Reparar (n)o lugar através do cinema: como fazer do lugar-escola uma floresta?


Wenceslao Machado de Oliveira Junior

Faculdade de Educação/Unicamp. Campinas, Brasil.
ORCID 0000-0002-8640-4756

Recibido: 10 de marzo de 2023. Aceptado: 8 de septiembre de 2023.

Resumo

Em um exercício de articulação de meu percurso de pesquisador da docência nos últimos anos, trago aqui três gestos docentes: perguntar, experimentar, reparar. Um quarto gesto seria o de escrever. Nele (me) faço duas perguntas: 1. Que potência teriam as experimentações com cinema no lugar-escola para inventar um outro tipo de atenção que permita reparar (n)o lugar? Reparar no que está à nossa volta, parar para olhar, estar atento às conexões e alianças entre humanos e não humanos na busca de fazer a reparação do que esteve rompido em nossa atenção ao lugar. 2. Que potência teria o “conceito” de floresta, um mundo todo vivo, conforme aparece nas palavras de pensadores indígenas, para pensar os afetos cinematográficos do lugar-escola? Articulando a floresta aos conceitos de lugar, de Doreen Massey, e de áreas de estar, de Fernand Deligny, busco apontar como a pedagogia dos dispositivos proposta pelo cineasta Cezar Migliorin atua na ativação da vida/vivacidade de trajetórias/presenças não humanas no lugar na medida mesma que rompe com os modos habituais das crianças e docentes realizarem filmagens, exige que se repare no entorno e possibilita a criação de imagens inesperadas que, talvez, reparem outras conexões e alianças entre humanos e não humanos.

Palavras-chave: LUGAR. ESCOLA. CINEMA. FLORESTA. NÃO HUMANO.

Reparar (en) el lugar a través del cine: ¿cómo hacer del lugar-escuela un bosque?

Resumen

En un ejercicio de articulación de mi trayectoria como investigador de la docencia en los últimos años, traigo aquí tres gestos docentes: preguntar, experimentar, reparar. Un cuarto gesto sería escribir. En él (me) hago dos preguntas: 1. ¿Qué potencia tendrían las experimentaciones con el cine en el lugar-escuela para inventar otro tipo de atención que permita reparar (en) el lugar? Darnos cuenta de lo que nos rodea, detenernos a mirar, estar atentos a las conexiones y alianzas entre humanos y no humanos en la búsqueda de reparar lo que se rompió en nuestra atención al lugar. 2. ¿Qué potencia tendría el “concepto” de bosque, un mundo todo vivo, tal como aparece en palabras de los pensadores indígenas, para pensar los afectos cinematográficos del lugar-escuela? Articulando el bosque a los conceptos de lugar, de Doreen Massey, y de áreas de estar, de Fernand Deligny, busco señalar cómo la pedagogía de los dispositivos propuesta por el cineasta Cezar Migliorin actúa en la activación de la vida/vivacidad de trayectorias/presencias no humanas en el lugar en la misma medida en que rompe con las formas habituales de filmar de niños y maestros, exige que se repare al entorno y posibilita la creación de imágenes insospechadas que, quizás, reparen otras conexiones y alianzas entre humanos y no humanos.

Palabras clave: LUGAR. ESCUELA. CINE. BOSQUE. NO HUMANO.

Repairing (in) the place through cinema: how to make the school-place a forest?

Abstract

In an exercise of articulation during my path as a teaching researcher in recent years, I propose here three teaching gestures: to ask, experiment, repair. A fourth gesture would be to write. In it, I ask (myself) two questions: 1. What potency would experimentations with cinema in the school-place have with the purpose to invent another type of attention that allows repairing (in) the place? Considering that in Portuguese repair means either observe what is around us, pausing to watch, being attentive to the connections and alliances between humans and non-humans or repair what was broken down in our attention to the place. 2. What potency would the “concept” of forest, a whole living world, as it appears in the words of indigenous thinkers have in order to think about the cinematographic affections of the school-place? Articulating the forest to the concepts of place, by Doreen Massey, and living areas, by Fernand Deligny, I seek to point out how the pedagogy of devices proposed by filmmaker Cezar Migliorin functions in activating the life/vivacity of non-human trajectories/presences in the place as it breaks up the usual ways children and teachers make shootings. It requires that one pays attention to the surroundings and enables creation of unexpected images that might repair other connections and alliances between humans and non-humans.

 Keywords: PLACE. SCHOOL. CINEMA. FOREST. NON-HUMAN.

Escrever

Essa potência de se perceber pertencendo
a um todo
e podendo modificar o mundo
poderia ser uma boa ideia de educação.

Ailton Krenak (2022:103)

Escrevi este artigo na primeira pessoa do singular. Ele é um exercício de imaginação e articulação de meu percurso de pesquisador da docência. Está dividido em três partes, cada uma dedicada a um dos gestos que vem configurando meus engajamentos e reflexões mais recentes: perguntar, experimentar, reparar.

Perguntar

A linguagem é muito determinante nas interações,
e tudo que vem da pólis traz a marca
de um ajuntamento de iguais,
onde a experiência política se pretende convergente.
Isso tem animado em mim uma observação:
sempre reivindicam a pólis como o mundo da cultura,
e aquilo que ficou marcado como natureza
é o mundo selvagem.
Pois é nesse outro mundo que eu estou interessado.

Ailton Krenak (2022:80)

Era uma tarde tropical de sol quente e sombra fresca quando um professor mirava as crianças na praça em frente à escola enquanto sorria e dizia: que perguntas poderíamos fazer para nosso planeta? Esse professor seria um jovem ativista ambiental, muito dedicado ao seu trabalho na escola, amado pelas crianças e seguido por outros docentes nas redes sociais onde dava dicas de como trabalhar a educação ambiental.

Essa situação educativa é ficcional, inventada para este artigo, assim como o professor que a protagoniza. No entanto, ela seria plenamente possível de ter acontecido, pelo menos no Brasil atual, atravessado há várias décadas por discursos, imagens, currículos e engajamentos, na sociedade e na educação, a favor da natureza, da sustentabilidade, das comunidades tradicionais e dos povos originários, contra o agronegócio, contra o garimpo em terras indígenas, contra a mineração cujos dejetos mataram vários cursos d’água em uma parte do país que se chama, nada ironicamente, Minas Gerais.

Sou de lá, ainda que há muitos anos vivo um pouco distante. Mas ao recordar dessas recentes mortes infligidas pelo modo de vida colonial, ocidental e capitalista nesta parte do planeta, me recordei, de um grande curso d’água chamado, também nada ironicamente, Rio das Mortes. Ele cruza a primeira região mineira, de onde se extrai, desde então, ouro. Desde então, morre-se muito por lá. Ao escrever a última frase me pareceu que o verbo está equivocado. Pergunto: não seria mais verdadeiro escrever mata-se muito por lá? Com certeza sim, pois desta maneira “damos nomes aos bois”, para usar uma expressão bastante comum naquelas paragens. Nomear aqueles que mataram é a reivindicação dos movimentos ambientalistas que denominam de “desastre da Samarco” e “desastre da Vale”, as empresas donas das barragens que romperam, ao invés de “desastre de Mariana” e “desastre de Brumadinho”, as cidades onde ficam as barragens e que foram as primeiras a terem parte de seu povo e seu território mortos pelos dejetos contaminados.1

Mas eu não estaria me equivocando ao usar uma expressão que fala de bois para nomear aquilo que mata?

