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Departamento de Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte. Faculdade de Educação. Universidade Estadual de Campinas, Brasil.
Recibido: 28 de febrero de 2019. Aceptado: 20 de agosto de 2019.
Este texto se configura em dois movimentos de escrita, buscando apontar diversos territórios de poder nas imagens, bem como seus diversos tipos que têm feito parte da partilha dos saberes no Brasil contemporâneo. O primeiro movimento, mais geral, está focado em dois territórios de poder onde as imagens têm sido contestadas, ao partilharem conteúdos atinentes à religião e à sexualidade; esses territórios contestados são comentados a partir de imagens históricas e atuais, estando em conexão com pinturas, desenhos e charges. O segundo movimento é dedicado a um território de poder específico, a geografia escolar, e se realiza na escrita em conexão com fotografias presentes em livros didáticos de geografia e com uma fotografia que se desvia delas em suas funções e pretensões de poder. Operam nos dois movimentos os conceitos de imagem verdadeira e tropa de imagens, de Fernand Deligny. Ao final, argumenta-se que apostar nos territórios de poder que emergem na imagem significa também apostar que o poder emerge do risco do não reconhecimento, que o poder da imagem emerge também no ato de se deixar conduzir pelo que não se vê e não se sabe.
PALAVRAS-CHAVE: IMAGEM. PODER. FERNAND DELIGNY. LIVRO DIDÁTICO. RESISTÊNCIA.
This text is configured in two movements of writing, seeking to point out several territories of power in the images, as well as several types that have been part of the exchange of knowledge in contemporary Brazil. The first broader movement is focused on two territories of power where images have been contested after sharing contents related to religion and sexuality; these contested territories are commented on from historical and current images, in connection with paintings, drawings and cartoons. The second movement is dedicated to a specific power territory, school geography, and accomplishes in writing in connection with photographs present in geography textbooks and with a photography that deviates from them in their functions and pretensions of power. The concepts of real image and troop of images by Fernand Deligny take effect in both writing movements. In the end, it is argued that betting on territories of power that emerge in the image also means betting the power that emerges from risk of non-recognition, that the power of the image also emerges in the act of letting oneself be led by what one does not see and is not known.
KEY-WORDS: IMAGE. POWER. FERNAND DELIGNY. TEXTBOOK. RESISTANCE.
PALABRAS CLAVE: IMAGEN. PODER. FERNAND DELIGNY. LIBRO DE TEXTO. RESISTENCIA.
Não entendo.
Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender.
Entender é sempre limitado.
Mas não entender pode não ter fronteiras.
Sinto que sou muito mais completa quando não entendo.
Não entender, do modo como falo, é um dom.
Não entender, mas não como um simples de espírito.
O bom é ser inteligente e não entender.
É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida.
É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice.
Só que de vez em quando vem a inquietação:
quero entender um pouco. Não demais:
mas pelo menos entender que não entendo.
Clarice Lispector
(A Descoberta do Mundo, 1984:182)
A epígrafe diz muito do modo como me aproximo do assunto, extenso e espinhoso, deste texto,1 composto por palavras e imagens: “isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender”, mas “quero entender um pouco”. Na busca deste “entender que não entendo” quais seriam os territórios de poder nas imagens, trago aos leitores três modos de aproximação deste assunto: a atualidade, a diversidade e a conceitual.
A atualidade se fez um modo de aproximação na escolha do recorte temático inicial, na religião e na sexualidade, uma vez que neste momento, no Brasil, um dos principais territórios de poder nas imagens diz respeito às relações sensíveis que elas podem estabelecer com estes dois temas, seja na escola, seja na arte, seja na mídia. Tendo em vista a aproximação com a atualidade, selecionei algumas imagens que contêm signos que se ligam às recentes polêmicas vinculadas aos temas da religião e da sexualidade para desenvolver o primeiro movimento do texto.
A diversidade se fez outro modo de aproximação, nas linhas e entrelinhas tecidas no percurso por entre imagens elaboradas em diversas linguagens e em diversos registros e contextos visuais (Lois e Hollman, 2013). Este é, certamente, um percurso de aproximação sempre tenso e complexo, atravessado pelo salto de confiabilidade existente entre as imagens tidas como de elaboração e registro mais subjetivos –pinturas e desenhos– e aquelas tidas como de elaboração e registro mais objetivos –fotografias–, bem como pelo salto de confiabilidade vinculado aos contextos onde essas imagens aparecem e circulam, os quais associam a elas determinadas tropas de outras imagens.
Como terceira forma de aproximação, escolhi os conceitos de tropa e verdadeiro, utilizados na obra de Fernand Deligny (2009; 2015) para pensar as imagens. Estes conceitos operam no texto, apesar de não ser o foco de minha argumentação.
No primeiro movimento de escrita, mais geral, abordo os territórios de poder nas imagens, a partir de imagens históricas e atuais. Nessa parte, elas estarão presentes em linguagens, registros e contextos diversos: pinturas, desenhos, charges e fotografias presentes em paredes de capelas, páginas de livros e jornais, telas de portais e redes sociais da internet. Em meu segundo movimento de escrita, faço relações entre essa primeira parte, mais geral, e imagens que atravessam nosso território de poder mais específico, a geografia escolar. O foco será, então, em fotografias presentes em livros didáticos de geografia, tendo como contraponto uma fotografia não didática, presente na capa de uma revista acadêmica eletrônica da área de Educação.
