Gatinhos em transe e o patriarca atroz: um drama de Nelson Rodrigues

Homero Vizeu Araújo

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
homerovizeu@gmail.com

Fecha de recepción: 7/6/2021.
Fecha de aceptación: 1/7/2021.

Resumo

Este ensaio analisa o drama Os sete gatinhos, de Nelson Rodrigues, em que Seu Noronha é o patriarca desautorizado e Bibelô é o malandro gigolô que desestabiliza o pacto familiar. A peça ilustra a condenação suburbana criada por Nelson Rodrigues que contrasta com a salvação dos heróis populares do teatro de Dias Gomes, Guarnieri e Ariano Suassuna.

Palavras-chave: patriarca; desenvolvimentismo; teatro brasileiro; Nelson Rodrigues; humor.

Kittens in trance and the atrocius patriarcha: a Nelson Rodrigues’ drama

Abstract

This essay analyses the drama Os sete gatinhos, by Nelson Rodrigues, in which Seu Noronha is a discredited patriarch and Bibelô is an astute gigolo who destabilizes Noronha’s family order. The play illustrates the suburban condemnation created by Nelson Rodrigues in contrast to Dias Gomes, Guarnieri and Suassuna’s popular heroes’ positive solution.

Keywords: Patriarch; Developmentalism; Brazilian Theater; Nelson Rodrigues; Humour.

Vai senão quando, ocorreu-lhe que os dois Quincas Borbas
podiam ser a mesma criatura, por efeito da entrada da alma
do defunto no corpo do cachorro, menos a purgar os seus
pecados que a vigiar o dono. Foi uma preta de São João d’El-Rei
que lhe meteu, em criança, essa ideia de transmigração. Dizia ela
que a alma cheia de pecados ia para o corpo de um bruto; chegou
a jurar que conhecera um escrivão que acabou feito gambá...
Machado de Assis

Nelson Rodrigues desde os anos 1950 já reivindicava para si a disposição para o teatro desagradável, mas aqui o que proponho é examinar o teatro rodrigueano enquanto pesquisa e elaboração estética do abuso moral e sexual brasileiro, cuja ênfase incide nos dilemas eróticos de ciúme e punição, mas nem sempre. Do ponto de vista histórico, é possível avaliar o autor muito prestigiado como o mais certeiro colecionador de barbaridades brasileiras do pós-guerra. Isto é, enquanto o país embarcava em um surto de modernização ao som de sambas ufanistas ou de harmonias bossa-novistas, Nelson Rodrigues apostava em uma coleção de ressentimentos e punições a evocar boleros e samba-canção, com um resultado estético muito consistente, entre o cômico e o patético.

O período democrático e razoavelmente otimista do surto nacional-desenvolvimentista tem um contraponto, um tanto histriônico, na estagnação fetichista e na cordialidade familiar sufocante e abjeta. Contra os feitos arquitetônicos e literários de vanguarda (plano piloto de Brasília e da poesia concreta, por exemplo), Nelson explora o arbítrio cordial, as guinadas psicológicas e eróticas e a submissão insinuante e interesseira, de preferência no âmbito carioca e suburbano, a célebre zona norte do Rio de Janeiro, cuja mitologia ele tratou de cultivar.

Enfim, há nas peças um inventário robusto que parece oscilar entre a manchete de jornal sensacionalista, a piada preconceituosa e a figura mitológica degradante. Já nos títulos de algumas peças se evidencia o procedimento, de preferência com toques misóginos: Viúva, porém honesta, Bonitinha mas ordinária e Toda nudez será castigada. São frases feitas, com pretensão ao lugar comum, em que machismo e conservadorismo rancoroso se encontram meio por acaso, com inocência boçal que não parece conhecer vexame, uma espécie de sombria sabedoria popular fetichista.

E sem muito esforço é possível transformar em manchete sensacionalista o que ocupará o palco: patriarca feroz deflora meninas, ameaça atacar a própria filha e é executado pela própria esposa é Álbum de família; Médico negro permite que os bebês mestiços sejam afogados por sua esposa branca é Anjo negro; Zulmira queria enterro de luxo, trai marido com milionário, mas o marido faz enterro pobre é A falecida; pai de família obriga as filhas a se prostituir para pagar enxoval da virgem caçula é Os sete gatinhos, etc. Só estas sinopses ultra-esquemáticas já apontam um inventário de abusos patriarcais que oscilam com audácia entre registro cru, piada rebaixada e paixão altissonante. Talvez uma fórmula que mistura chanchada e pretensão trágica, levando o que seria o melodrama esperável para uma ambiciosa liga de humor e sordidez onde o vale tudo moral deixa os personagens ensanguentados e/ou em transe no desfecho das peças.

