Metodologia para análise dos limites de velocidade em vias arteriais


"Walber Paschoal da Silva

Universidade Federal Fluminense, Brasil.
ORCID: 0000-0001-6000-4458

Recibido: 13/4/2021. Aceptado: 30/10/2023.

Resumo

A velocidade representa um dos principais fatores relacionados à segurança no trânsito, e a fiscalização eletrônica é reconhecida como um eficaz recurso para promover o respeito aos seus limites. No entanto, em alguns casos, limites de velocidade abaixo daqueles que a via poderia suportar com segurança, associados a esses dispositivos de fiscalização, têm como consequência a redução da capacidade da via, prejudicando a sua operação e provocando diversos outros reflexos negativos, tanto para os motoristas, quanto para o meio ambiente. Isso é resultado da utilização, por parte de algumas prefeituras, de valores genéricos padronizados pelo Código de Trânsito Brasileiro para cada tipo de via, os quais, por serem valores mínimos, em certos casos são muito baixos, e, portanto, só deveriam ser utilizados na impossibilidade da realização de estudos técnicos específicos. Diante desse problema, o presente trabalho propõe uma metodologia para a análise desses limites de velocidade com base em dois aspectos principais, a melhoria da segurança e a otimização da operação da via. Nesse sentido, foram adotados os seguintes fatores intervenientes, relacionados à via: estado de conservação; operação do tráfego no local; falhas geométricas; condições de visibilidade; velocidade; estacionamentos; interferências de pedestres. A metodologia foi testada por meio da sua aplicação a um importante corredor arterial da cidade de Niterói-RJ, com dispositivos de fiscalização eletrônica de velocidade. Os resultados indicaram que o limite de velocidade regulamentado, que era de 60 km/h, poderia ser aumentado para 70 km/h, sem prejuízo para a segurança, proporcionando o aumento da capacidade da via e a melhoria do nível de serviço oferecido aos seus usuários.

Palavras-chave: Limites de velocidade. Segurança no trânsito. Vias arteriais. Otimização da operação viária.

Methodology for analysis speed limits on arterial roadways

Abstract

Speed represents one of the main factors related to traffic safety, and electronic surveillance is recognized as an effective way to promote respect to its limits. However, in some cases, speed limits below those that the road could safely support, associated with this monitoring devices, have the consequence of reducing the road’s capacity, impairing its operation and causing several other negative effects, both for drivers and the environment. This is the result of the use, by some municipalities, of generic values standardized by the Brazilian Traffic Code for each type of road, which, as they are minimum values, in certain cases are very low, and therefore should only be used at the impossibility of carrying out specific technical studies. Thus, this work proposes a methodology for analysis of these speed limits based on two main aspects, the improvement of traffic safety and the optimization of road operation. Thus, the following intervening factors, related to the road, were adopted: state of conservation; local traffic operation; geometric faults; visibility conditions; velocity; parking lots; pedestrian interference. The methodology was tested by applying it to an important arterial roadway in the city of Niterói-RJ, with electronic speed control devices. The studies indicated that the speed limit, which was 60 km/h, could be increased to 70 km/h, with no impact on traffic safety, increasing the road’s capacity and improving the level of service offered to its users.

Keywords: Speed limits. Traffic safety. Arterial roadways. Optimization of road operation.

Introdução

A determinação dos limites de velocidade nas vias arteriais deve considerar dois aspectos principais, a melhoria da segurança, com a redução dos índices de acidentes, e a otimização da operação da via, promovendo o aumento da sua capacidade. Ao se estabelecer um limite de velocidade para uma via arterial, levando-se em conta apenas o valor recomendado pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB), 60 km/h (BRASIL, 2022: 45), corre-se o risco de prejudicar a sua operação. Isto porque, devido às suas características técnicas, pode representar um valor abaixo daquele que a via suportaria com segurança, diminuindo sua capacidade e, consequentemente, o seu nível de serviço.