Antes de seguir para o primeiro movimento de escrita, trago aqui, de maneira bem breve, os conceitos que serão marcadores importantes da perspectiva que atravessa meu argumento de gestação e constituição de territórios de poder nas imagens.
Para Fernand Deligny, as imagens funcionam em tropa, ou seja, nunca andam sozinhas. Sua possibilidade de leitura ou entendimento e seu poder de afetação estão justamente em acionar outras e outras e outras imagens que, ao se conectarem, ao trombarem com ela, promovem rasuras, desvios, vazamentos... Enfim, têm o poder de desterritorializar aquele território inicial onde uma imagem, ou conjunto de imagens, se situa. Por exemplo, podem desterritorializar o território de poder em que as imagens aparecem como provas visuais da realidade, território esse gestado e configurado nos livros didáticos de muitas disciplinas escolares –entre elas, certamente, a geografia–.
É também desse funcionamento em tropa que uma imagem agencia poder para configurar um certo território, pois uma ela não aciona qualquer outra. Ao contrário, uma imagem aciona exclusiva ou principalmente aquelas outras que fazem tropa com ela em cada recorte de nossa cultura. Por exemplo, em nossa cultura geográfica, a imagem do Rio São Francisco aciona outras do mesmo rio ou de outros rios e bacias hidrográficas e cidades ribeirinhas e matas ciliares e usinas hidrelétricas e...2 É muito importante esse e..., pois ele é que indica que uma imagem irá acionar outra e outra e outra. Mas não qualquer outra escolhida por cada um de nós, porém aquelas cuja tropa se forma entre as próprias imagens. Não é, portanto, uma escolha subjetiva, mas uma imposição sobre os sujeitos das outras imagens que chegam em tropa acionadas por uma delas, pois “as imagens (...) não são imagens a não ser quando formam tropas e nessa formação, vão de uma para outra, refletindo(se) umas nas outras. Só podem existir nesse acordo e esse acordo é entre elas; delas procede” (Deligny, 2009:129), não sendo passível de ser determinado antes delas.
Por isso, a imagem de um rio inicialmente não acionará imagens de vulcões ou dos supercomputadores ou das metrópoles ou dos oceanos trafegados por milhares de navios, embora essas sejam imagens que estão, digamos, no horizonte da tropa de imagens acionada pelo rio.
Nessa perspectiva, os próprios significados e (sem) sentidos de uma imagem não estariam nela própria, mas sim na tropa de imagens que ela aciona. No entanto, ao invés de perseguir a tropa, a lógica da eficiência, da rapidez, da economia produtivista da educação (seja ela escolar ou universitária) estanca o processo de desdobramento da tropa de imagens, fazendo com que paralisemos o pensamento –para ficar somente com aquela imagem primeira, com o que ela quis dizer/representar, aquele Rio São Francisco indicado na legenda abaixo ou no título acima da fotografia–. Ponto final.
O professor pede para seguir, pois é só isso que os alunos devem saber. Seja porque é conteúdo para algum exame, seja porque é assim que esse modo de fazer geografia (e educação) quer que pensemos o mundo: o Rio São Francisco como um recurso natural ou como um elemento de uma bacia hidrográfica ou como um objeto técnico produtor de energia ou como um fator de integração regional ou... Sempre ou uma coisa ou outra, e isso é importante aqui, pois é assim que se retira de uma imagem de seu poder de fazer tropa com outras e outras e... Isto provoca a interrupção do pensamento como a base de controle do pensamento: paralisa o pensamento infinito e produz blocos de pensamento finito, uma vez que em qualquer dessas distintas geografias o que se busca é vincular uma imagem a uma série restrita de outras, arregimentando as imagens em tropas previsíveis e controladas.
Na conceituação de Deligny (2009), estas seriam imagens não verdadeiras, porque já domesticadas pelos sentidos restritos (e tropas restritas) onde foram aprisionadas. As imagens verdadeiras são, conforme escrevi em outro texto,
(...) aquelas que não estão condenadas à linguagem, nem submetidas pelos signos intencionais e representacionais; imagens selvagens, autistas, que (...) aparecem “para nada” [sem intenção inicial de dizer algo específico]; elas derivam de encontro a algo que não está nas imagens, mas delas emerge (Oliveira Jr, 2015:123).
(...) as imagens verdadeiras, para Deligny, seriam “aquelas cuja existência persistente não vem de nenhuma intenção” (2009:131) e “não estão sobrecarregadas em representar nada, tendo, entre elas, formas que só esperam as circunstâncias oportunas para alçar voo” (Deligny, 2009:128). Porém, adverte-nos: “Mas preste atenção aonde nos levam os gansos [selvagens]; até a liberdade” (Deligny, 2009:127), (Oliveira Jr, 2015:126).