Mas cabe ressaltar a experimentação formal do autor, que dá testemunho da ambição artística a que não falta o sensacionalismo autopromocional. O historiador e crítico Décio de Almeida Prado, talvez o mais prestigiado e informado comentarista do teatro brasileiro, fez a síntese provocativa:

Se o autor de Vestido de Noiva, mais de quarenta anos após a estreia da peça, continua a parecer para maioria dos críticos e dos encenadores o mais atual dramaturgo brasileiro é certamente porque foi, entre todos, o que mais ousou, desafiando ao mesmo tempo a moral, a lógica e o decoro artístico. Ele mesmo, ainda na fase das tragédias, em 1949, classificou o seu teatro de desagradável. E indagava: “por que peças desagradáveis? Segundo já se disse, porque são obras pestilentas, fétidas, capazes, por si sós, de produzir o tifo e a malária na plateia”. Isso em resposta a críticas da época, escritas e orais [...]. Apoiado por essa plataforma, evocou ele as mais variadas tonalidades do “desagradável”, desde as miúdas mazelas da pele (o suor, as espinhas, as brotoejas, o eczema) até o câncer, desde as pequenas indignidades cotidianas até o incesto (Prado, 2009, p.136).

O conjunto da obra rodrigueana dá testemunho de uma experiência em curso, em parte uma sólida mitologia antimodernizante que reage ao surto desenvolvimentista, em cujas promessas estaria uma pauta de costumes liberal e racionalizada para muito além da autoridade masculina ou das convenções sobre virgindade, prostituição, traição, etc. Ao que tudo indica, uma parte da ameaça moderna consistiria em american way of life, que é propagado já em escala crescente e que levaria ao consumo higiênico e à prosperidade sadia. Contra tal ilusão de progresso, as peças reelaboram esteticamente a estagnação regressiva e suburbana de obsessões sórdidas enunciadas entre o coloquial de grande fluência e retórica grandiloquente, entre outros procedimentos.

Veja-se a cena inicial de Os sete gatinhos (1958) na longa sequência da sedução entre Aurora e Bibelô. A funcionária de “autarquia”, que se prostitui depois do expediente, engrena a conversa com o belo e vulgar malandro, cujo nome tem a rima óbvia (para o público) com gigolô. Deve ser, pelo ritmo da prosa e pelos efeitos retóricos, um dos mais extraordinários diálogos eróticos da literatura brasileira, em que o romantismo rebaixado ilumina o apelo erótico da cantada exuberante e congratulatória, associados às insinuações de prostituição e cafetinagem. Antecipando a sordidez do ambiente familiar supersticioso e venal do lar Noronha, Aurora enuncia o problema para Bibelô.

BIBELÔ – Diz: você quer tomar dinheiro de mim?

AURORA (sôfrega) – Quinhentos e pode chamar o táxi!

BIBELÔ (estrebucha) – Está de porre?

AURORA (desesperada de desejo) – Menos não posso!

BIBELÔ – Nem um tostão!

AURORA (quase chorando) – Escuta, gostei de ti e te digo mais: um terno branco, fresquinho da tinturaria, me põe maluca, doida! Mas eu preciso dos quinhentos cruzeiros. Preciso, ouviu? (suplicante). Tenho despesas fixas e prometi a mamãe. Palavra de honra: o dinheiro não é pra mim!

BIBELÔ – Minha filha, nunca dei um vintém a mulher nenhuma! Nem dou!

(Rodrigues, 2004, p. 139).

Aurora solicita o pagamento para surpresa de Bibelô, e a sequência do diálogo vai intensa e sem concessões por parte dele. O desfecho explicativo de Aurora é sensacional ao evocar desinteresse pecuniário e compromisso familiar : “Preciso, ouviu? Tenho despesas fixas e prometi a mamãe.” O vocabulário contábil/administrativo contrasta em inocência e perversidade com a obediência terna (mamãe), ou ainda, o profissionalismo técnico da meretriz renega e reforça o laço familiar. Com didatismo, Aurora explicará logo adiante, depois de afirmar a obsessão do clã pela pureza de Maninha/Silene, a irmã caçula:

AURORA (no seu frenesi) — No pescoço, não, que eu fico, olha só. Estou gelada (ralha, baixo) Aqui, não! Olha o chofer. . . (muda de tom). Deixa eu te contar: a minha vida dá um romance! Vai escutando. Lá em casa nós somos cinco mulheres. Da penúltima para a caçula, houve um espaço de 10 anos. As quatro mais velhas não se casaram. Sobrou Maninha, que está agora com 16 anos, no melhor colégio daqui. E essa nós queremos, fazemos questão, que se case direitinho, na igreja, de véu, grinalda e tudo o mais Nós juntamos cada tostão para o enxoval.

BIBELÔ (num riso meio sórdido) – Hoje, ninguém dá bola pra virgindade!

AURORA – Não dá você, mas nós damos, ora que teoria! (muda de tom). Também uma coisa eu te digo: o casamento de Maninha vai ser um estouro. Nem filha de Matarazzo, compreendeu? Posso vender meu corpo, tal e coisa, mas o dinheirinho vai direto para o enxoval... Eu fico só com o ordenado do emprego...