Tal situação tem o potencial de gerar vários reflexos negativos, como o aumento do tempo de viagem, dos congestionamentos, do stress dos motoristas, do consumo de combustível, da poluição do ar, etc., sem trazer nenhum benefício adicional à segurança. Esse valor estabelecido pelo CTB, que só deve ser aplicado em situações onde não existam estudos técnicos específicos, tem sido adotado por algumas prefeituras brasileiras devido à falta de uma metodologia capaz de auxiliar os técnicos responsáveis. Nesse cenário, sem uma orientação clara sobre como desenvolver tais estudos, as prefeituras acabam por adotar o valor mínimo, e não o valor ideal, que é aquele máximo possível capaz de permitir maior fluidez do tráfego, sem colocar em risco a segurança de motoristas e pedestres.

Uma pesquisa realizada por Warren et al. (2013) revelou que os limites de velocidade só são eficazes quando representam a velocidade máxima razoável e segura. Também revelou que a aparente subjetividade envolvida no processo de definição dos limites de velocidade pode gerar resultados inconsistentes e de difícil defesa, principalmente devido à pressão que o público pode exercer. Como consequência, além da má operação da via, essa velocidade baixa gera um descontentamento dos motoristas, principalmente quando esses limites são acompanhados de redutores eletrônicos de velocidade, em virtude do alto percentual de multas. Nesses casos, também há um sério problema ético e moral, uma vez que os motoristas além de estarem sendo obrigados a trafegar em velocidades abaixo daquelas que poderiam desenvolver com segurança, ainda estão sendo indevidamente multados.

Para complementar, segundo o Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), limites de velocidade muito baixos podem ser totalmente ineficazes, pois o fato de serem desrespeitados induz o motorista a também ignorar limites, indicados por sinalização, em locais onde velocidades reduzidas são realmente necessárias (BRASIL, 1987). Nesse contexto, o objetivo deste trabalho é desenvolver e testar uma metodologia capaz de auxiliar os técnicos durante a análise desses limites de velocidade nas vias arteriais, já em operação, contribuindo para um melhor desempenho dessas vias tão importantes para os deslocamentos diários nas cidades. Para tanto, são considerados os fatores físicos e operacionais da via, tais como, estado de conservação, operação do tráfego no local, problemas relacionados à sua geometria, condições de visibilidade, velocidade, estacionamentos e movimentos de pedestres, assim como os índices de acidentes.

Em uma primeira etapa é apresentada uma revisão bibliográfica no sentido de se examinarem os critérios e os procedimentos para o estabelecimento de limites de velocidade, assim como os fatores intervenientes. Em seguida é apresentada a metodologia proposta, com a descrição detalhada das suas etapas. No capítulo seguinte a metodologia é testada por meio da sua aplicação a uma situação real, na Estrada Francisco da Cruz Nunes, situada na cidade de Niterói, RJ, escolhida em face de suas características. Por fim, são apresentadas as conclusões e proposições, onde é feita uma análise crítica dos resultados obtidos e são dadas algumas sugestões para futuros trabalhos que venham a promover o contínuo refinamento e aperfeiçoamento desta linha de pesquisa.

Vale destacar que este estudo foi realizado a partir de um convênio realizado entre a prefeitura de Niterói e a Universidade Federal Fluminense, no ano de 2005. Mas, o assunto continua sendo de grande relevância para as cidades, pois a versão atual do CTB (BRASIL, 2022) mantém a indicação de um limite de velocidade de 60 km/h para vias arteriais urbanas, em situações onde não existam estudos técnicos para a determinação de valores mais apropriados à realidade de cada local. Portanto, julgou-se oportuno compartilhar este estudo por meio de publicação em uma revista científica, pois, embora a temporalidade seja importante na área de transportes, a metodologia proposta continua válida, uma vez que apresenta a sequência lógica dos procedimentos a serem executados.