Voar aqui tem sentido próximo ao de imaginar, viajar, delirar, derivar. Voar para conexões, sentidos e mundos imprevistos, livres. As imagens verdadeiras alçam voo junto a outras imagens –num acordo entre elas– e fazem com que alcemos voo com elas.
É no combate pelas imagens verdadeiras que este texto se engaja, uma vez que elas geram e constituem outros –novos– territórios de poder nas imagens, justamente por acionarem tropas de imagens imprevisíveis, as quais poderão nos trazer outras miradas para o mundo, para o espaço geográfico, para a vida que a ele dá existência.
As relações entre poder e imagens são antigas. Muito antigas. Apenas para citar um exemplo, um dos livros que mais me marcaram nos estudos sobre as imagens, cujo título é Cinema – arte da memória (1999), do meu saudoso amigo Milton José de Almeida, tem todo o seu argumento baseado não nas imagens do cinema, mas nas pinturas de Giotto na Capela Del Scrovenni, na Itália, onde elas contam a história de Cristo. Elas também constroem alegorias do bem e do mal, das virtudes e dos vícios, através da polarização entre imagens semelhantes em sua estética geral, mas opostas em seus signos visuais figurativos (Figura 1).
Figura 1. Alegorias da Injustiça e da Justiça. Fonte: Livro Cinema – arte da memória,
de Milton José de Almeida (1999)
As igrejas católicas eram, na Europa daquela época, uma espécie de mídia pública, semelhante ao que a televisão e a internet são hoje. Portanto, era nelas que os fiéis construíam e mantinham suas memórias e seus pensamentos sobre o mundo. Em outras palavras, era nelas que mulheres e homens eram educados através das imagens, uma vez que ali se constituía parte significativa das tropas de imagens daquela época.
Talvez os leitores tenham notado que houve um erro editorial nas legendas das imagens da Justiça e da Injustiça, as quais aparecem invertidas. No entanto, são imagens tão canônicas em nossa cultura ocidental que os leitores não correm o risco de se equivocar nos significados delas. Logo notam o equívoco editorial, uma vez que os signos que figuram a Justiça aparecem na imagem mais à direita: as duas mãos da figura humana (os dois pratos da balança) estão na mesma altura, e as cenas da parte inferior buscam evidenciar tranquilidade e não violência, como ocorre nas cenas da alegoria da Injustiça, à esquerda.
Entretanto, não sabemos o que ocorreria se algum dos críticos recentes das imagens provenientes da arte que tocam em temas religiosos visse essa inversão. Talvez solicitassem o recolhimento do livro, temendo uma doutrinação equivocada dos incautos e incultos leitores. Agiriam, portanto, em nome da proteção dos infantes (dos sem linguagem) e dos alunos (dos sem luz) contra o poder dessas imagens trocadas. No entanto, esses mesmos críticos não dizem absolutamente nada e nem buscam proteger esses mesmos grupos dos sem alguma coisa do poder que essas imagens possuem há séculos para nos educar a sensibilidade, para nos educar os olhos para ver o bem e o mal, a justiça e a injustiça nessas e em outras imagens que atualizam signos semelhantes aos presentes na Figura 1.
Com esta contraposição, quero chamar a atenção para um primeiro território de poder nas imagens. Elas nos educam os olhos para ver, uma vez que “educar os olhos não é somente fazê-los ver certas coisas, valorar certos temas e cores e formas, mas é, sobretudo, construir um pensamento sobre o que é ver; sobre o que são os olhos como instrumentos condutores do ato de conhecer” (Oliveira Jr, 2009:19).
Não vejo nenhum problema em grupos sociais e pessoas proporem que sejam retirados de circulação certos tipos de imagens. Faz parte do jogo democrático pelo poder de partilhar o sensível (Rancière, 2010), entendendo esse sensível como tudo aquilo que nos afeta a vida e, portanto, que nos educa a sensibilidade, o pensamento e os olhos. As imagens, assim como qualquer outro objeto da cultura, estão e estarão sempre inseridas em jogos de poder, participando da configuração dos poderes do mundo, na medida mesma em que participam do sensível que nos afeta cotidianamente, educando-nos para a vida nesse mundo e não em outro.
Em uma sociedade tão ocular quanto a ocidental é, no mínimo, inevitável que os conflitos em torno de certas imagens sejam constantes. Nos últimos anos vimos isso se repetir várias vezes no Brasil, como as polêmicas levantadas em torno da exposição de arte Queermuseu, em especial algumas de suas obras que tematizavam a sexualidade, como as presentes no link https://www.buzzfeed.com/br/tatianafarah/veja-30-obras-da-exposicao-censurada-no-santander-cultural.3
Mesmo se ficássemos horas conversando sobre alguma das obras acessíveis no link acima, chegaríamos a alguma conclusão definitiva? Certamente não. Isso porque cada vez que alguém levantasse um novo contexto ou uma nova conexão entre alguma dessas imagens e outras, seríamos levados a pensar nas implicações, nos riscos, nas potências e nas possibilidades de cada uma delas e do conjunto que elas criam. O espaço em branco entre elas e o tempo que existe entre ver uma e outra imagem já estão cheios de riscos e possibilidades, sempre povoados de tropas de imagens, verdadeiras ou não.