(Rodrigues, 2004, p. 147)

O fetichismo conservador é defendido com argumento arbitrário e sumário (mas nós damos) e coloquialismo suburbano (ora que teoria!). O entusiasmo e a ênfase de Aurora denotam certa ingenuidade ufanista que passa pelo lugar comum da venda do corpo e encerra no conformismo de boa moça (eu fico só com o ordenado do emprego...).

Esta abertura a que não falta algo de triunfal na síntese poderosa de bote sexual, meretrício altruísta e masculinidade canalha é o único trecho da peça que não se passa na casa de subúrbio. O restante da ação tem por centro “Seu” Noronha, que ostenta sua autoridade ameaçada de patriarca humilhado. A casa fica no Grajaú, na mítica zona norte carioca. Cercado pela mulher, a quem chama de “Gorda”, e pelas quatro filhas, Noronha fica consternado depois de encontrar palavrões e desenhos obscenos na parede do banheiro da casa e parte para o interrogatório violento e abjeto que desanda em confronto.

(“Seu” Noronha estaca diante de Arlete).

“SEU” NORONHA (iluminado) — Você! (lento). Sim, você; aqui, é a que tem boca mais suja; e a única que não topa a minha autoridade... (crispando a mão no seu braço). O que é que você foi fazer lá no banheiro?

ARLETE (rápida e triunfante) — Xixi!

“SEU” NORONHA — Cachorra! (“Seu” Noronha ergue a mão, coma se fosse esbofeteá-la. Mas a mão fica parada no ar).

ARLETE (em desafio) — Bate!

“SEU” NORONHA (ofegante) — Mas eu não devo bater.. Não tenho esse direito... Preciso me controlar (e, súbito, deflagra-se o impulso. Esbofeteia violentamente a filha. Arlete cambaleja).

HILDA (num apelo histérico) Papai! (já Arlete ergue o rosto duro).

ARLETE (como se cuspisse) — Contínuo!

“SEU” NORONHA (atônito) — Repete!

ARLETE (fremente) — Contínuo! (“Seu” Noronha dá-lhe nova bofetada).

ARLETE (estraçalhando as letras) Contínuo, sim, contínuo! Eu disse contínuo!

(“Seu” Noronha ergue a mão! para a nova bofetada. E, novamente, a mão fica no ar. Hilda corre, atraca-se, soluçando, com o pai).

HILDA Papai, eu tenho muita pena do senhor, ó papai! (desprende-se de “seu” Noronha; vira-se para Arlete, grita) Não chame meu pai de contínuo!

“SEU” NORONHA (para si mesmo) Contínuo (arquejante). Ë claro que ninguém vai confessar nada.

DÉBORA — Papai, o senhor está nervoso!

(Rodrigues, 2004, p. 148)

Depois das acusações e ofensas à mulher e às filhas, vem a apoteose da humilhação em que a filha revida e registra a função do pai na assembleia legislativa, o que rende a bofetada por parte da autoridade desautorizada. A violência e o arbítrio do patriarca sem lastro deflagra a solidariedade soluçante da filha Hilda que enuncia piedade pelo pai e reivindica pateticamente respeito ou solidariedade, ou ainda talvez apenas omissão do termo (não chame meu pai de contínuo!). Na linha seguinte o próprio Noronha diz a palavra que o classifica e reconhece sua impotência. O ressentimento de “seu” Noronha com a sua condição social de funcionário servil é um ingrediente forte da obsessão coletiva pela virgindade caricatural da caçula Silene, que, de resto, já se encontra grávida.

O detalhe sórdido e irônico, meticulosamente enunciado está em geral a serviço da caracterização maligna e rebaixada. Assim, Noronha argumenta que vinha com sua habitual cólica e adentra o banheiro infestado de escatologia, o que deflagra a cena inquisitorial doméstica em que humilhação e humor degradante (constrangedor para a plateia?) se sucedem. Como é típico em Nelson Rodrigues, há uma linha difícil de estabelecer entre cômico e patético, chanchadeiro e sublime. Em breve revela-se que o patriarca contínuo é vidente espírita, um médium a acalentar um punhal que tem destino certo.

“SEU” NORONHA (num clamor) — O nome que se usa na Terra, a cara que se usa na Terra, não valem nada!

ARLETE — Eu acabo perdendo a porcaria desse cinema!

“SEU” NORONHA (sem ouvi-la) — Agora vem o importante. Eu sempre senti que as meninas, aqui, eram marcadas e, ontem, eu finalmente soube por que vocês são umas perdidas! Isto é, soube de fonte limpa, batata! Quem me explicou tudinho (enfático) não mente!