Parece que sim, afinal esses tranquilos animais, especialmente suas fêmeas, foram e são parte importante da vida vivida nas Minas Gerais, terra reconhecida pelo Brasil afora por seus queijos e doces feitos com leite de vaca.

Mas nas obras de vários artistas indígenas contemporâneos que vivem nas margens amazônicas o boi, o gado, é um dos signos da morte, ou melhor, da matança dos povos e culturas originárias da Amazônia. É contra o boi que se luta, contra as manadas que ocupam as extensões onde antes havia a floresta. Em muitas destas obras2 o signo-figura do boi é o traço da matança realizada em nome da humanidade. Ou melhor, de um modo de vida de uma parcela da humanidade (Krenak, 2022). Uma grande parcela que muitas vezes é usada como justificativa para as ações genocidas e etnocidas de outros modos de vida, minoritários, sobretudo daqueles que mantêm os minérios no chão e as florestas em pé, sustentando o céu (Kopenawa & Albert, 2015) e adiando o fim do mundo (Krenak, 2019) que cada dia parece mais inevitável se prosseguirmos com estas matanças que são, efetivamente, planetocidas.

Onde foi parar aquela situação educativa ficcional com que iniciei este artigo? Está inteira aí, espraiada nas linhas e entrelinhas destes parágrafos que, se é verdadeiro que foram escritos pela força que a própria escrita exerce sobre um corpo que escreve, é também verdadeiro que eles poderiam ter sido escritos por aquele professor. Pensando bem, algumas das características desta personagem não teriam me chegado como uma lembrança de mim mesmo? Certamente que sim, ainda que nunca tenha sido um ativista ambiental. Este relato imaginário e também este artigo dão expressão às experiências que vivi como professor nos últimos trinta anos. Assim como aquele professor, algum tempo atrás eu “pensava grande”, em ações sustentáveis e ambientalistas sistêmicas, associadas a mudanças em cada indivíduo, entendido como sujeito consciente de nosso modo de vida e, portanto, capaz de alterá-lo para o bem do planeta. Era como se fosse o planeta –esse sistema grande, complexo, próximo-distante– que demandasse as ações individuais. A relação era entre cada um(a) e o todo, o conjunto.

Lentamente algo passou a me desassossegar e a me questionar: por que perguntar para o mundo, tão grande que é? O mundo, algo tão distante e ao mesmo tempo próximo, mas concebido como algo que “só depende de mim” para ele, o mundo, ser outro, menos perto do fim.

Foi nos meandros destes desassossegos que fui capturado na rede de Fernand Deligny (1971, 2009, 2015) e seus desassossegos com a humanidade, com o homem-que-somos. A rede veio antes e, com ela, suas tentativas, mapas, invenções, jangadas, presenças próximas, áreas de estar, ornado e outras experimentações para efetivação dos agires no infinitivo: permitir, traçar, ver. E escrever, muito.

Nos escritos deste autor e de quem foi capturado na rede da qual ele é um dos nós (e um de nós) há uma forte centralidade do próximo, do territorial, do entorno.3 No primeiro de meus escritos com Deligny como intercessor (Oliveira Jr, 2015) utilizei a palavra “terreno” para falar deste território próximo e misterioso com as palavras de uma antiga intercessora, a escritora Clarice Lispector. Mais adiante descobri que as “áreas de estar”, criadas pelo próprio Deligny, me davam mais sustentação experimental e conceitual para pensar cada lugar-escola como, nos termos de Doreen Massey (2008), uma singular constelação de trajetórias heterogêneas em interações inevitáveis produtoras de constantes devires que implicam em aberturas naquele lugar, tornando-o não representável.4

As “áreas de estar” eram locais onde as “crianças sem falar” (Deligny, 2015:183) passavam seus dias entre as “presenças próximas”, adultos que conviviam com elas na tentativa-rede-lugar de recepção e cuidado de autistas profundos. Importante salientar que esse cuidado era entendido, sobretudo, como uma espécie de afastamento da vontade de controlar e entender os gestos das crianças autistas, permitindo assim que elas se relacionassem livremente com as trajetórias heterogêneas que compunham cada “área de estar” e, justamente por isso, tivessem acionados em seus corpos alguns agires, gestos “para nada”, realizados sem qualquer objetivo ou relação com algum fazer. Estes agires realizados pelas “crianças sem falar” foram interpretados por Deligny como a emergência nos corpos humanos de “gestos fossilizados”, acionados pelos encontros entre algo do lugar –do entorno da área de estar– e um corpo que não está sobrecarregado com a significação proveniente das muitas camadas de linguagem e cultura.5 Um corpo, digamos, que esteja numa certa “condição autista” de distanciamento da linguagem e de sua significação. Estes agires que emergem em nós seriam, portanto, gestos acionados pelo lugar em um corpo quando este experimenta o encontro com seu entorno sem que alguma significação se interponha entre eles, estando este corpo mais aberto às sensações sem sentido que o atravessam em seu inevitável encontro com a heterogeneidade de trajetórias que compõe o lugar.

Mas como produzir esta “condição autista” em corpos sobrecarregados da (significação da) linguagem falada e escrita, como os de docentes, para que estes agires possam emergir? Ou, dito de outra maneira, para que os afetos do lugar possam ganhar expressão nestes corpos?

Minha aposta tem sido6 nas experimentações com imagens realizadas por docentes e crianças que não dominam a “linguagem” audiovisual, permitindo que seus corpos abandonem o “si mesmo” e sejam afetados pelo lugar (Oliveira Jr, Pereira, 2023) de maneira mais intensa, tendo essa afetação do lugar ganhado expressão em algumas das filmagens por eles realizadas.7

A partir das interessantes possibilidades abertas por estas experimentações passei a me perguntar: não seria mais interessante parar de perguntar coisas para o mundo e passar a perguntar para nosso entorno, tão próximo que é?

Para além destas perguntas mais conceituais, meu trabalho em escolas de educação básica me leva a estar atento às práticas educativas que se efetivam ali, naquele lugar. São elas que agenciam os corpos de docentes e crianças em suas relações com o lugar-escola e me levam a (me) perguntar: Que potência teriam as experimentações com cinema no lugar-escola para inventar um outro tipo de atenção que permita reparar (n)o lugar? Reparar no que está à nossa volta, parar para olhar, estar atento às conexões, acoplamentos e alianças entre humanos e não humanos na busca de fazer a reparação do que esteve rompido em nossa atenção ao lugar.

As experimentações que tenho realizado se baseiam na “pedagogia dos dispositivos” (Fórum Nicarágua, 2021; Ramos, Barquete, Pipano, 2021) inaugurada com o Projeto Inventar com a Diferença, em 20148 (Migliorin et al., 2014; Migliorin, 2015). Grosso modo, um dispositivo de criação de imagem seria “a introdução de linhas ativadoras em um universo escolhido. Ele pressupõe duas linhas complementares: uma de extremo controle, regras, limites, recortes: e outra de absoluta abertura” (Migliorin, 2015:79).

