de outrora para a realização dos empreendimentos destinados à região da Luz. E o fez de modo que uma de suas faces é o próprio espraiamento vacilante do programa Redenção, tendo como aposta realocar a oferta dos mesmos serviços na expectativa de assim transferir também seus antigos assistidos e beneficiários aos novos equipamentos de acolhida instalados em outros pontos do centro expandido, a saber, a região da Armênia e a baixada do Glicério.

Apesar de acompanhar a abertura de canteiros nos terrenos açambarcados pela parceria, uma redefinição das dinâmicas locais de policiamento, por outro lado, parece coincidir em maior medida com a entrega dos empreendimentos e a gradativa ocupação destes pela “população alvo” do programa habitacional, destacando-se os empreendimentos que compõem o Complexo Júlio Preste.

Tratando-se de empreendimentos de HIS, a ocupação se deu principalmente por famílias das faixas de renda mais baixas (RF1 à RF4), previamente cadastradas e classificadas por meio de sorteio pareado com o número de unidades disponíveis, destinadas de modo involuntário uma vez que não há a possibilidade de escolher o prédio ou andar do apartamento. Atendendo aos critérios de elegibilidade definidos pelo programa – a saber, ter ao menos um dos componentes da renda familiar trabalhando na área central, não ser proprietário ou possuir financiamento de outro imóvel residencial e não ter sido contemplado anteriormente por outro programa habitacional –, o morador-mutuário sorteado é então convocado pela concessionária e assina o contrato de financiamento, comumente intermediado pela Caixa Econômica Federal (CEF).

Nessas condições foram parcialmente ocupados os empreendimentos de HIS do Complexo Júlio Prestes, que ao todo correspondem a mais de 1100 unidades habitacionais subsidiadas. Soma-se ainda a expansão para as quadras vizinhas (vide Figura 2), que tiveram utilidade pública decretada em 2017.11 Com o habite-se dos novos edifícios coincide uma redefinição das dinâmicas de policiamento e constrição do cercamento permanente da chamada Cracolândia, de modo que a chegada dos moradores parece ensejar novos ou recrudescidos critérios de segurança.

O Estado concedente como “garantidor da pacificação local”

Se o desmantelamento da infraestrutura socioassistencial que outrora caracterizou a chamada Cracolândia aparece como um espraiamento dos mesmos programas focalizados a outras frações do centro expandido, as mudanças na dinâmica de policiamento ostensivo da região da Luz se traduzem em sucessivas incursões do aparato policial contra aqueles que insistem em permanecer nas calçadas dos novos empreendimentos habitacionais entregues pela parceria público-privada.

Pelo menos desde 2017, os saldos de investidas dispersas e desempenhadas majoritariamente pela GCM somam relatos e cicatrizes de projéteis de borracha, espancamentos com cassetete, malocas incendiadas e pessoas que perderam a visão, parcial ou integralmente, por estilhaços das granadas de carga química.12 A frequência que assumiram as incursões, portanto, expressa-se também no aumento do emprego de munições ditas menos-letais nessa fração da área central. Foram pelo menos 50 ocorrências de disparos e estrondos entre os meses de setembro de 2020 e setembro de 2021, todas confirmadas pela Secretaria Municipal de Segurança Urbana (SMSU), incluindo casos em que foram despendidas 80 balas de elastômero e granadas de lacrimogêneo em um único dia (Figura 3).


Figura 3. Quantitativo de munições menos-letais despendidas por dia pela Guarda Civil Metropolitana na chamada Cracolândia entre os meses de setembro de 2020 e setembro de 2021. Fonte: SMSU (2021).