D. ARACY — E quem é ele?

“SEU” NORONHA (triunfante) — O Dr. Barbosa Coutinho! (toma respiração) O Dr. Barbosa Coutinho, que morreu em 1872, é um espírito de luz! Foi médico de D. Pedro II e o melhor vocês não sabem: os versos de D. Pedro II não são de D. Pedro II. Quem escreveu a maioria foi o Dr. Barbosa Coutinho. D. Pedro II apenas assinava. (triunfante) Perceberam? (Arlete faz um gesto a significar que o pai está maluco).

“SEU” NORONHA — Vão ouvindo! (muda de tom) Eu sempre senti que havia alguém atrás de minha família, dia e noite. Alguém perdendo as nossas virgens! E como eu ia dizendo, ontem, o Dr. Barbosa Coutinho me confirmou que existe, sim, esse alguém. Alguém que muda de cara e de nome. Pode ser um rapaz bonito ou, então, um velho como o “seu” Saul.

ARLETE — Ora, papai, o senhor acredita nesses troços!

“SEU” NORONHA — Quero te dizer só uma coisa, Arlete: você é assim malcriada comigo, sabe por quê? Porque é um médium, que ainda não se desenvolveu. (taxativo) Você se desenvolva, Arlete, ou seu fim será triste. E chega, ouviu? Chega! (novo tom) E, então, o Dr. Barbosa Coutinho mandou que eu olhasse no espelho antigo. (arquejante) Pois bem. Olhei no grande espelho e vi dois olhos, vejam bem, dois olhos, um que pisca normalmente e outro maior e parado. (com súbita violência) O pior é que o olho maior chora e o outro, não.

ARLETE — Isola!

D. ARACY E como é o nome?

“SEU” NORONHA (furioso) Gorda, você não entende isso, Gorda! Nós usamos na Terra um nome que não é o nosso, não é o verdadeiro, um nome falso! (com esgar de choro) Esse alguém, que chora por um olho só, sabe que ainda temos uma virgem!

DÉBORA — Maninha.

Depois de algumas linhas entra em cena o punhal vingador.

ARLETE (furiosa) Não peso, papai!

“SEU” NORONHA (sem ouvi-la) E vocês tratem de atrair, de trazer para o homem que chora por um olho só. O nome não interessa. Ele se trai por uma lágrima. O que interessa é a lágrima.

ARLETE Até eu estou arrepiada!

“SEU” NORONHA Eu avisei a vocês e vocês avisem a Aurora. Eu vi, no espelho antigo, vi, eu juro! E o Dr. Barbosa Coutinho não mente! (“Seu” Noronha arranca um pequeno punhal de prata. Ergue o punhal, numa cruel alegria).

“SEU” NORONHA Meu punhal de prata! (crava-o numa mesa, ao lado. Vira-se para as filhas).

“SEU” NORONHA (desesperado) Mas é preciso apunhalar o olhar que chora, o olhar da lágrima!

(Rodrigues, 2004, p. 150-1)

O fetiche da arma branca soma-se à obsessão pela virgindade redentora para configurar, no conjunto da peça, uma piada macabra que todo mundo leva a sério. “Seu” Noronha é um médium que teve acesso à revelação de que suas filhas são mulheres que se perderam mediante a intervenção de uma entidade masculina, que também pode perverter Silene. Trata-se aqui de um trecho assombroso: a preleção delirante, paranoica e paródica, com a autoridade que lhe é conferida pelo espiritismo aqui rebaixado a autoengano compensatório, tem uma inquietante dignidade, embora também possa ser avaliada em chave satírica.

Mas vale a pena notar que espiritismo também é sinal de audácia do autor, pois não há, até onde sei, nenhuma narrativa relevante consagrada ao tema na literatura brasileira. Assim como a religiosidade popular da macumba e outros cultos, com a exceção pitoresca de Jorge Amado, não comparece em contos, romances, dramas e nem em comédias, o que é uma ausência espantosa a conotar o elitismo satisfeito de nossa imaginação ficcional. Uma ausência espantosa e naturalizada que evitou frivolamente uma imensa zona da vida emocional e espiritual brasileira. Zona que hoje é explorada na prática em ritmo acelerado pelas igrejas pentecostais, que dão sua colaboração para o esforço de mercantilização antissocial mediante a teologia da prosperidade, rendendo um estranho e perigoso mix de arremedo teórico da ganância e individualismo acoplado a apelos moralistas e ritos de expiação e desencapetamento. Um circuito de manipulação das massas pobres e periféricas em que as previsões mais sombrias de Adorno sobre o embrutecimento generalizado promovido pela indústria cultural parecem relativamente amenas.