Por exemplo, essas imagens teriam os mesmos sentidos e implicações quando vistas num museu, numa sala de aula, numa tela de computador pessoal? Teriam as mesmas potências e riscos quando vistas por alguém sozinho ou em grupos de semelhante idade ou de idades diferentes? Enfim, o que quero indicar como um segundo território de poder nas imagens é esse entre que existe entre nós e elas, entre que não se dá exclusivamente pela relação individual e cognitiva de cada um de nós com cada uma das imagens. Esse entre é habitado por tudo aquilo que configura o contexto em que o encontro de cada um de nós com cada imagem se dá, uma vez que em qualquer imagem há “formas que só esperam as circunstâncias oportunas para alçar voo” (Deligny, 2009:128).
Se um dos poderes das imagens é o fato de que elas nos educam a olhá-las, outras forças e poderes também atuam em nosso olhar em cada contexto em que estejam copresentes corpos humanos e imagens. É nesse sentido que podemos dizer que cada imagem abre um entre cada um de nós e ela, e esse entre é povoado de uma tropa de outras imagens –composta não de quaisquer outras imagens, mas daquelas que a primeira imagem fez emergir de nossas memórias pessoais, de nossas relações com o sensível que nos circunda e nos afeta, sem que, necessariamente, percebamos isso–.
Não há dúvidas de que o sensível escolar é constituído pelas imagens presentes em livros didáticos, fazendo com que elas sejam objeto de cuidados, disputas e polêmicas. No ano de 2017 tivemos, num dos estados do Brasil, a tentativa de retirada de circulação em escolas de um livro didático de Ciências devido a duas das imagens integrantes do capítulo O corpo masculino. Dois desenhos em que se exemplificava a distinção entre um pênis flácido e um pênis ereto. Essas imagens podem ser vistas em um artigo jornalístico muito elucidativo, Escola sem pinto, em que Eliane Brum (2017) aponta porquê a proposta de retirada dessas imagens de um livro didático indica um contexto recente de repressão às imagens, em especial nas escolas.
Dois outros territórios de poder nas imagens me parecem se fazer presentes neste capítulo didático, que trago aqui. Eles se desdobrarão no segundo movimento de escrita do artigo, mais geográfico.
O primeiro deles é o território didático onde as imagens são inseridas. Ele se configura como um contexto fortemente aprisionador do voo delas, bastante característico dos livros escolares. Tanto o título do próprio capítulo quanto as legendas e os títulos das imagens, bem como o momento em que elas aparecem no (con)texto daquele capítulo, fazem com que cada imagem tenha seus sentidos contidos, direcionados, capturados para um fim (didático) e por um conteúdo específico –neste caso, uma explicação da fisiologia dos corpos humanos que possuem um pênis–. Essas e outras estratégias tornam as imagens presentes em um livro didático não verdadeiras, no sentido dado por Deligny, uma vez que são imagens aprisionadas, sobrecarregadas de significados prévios, domesticadas pelo contexto em que aparecem. Elas, portanto, não alçam voo e nem nos levam a voar com elas, uma vez que as imagens verdadeiras seriam, nos termos de Deligny (2009), como os gansos selvagens, aqueles que “não foram aprisionados, enquanto que as imagens do cinema [dos livros didáticos] são como os gansos domesticados e cheios de significação” (Toledo, 2009:11).
Um ganso preso já não é um ganso [verdadeiro, selvagem], é uma ave eventualmente comestível e domesticável sob o risco de perder seu aspecto e seu vigor.
(...) é certo que as imagens estão encarregadas de ser significativas, encarregadas é pouco, sobrecarregadas, abarrotadas de significação, e então se arrastam, preenchidas de sentido, cheias de símbolo, saturadas das intenções grosseiramente alusivas que passam, como se usa dizer, na tela [nas páginas do livro didático] (Deligny, 2009:124).4
No entanto, mesmo assim domesticadas, elas podem acionar insuspeitadas tropas de imagens e, conforme o exemplo acima indica, pode haver um grupo social que busque banir aquelas imagens que podem fazer emergir tropas de imagens que acionem nas crianças e nos jovens outras experiências, outras conexões e sensações relativas à sexualidade, para além do direcionamento realizado no capítulo didático.
O segundo território de poder das imagens, desse capítulo didático para o qual gostaria de chamar atenção, diz respeito a um poder que se esconde sob o poder da explicação fisiológica que os autores do livro tiveram como intencionalidade principal. A cor de todos corpos presentes no capítulo, seja nos desenhos ou seja nas fotografias, é a mesma: róseos, os quais são culturalmente chamados de brancos e já educados por esse tipo de imagem, nos acostumamos a dizer cor da pele. Pele de quem, cara pálida? É a cara pálida que está presente em todas as imagens deste capítulo e na imensa maioria das que compõem os livros didáticos brasileiros, a despeito de termos a maioria da população com caras não pálidas, mas sim coloridas, de muitas cores. Por que então os corpos humanos presentes em livros didáticos são quase sempre dessa cor?