Muitos dos dispositivos propostos pelos materiais desta pedagogia atuam na ativação da vida-vivacidade de trajetórias-presenças não humanas no lugar na medida mesma que rompe com os modos habituais das crianças e docentes realizarem filmagens, exigindo que se repare –se atente– no entorno e possibilitando a criação de imagens inesperadas que, talvez, reparem –reconfigurem– as conexões e acoplamentos entre humanos e não humanos. Essa pedagogia aposta nos dispositivos de criação de imagens e sons como práticas educativas e modos de vida em que o heterogêneo, os outros –humanos e não-humanos– proliferam e animam o lugar-escola, o cinema e a infância, apostando na centralidade de não explicar ou interpretar as imagens, mas sim de experimentá-las; experimentar produzir imagens outras e experimentar ver estas outras imagens conjuntamente.

Justamente para evitar explicar as potencialidades destas experimentações com dispositivos para ativar um outro tipo de atenção às vidas não humanas que compõem nosso entorno, componho este artigo com o relato de duas experimentações realizadas em lugares-escolas distintos, em que esse outro tipo de atenção às vidas vegetais é ativado através de diferentes dispositivos de criação de imagens.

Experimentar

Esse trânsito entre um corpo humano e uma planta
pode ocorrer com uma bananeira
ou com uma árvore que vive duzentos anos,
não importa,
o importante é o cordão umbilical
ser enterrado no ato de plantar,
então criança e planta compartilham
o mesmo espírito.

Ailton Krenak (2022:39)

Experimentando devires vegetais

Na apresentação para as profissionais de duas escolas infantis da Rede Municipal de Ensino da cidade de Campinas,9 no Brasil, do Projeto Cartografia dos afetos cinematográficos no lugar-escola de educação infantil - entre o humano e o não humano, entre o registro e a arte10 optei por realizar um dispositivo ao qual venho denominando “devir vegetal”.

1. Caminhe pela escola e escolha uma planta qualquer;

2. Faça uma foto em que se possa ver desde sua saída do solo até sua ponta mais distante;

3. Repare nos movimentos que ela realizou em seu crescimento;

4. Faça com seu próprio corpo estes movimentos que a planta realizou em seu crescimento;

5. Repita estes movimentos até que sejam uma coreografia (vegetal);

6. Eleja um lugar na escola onde você gosta de ficar;

7. Pegue a câmera-celular com a mirada voltada para fora e realize a coreografia vegetal fazendo a filmagem com seu corpo em devir planta.

Essa experimentação foi realizada na manhã do dia 02 de fevereiro de 2023, em pleno verão campineiro.

Iniciamos a realização do dispositivo na segunda hora dedicada à apresentação do Projeto, após falar do contexto geral dele – os vínculos com o Laboratório de Estudos Audiovisuais-OLHO, da Faculdade de Educação/Unicamp e com o Programa Cinema e Educação, da Secretaria Municipal de Educação de Campinas – e expor alguns de seus objetivos:

»produzir um outro tipo de atenção para o lugar-entorno, focada no não humano e na criação do comum;

»cartografar as potências da escola de educação infantil para as vidas não humanas que afetam o cinema vivificarem em um lugar-escola;

»experimentar dispositivos de criação em cinema no lugar-escola;

»promover a experimentação na educação infantil de dispositivos de criação de imagens (e sons) que intensifiquem o “cinema no lugar” com especial atenção às trajetórias não humanas que o compõem, experimentando suas proliferações como afetos cinematográficos;

»produção de cadernos de dispositivos de cinema, voltados a intensificar a atenção à produção de um comum democrático e plural, no qual atuam tanto trajetórias humanas quanto não humanas, estas últimas sendo também foco de um outro tipo de atenção. (Oliveira Jr, 2022:17).

Também falamos sobre este Projeto ser uma certa continuidade do anterior Lugar-escola e cinema: afetos e metamorfoses mútuas, apontando suas diferenças –a não previsão inicial de bolsistas– e semelhanças –a inserção das profissionais da escola na pesquisa– destacando a perspectiva de publicação de materiais baseados nas experiências vividas, a exemplo dos Cadernos do Inventar (Migliorin et al., 2014) e dos Cadernos de Dispositivos de Cinema na Educação Infantil (Projeto Lugar-escola e cinema, 2022).

A partir daí adentramos a já citada pedagogia dos dispositivos e ao invés de explicá-la fomos experimentá-la, realizando, em pequenos grupos (eram quase 50 pessoas presentes), o dispositivo “devir vegetal”, estando todos em um mesmo lugar-escola, o CEI Bety Pierro.

Apresentamos somente os passos 1 e 2, de modo a manter a surpresa dos passos seguintes.

»Caminhe pela escola e escolha uma planta qualquer;

»Faça uma foto em que se possa ver desde sua saída do solo até sua ponta mais distante;

Aos poucos foram chegando ao meu whatsapp as fotos. A extrema lentidão da internet da escola fez com que não fosse possível baixar as fotos para vermos juntos todas elas, uma vez que o “ver juntos” é parte importante da pedagogia dos dispositivos, quando um outro tipo de criação acontece, vinculada aos variados sentidos que cada pessoa traz para uma mesma imagem.

Como o tempo era curto, nos restavam cerca de 20 minutos, não nos foi possível realizar os demais passos conforme previstos no dispositivo.

Mostramos então os passos de 3 a 5 e solicitamos que alguém se disponibilizasse a realizá-lo publicamente, o que não aconteceu, ainda que vários gestos tenham sido ensaiados com os corpos sentados nas cadeiras e com comentários à vizinhança e parceiras de grupo.

Fiz eu mesmo o proposto nestes passos, realizando a “coreografia vegetal” tomando como referência uma grande árvore visível a todos os presentes.

Havia muitos sorrisos nos rostos e me arrependi de não ter insistido para que levantassem de suas cadeiras e fizessem suas coreografias vegetais. Esta era a parte em que está proposto o gesto que realiza a dobra da vida não humana sobre o corpo humano...

Mas enfim, o tempo era curto e decidi apresentar os últimos passos, 6 e 7.

»Eleja um lugar na escola onde você gosta de ficar;

»Pegue a câmera-celular com a mirada voltada para fora e realize a coreografia vegetal fazendo a filmagem com seu corpo em devir planta.

Comentei então que, apesar de somente ao final se realizariam filmagens, o cinema estava posto em todos os demais passos, salientando o quanto já é cinema o “reparar” no entorno, os exercícios de enquadramento, escolha de ângulo, escolha de uma única foto entre as muitas que são tiradas (escolhas estéticas e éticas), a implicação do corpo no gesto de fazer imagem (quando ao corpo está acoplada a câmera, fazendo com que a foto não seja tributária somente do olho-olhar, mas de todo o corpo que se posiciona para fazer a imagem), etc.

Para nossa satisfação, uma professora se levantou, sentou-se no chão no meio da roda e foi realizando os gestos de filmagem que teria feito, comentando-os e explicitando seu entendimento do dispositivo. A partir dessa representação imaginária, tivemos uma conversa breve sobre o que implicava essa “mirada voltada para fora”: o provável não aparecimento da planta nas imagens, uma vez que o corpo-câmera assumiria o lugar de corpo-planta em crescimento. O que veríamos seria justamente o entorno, aquilo com o que a planta se relacionou mais diretamente para explorar as possibilidades para seu crescimento. Ou seja, o dispositivo buscava apontar o caráter relacional da vida vegetal e filmar a própria planta nos levaria a reparar mais nela do que em seu entorno.