De volta à preleção de Noronha de inspiração espírita, temos um lance retórico de enorme efeito em que o pobre-diabo se investe da autoridade que a profissão e as filhas lhe negam, que tanto a dimensão pública quanto a privada cancelam, mas que o esforço fetichista a que não falta a nota caricata busca alcançar. Uma compensação imaginária e gestual de conteúdo intelectual rebaixado e enfático ao evocar Pedro II, autoridade imperial e Barbosa Coutinho, o verdadeiro autor dos versos de Pedro II. Há algo de desfile de escola de samba nesta retórica, com samba enredo oficialista e um tanto religioso. Com esta sagração do punhal vingador já no primeiro ato, é possível acompanhar os dois atos restantes de Os sete gatinhos como um ritual desconcertante e genial a celebrar a pureza virginal (e emprenhada?) em um bordel de filhas sob a autoridade do médium e sacerdote “Seu” Noronha assessorado pela humilhada e inolvidável Aracy/Gorda. Na investigação policialesca e insana atrás do pernicioso que perde as moças do lar no Grajaú, este patriarca contínuo acumula o papel de Édipo que pesquisa os indícios que revelarão sua própria culpa, o que não deixa de ser mais um achado poderoso a definir contornos trágicos e religiosos nesta saga de rancor e ressentimento do pé-rapado fanatizado.

A carência de autoridade, que leva à bofetada e ofensas generalizadas, não põe em risco o eventual autoritarismo de “Seu” Noronha, uma vez que D. Aracy e suas filhas compartilham a devoção pelo casamento de Silene, cuja pureza é a garantia de que a família necessita. As vítimas algozes aqui oscilam talvez entre insurreição pontual e adesão à ideia fixa de pureza com apoteose matrimonial, entre birra tática e aliança estratégica. A prostituição clandestina das moças abastece o fluxo de caixa que permitirá a aquisição do enxoval de Silene. Mãe e filhas degradadas podem assim apelar para a compensação social e imaginária da cerimônia luxuosa em que o esforço mercantil e repugnante vai ser redimido. Nestes termos, há conivência malsã entre as mulheres e este pai de família em crise, o que vai engendrar algum vaivém de arranjo e conflito. Quando o bordel de filhas for oficializado haverá uma alteração na maré de solidariedade, até porque a virgindade redentora de Silene também foi prostituída por incitação de Noronha e conivência entre magoada e ressentida de todos os gatinhos da casa.

O crítico e ensaísta José Antônio Pasta Júnior argumenta que a ideia fixa na literatura brasileira faz par com as guinadas da volubilidade: as personagens de romances e peças, embora marcados por alguma obsessão, tendem a mudanças de humor e de opinião nem sempre sutis, às vezes mesmo bruscas e amalucadas. O ficcionista que definiu tal padrão e o configurou com coerência estética assombrosa na segunda metade do século XIX foi Machado de Assis, o crítico que estabeleceu e estudou o assunto é Roberto Schwarz. Pasta Jr reelabora os argumentos e expande a reflexão inclusive para abranger uma parte da obra de Nelson Rodrigues, mas não inclui Os sete gatinhos. Enfim, vale aqui a fórmula clássica, toda a responsabilidade por eventuais acertos e erros nesta derivação é minha. Por outro lado, na peça em nossa pauta, as viravoltas são menos evidentes do que nos quase duelos de Álbum de Família ou Anjo negro, talvez porque as famílias de elite envolvam oscilações de arbítrio, autoengano e perversidade que trabalham mais o conflito matrimonial e parental. Os patriarcas de elite ostentam autoridade mas também encontram resistência e conivência feminina empoderada. O pobre “Seu” Noronha demonstra seu déficit de autoridade a cada frase e tem que correr atrás do prejuízo, impondo outro ritmo ao enredo. O circuito exuberante de arbítrio e obsessões que eclode nas chamadas peças míticas de Nelson (Álbum de família, etc) vai desaguar no autoritarismo de vidente rebaixado Noronha: fica registrada a disposição de pesquisa (ou mais uma obsessão?) de Nelson Rodrigues, que vai das famílias chiques até a pobreza remediada. Para que Noronha obtenha autoridade é necessário invocar o Além espírita e entidades exalando resquícios de rito imperial e escravista, com um viés francamente amalucado ainda que enfático. Com Noronha apelando para o sobrenatural grotesco para resistir à contestação de seus arroubos, é de se esperar também alguma negociação e a conciliação com Dona Aracy e suas filhas.

Décio de Almeida Prado, cujos comentários de conjunto sobre a obra rodrigueana são decisivos, anotou em chave cosmopolita, mediante Peter Brook, as guinadas de enredo e de personagens em particular das peças de ٥٠ e ٦٠.

É nesse quadro cruel, com subtons cômicos, que Nelson Rodrigues inscreve as suas “tragédias cariocas” ou “tragédias de costumes”. O enredo constrói-se sobre falsas pistas e reviravoltas surpreendentes, dentro daquela “estética do espanto” que Peter Brook descobriu no melodrama. Ninguém é com certeza o que aparenta ser, podendo verificar-se a qualquer momento inversões que lançam nova luz sobre o presente ou sobre partes obscuras do passado. O homossexual não é quem todos pensam, o pai ama não a filha mas o genro (Beijo no asfalto). A virgem oficial da família mata no nascedouro sete inocentes gatinhos porque está grávida e, por falar nisso, quem escreve palavrões nas paredes da privada é a sua velha mãe (Os sete gatinhos). O viúvo castíssimo apaixona-se pela prostituta, o rapaz estuprado na prisão viaja para o exterior em companhia do ladrão boliviano que o violentou (Toda nudez será castigada). A irmã e filha exemplar vive na verdade da prostituição, enquanto a moça milionária foi quem arquitetou a curra bestial de que se diz vítima (Bonitinha mas ordinária) (Prado, 2009, p. 133).