O emprego crescente e indiscriminado de munições, a nosso ver, traduz os esforços de constrição do cercamento permanente; o mesmo que fora consolidado anos antes, como uma espécie de “trégua” condicionada e seletiva, em acordo com os programas e serviços socioassistenciais. Não coincidentemente os checkpoints distribuídos pelas principais vias de acesso ao perímetro de fixação territorial da chamada Cracolândia gradativamente assumiram também maior caráter de interdição. Sobretudo nos expedientes diários de limpeza das ruas pela empresa de zeladoria urbana, tornaram-se cada vez mais rotineiras as abordagens arbitrárias, confisco de pertences e revistas motivadas por “fundada suspeita”, valendo-se da indeterminação jurídica do termo para legitimar o trato com “suspeitos prioritários” (Mbembe, 2020).13

Aos olhos de parte dos moradores recém-chegados, os guardas civis desempenham um “trabalho garantidor da pacificação local” na medida em que são responsáveis por “frustar os ataques na região” e “evitar que o perímetro se transforme em uma porção da cidade onde o desprezo pelas leis seja permitido”.14 Diante dessa descrição é difícil não fazer notar a aspiração aproximada do horizonte da cidade competitiva e pacificada flagrado por Vainer (2000): um tecido urbano composto de retalhos aparentemente seguros, incólumes, sãos e salvos porque policiados integralmente e interditados – ou em vias de interdição – àquelas condutas tidas como indesejáveis e fontes potenciais de transtornos.

A crença na prometida renovação urbana movida pela oferta habitacional, portanto, parece determinar em alguma medida a decisão tomada pelos próprios moradores sorteados para apartamentos que têm o fluxo da Cracolândia como vizinho no momento de “aceite” do financiamento.15 Resguardada sua posição como ente concedente, resta ao Estado proteger aqueles designados como “população alvo” do programa habitacional, de início assegurada como demanda solvável dos novos empreendimentos e agora parcialmente comprometida na forma da carteira de mutuários de longo prazo; traduzindo assim uma ambivalência ou oscilação entre controle e proteção que Arantes (2021) caracteriza como própria às operações de targeting há muito difundidas.

Este ímpeto de proteção em evidência, por fim, é o que talvez permite-nos balizar a incidência da PPP Habitacional SP Lote 1 S/A sobre a região da Luz como sendo também um processo de redefinição dos critérios de segurança e normalização do cotidiano nessa fração da área central, orientando os esforços excepcionais do poder público para desvencilhar dali a chamada Cracolândia. Os novos ou os mesmos-de-antes-mas-agora-recrudescidos critérios de segurança, notadamente racializados, em sua imensa maioria parecem espelhar-se na virtualidade de crimes patrimoniais, facilitada por especificidades arquitetônicas dos empreendimentos como muros e cercas insuficientemente altos ou a ausência de estacionamentos. Reinvindicando a “pacificação local”, os depoimentos dos novos moradores suscitam receios e temores em relação a roubos de celular e outros pertences, além de casos de desmanche de fiações visando a receptação de fios de cobre ou de furto de peças de carros, comuns a outros lugares da cidade mas que encontram no fluxo uma horda de suspeitos prioritários, antecipadamente açoitados como se já os tivessem cometido.

Considerações finais

Na analogia construída por Smith (1996) entre a chamada marcha para o Oeste e o Lower East Side do final do século XX, a convivência entre o extermínio e um discurso ansioso de “regeneração” aparece como própria às dinâmicas de fronteira, sejam estas envoltas pelo mito civilizatório de uma expansão geográfica absoluta ou pelo anúncio do retorno de investimentos aos antigos centros urbanos, na senda do que o autor denomina como uma diferenciação interna do espaço geográfico. Contudo, como Smith bem sabe, a fronteira urbana já não é a linha sobre a qual avançam a propriedade privada da terra e a socialização para o trabalho. A violência que fideliza as promessas de renovação urbana, ensejando eixos de reestruturação a partir dos critérios de atratividade vigentes nos mercados de capitais, deve por isso também ser mediada com a totalidade da reprodução capitalista em crise.

Em São Paulo, a região da Luz recém-tornada destino privilegiado da PPP Habitacional SP Lote 1 S/A aparece como palco de uma ampliação limitada do endividamento imobiliário em direção às camadas mais pobres da população. Assegurada ao parceiro privado como demanda solvável, uma parcela da “população alvo” do programa é agora dignificada como condôminos dos novos empreendimentos e parece trazer consigo critérios de segurança que têm como lastro a renovação prometida, desmanchando ou recrudescendo as formas de atuação localizada do Estado que outrora caracterizaram a chamada Cracolândia.