Ao final, comentei sobre a proposta geral do dispositivo ter sido o de “escape do si mesmo”, de nossas intencionalidades e hábitos ao filmar, conforme propõe Fernand Deligny (2015), de modo que as filmagens nos trouxessem cenas inusitadas, nos mostrassem o mundo de outras maneiras e ativassem outras sensações e pensamentos em quem as experimentasse.

Durante o cafezinho com bolo que se seguiu, uma professora se aproximou de mim e fez um comentário muito interessante, alterando os passos finais do dispositivo: “eu proporia que uma outra criança fosse convidada a fazer o papel da planta escolhida, fazendo ela a coreografia do crescimento vegetal; aquela criança que teria feito a escolha da planta filmaria a coreografia realizada pela outra criança convidada”.

Como profissional da educação infantil, esta educadora já imaginou uma maneira de incluir mais crianças em devir vegetal, bem como inventou uma maneira diferente de filmar as crianças da escola: como uma personagem-planta.

Vibrei com as palavras dela, pois ali, em menos de cinco minutos ela já havia realizado o principal horizonte da pedagogia dos dispositivos, que é a da invenção infinita de dispositivos a partir do momento que o lugar –a vida e as interações que nele se dão (Massey, 2008)– agencia essa invenção em associação com outros gestos do cinema, fazendo com que o lugar entre em devir cinema e vice-versa, com as novas cineastas escolares (professoras e crianças) experimentando o devir imagem do lugar-escola.11

Tendo em vista que não nos foi possível ver juntos nem mesmo as fotos, no dia seguinte voltei a elas, baixei-as em meu computador e escolhi uma de cada pessoa que me enviou imagens para compor o mosaico-jardim-parque-vegetal (Figura 1) criado pelas profissionais das escolas: em meus termos, o devir imagem da vida vegetal.


Figura 1. Mosaico de fotos tiradas por professoras. Fevereiro 2023. Fonte: Arquivo do autor.

Digamos que fiz uma montagem (coisa de cinema!) com os fragmentos-fotos que elas capturaram no entorno. É incrível como emerge uma beleza que não é só das plantas, mas também do modo como elas compõem as imagens nos enquadramentos, na iluminação, nos ângulos, nas cores, nos distanciamentos e proximidades. Tudo isto sendo coisas de cinema e coisas do lugar.

Experimentando um lugar vegetal

A partir do convite das professoras da Universidad Nacional de Córdoba (Argentina) e integrantes-doutorandas do Grupo de Estudios Cultura, Naturaleza y Territorio,12 Profa. Ms. Carolina Ricci e Profa. Ms. Rita Maldonado, ministrei a disciplina Geografía, Cine y Educación: hacia la construcción de espacialidades y comunidades por venir concentrada em 4 dias, na primeira semana de outubro de 2022, no início da primavera cordobesa.

Logo no primeiro dia realizamos o primeiro dispositivo, proposto por mim a partir da sequência inicial do filme Alberdi, el barrio que habito ya no existe13 que havíamos assistido juntos e que foi realizado em um tradicional bairro da área central da cidade de Córdoba.


Figura 2. Frames das panorâmicas verticais. Fonte: Arquivo do autor.

Nas filmagens realizadas a partir de um dispositivo cujas regras fixas não tinham qualquer indicação “temática”, mas apenas de movimento de câmera e duração –realizar un paneo vertical lento (de arriba hacia abajo) de un minuto de duración–, apareceram com muita frequência –em oito das nove filmagens– um mesmo tipo de árvore: uma espécie de pinus.

Na Figura 2 estão os frames em que aparecem este tipo de pinus de várias maneiras e em várias idades, desde pequenos até adultos com grande altura, desde sozinhos até em duplas, desde em meio ao parque até bem junto das construções, desde ao longe até bem próximos, desde suas copas até suas sombras, como apenas um detalhe ou tomando toda a tela.

O último dos frames é o único onde esta árvore não aparece em alguma de suas manifestações naquele lugar: um grande quarteirão da universidade onde situava-se o edifício em que ocorreram as aulas da disciplina. Não por acaso esta foi a única panorâmica vertical –paneo– realizada no interior de um edifício e foi ela, com sua ausência desta árvore, um dos disparadores para uma intensa conversa sobre a onipresença dela nas ruas e parques de Córdoba.

Antes de seguir com as reverberações desta forte presença de um mesmo tipo de árvore nas filmagens, é importante dizer que, para além das regras fixas indicadas no próprio dispositivo, eu havia acrescido uma terceira, um limite extensivo de deslocamento dos/das participantes: ninguém poderia atravessar uma rua. Esta última regra, de caráter espacial, tem sido acrescida por mim nas experimentações com cinema no formato presencial em que se torna possível vivenciar o inevitável “acabar juntos” de cada lugar, conforme a conceituação de Doreen Massey (2008), que, grosso modo, seria uma constelação de trajetórias heterogêneas, humanas e não humanas, co-presentes e em inevitáveis interações em uma mesma área extensiva do planeta. Com esta regra fixa espacial eu busquei levar os/as participantes experimentarem, em especial, o lugar como devir a partir das inerentes interações-conexões-relações existentes entre os elementos espaciais (trajetórias heterogêneas) e a onipresença de trajetórias não humanas a configurar as interações-conexões-relações humanas (Krenak, 2019).

Retomando a experimentação aqui relatada, cabe dizer que foi justamente ao assistirmos juntos às filmagens e notarmos a forte presença daquela árvore é que ela se tornou o foco de maior intensidade nas conversas sobre aquele lugar –o amplo quarteirão onde estávamos nas bordas da universidade, limitado pelas ruas ao seu redor. Foram as filmagens não temáticas que nos trouxeram o tema do pinus, uma espécie de árvore que agenciou um muitos desassossegos e informações, dúvidas e pesquisas posteriores sobre, por exemplo, se ela era uma árvore exógena ou endógena à região de Córdoba ou ao território da Argentina, como ela havia se tornado uma árvore tão presente na área urbana, se era remanescente de certas concepções de paisagismo, quais os impactos da presença deste pinus sobre as demais formas vegetais (pois se notava nas filmagens que próximo a elas não havia outras plantas), quais as relações dos pinus com outras formas de vida (pois se notou, ao realizarmos o dispositivo seguinte, que tinha uma dimensão sonora, que não havia ninhos de pássaros em nenhuma destas árvores), quais as relações os humanos estabeleciam com elas (tais como sombra, beleza, sensação de poder devido à altura de algumas delas...).

Todas estas conversas colocavam em forte devir aquele lugar, dobrando sobre ele miradas cada vez mais detidas, preocupações e propostas cada vez mais engajadas na produção de um “outro lugar” onde, por exemplo, existiria menor quantidade ou mesmo nenhuma árvore desta espécie.