Revisão bibliográfica

O estabelecimento de limites de velocidade apropriados é uma condição fundamental para se obter a eficiente operação de uma via, sem diminuir o seu nível de segurança. Para tanto, há vários métodos adotados pelos técnicos durante essa tarefa, que vão desde o puro julgamento arbitrário, baseado na experiência do analista, no conhecimento do local e na legislação, até estudos detalhados de engenharia. O primeiro caso tem sido o mais comum na prática das cidades brasileiras, mas, embora não se descarte a sua importância como parte do julgamento final, devido ao seu alto grau de subjetividade, verifica-se a necessidade de uma mudança de paradigma.

Com relação ao tipo de via alvo deste estudo, o CTB (BRASIL, 2022: 189) classifica como via arterial, “aquela caracterizada por interseções em nível, geralmente controlada por semáforo, com acessibilidade aos lotes lindeiros e às vias secundárias e locais, possibilitando o trânsito entre as regiões da cidade”, e como via urbana, “ruas, avenidas, vielas, ou caminhos e similares abertos à circulação pública, situados na área urbana, caracterizados principalmente por possuírem imóveis edificados ao longo de sua extensão”. Pelo HCM (TRB, 2000), classificam-se como vias arteriais, vias semaforizadas servindo a um tráfego predominantemente de passagem e que, secundariamente, dá acesso a propriedades lindeiras, com espaçamentos semafóricos de 3,0 km ou menos.

Quanto à extensão do problema, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2021), aproximadamente 1,3 milhão de mortes evitáveis e 50 milhões de feridos, por ano, em todo o mundo, são resultado de sinistros de trânsito. Para esta década (2021-2030), a previsão, para as circunstâncias atuais, é que causem mais de 13 milhões de mortes e cerca de 500 milhões de feridos. Diante na necessidade de agir para resolver o problema, governos de todo o mundo declararam unanimemente a Segunda Década de Ação pela Segurança no Trânsito 2021-2030, por meio da Resolução 74/299 da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU, 2020).

De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS, 2011), a redução das lesões causadas pelos acidentes de trânsito pode ser obtida por meio de ações de prevenção da colisão, com o uso de equipamentos de fiscalização eletrônica de velocidade e fatores ambientais, entre os quais se destaca o limite de velocidade. A fiscalização de velocidade por meio de dispositivos eletrônicos capazes de fotografar e multar os veículos, aqui chamados de foto-radares, mas popularmente conhecidos como “pardais”, toma como base a premissa de que essa fiscalização reduz o número e a severidade dos acidentes, em virtude do cumprimento dos limites regulamentados. Essa premissa é comprovada por uma pesquisa desenvolvida por Debnath et al. (2012), que revelou que entre várias medidas de controle analisadas, tais dispositivos eletrônicos de fiscalização, assim como a presença policial, são as mais efetivas.

Outro trabalho que também corrobora essa premissa foi realizado por Barbosa e Monteiro (2000), mas também mostrou que essa fiscalização provoca uma redução significativa da velocidade média de viagem com relação ao limite de velocidade estabelecido. Um estudo semelhante realizado por Bloch (1998) mostrou que, nos Estados Unidos, o efeito desses foto-radares foi uma redução média de velocidade de 7 a 8 km/h, assim como uma redução do número de veículos viajando com velocidades 16 km/h, ou mais, acima do limite estabelecido. Portanto, em face da reconhecida eficiência desses dispositivos na fiscalização do excesso de velocidade, deve-se tomar um cuidado especial ao se estabelecer o limite de velocidade. A implantação de foto-radares ao longo de uma via, cujo limite de velocidade estabelecido se encontra abaixo daquele que a mesma poderia suportar com segurança, prejudicaria a eficiência do escoamento do tráfego, que representa outra meta a ser atingida no sentido de garantir a boa operação dessa via. Isso teria como impactos, a redução do nível de serviço (uma vez que diminui a capacidade da via), o aumento dos atrasos, dos tempos de viagem, dos ruídos, da poluição e, consequentemente, dos custos associados ao tempo e à operação dos veículos, sem, no entanto, aumentar a segurança.