O aparato policial, nesse sentido, mostra-se imprescindível ao ente concedente como componente extrínseco à relação jurídico-financeira que fundamenta a parceria. Este fica encarregado da chamada segurança urbana e, por isso, daqueles externos a uma demanda solvável pressuposta, com pouca ou nenhuma capacidade de endividamento porque sequer encontram meios de vender sua própria força de trabalho (Mbembe, 2020; Leite e Giavarotti, 2020). Assim, o paradigma da cidade competitiva e pacificada (Vainer, 2000) não realiza-se meramente como retalhamento do tecido urbano segundo critérios de atratividade, convertido em best-practices pelas agendas multilaterais mas tem como entrave o crescente contingente populacional tornado excedente e supérfluo do ponto de vista da forma de socialização capitalista a cada projeção de uma “nova” fronteira urbana.

Agradeço à FAPESP pelo financiamento da pesquisa da qual o presente artigo resulta (processo 2021/02287-1) e às/aos pareceristas pelas críticas e sugestões direcionadas ao texto, contribuíndo para seu aprimoramento.

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Ariel Machado Godinho / ariel.machado@usp.br

Mestrando em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (PPGH-USP) e graduado em Geografia pela mesma instituição. Integra o grupo de pesquisa Geografia urbana: a vida cotidiana e o urbano, vinculado ao Laboratório de Geografia Urbana da Universidade de São Paulo (LABUR-USP). Atualmente, dedica-se aos temas da urbanização, dinâmicas financeirizadas de produção e capitalização do espaço, política habitacional e do papel do Estado e da violência no controle do espaço urbano.


1 Na tese de Petrella (2017), a sucessão histórica de planos e projetos urbanísticos concebidos e/ou destinados à região da Luz consiste em: plano de Renovação Urbana (1974), plano Luz Cultural (1984), plano Polo Luz (1996), plano Monumenta (2002), PRIH-Luz (2004), Concessão Urbanística Nova Luz (2009), PPP Habitacional (2014) e PIU do Terminal Princesa Isabel (2016).

2 Por perímetro de fixação territorial, referimo-nos às vias ocupadas de maneira intermitente pela chamada Cracolândia entre 2013 e março de 2022, quando iniciaram-se as últimas tentativas de expulsão. Destacam-se as Alamedas Cleveland, Glete, Dino Bueno e Barão de Piracicaba, a Rua Helvétia e o Largo Coração de Jesus.

3 Não por acaso a elaboração do autor alcança os termos de uma “cidade de exceção” diante da concorrência intraurbana e, no caso do Rio de Janeiro, dos planos de reestruturação movidos por megaeventos esportivos (Vainer, 2011).

4 Conforme a sistematização de aquisições entre 2013 e 2020 apresentada pela Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas (2021:68-69), o arsenal da Secretaria Municipal de Segurança Urbana (SMSU) é extenso e inclui espargidores de gás lacrimogêneo, armas de eletrochoque, balas de elastômero, projéteis de espuma padrão OTAN, munições de carga química e uma variedade de granadas de efeito moral, luz e som, lacrimogêneo e pimenta. As munições e os equipamentos declarados como de uso tático de combate são fornecidos pela Condor S/A Indústria Química, empresa nacional especializada nas chamadas tecnologias não-letais.

5 Artigo 2º do decreto municipal nº 58.199, de 18 de abril de 2018.

6 Ao tratar do papel da violência desempenhada sobretudo pelo aparato policial, optamos pelo emprego do termo “juridificada” (Kurz, 1998) no lugar de uma concepção weberiana da violência “legítima”. Contudo, nossa escolha é endossada também como remissão às proposições de Benjamin (2013) sobre a relação co-constitutiva entre a violência e o direito em seu ensaio de 1921, onde chega a tematizar a violência sem figura da polícia na social-democracia alemã.