Na sequência Décio aponta algum eco de técnica do teatro expressionista mas também salienta a dimensão carioca e suburbana das caracterizações, as quais incidiriam em trejeitos supersticiosos e místicos. O crítico discerne âmbitos estéticos abstratos e localistas, sem tentar uma síntese que ilumine forma literária e processo social, mas chegando a um diagnóstico estético de grande precisão. Seus achados revelam que sensibilidade e agudeza na formulação independem, até certo ponto, de um arsenal analítico e teórico mais elaborado.

O poder do pai de família desautorizado depende, literalmente, da possessão e do transe, da sua condição de vidente infame que, saberemos, encaminha clientes para as próprias filhas. A abertura do terceiro ato, com a sessão em que Hilda é possuída pelo primo Alípio é mais um lance desconcertante entre cômico e patético, com os arrancos do primo morto e antipático a ditar as supostas verdades, inclusive a pista que leva a Bibelô, o exmilitar malandro, agora homem vestido de virgem.

(Começa o terceiro ato com uma sessão em casa do “seu” Noronha. Presentes: o velho, D. Aracy, as filhas, menos Silene que está encerrada em seu quarto. Hilda é o médium. Acaba de receber o primo Alípio, falecido recentemente. Hilda anda pelo palco em largas e viris passadas; arqueja e funga; dá gritos medonhos; voz masculina).

D. ARACY — Pergunta se o homem vem aqui e quando?

“SEU” NORONHA (baixo, para a mulher) O diabo é que foi receber logo o primo Alípio, que não se dava comigo... (novo tom, humilde). Irmão, ele vem aqui?

(Hilda pulos tremendos).

HILDA Velho safado! Você quer matar um homem!

ARLETE — O primo não quer nada com a gente!

“SEU” NORONHA (para Arlete) Não se meta! (De vez em quando, nos seus arrancos de espírito ainda não evoluído, Hilda tem de ser subjugada).

D. ARACY (a um arranco maior) Segura! Segura! (Hilda, dominada, esperneia em vão).

HILDA (com voz masculina e ofegante) —. Velho assassino!

“SEU” NORONHA (na sua humildade) Irmão, esse homem ofendeu minha moral! Desgraçou minhas filhas!

HILDA Tuas filhas são umas sem-vergonhas! Vivem pegando homem!

“SEU” NORONHA (sôfrego) Mas o homem chora por um olho só!

HILDA Você está marcado!

“SEU” NORONHA — O homem tem uma lágrima só?

HILDA Olha que você pode morrer!

“SEU” NORONHA E como eu vou conhecer esse homem? saber quem é ele? judeu? como é ele?

HILDA — O homem goza chorando, chora morrendo!

“SEU” NORONHA (repetindo com angústia) — Goza chorando, chora morrendo. .. (num apelo) Mas ele vem aqui e quando?

HILDA — O homem vestido de virgem!

“SEU” NORONHA — Vestido de virgem!

HILDA — Você enterra no quintal, o homem e a lágrima! Vocês ajudem a carregar o corpo... (para “seu” Noronha) E você enterra a faca no coração!

“SEU” NORONHA — Mas eu queria apunhalar o olhar da lágrima!

HILDA — Deixa o homem dormir e enterra a faca no coração!

(Rodrigues, 2004, p. 172)

A cena pode ser lida como uma sátira elitista e preconceituosa da crendice popular, o que levaria a peça para o campo da reação, talvez católica. Mas é uma leitura insustentável, até onde vejo, porque a construção complexa é inegável, articulando a opressão social, a prostituição humilhante, o autoritarismo masculino e os vaivéns que cancelam a autoridade da lei e da ordem. O que resta, então, é saber se as articulações renderam a grande obra ou a peça ambiciosa mas falhada e sensacionalista, sendo que meus argumentos e ênfases são pela primeira opção. Sobre os tópicos envolvendo ritos, espiritismo, possessão, etc. fico devendo qualquer comentário mais qualificado, minha informação sobre o assunto é escassa. Mas é inegável a força das cenas aqui, que dão o que pensar. Para o já citado José Antônio Pasta Júnior há conexão, histórica e cultural, entre estes mundos religiosos e metafísicos e alguns clássicos da literatura brasileira marcados pela articulação entre ideia fixa, oscilações, duplicidades, etc. A formulação de Pasta é breve e elegante mas nem por isso menos elucidativa.