No dispositivo seguinte ao comentado acima, a escolha de modos de filmar e modos de gravar sons não estiveram propostos somente na comanda do dispositivo, mas sim deveriam estar em sintonia com algum modo de filmar e gravar sons visto-ouvido em pequenos filmes14 apresentados no início do terceiro dia da disciplina, provenientes de dois projetos de cinema e educação: Hacelo Corto,15 do Governo da Cidade Autônoma de Buenos Aires, na Argentina, e Entrecenas - Circuito de Formação em Artes Experimentais,16 do coletivo 4 Folhas Audiovisuais, no Brasil.

Na comanda escrita do dispositivo lia-se:

Elegir dos formas de hacer cine extraídas de las películas para realizar sus experimentaciones por el entorno.
Una forma de hacer imágenes y una forma de hacer sonidos.
Duración máxima de las filmaciones/grabaciones: 90 segundos.

Tendo em vista que a disciplina tinha como foco o “fazer lugar” através do cinema, em todas as comandas dos dispositivos mantivemos o limite extensivo de deslocamento dos/das participantes: ninguém poderia atravessar uma rua.

Um dos filmes assistidos foi Clandestina17 (Figura 3) em que temos filmagens em vários ângulos e enquadramentos realizadas no lugar de convivência e encontro de suas realizadoras, a escola, onde acompanhamos os percursos e paradas de uma jovem que se descobre grávida.


Figura 3. Frames do filme Clandestina. Fonte: Festival Hacelo Corto.

O outro filme assistido foi Silêncio18 (Figura 4) em que temos um lento plano-sequência em que vemos uma grande plantação de eucaliptos enquanto ouvimos trinados de diversos pássaros. Somente ao final, com a aproximação da câmera, descobrimos que o trinado dos pássaros era produzido por um celular.


Figura 4. Frames do filme Silêncio. Fonte: 4 Folhas Audiovisuais.

As filmagens realizadas a partir deste dispositivo foram bastante afetadas pelas conversas anteriores sobre o pinus, bem como pelo filme Silêncio, tendo sido frequentes as panorâmicas horizontais da parte vegetada do quarteirão onde estávamos, ainda que tenha sido realizado um travelling cruzando parte deste quarteirão, não por acaso a parte mais vegetada, inclusive com árvores reconhecidamente nativas daquela região.

Já as gravações sonoras foram tentativas deliberadas de gravar sonoridades dos pássaros que povoam e voam naquele quarteirão. No entanto, para nossa “sorte”, elas foram sempre atravessadas por outras sonoridades do entorno, sobretudo ruídos de automóveis e sirenes de ambulâncias, levando-nos a reparar no tanto de outras sonoridades compunham aquele lugar e no quanto é difícil controlar a captação de sons de um lugar, enquanto a captação de imagens permite mais facilmente fazer recortes e exclusões de parcelas do lugar que não desejamos façam parte de nossas filmagens.

Esses atravessamentos sonoros também nos levaram a boas e intensas conversas sobre como, em termos sonoros, há uma mais forte distinção entre zonas rurais e zonas urbanas, sobre como a parte auditiva do cinema nos traz inúmeras sensações e descobertas, havendo necessidade em repararmos mais nela, sobretudo, “nos silêncios das filmagens”, conforme destacou uma estudante.

Finalizo este relato com o poema escrito como epígrafe e “resumo” de um dos trabalhos finais entregues nesta disciplina, onde está explicitada a busca por propor dispositivos de criação de imagens que promovam algum comum e que nele as vidas não humanas também povoem as imagens e os lugares criados nelas e através delas.

Seis personas,

cinco creando imágenes

quietas y en movimiento.

Dos continentes,

dos personas en la misma ciudad,

una sola creando imágenes,

otra creando un dispositivo y un montaje.

Todas las personas

creadoras de imágenes,

en ciudades distintas.

Ciudad-color,

plano-detalle,

acercarse-alejarse.

Vivir,

vivenciar…

Sentir.

Algo se despierta,

algo se busca,

¿una emoción?

¿una sensación?

¿dónde está lo urbano?

¿Qué es la ciudad?

¿Cómo habita la naturaleza?

Una comunidad,

de cine,

de aprendizajes,

Comparte

Experiencias movientes,

que conjugan

un porvenir

que se vuelve común

con sus propias singularidades.

Carla Pedrazzani

Reparar

Aí eu me pergunto:

como fazer a floresta existir em nós,

em nossas casas, em nossos quintais?

Podemos provocar o surgimento

de uma experiência de florestania

começando por contestar essa ordem urbana sanitária

ao dizer: eu vou deixar o meu quintal cheio de mato,

quero estudar a gramática dele.

Ailton Krenak (2022:65)

Nestas e em outras experimentações com criação de imagens através de dispositivos há sempre uma exigência de reparar (n)o lugar para buscar outras potencialidades de vida ali. Vida entendida tanto como capacidade de afetar quanto variação contínua (Deleuze, 1992). Na maior parte das vezes o que se busca neste reparar é fazer reparos: reparar o corpo em sua sensibilidade atrofiada (direcionada às coisas do humano) e reparar o lugar em suas reconexões com aquilo que não é humano.

Seria preciso re-sensibilizar o corpo para torná-lo sensível ao que tem sido dessensibilizado pela nossa cultura-lugar habitual?

Nossa cultura habitual, ocidental e humanista, nos faz notar as coisas, cada uma delas, e não as relações entre elas, aquelas que as sustentam como são. Também nos faz notar os humanos –e as decisões tomadas por eles, por nós– e não aquilo que os afetou ali, no lugar onde estavam, para que agissem de tal maneira. Nos faz notar o que está aí como algo dado, estático e estável, e não algo cuja estabilidade está em manter distante (insensível? invisível? inaudível? intocável?) aquilo que ali também vive como interação-conexão-relação, como afetação e mistério. Nos faz notar o que se pode fazer-extrair (d)ali –futuro-desenvolvimento– e não o que pode viver ali –presente-encontros-devires– estabelecendo composições (relações-conexões-metamorfoses) com o que já está ali.

Em outras palavras, nossa cultura nos faz notar o que é, mas não o que está em devir devido às inevitáveis interações que ocorrem todo o tempo em qualquer lugar.

Ao tornar o corpo sensível a reparar (em) certas coisas justamente para não reparar em outras, nossa cultura-nosso lugar produz este (nosso) corpo como um corpo que se deseja estável, fixo, e não como um corpo em constante devir, afetado por tudo aquilo que lhe chega do entorno.

Por isso, é preciso, primeiro, interromper o fluxo habitual que vincula nossos corpos humanos ao lugar onde estão para poder justamente forçar esses corpos a “voltarem a ver, escutar, tocar, ouvir e “gostar” deste simples “estar aí” conforme propõem as “áreas de estar” (Deligny, 2015) ou o tekoha dos povos indígenas guarani, que quer dizer “o lugar onde somos o que somos”, teko somos nós, cada um(a), e ha, seria o coletivo (um coletivo muito além do humano).

É exatamente este tipo de “interrupção” que se dá através da regra fixa e obrigatória estabelecida por cada dispositivo de criação de imagens (e sons). Ao interromper o hábito se estabelece uma ruptura nas relações que sustentam um corpo no lugar, tornando sensíveis estas próprias relações. Quando alguém sente desassossego por não poder mais “fazer assim” uma filmagem é porque esse “fazer assim” (seu gesto habitual de filmar) sustentava aquele corpo no lugar, como co-constituintes um do outro. Nossos modos de ver –de reparar– são (parte de) nossos modos de habitar um lugar.