Uma pista, bastante provável para isso, surgiu numa das turmas de licenciandos da disciplina, em que as imagens dos livros didáticos estão no centro do percurso de formação de professores. Nessa turma, um terço dos alunos eram graduandos das ditas ciências naturais –Química, Física e Biologia– ou da Matemática, bem como havia alguns alunos da Educação Física. Mas mais da metade era das chamadas ciências sociais –História, Geografia, Ciências Sociais– ou da Filosofia. Ao vermos uma sequência de capítulos de livros didáticos de diversas disciplinas escolares, notamos que os corpos eram quase todos brancos nos livros das ciências naturais e Matemática, bem como nos capítulos de dinâmica da natureza dos livros de Geografia, enquanto havia corpos de cores variadas nos capítulos dos livros didáticos das ditas ciências sociais. O que fazia com que isso ocorresse?
Nos capítulos didáticos das ciências sociais notávamos que as críticas feitas pelos movimentos negros e indígenas durante as últimas décadas sobre o embranquecimento de nossas mídias massivas –entre elas, a escola–, já tinham tido o efeito de colorir (não muito) os corpos de nossos livros didáticos. Mas descobríamos ali que não era bem assim. Na fala tranquila de uma licencianda em Física nos chegou a pista para pensar esses corpos róseos como estratégia didática para ensinar os assuntos da natureza, tidos como universais, pois afetam aos corpos humanos de maneira semelhante: “é porque aí está representado o Homem, o corpo humano genérico” (Ferreira, 2015). Então seria isso? Este corpo róseo é o equivalente imagético da estratégia da língua de colocar todos os corpos sob a palavra Homem, com H maiúsculo.5
Esta é uma das formas com que temos nas escolas partilhado nosso sensível de maneira desigual e a favor dos corpos brancos: partilhando-os como se fossem a encarnação da universalidade dos corpos humanos. Esse capítulo sobre O corpo masculino é exemplar. Todos são brancos, mesmo os dois jovens que aparecem na única fotografia presente no capítulo. Eles estão sentados na praia. A praia é seu cenário, é seu habitat; um lugar onde eles podem estar. Eles quem? Os brancos, os corpos semelhantes a estes...
Tomando como referência os dois jovens brancos citados acima, inicio este segundo movimento de escrita com uma pergunta geográfica às imagens didáticas: de quais maneiras esses corpos universais, (homens) brancos, se combinam com os universais geográficos, os cenários da vida humana contemporânea? Onde aparecem corpos assim nos livros didáticos de Geografia? Onde aparecem corpos que fogem ao universal em nossos livros didáticos?
Ainda que não seja possível generalizar para todos os livros didáticos de Geografia, os cenários (paisagens?) não são mais ou menos os mesmos em todos eles? Brancos em cidades e campos avançados no capitalismo e industrialismo ocidental? Pretos, pardos, indianos e indígenas de todas as cores aparecem em cenários de pobreza e atraso nesse mesmo capitalismo? Em outras palavras, as grandes cidades de prédios espelhados e avenidas complexas e iluminadas estão (quase) sempre presentes nos países de maioria branca –ou amarela, apresentados como seguidores fiéis desses brancos–. Por outro lado, as silhuetas modernas das grandes cidades africanas ou do sul-sudeste asiático são praticamente ausentes em nossos livros escolares. Mas as mesmas cidades dessas duas grandes regiões do planeta estão lá em suas misérias: lixo, pobreza, fome. Qual a cor dos corpos que estão nesses cenários?
Não estariam as imagens de nossos livros didáticos participando ativamente do perverso estranhamento que nos chega quando vemos corpos fora de (seus) lugares? Corpos negros em shoppings luxuosos, corpos indígenas em metrópoles, corpos brancos em cenários de fome, corpos de várias cores compartilhando um mesmo cenário?
Afirmo que sim, afinal, as imagens fazem tropa, se ligam a tropas específicas de outras imagens funcionando em séries (de tropas), coproduzindo entre elas vínculos dos quais dificilmente escapamos, sem que outro estranhamento venha a atravessar a série, desviando o fluxo da tropa de imagens. Este estranhamento-desvio pode se efetivar quando resistimos (criticamente) ao fluxo habitual da tropa de imagens. Mas ele também pode se efetivar, com intensidade ainda maior, fazendo este fluxo habitual reexistir outro, ao imprimir nele outras tropas de imagens que se estabeleçam como linhas de fuga “através de nossos limiares, em direção de uma destinação desconhecida, não previsível, não preexistente” (Deleuze e Parnet, 1998:146). Deste modo, todos os territórios de poder presentes nas imagens onde estas linhas de fuga se efetivem não mais se sustentem em suas correlações (tropas) e entrem em deriva, abrindo-se a novas e insuspeitadas conexões.
Partir, se evadir, é traçar uma linha. (...) A linha de fuga é uma desterritorialização. (...) Fugir não é renunciar às ações, nada mais ativo que uma fuga. (...) É também fazer fugir, não necessariamente os outros, mas fazer alguma coisa fugir, fazer um sistema vazar como se fura um cano. (...) Fugir é traçar uma linha, linhas, toda uma cartografia. Só se descobre mundos através de uma longa fuga quebrada. (Deleuze e Parnet, 1998:48).