E é assim, igualmente, que as formas as mais enraizadas e difundidas de religião popular são entre nós, no fundo, formas espíritas, isto é, formas fundadas na ideia de metempsicose e tendo como manifestação principal o transe de possessão. Ora, na metempsicose, como no transe de possessão, se é sempre si-mesmo e um outro, ao mesmo tempo. E assim por diante (Pasta Jr., 2011, p. 105).

Aqui se aponta uma dialética que ainda poderia promover alguma reflexão e talvez expor melhor dilemas históricos e políticos que estão consolidados na forma das obras, vale dizer, na dimensão estética que pode contribui para o conhecimento do processo social, inclusive com lições sombrias e constrangedoras.

Seja como for, a graça daninha se abastece decisivamente da duplicidade fundamental da prostituição encoberta por empregos fixos, com a conivência fundamental da humilhada Dona Aracy/Gorda, que acumula as funções de mãe e cafetina. O problema vai se agravar quando “seu” Noronha tornar público o que era um segredo privado, ocorrendo no desfecho violento a revelação de que ele também era não só conivente mas também patrocinador da oferta das filhas. O patriarca mantém também a duplicidade de devoto do hímen de Silene e de cafetão secreto das demais filhas. Ou melhor, até o diagnóstico da gravidez de Silene, a duplicidade era uma, para daí virar outra: o contraste inicial era entre o humilhado contínuo que humilhava a mulher e oprimia as filhas, tudo sob o pacto do fetiche virginal; depois disso permanece a humilhação mas agora a família está unida na caça ao homem que chora por um olho só, e o médium delirante Noronha e seu punhal lideram a busca deflagrada por mensagens do Além (Barbosa Coutinho, Pedro II, etc.), que foram reforçadas pelas fala comprometedora da filha Hilda em transe, porque ela também é médium. Sendo assim, a articulação desconcertante entre contínuo humilhado e patriarca humilhante, mas com mística moralista redentora, vai se deslocar, uma vez revelada a gravidez da caçula, para o dublê de médium apunhalador e cafetão das filhas. O Ahab da zona norte persegue o “homem vestido de virgem”, de branco que nem Moby Dick. De sacerdote do culto à virgindade progride a obcecado vidente assassino. Uma ideia fixa substitui a outra e ecoam as ameaças do espirito de primo Alípio, prevendo a morte do velho, isto é, Seu Noronha. Ora, as ameaças de Primo Alípio evocam o que está insinuado a muito: o médium Noronha vai topar com mais uma guinada em que ele próprio é o criminoso profetizado, o homem que perde as filhas do lar Noronha.

Ou melhor, o razoavelmente pacato contínuo agora se revigora na condição de líder na caça do homem que corrompe as mulheres da família, que, numa coincidência melodramática entre barata e irônica, vem a ser Bibelô, o malandro sedutor. Como é de se esperar, este Ahab do Grajaú vai acabar com o arpão cravado em seu próprio peito. O andamento entre cômico e patético, entre grotesco e cotidiano rebaixado, resulta um desafio para diretor e atores, não resta dúvida. Mas vale notar que a combinação e contraste entre metafísica espírita e obsessão sexual incestuosa rende uma tensão que até então não irrompera assim na literatura brasileira até os anos 70, em que o tema religioso de feição popular só comparece em maior escala no candomblé de Jorge Amado, onde é representado a sério e tendendo ao elogioso. Aqui o ritual religioso conjuga-se à piada rebaixada, intenções vingativas, superstição doméstica, etc.

Retornando ao quadro esboçado no início deste texto, em 1958 estes gatinhos encontram-se no miolo das pretensões desenvolvimentistas com Juscelino. o presidente bossa-nova, no poder, Brasília em construção, poesia concreta propondo rupturas e reescrevendo a história a seu favor, enfim, há um museu de novidades se impondo, em um surto democrático que tinha algo de frenético e indulgente. No campo específico do teatro o debate era incisivo e pode-se dizer que é nesta quadra que a tradição dramatúrgica brasileira se configura. Mais que isso, é possível que aqui se definam as marcas de uma tradição moderna do teatro brasileiro, que provém da segunda metade dos anos 1950 e vai bater de frente com o bloqueio de 64. Em outros termos, trata-se do teatro que debateu e conviveu com o nacional-desenvolvimentismo, suas promessas e impasses, tendendo a elaborar personagens pobres e populares. Autores como Gianfrancesco Guarnieri, Dias Gomes e Ariano Suassuna estavam explorando novos temas e linguagens, com ambição estética e impacto junto ao público. Novamente Decio de Almeida Prado faz a síntese:

Aos poucos, aqui e ali, por todo o Brasil, mas concentrando-se particularmente em São Paulo, foram surgindo as peças que o nosso teatro reclamava para completar a sua maturidade. Em 1955, A moratória, de Jorge Andrade. Em 1956, no Recife, com a descida triunfal ao Rio de Janeiro no ano seguinte, o Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. Em 1958, Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri. Em 1959, Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo Vianna Filho. Em 1960, O pagador de Promessas, de Dias Gomes, e Revolução na América do Sul, de Augusto Boal. Descontando os de atuação mais efêmera, em média, a revelação de um autor importante por ano.