Mas é importante salientar que a interrupção de fluxo estabelecida pela regra fixa de um dispositivo não se dá por um impedimento, um “não fazer assim”, mas sim por um “faça deste modo”. É esta exigência em um certo modo de fazer imagens que impede que o fazer habitual se estabeleça. A interrupção, portanto, é um “efeito secundário” (desejável) de uma exigência em fazer de um modo específico, nada ou pouco habitual, deliberadamente estabelecido para provocar desmoronamentos das relações habituais (que enrijecem nossos corpos e lugares em certos modos de vida que nos fazem notar certas coisas e não notar outras). Ao mesmo tempo, provoca a invenção de outras relações (e com elas a exigência de um outro “corpo no lugar”, um outro “estar aí”).

A partir dessa regra fixa que exige “fazer deste modo” será necessário inventar outras maneiras de se relacionar com o entorno, com o estar aí. Mas como não se sabe ainda quais poderiam ser as novas relações que podem emergir de nosso “corpo no lugar” de modo a ampliar nossa potência de agir ali, abre-se o corpo para as experimentações de novas conexões com as demais trajetórias que compõem o nosso entorno, levando-nos a reparar com mais atenção. Ou melhor, reparar o entorno com outros tipos de atenção, de modo a descobrirmos onde estariam as outras possíveis conexões que poderíamos fazer ali, de modo a “dar vida” (potência) às nossas imagens e, indiretamente, aos nossos próprios corpos em suas negociações no e com o lugar, fazendo com que este lugar entre em devir ou, melhor dizendo, seja notado como estando sempre em devir, mas tendo seus devires reduzidos-bloqueados pelos nossos próprios hábitos de (não) notar...

Aquele professor que iniciou este artigo teve seus hábitos alterados e sente que há muito mais para reparar quando se depara com chamados como este:

A gente não precisa esperar o povo da floresta se deslocar da sua vida para fazer essa mudança. Ela pode ser feita por aqueles que estão dentro da cidade, fazendo um furo no muro da cidade. Esse furo, ele é vegetal. (Krenak, 2023 – postagem no Instagram do Selvagem - Ciclo de Estudos da Vida)

Na praça em frente à escola o professor olha para seu entorno e (se) pergunta: onde já tem um furo? Como fazer outros furos para que a floresta venha povoar a cidade?

Nas experimentações relatadas neste artigo, são as vidas vegetais que estiveram em foco, seja nos dispositivos propostos para a produção das imagens por cada participante –no caso da primeira experimentação relatada–, seja nas reverberações ao “ver juntos” as imagens produzidas –no caso da segunda experimentação relatada. Em ambas as experimentações são as plantas que agenciam a ação de reparar, nos dois sentidos que este verbo possui na língua portuguesa: o de “notar, observar ou conseguir perceber” e o de “restaurar, consertar”,19 tendo os dois sentidos de reparar uma direta relação com “ter cuidado com” e “estar atento a” aquilo que está próximo, no entorno, no lugar.

De certa maneira, pode-se dizer que estas experimentações nos fazem reparar na floresta que insiste em viver na cidade. Nas palavras de Ailton Krenak:

Quem fura os muros da cidade são as plantas. Elas que fazem isso no chão, elas racham esse chão de cimento. Se elas tiverem tempo, elas entram por aqui, furam a parede, comem esta estrutura e vão configurar outros lugares, onde a floresta pode recuperar novos lugares. (Krenak, 2023, postagem no Instagram do Selvagem - Ciclo de Estudos da Vida)

Poderíamos, então, dizer que a floresta coincidiria com o que tem sido dessensibilizado na cidade? Floresta como multiplicidade não só vegetal, como aquilo que, a despeito de ter sido extraído, permanece soterrado –no visível do lugar, no invisível da memória, no insensível da ausência de rituais– com(o) potência de renascer. Ela não estaria morta, mas viva ali, em plena cidade, em estado de latência, embrião à espera de uma conexão que a faça fluir em novas conexões (Oliveira Jr, 2020). Floresta como aquilo que pode, de repente, fazer um corpo agir como espécie, para nada (Deligny, 2015), revelando a floresta que persiste ali e que, mesmo fossilizada, estabelece (potencialmente) relações? Floresta como entidade?

Floresta como uma imagem forte da vida (Krenak, 2021): um mundo todo vivo, onde cada vida afeta a outra –seja ela vegetal, mineral, humana, imaterial– fazendo-se sempre conexão e devir. Vida entendida mais como um conjunto de interações-relações-metamorfoses e menos como uma passagem de tempo. Mais como uma aliança múltipla que sustenta a si mesma (como devir... por interação e desejo) do que como aquilo que se transforma como evolução biológica (as distintas idades, a vida e a morte).

Por isto nos perguntamos que potência teria esse conceito de floresta, como um mundo todo vivo, conforme aparece nas palavras de pensadores indígenas, para pensar os afetos cinematográficos do lugar-escola?

É esta pergunta que nos tem levado a inventar novos dispositivos de criação de imagens (e sons) que exijam um outro tipo de atenção ao entorno, um modo de exigir que reparemos no lugar e que reparemos o lugar como quem repara na e a floresta.

Dispositivo de atenção às distâncias

1. caminhe pelo entorno e escolha um local que lhe seja ou pareça especialmente acolhedor; escolha uma posição corporal e permaneça nela por cinco minutos;

2. durante esse tempo repare nos ruídos ao seu redor; uns lhe chegam de perto; outros de longe: altos, agudos, graves, suaves, vibrantes, baixos;

3. repare onde esses ruídos vibram em seu corpo;

4. repare também se há silêncio ou silêncios neste local; repare se são contínuos ou intercalados;

5. repare onde esses silêncios vibram em seu corpo;

6. realize uma gravação sonora com a duração de um minuto no mesmo local ou em outro de sua escolha.

Dispositivo de atenção ao chão

1. caminhe pelo entorno durante dez minutos, dedicando especial atenção ao toque de seus pés por onde passa; se quiser, descalce seus pés antes de iniciar seu caminhar;

2. repare com os olhos e, onde for possível, com as mãos as texturas dos locais onde andam outras formas de vida que tenha encontrado em sua caminhada pelo entorno;

3. realize três filmagens de vinte segundos cada com a câmera voltada para baixo, de modo que não seja visto nenhum horizonte na imagem;

4. monte as três filmagens em uma única sequência sem som.

Dispositivo de atenção às interações

1. caminhe pelo entorno durante dez minutos e deixe-se levar pelos aromas que encontra pelo caminho; aproxime suas narinas de três aromas que lhe tenham capturado os sentidos;

2. repare naquilo que está ao redor de cada uma destas fontes aromáticas; recolha e leve consigo algo que estava ali; ao final da caminhada você terá nas mãos três coisas recolhidas no percurso;

3. escolha uma planta do entorno e estabeleça alguma interação entre ela e as três coisas que recolheu na caminhada;

4. realize de uma a seis filmagens desta interação, de maneira que a duração total seja de um minuto.