Segundo a American Association of State Highway and Transportation Officials (AASHTO, 2018), define-se velocidade de projeto como sendo a velocidade máxima de segurança sobre uma seção específica de via em condições favoráveis. E a velocidade operacional é a velocidade máxima que o motorista pode viajar sob favoráveis condições de clima e sob determinadas condições de tráfego, sem ultrapassar em nenhum momento a velocidade de projeto. De acordo com o Green Book (AASHTO, 2018), a velocidade operacional é aquela na qual os motoristas são observados guiando seus veículos durante condições de fluxo livre. Para a Federal Highway Administration (FHWA), em uma estrada, o estabelecimento do limite de velocidade deve considerar a segurança, medida pela incidência de colisões, ferimentos e mortes, e a eficiência operacional, medida pelo tempo de viagem. No caso específico das estradas classificadas como vias arteriais, a interação dos veículos com os usuários não motorizados, gera uma maior preocupação com a segurança, que passa a ser a prioridade (Forbes et al., 2012).

Com o objetivo de estudar a relação entre a velocidade operacional dos veículos e as características geométricas das vias arteriais suburbanas, Fitzpatrick e Das (2019), desenvolveram uma pesquisa cujos resultados revelaram que tanto o volume de veículos por pista, quanto o volume de bicicletas, exerciam influência sobre a velocidade média de viagem. Quantitativamente, vias de 40,3 km/h (25 mph), em um período de 15 minutos, apresentaram uma redução de 1,6 km/h (1 mph) na velocidade média, para um incremento de 19 veículos, ou de 39 ciclistas. O estudo foi aplicado à cidade de San Diego, no estado da Califórnia, Estados Unidos, e com relação às características geométricas, mostrou que as variáveis de maior influência foram o número de semáforos e o número de acessos à via.

Segundo o Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito (BRASIL, 2005), outra questão que também deve ser considerada, ao se estudarem os limites de velocidade de uma via arterial, é a desejada uniformização desses limites em trechos consecutivos, por questões relacionadas ao comportamento dos motoristas. Isso desde que os trechos tenham características físicas, geométricas, de volume veicular e de ocupação do solo, semelhantes. Mas, também devem ser considerados fatores como: Tempo de percepção/reação do condutor; Distância de frenagem em função da redução, de forma a garantir a segurança; Distância de legibilidade da placa. De acordo como o Manual de Sinalização Rodoviária (BRASIL, 2010a: 74), caso alterações nas condições operacionais da via indiquem a necessidade de diminuição da velocidade máxima regulamentada, deve-se colocar a sinalização indicativa da nova velocidade a uma distância de 150 m antes do ponto de mudança, para cada redução de 10 km/h.

Uma pesquisa realizada por Garber e Ehrhart (2000) revelou que os índices de acidentes eram maiores nos horários com menor volume de tráfego. Uma explicação encontrada é que a variação das velocidades dos veículos aumenta na medida em que o fluxo diminui, e que a taxa de acidentes é afetada por essa variação da velocidade. O volume de tráfego também exerce influência sobre o tipo de acidente, sendo que quanto maior o volume, maior o número acidentes envolvendo vários veículos, e menor o número de acidentes envolvendo apenas um veículo. Assim, com o objetivo de melhor entender os fatores associados às colisões e, assim, identificar possíveis medidas a serem adotadas para reduzir a ocorrência de acidentes, Garber e Ehrhart (2000) procuraram determinar como a velocidade, o volume de tráfego e a geometria, de uma via de duas faixas, afetavam o índice de acidentes. Para tanto, trabalharam com modelos determinísticos capazes de estabelecer a correlação entre o índice de acidentes e os seguintes fatores: velocidade média; desvio padrão da velocidade; fluxo por faixa; largura da faixa; largura do acostamento. De acordo com os resultados, o índice de acidentes não apresentou uma relação linear com a velocidade, nem com o volume de tráfego e nem com a geometria da via. O modelo mostrou que a correlação entre essas variáveis é muito complexa, não sendo possível a sua aplicação direta sobre todas as rodovias em virtude das peculiaridades de cada uma. No entanto, foi possível verificar que o índice de acidentes é afetado pelo efeito combinado dessas variáveis.