Todos eles tinham em comum a militância teatral e a posição nacionalista [...]. Quanto ao lado nacionalista, todos o representavam, seja por inclinação política, seja por retratar em cena aspectos menos conhecidos ou menos explorados dramaticamente do Brasil, seja enfim, pela simples presença em palco de suas peças, o que, em face do predomínio do repertório estrangeiro, significava sempre uma tomada de posição, se não deles, ao menos das empresas que os encenavam (Prado, 2009, p. 61).

A rigor, nossa tradição clássica recente, talvez mesmo a tradição que restou, passa quase toda por aí. Do Auto da compadecida, de Suassuna, a Eles não usam Black-tie, de Guarnieri, até O pagador de promessas, temos um conjunto de peças que tratam de o que fazer com os pobres brasileiros, como registrar suas demandas, etc., além de darem resposta estética à questão de como representá-los no palco. Nelson Rodrigues gira no sentido contrário. Estes autores nacionalistas e discordantes entre si, parecem dispostos a promover uma certa busca da autenticidade, ou pelo menos debater com força os termos do nacional e do popular. Em movimento análogo e complementar, o cinema brasileiro fazia coisa assemelhada, o que vai dar no crucial Cinema Novo.

Para efeito demonstrativo, talvez valha registrar o enfático encerramento de O pagador de promessas. Ali, um tanto abatido, do Burro mantém-se irredutível e, no entrevero armado entre populares, capoeiras e forças da ordem, quem leva o tiro fatal é ele. Depois da retirada da polícia, Mestre Coca lidera silenciosamente os capoeiras, que carregam o cadáver sobre a cruz para dentro da igreja. Literalmente nos braços do povo e carregado sobre sua cruz, Zé do Burro finalmente adentra o templo. Lá fora ouve-se a trovoada sobre a praça e vem a última deixa: “Minha Tia (Encolhe-se toda, amedrontada, toca com as pontas dos dedos o chão e a testa) Eparrei minha mãe!)” (Gomes, 2006, p. 97).

A última palavra fica com a religiosidade popular, em afirmação explícita da força do povo que invade o recinto da igreja de Santa Bárbara, enquanto Iansã e o candomblé se afirmam fora, na praça. Bem, o conjunto da obra padece de didatismo populista, que limita o alcance estético enquanto enfatiza o caráter elevado e desgraçado do destino de Zé do Burro. O que não se pode negar é a fluência extraordinária do diálogo de Dias Gomes, autor que será aproveitado pela Rede Globo, senhora da indústria cultural brasileira. Valeria a pena comparar o destino desgraçado desta obcecada vítima redentora, com a boa sorte daquele também herói popular João Grilo, do Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. Afinal ambos heróis são representantes da uma linha artística bem visível, em sua busca de personagens que representassem o peculiar proletariado nacional. Tanto em Suassuna quanto em Dias Gomas são dois pobre rurais nordestinos, mas o que Zé do Burro tem de trágico, João Grilo tem de farsesco e malandro.

O teatro rodrigueano gira no sentido contrário, isto é, reivindica a peculiaridade nacional para explorar situações de drama e comédia em quadro de certo confinamento avacalhante, com obsessões e ideias fixas engrenadas com guinadas arbitrárias e delirantes, no âmbito sexualizado de famílias degradadas e perversas. Em Os sete gatinhos, e em 1958, no entanto, é possível examinar esta receita em termos de resposta ao herói nacional-popular do momento: o humilde contínuo Seu Noronha emergiria como a versão paródica das boas intenções nacionalistas, na condição de pobre brasileiro humilhado e humilhante em transe, oscilando entre sacerdote do culto da pureza familiar a vidente assassino e, ao cabo, cafetão das próprias filhas. No desfecho da peça, depois do assassinato (sacrifício?) do malandro Bibelô, as filhas e Dona Aracy vão à forra e dominam o patriarca empobrecido, cujo punhal mudou para mãos femininas e vingativas. As mulheres assumem ares de Erínias ou bacantes que vão destruir o patriarca atroz do Grajaú. Seu Noronha alcança seu destino mítico e prosaico, num desfecho que pode ser lido como uma ambígua celebração feminina e também como rito punitivo.

Bibliografía

» Gomes, A. D. (2006). O pagador de promessas. Río de Janeiro: Bertrand Brasil.

» Pasta Jr., J. A. (2011). Volubilidade e ideia fixa. En Formação supressiva: constantes estruturais do romance brasileiro (Tese de Livre Docência). Universidade de São Paulo, Brasil

» Prado, D. (2009). O Teatro brasileiro moderno. San Pablo: Perspectiva.

» Rodrigues, N. (2004). Os sete gatinhos. En Teatro completo – Tragédias Cariocas, 3. Río de Janeiro: Nova Fronteira.