Este me parece ser um problema da relação que nós, professores de geografia, temos sempre diante de nós: como colocar em fuga os materiais em imagens disponibilizados para realizarmos os percursos de educação geográfica escolar? Lembrando que uma linha de fuga não é uma linha de negação, mas sim de novas conexões. Nesse sentido, uma imagem verdadeira tem potência de linha de fuga, pois ela seria aquela que veio a existir para nada, que emergiu sem significado prévio e, justamente por isso, não se conecta a nenhuma tropa já existente de imagens, mas sim provoca uma recombinação entre elas. Uma recombinação que se fará, sem dúvida, como tentativa de aprisionamento e domesticação dessa imagem verdadeira em alguma (nova) tropa específica de imagens previsíveis.
Para mirar o problema aqui, colocado a partir de um desvio no fluxo da tropa de imagens habituais, optei por focar em uma única fotografia (Figura 2). Tomando-a como uma imagem verdadeira, ela permitirá fazer algumas experimentações e paralelos que ajudarão a expor o que chamei de problema comum a nós, esclarecendo que aqui esta palavra tem o sentido daquilo que nos força a pensar, ou seja, problema não como algo a ser resolvido, mas sim, como algo que exige pensamento.
Daqui para a frente focarei, exclusivamente, no tipo de imagem mais comum em nossa sociedade e também nos percursos de escolarização em geral, e em Geografia em particular: a fotografia.6
Figura 2. Fotografia de Paulo Otero e capa da revista onde a foto foi publicada. Fonte: Revista ETD-Educação Temática Digital, out/dez. 2017
A foto aqui reproduzida me perseguiu durante alguns meses. Através dela construirei o argumento para o último território de poder nas imagens que quero trazer a este artigo. Não sei se este é o mais importante, mas sei que está relacionado a todos os demais territórios de poder das imagens que mencionei anteriormente, por ser ele imanente a qualquer imagem: o território estético, entendendo estético como aquilo que nos afeta sensivelmente e não como algo relativo somente ao belo. E, mesmo que não notemos, toda imagem nos afeta sensivelmente, nos provoca sensações e pensamentos através dos signos visuais que coloca diante de nós. Dito de outra maneira, o que vemos é também o que nos olha (Didi-Huberman, 2010).
Pergunto ao leitor: o que há nessa fotografia? Prestemos atenção nela por um minuto. Um minuto é um tempo longo demais para se mirar uma única imagem, não? O olhar rápido é um gesto constituído no território estético de poder nas imagens: é ele que nos dá a impressão de que numa imagem fotográfica como esta há pouca coisa a se ver, e menos ainda a se pensar.
Como professores e pesquisadores de uma época (sobre)carregada de imagens, talvez devêssemos nos colocar a pensar como foi constituído esse gesto de olhar rápido para uma imagem. Certamente foi, e continua sendo de muitas maneiras, que esse território de poder se configurou e permanece atuando em nós. Mas gostaria de destacar aquele que nos diz respeito mais diretamente, por fazer parte de nosso cotidiano de professores de Geografia: a presença dos livros didáticos. Domesticar as imagens e aprisioná-las em tropas restritas, tem sido um dos amparos para que o território estético de poder das imagens seja atravessado pela força da rapidez. Elas podem ser olhadas rapidamente, porque perderam sua potência de voo e de nos fazer voar. Deixaram, portanto, de ser verdadeiras.
Mas, voltando à Figura 2, o que há nessa imagem afinal? Somente livros e estantes? Quem viu ali também vazios e escurecimentos? Quem notou a ausência de fim em suas laterais e mesmo em suas bordas de cima e de baixo? Não parece que essa imagem poderia se expandir infinitamente em qualquer direção?
Pensemos agora nas imagens presentes em quaisquer livros didáticos de Geografia e certamente poderemos afirmar que: 1) nenhuma delas tem sombras ao redor, elas têm uma luminosidade semelhante em todas as partes, bem como uma nitidez absoluta do visível; e 2) todas elas parecem nos indicar que tudo o que deve ser visto se encontra dentro do quadro fotografado. Estas são duas estratégias fotográficas, territórios estéticos nas imagens, para constituir a fotografia como coisa a se ver rápido e a se pensar pouco, uma vez que está tudo ali.
Estas estratégias estéticas são nitidamente estratégias políticas. Primeiro porque, ao retirar qualquer marca de sombra ou estética da imagem (ou seja, que aparece na fotografia, mas não apareceria se estivéssemos olhando para o mesmo local), a fotografia didática visa ser mimetizada ao mundo visto, como se houvesse uma total equivalência entre o ver e o fotografar. Nesse sentido, a fotografia seria transparente e nos mostraria o visível, sem qualquer opacidade. Segundo porque, ao dar a entender que tudo o que precisava ser visto já está enquadrado, a fotografia dobra sobre si o sentido de síntese, reduzindo a complexidade do assunto e a complexidade do espaço geográfico, pois controla a tropa de imagens que se desdobra(ria) de cada imagem presente no livro ou capítulo didático.