Todas as imagens e sons gestados nestes dispositivos e em todos os outros, infinitos, passíveis de serem inventados em cada lugar-escola, devem ser experimentados conjuntamente, dando continuidade à criação coletiva, comum, no “ver juntos”, conforme propõe a pedagogia dos dispositivos (Fórum Nicarágua, 2021), de modo que a criação se faça em nós também como espectadores das imagens e sons dos outros.

Como criar dispositivos que criem alianças persistentes entre crianças (ou uma criança) e alguma outra forma de vida presente no lugar-escola? Ou com uma forma de vida que pode vir a compor-estar presente no lugar-escola? Uma árvore, um buraco no chão, um vento, uma folha que caiu da árvore? Seria possível colocar essa folha cada dia em um ponto diferente do lugar, com uma nova interação/conexão, inventar ali uma história e múltiplas continuidades? O que filmaríamos? As relações de proximidade e distância entre a folha e os diversos entornos onde ela terá sido colocada? As conexões entre a folha e as outras trajetórias heterogêneas daquele lugar? Uma criança contando a história (inventada) da folha ou inventando continuidades de vida para ela em cada um dos lugares onde for colocada?

Uma folha vegetal nos levaria a notar aquilo que é fixo (uma árvore, um brinquedo, um muro, uma pilastra que escora uma construção...) e buscar trazer coisas para perto (ou ir estabelecendo proximidades) e sempre seguir produzindo novas interações-conexões através de variados gestos do cinema: sonoridades, imagens, histórias, texturas, reverberações nos corpos das experiências corporais de cada encontro, em cada coisa que se encontrou... uma folha que amassou, uma criança que sorriu ou arregalou os olhos ou mexeu os dedos ou agachou para ver ou tantas outras possibilidades, pois que tudo aquilo que é agenciado para que uma imagem se produza já é cinema.

Penso que o mais importante seria inventar dispositivos que evidenciem nossa “condição relacional” (Massey, 2008) e criar uma conexão-aliança que permita “criar floresta como subjetividade”20 (Krenak, 2021) de modo que a criança vá sentindo que “tudo está vivo” e que “tudo está conectado”, que tudo se afeta e está em variação, que nunca se é alguém separado, mas sempre estamos sendo junto com várias relações, interagindo, sendo afetados e devindo outros de nós mesmos.

Mas ainda mais importante seria que essa criança perceba que há vidas que se encontram mais ameaçadas que outras justamente porque as conexões e sustentações para ela existir estão mais frágeis. E que, devido ao nosso próprio senso estético – a “simples” beleza e feiura –, queremos conservar o que achamos bonito (borboletas e jequitibás e roseiras) e queremos matar ou invisibilizar o que achamos “feio” (gambás e lagartixas e lagartas) ou “perigoso” (aranhas e vegetações tidas como somente mato). Poderiam as imagens “embelezar” o que corre risco, reparando as ameaças de seu desaparecimento?

Finalizo com as palavras de quem me atravessa como uma epígrafe:

Nossa sociabilidade tem que ser repensada para além dos seres humanos, tem que incluir abelhas, tatus, baleias, golfinhos. Meus grandes mestres da vida são uma constelação de seres – humanos e não humanos. (Krenak, 2022:101)

#Bibliografia

»Deleuze, G. (1992). Conversações. São Paulo: n-1 edições.

»Deligny, F. (1971). Los vagabundos eficaces. Barcelona: Editorial Estela.

»Deligny, F. (2015). O Aracniano e outros textos. São Paulo: n-1 edições.

»Deligny, F. (2009). Permitir Trazar Ver. Barcelona: Museu d’Art Contemporani de Barcelona.

»Fórum Nicarágua (Migliorin, C.; Garcia, L.; Pipano, I.; Resende, D.). (2021). A Pedagogia do Dispositivo: Pistas para Criação com Imagens. En: C. Leite, F. Omelczuk y L. A. Rezende (orgs.), Cinema-Educação: políticas e poéticas. Macaé: Editora NUPEM.

»Kopenawa, D.; Albert, B. (2015). A queda do céu – palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras.

»Krenak, A. (2019). Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras.

»Krenak, A. (2021). Comecem a produzir floresta como subjetividade. Amazônia Real. https://amazoniareal.com.br/comecem-a-produzir-floresta-como-subjetividade-como-uma-poetica-de-vida-diz-ailton-krenak-a-plateia-portuguesa/

»Krenak, A. (2022). Futuro ancestral. São Paulo: Companhia das Letras.

»Massey, D. (2008). Pelo espaço – uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

»Migliorin, C. (2015). Inevitavelmente cinema: educação, política e mafuá. Rio de Janeiro: Beco do Azougue.

»Migliorin, C.; Pipano, I.; Garcia, L.; Martins, I. M.; Guerreiro, A.; Nanchery, C.; Benevides, F.; Egrejas, F. (2014). Cadernos do Inventar – cinema, educação e direitos humanos. Universidade Federal Fluminense/Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça. https://www.academia.edu/30703627/Cadernos_do_Inventar_com_Diferen%C3%A7a

»Oliveira Jr, W. M. (2015). Uma educação e um cinema no terreno? - o espacial e as imagens verdadeiras em Fernand Deligny e Cao Guimarães. IEm Fresquet, A. (Org.), Cinema e educação: a lei 13.006 – reflexões, perspectivas e propostas. Ouro Preto: Universo Produções.

»Oliveira Jr, W. M. (2018). Lugar-escola e cinema: afetos e metamorfoses mútuas. (Projeto de Pesquisa e Extensão – Linha Ensino Público). São Paulo: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (circulação restrita).

»Oliveira Jr, W. M. (2020). A floresta não (a)parece selvagem por todos os lados: encontros inumanos no cinema em escolas infantis. Climacom Cultura Científica - Pesquisa, Jornalismo e Arte, 17, 1-18. http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/wenceslao-jr-florestas/

»Oliveira Jr, W. M. (2022). Cartografias dos afetos cinematográficos no lugar-escola de educação infantil. (Projeto de Pesquisa). São Paulo: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (circulação restrita).

»Oliveira Jr, W. M.; Pereira, M. S. C. (2023). Geografias giratórias: o agir da espécie e seu acionamento pelo lugar. Cadernos Deligny, 2, PUCRio.

»Projeto Lugar-Escola e Cinema (Oliveira, J. P. S.; Faria, M. C. T.; Guari, M.; Silva, M. A.; Melo, R. L.; Amaral, S. R. F.; Camilo, T. C. S.; Oliveira, W. A. S.; Oliveira Jr, W.M.) (2022). Cadernos de Dispositivos de Cinema na Educação Infantil. Campinas: Secretaria Municipal de Educação. https://educa.campinas.sp.gov.br/sites/educa.campinas.sp.gov.br/files/2022-05/EBOOK_Cadernos%20de%20dispositivos%20de%20cinema%20na%20EI_Folhas%20Individuais.pdf

»Ramos, A. B.; Barquete, F. L.; Pipano, I. (2021). A pedagogia dos dispositivos: um método para a educação audiovisual. Semente: educação audiovisual. https://semente.educacaoaudiovisual.com.br/2021/05/06/a-pedagogia-do-dispositivo-um-metodo-para-a-educacao-audiovisual/

»Rodrigues, L. S.; Anciães, M. (2015). Verde Perto – Educação. Manaus: Editora INPA.