7 A proposta preliminar da programa é apresentada no edital de chamamento público nº 004/2012, veiculado em 16 de abril de 2012 pelo Conselho Gestor do Programa Estadual de Parcerias Público-Privadas (CGPPP) do Estado de São Paulo. Por sua vez, este destinava-se a angariar manifestações de interesse privado (MIP) dedicadas à concepção da modelagem econômico-financeira das intervenções suscitadas e à realização de estudos técnicos para fomentar as futuras licitações. Entre as manifestações de interesse recolhidas, a modelagem apresentada pelo Instituto Urbem é a que corresponde a pouco mais da metade do conteúdo apresentado no edital de licitação de 2014 (Pereira e Palladini, 2018; Petrella, 2017).

8 Debruçando-se sobre a dimensão institucional e regulatória da PPP Habitacional, Pereira e Palladini (2018) vão na mesma direção ao situar o programa de parcerias da Agência Casa Paulista como tributário do arsenal jurídico-financeiro anexado à instituição do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) em 1997 e da expansão inédita em direção ao chamado segmento econômico que caracterizou o boom imobiliário de 2007, dois anos depois da abertura de capital das incorporadoras nacionais, bem como seu “prolongamento” por meio da canalização do fundo público a partir de 2009, na figura do programa federal Minha Casa Minha Vida.

9 Edital de Concorrência Internacional nº 001/2014 e Contrato SH nº001/2015 PPP Habitacional SP Lote 01 S/A, respectivamente.

10 O sistema de garantias ao parceiro privado no caso de inadimplência do ente concedente inclui a indicação de terrenos públicos passíveis de serem leiloados, o penhor provisório do fundo de recebíveis da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) e o fundo permanente da Companhia Paulista de Parcerias (CPP) (cf. Pereira e Palladini, 2018; Petrella, 2017).

11 Tratam-se de pequenas pensões e cortiços, algumas destas anexadas a biroscas e pequenos comércios, que nos últimos anos tornaram-se alvos de repetidas interdições e emparedamentos. Sessões de despejos orquestradas pela Subprefeitura da Sé almejam viabilizar a imissão da posse de parte dos lotes que, quando bem sucedida, é prontamente cedida à PPP Habitacional SP Lote 1 S/A no âmbito do convênio firmado com a prefeitura e a Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB).

12 Para um retrato das investidas do aparato policial na chamada Cracolândia em diferentes recortes temporais, consultar os dossiês “Agressões e violações na Cracolândia” (2017) e “Não é confronto, é massacre” (2021) organizados pelo coletivo A Craco Resiste. Disponíveis em: <https://medium.com/@cracoresiste/dossi%C3%AA-agress%C3%B5es-e-viola%C3%A7%C3%B5es-na-cracol%C3%A2ndia-i-1f5187ade395> e <https://naoeconfronto.weebly.com/dossiecirc.html>. Acesso em 10 de dezembro de 2021.

13 A operacionalização da “fundada suspeita” sob o caráter de excepcionalidade que envolve a atuação dos guardas na chamada Cracolândia é extensamente defendida pela Prefeitura Municipal de São Paulo em texto de contestação à Ação Civil Pública nº 1033071-79.2021.8.26.0053.

14 Os trechos são extraídos de um manifesto assinado por moradores dos empreendimentos que compõem o Complexo Júlio Prestes. A íntegra do manifesto e as assinaturas dos moradores que o endossam, colhidas na portaria dos edifícios, estão anexadas ao texto de contestação da PMSP supracitado.

15 Outros elementos certamente devem ser percebidos com a comercialização de unidades no Residencial Bravo, uma oitava torre anexa ao Complexo Júlio Prestes e que corresponde a um dos primeiros empreendimentos de habitação de mercado popular (HMP) da PPP Habitacional SP Lote 1 S/A (vide Figura 2). No caso das unidades de HMP, estas são destinadas às faixas de renda mais altas e não há concessão de terrenos ou qualquer subsídio da demanda por parte do programa, entretanto, no caso de frustração da liquidez do empreendimento, contratualmente cabe ao Estado adquirí-las do parceiro privado a preço de HIS.