O resultado dessas duas estratégias conjugadas é fazer com que não perguntemos nada para uma fotografia: nem quem a fez (era negro o fotógrafo? pertencia ao grupo retratado? segurava a câmera nas mãos, num tripé ou a foto foi feita por drones?), nem se as pessoas fotografadas foram contatadas antes, nem se as poses foram combinadas, nem como a foto foi feita (que tipo câmera, de lentes ou filtros), nem se...
As fotografias podem ser vistas rapidamente porque são tomadas como meras informações visuais, transparentes da realidade espacial, como meras ilustrações geográficas, quando efetivamente elas não o são. Justamente por não o serem é que há todo um conjunto de estratégias editoriais para aprisionar a imagem dentro dos limites que o autor-editor deseja, domesticando-a de modo que ela não alce voo, mas sim se conecte exclusivamente com a tropa de imagens do conteúdo ali tratado, sem qualquer conexão com as experiências de vida de cada um que mira aquela fotografia. E assim evita que ela acione tropas de imagens imprevisíveis. Ou seja, evita que ela se efetive como uma imagem verdadeira, aquela que teria potência de fazer emergir tropas de imagens imprevisíveis através da emergência de conexões improváveis.
No entanto, mesmo assim domesticadas, certos contextos mostram que é impossível conter outras conexões que emergem das imagens uma vez que “as imagens não se imaginam (...) As imagens imaginadas estão domesticadas e não voam muito longe” (Deligny, 2009:129). Em outras palavras, toda imagem preserva em si sua potência verdadeira.
O leitor deve ter notado que os parágrafos anteriores buscaram fazer com que a única fotografia presente na Figura 2 se fosse tornando um amontoado de imagens, na medida mesma em que foi sendo conectada a outras e outras imagens, acionando outras tropas de imagens, assim como foi sendo significada por muitos (sem) sentidos e sensações. Desta forma, a cada vez que dela se extraíram variadas histórias pessoais partilhadas, elas passavam a ser também histórias coletivas –e assim, por muitos caminhos, notamos que a única coisa que essa fotografia não é, é justamente uma única imagem–.
Como já apontei antes, imagem e corpos humanos formam um entre inescapável, em que “a imagem não é ilhada, pertence a uma formação [tropa]: ‘Estamos habitados por uma multiplicidade de imagens’. A multiplicidade em questão não é nem o inconsciente e nem o conjunto dos arquétipos junguianos, mas sim uma reserva de imagens não reprimidas” (Toledo, 2009:11-12),7 e não constrangidas em nossas práticas sociais.
A fotografia de Paulo Otero faz tropa com outras e outras imagens. Ela, como nós, é multiplicidade e é, como tal, que arregimenta para si muitos territórios de poder, entendendo como poder não só aquilo que a fotografia exerce sobre o mundo, sobre nós, mas também, e principalmente, as potências que dela podemos extrair para atuar no mundo. Em nosso caso, potências para o mundo da Educação, o mundo da Geografia, o mundo das próprias imagens.
Essa fotografia foi escolhida para a capa da revista porque ela nos pareceu uma imagem verdadeira e nos fez voar, justamente, porque ela escapa às tentativas de dizer o que ela é ou o que ela significa. E nos pareceu que ela, no momento exato em que é vista, arrasta aquilo que tocou para devires outros, forçando tudo que nela toca –cada um de nós e a própria fotografia e o tema da imagem e...– a deixar de ser o que era, ainda que sutilmente, forçando a própria fotografia a estrangeirar esse outro dela mesmo.
A perspectiva de pensamento acerca dos territórios de poder nas imagens aqui apresentada propõe um modo de se relacionar com as imagens, tomando-as como coisas de nossa cultura. Propõe que o poder delas se faz num acordo existente entre elas. Propõe também uma forma de se relacionar com elas não mais a partir do individual, mas sim de maneiras radicalmente coletivas. Propõe, por fim, que não mais sejam tomadas de maneira ilustrativa, mas sim radicalmente vinculadas à experiência com as demais imagens e à experimentação do pensamento através delas.
Acreditamos que, nesta proposta de trabalho com as imagens, chegaremos aos conceitos (geográficos, educativos, imagéticos) com as imagens já repletas de muitas possibilidades, sem que sejam somente amparos para explicar alguma coisa. Acreditamos que lidar com as imagens, como meros amparos para as explicações conceituais, reduz os territórios de poder nelas presentes à mera ilustração de algo, fazendo com que elas sejam descartáveis do processo educativo, ainda que a explicação realizada nele se ampare nelas.