Wenceslao Machado de Oliveira Junior / wenceslao.oliveira@gmail.com

Licenciado en Geografía (1987, UFJF) y doctor en Educación (1999, Unicamp). Actualmente, es profesor del Departamento de Educación, Conocimiento, Lenguaje y Arte e investigador del Laboratorio de Estudios Audiovisuales de la OLHO, ambos de la Facultad de Educación de la Unicamp. Ha realizado estudios posdoctorales en el Departamento de Geografía de la Universidad de Minho, Portugal (2015), y en el PPGCine-UFF (2022), en el Kumã-Laboratorio de investigación y experimentación en imagen y sonido, con el proyecto “ Cartografía de los afectos cinematográficos en la escuela de educación infantil - entre lo humano y lo no humano, entre la grabación y el arte”. Continuó en 2023 sus estudios posdoctorales en el Instituto de Geografía de la Universidad de Buenos Aires, trabajando en dos colegios públicos de educación infantil. Es miembro de la Red Latinoamericana de Educación, Cine y Audiovisual-Red Kino y de la Red Imágenes, Geografías y Educación. Investiga las relaciones y experimentos entre cine y escuela, tomando la escuela como lugar, articulando con actividades de extensión junto con el Programa Cine y Educación, de la Secretaría Municipal de Educación de Campinas, habiendo coordinado, en dos escuelas de esta red educativa, el proyecto “Lugar escolar y cine: afectos y metamorfosis mutuas”, entre 2019 y 2021.


2 Apenas a título de exemplo, note-se a obra do artista macuxi Jaider Esbell,que esteve no centro da exposição Moquém_Surarí no Museu de Arte Moderna de São Paulo: https://elastica.abril.com.br/especiais/jaider-esbell-bienal-mam/ Acesso em 1/8/2023.

3 Importante dizer que não foi somente o encontro com esse autor que me trouxe o contato com as potencialidades de focar no próximo ao invés do distante. Fazia já bastante tempo que muitas ações e escritos já vinham realizando isso em várias áreas das Humanidades, em especial da Educação, como a educação ambiental, a geografia e a biologia, produzindo projetos e publicações em que o próximo é o disparador das ações e preocupações. Ver, por exemplo, o Verde Perto (Rodrigues & Anciães, 2015).

4 Para essa geógrafa, um lugar “não é, de forma alguma, uma superfície” (Massey, 2008:160), mas sim “a esfera da coexistência de uma multiplicidade de trajetórias” (2008:100) humanas e não humanas, “uma simultaneidade de estórias-até-agora” (2008:29) que “envolve contato e alguma forma de negociação social” (2008:143). Ela conceitua lugar como um conjunto de devires copresentes, “uma eventualidade” (2008:89) que “implica o inesperado” (idem:165), “um produto contínuo de interconexões e não conexões [...] sempre inacabado e aberto” (idem:160), estando, portanto, “sempre em construção” (2008:29), no “entrelaçamento de trajetórias em curso, das quais algo novo pode emergir” (2008:138).

5 Essa seria a atuação dos “dispositivos de criação de imagens”, pois eles visam, por um lado, romper os hábitos de significação na produção das filmagens, apostando, por outro lado, que as filmagens feitas através desses “dispositivos” seriam “para nada” (sem significado previamente definido) e ganhariam, talvez, significados no momento de sua espectação/experiência quando, também talvez, uma maior quantidade de sentidos e sem sentidos podem emergir delas (uma vez que não estariam domesticadas em certos sentidos previamente previstos) e dar passagem para as matérias de expressão que naquele lugar-escola afetam os corpos e os levam a expressarem(-se) o mundo que insiste em vazar através de suas criações.

6 Esta aposta iniciou-se no Lugar-escola e cinema: afetos e metamorfoses mútuas (Fapesp Ensino Público 2018/09258-4) onde pode-se ler: “[e]sse Projeto se propõe a tomar a chegada desse outro cinema na escola como um momento de perda de linguagem (audiovisual-cinematográfica) pelos professores, uma vez que os “dispositivos de criação de imagens” por eles experimentados ao longo das oficinas de cinema visam, sobretudo, provocar impossibilidades de filmagem como habitualmente as fariam, lançando-os em um “não saber” onde a falta é exatamente aquilo que os força a criar imagens (e sons) para nada (Deligny, 2015) através de “tentativas” e não propriamente de “iniciativas” (nas quais dominariam a linguagem) (Deligny, 2009). Os corpos-câmeras professores estariam, portanto, experimentando(-se) o lugar-escola na ausência de linguagem audiovisual que o amparassem em suas filmagens, forçando-os a uma certa “condição autista” que faria com que os elementos do espaço (as coisas e pessoas da escola) atuariam como força de atração maior que o “si mesmo” de cada professor, fazendo com que as filmagens venham a se dar ao sabor das errâncias de um corpo-câmera atraído pelos acontecimentos do lugar-escola” (Oliveira Jr, 2018:12).

7 Ver canal do cineclube escolar onde foram postados os filmes realizados durante o Projeto Lugar-escola e cinema: afetos e metamorfoses mútuas: https://www.youtube.com/channel/UCrSABemrU4n_HGEH4fDvK3A/videos Acesso em 31/07/2023

9 A apresentação do Projeto tinha por finalidade afetar pelo menos uma turma de cada uma das duas escolas presentes –Centro de Educação Infantil-CEI Bety Pierro e Escola Municipal de Educação Infantil-EMEI Benjamin Constant – as quais realizam as reuniões e formações conjuntamente e possuem a mesma equipe gestora.

10 Pesquisa apoiada pela Fapesp (Processo 2021/11398-1).

11 Após minha saída da escola a reunião seguiu e uma das pautas seria a conversa sobre o Projeto e o acolhimento ou não por pelo menos duas turmas. No meio da tarde do mesmo dia recebi a seguinte mensagem de whatsapp da orientadora pedagógica das escolas: “O projeto Cinema na Escola encampado com sucesso e interesse de 4 turmas em participar!!!” Dizia também que seriam duas turmas de cada uma das escolas e que ela mesma estava interessada em fazer parte da equipe de pesquisa e experimentação.

12 Grupo do Instituto de Geografia da Faculdad de Filosofía y Letras da Universidad de Buenos Aires. http://geografia.institutos.filo.uba.ar/culturanaturalezaterritorio e https://vhollman.wixsite.com/grupo-de-estudios/integrantes 

14 A escolha destes filmes se deu por três critérios: 1. terem sido produzidos em projetos de cinema e educação do Brasil e da Argentina; 2. serem curtas-metragens; 3. apresentarem modos pouco habituais de filmar e de captar sons.

19 https://www.dicio.com.br/reparar/ Acesso em 31/072023.

20 “Comecem a produzir floresta como subjetividade, como uma poética de vida, cultivem essa lógica dentro de vocês, diminuindo a velocidade, essa tensão que a vida implica, e criem uma essência afetiva, colaborativa, que é a natureza da floresta” (Krenak, 2021).