Um outro estudo, realizado por Chen e Jovanis (2000), com objetivo de criar um método para a identificação dos fatores relacionados ao grau de severidade dos acidentes de trânsito, revelou que esse era afetado pelas características, do motorista, do veículo, da via e ambientais. Concluíram, ainda, que o grau de severidade dos acidentes não era afetado por apenas um fator isoladamente, mas principalmente pela interação entre eles de maneira que um determinado fator poderia exercer efeitos diferenciados em função das características dos demais. Mas, efetivamente, entre os fatores relacionados ao motorista, fatores humanos, o excesso de velocidade, principalmente no período da madrugada, foi identificado como um dos destaques.

Segundo Marques e Jacques (2012), a definição do limite de velocidade, tanto por órgãos do exterior quanto do Brasil, não se baseia em elementos objetivos, o que resulta em vias com características semelhantes e com limites de velocidade diferentes. As autoras citam como principais causas para essa situação, a ausência de critérios objetivos que relacionem a medida dos fatores com o limite de velocidade, e a falta de definição da importância relativa dos fatores considerados. Essa falta de critérios objetivos, para o estabelecimento do limite de velocidade, é reflexo da escassez de documentos técnicos com metodologias estruturadas para tal fim. Nesse contexto, uma pesquisa realizada por Kim e Jung (2021) procurou preencher essa lacuna e propôs uma metodologia para a determinação dos limites de velocidade em vias urbanas, considerando os fatores, taxa de acidentes de trânsito, grau de desenvolvimento das margens e características geométricas. Foram identificados ainda, como resultado da investigação, os seguintes fatores opcionais, capazes de influenciar a velocidade de operação: função das vias; existência de canteiro central; nível de estacionamento na calçada; número de pontos de acesso na via; número de paradas de trânsito.

Embora esta revisão teórica tenha indicado a existência de estudos voltados para a determinação dos limites de velocidade em vias urbanas, este trabalho se diferencia por apresentar uma metodologia alternativa, mais simples e direta. Assim, seguindo-se uma sequência lógica de etapas, capazes de serem executadas mesmo por cidades com restrições de recursos técnicos e financeiros, esta metodologia pretende contribuir para estimular, ou mesmo viabilizar, a realização desse estudo e a adoção de limites de velocidade mais apropriados a cada local.

Metodologia proposta

Neste capítulo, a metodologia proposta é descrita em detalhes, e o fluxograma da Figura 1 apresenta uma visão global da sequência e interdependência entre as suas etapas. Vale ressaltar que esta metodologia é direcionada às vias arteriais, e consiste em uma análise do limite de velocidade mais adequado, a um determinado trecho, de uma via arterial, sob três aspectos: operação e ambiente no entorno da via; geometria e características físicas da via; causas principais dos acidentes nos pontos críticos.

Figura 1. Fluxograma da metodologia proposta. Fonte: próprio autor.