Ao nosso ver, este modo aqui proposto de lidar com as imagens faz com que elas venham a constituir outros territórios de poder no processo de escolarização em geral, e de educação geográfica em particular, uma vez que não mais são tomadas –domesticadas– como representação de algum elemento ou fenômeno geográfico, nem como ilustração de algum lugar. No aqui proposto as imagens tornam-se um artifício complexo e múltiplo para constituir um determinado saber acerca do espaço geográfico, no qual estão implicadas questões estéticas e éticas que devem ser consideradas nas conversas que delas emergem, a partir das experiências e das falas, a partir das tropas de imagens que nelas habitam. Uma fotografia, portanto, deixa de ser uma imagem única e passa a ser a ponta de uma tropa de imagens que dela emergirá quando for atravessada pelas falas e pelas sensações de uma comunidade, por uma turma de estudantes e professores com igualdade de inteligência (Rancière, 2005) para dizer daquela fotografia e, juntos, comporem os territórios de poder nos quais aquela imagem já atua e outros, onde ela poderia vir a atuar.
É nesse sentido que o problema que persegui neste artigo é o de pensar se e quando as imagens, notadamente as fotografias, poderiam ser tomadas como catalisadoras de saberes geográficos que já fluem nas escolas, mas são impedidos de se manifestar porque outros poderes que ali atuam forçam essas imagens à condição de imagens domesticadas. Essa domesticação nos parece alijar para fora da escola, tanto nas experiências das crianças e jovens com as imagens quanto as experiências delas com o espaço geográfico, impedindo que as muitas conexões entre esses dois tipos de experiências possam vir a intensificar as experiências educativas vivenciadas em nossas escolas, em geral, e nas atividades de geografia, em particular.
Nos territórios de poder apoiados na domesticação, a imagem morre sob nossos alfinetes, títulos e legendas, fazendo com que sua potencialidade de voo se perca sob nossa vontade de ensinar algo a alguém, deixando-nos –alunos, professores e imagens– apenas no âmbito do visível que a imagem apresenta diante de nós e das relações que as aprisionam num conjunto específico de sentidos e significados.
Quando produzimos linhas de fuga nesse âmbito do visível abrem-se nas imagens variados territórios de poder, a depender do entre que se abre na Geografia que nela se configura. De um lado, estão os territórios e as geografias que se organizam em torno de um saber sobre a imagem, que apelam para aquilo que ela tem de normalizador e concebem o poder como algo que não está na imagem, mas concentrado no sujeito que a olha. De outro lado, como argumentei neste texto, estão os territórios e as geografias em que o poder estaria na imagem, ou seja, ela mesma é tomada como palco de disputas, possibilitando tanto aspectos normatizadores quanto a emergência de vãos e frestas de sentido e, consequentemente, a emergência da potência que reside no não saber. A verdadeira potência das imagens, no sentido apontado por Fernand Deligny.
Finalizo, dizendo que apostar nos territórios de poder que emergem na imagem significa também apostar que o poder emerge do risco do não reconhecimento, indicando que o poder da imagem emerge também no ato de se deixar conduzir pelo que não se vê e pelo que não se sabe.
Wenceslao Machado de Oliveira Jr. / wences@unicamp.br
Graduado em Geografia (Universidade Federal de Juiz de Fora) e Doutor em Educação (Universidade Estadual de Campinas). Professor na Faculdade de Educação e investigador no Laboratório de Estudos Audiovisuais-OLHO, ambos na Universidade Estadual de Campinas. Tem artigos publicados nas áreas de educação visual, ensino de geografia e formação de professores.
1 Este artigo é um desdobramento de minha fala na mesa Territórios de poder nas imagens, do V Colóquio Internacional A educação pelas imagens e suas geografias. Decidi por manter as marcas de oralidade no fluxo da escrita, incluindo o uso da primeira pessoa do singular.
2 Da mesma maneira, podemos dizer que o tipo de registro e o contexto de aparição e circulação de uma imagem também promovem e determinam tropas de imagens. Dessa forma, uma fotografia aciona tropas de outras imagens fotográficas, e uma imagem produzida no contexto científico acadêmico aciona tropas científico-acadêmicas. Mas não só.... Uma vez que, segundo Deligny (2009:129), o acordo de formação de tropas se faz entre elas, entre as próprias imagens.
3 Na impossibilidade de publicar aqui as imagens, devido aos seus direitos autorais, solicito ao leitor que entre no link. Nesse sentido, deixar o link como parte do texto principal é um modo de dizer que no lugar dele estariam as imagens não fosse a impossibilidade aqui indicada.
4 Tradução e acréscimos entre colchetes feitos pelo autor deste artigo.
5 Esta mesma pista foi seguida em classe para pensarmos os territórios de poder nas imagens que fazem com que os corpos femininos sejam tidos como específicos de um gênero, enquanto os masculinos sejam tidos como exemplos do universal, válido para todos os gêneros e transgêneros. Portanto, a mesma estratégia de poder, sutil e persistente, que faz da imagem de um homem branco o signo equivalente à palavra Homem.
6 Segundo alguns autores de livros didáticos, por exemplo Sene (2013), as fotografias são muito utilizadas nos materiais didáticos, porque esse tipo de imagem nos mostra a realidade de um modo mais próximo daquilo que veríamos com nossos próprios olhos se estivéssemos diante do lugar fotografado. Portanto, uma escolha deliberadamente vinculada ao território de poder de verossimilhança presente nesse tipo de imagens.
7 Os grifos são do texto original.