Definição dos trechos da via (1a etapa)

A primeira etapa desta metodologia é a definição dos trechos da via arterial, cuja unidade básica é o segmento. Um segmento representa a distância entre duas interseções semaforizadas consecutivas, em um determinado sentido de tráfego, conforme metodologia do HCM, Highway Capacity Manual (TRB, 2000, p. 325). Assim, um trecho da via pode agregar dois ou mais segmentos consecutivos, desde que os mesmos apresentem características semelhantes, tais como, classificação, comprimento (com variação de até 20%), limite de velocidade, tipo de uso do solo e interferência de pedestres. Essa definição dos trechos da via deve ser precedida de um estudo preliminar de suas características gerais (tanto físicas quanto operacionais), sendo, portanto, de fundamental relevância para esse processo, uma visita ao local no sentido de permitir uma avaliação mais precisa dessas características.

Classificação dos trechos da via (2a etapa)

A segunda etapa é a classificação dos trechos da via. Pelo maior nível de detalhamento oferecido pela metodologia do HCM de 1997 (TRB, 1997) para essa identificação das vias, permitindo a sua classificação segundo suas categorias funcional (arterial principal ou arterial secundária) e de projeto (arterial suburbana, arterial urbana ou arterial intermediária), optou-se aqui por essa referência. Além disso, o HCM de 1997 ainda indica o limite de velocidade mais apropriado à via em função da sua classificação, conforme será visto na seção 3.4. A partir dessa classificação, determina-se a classe da via, com base no Quadro 1 (TRB, 1997).

Quadro 1. Classe da via arterial, por categorias funcional e de projeto.
Fonte: adaptado de TRB (1997).

Categoria de projeto

Categoria funcional

Arterial Principal

Arterial Secundária

Suburbana

I

II

Intermediária

II

III

Urbana

III

III

Destaca-se que não foram aqui adotadas versões mais recentes do HCM, tendo em vista que, conforme citado no capítulo 1, a metodologia foi desenvolvida e testada em 2005. Portanto, a execução de cada etapa foi realizada com base nos documentos disponíveis até o momento. Mas, para a adaptação da metodologia a uma versão mais recente do HCM, basta substituir as classificações e os Quadros, aqui adotadas, pelos atuais, tendo em vista que a sequência lógica das etapas e os procedimentos propostos não se alteram.

Levantamento das velocidades de fluxo livre (3a etapa)

A velocidade de fluxo livre (VFL) é a velocidade média desenvolvida pelos veículos em uma porção de um determinado trecho da via, que não esteja próxima à interseção semaforizada, e sob condições de tráfego que permitam ao motorista uma certa liberdade de manobra e a escolha da velocidade mais confortável. Essa velocidade representa a velocidade percebida pelos motoristas como a mais adequada às características gerais da via e ao seu uso, e pode ser levantada por meio do método do carro-teste ou do método das placas.

Para medição da VFL, no método do carro-teste, um veículo percorre o trecho da via em estudo, em um horário com o mínimo possível de tráfego (por exemplo, no período da madrugada), a uma velocidade considerada confortável pelo motorista. Destaca-se que esse método apresenta algumas imprecisões referentes aos fatores humanos envolvidos, embora seja tecnicamente correto. Já no método das placas, considerando o trecho de via em estudo, em campo são anotados os horários de entrada e saída de cada veículo, por meio de suas placas, e depois, no escritório, esses dados são tabulados e são calculados o tempo e a velocidade de percurso. Destaca-se que, conforme o HCM (TRB, 2000), a velocidade de fluxo livre medida em campo é mais indicada do que aquela estimada por meio de suas fórmulas matemáticas, baseadas nas características da via.

O objetivo dessa velocidade é confirmar a classificação preliminar da via arterial, feita na segunda etapa, já que cada classe de via arterial apresenta um intervalo característico de velocidade de fluxo livre, e que, como o próprio HCM ressalta, essa classificação não é uma tarefa trivial, podendo surgir ambiguidades capazes de dificultá-la ou mesmo torná-la falha. Então, a confirmação efetiva da classe de cada trecho da via, é feita verificando-se a consonância entre a classificação preliminar e a velocidade de fluxo livre (medida em campo) nesses trechos, com o auxílio do Quadro 2 (TRB, 1997).

Quadro 2. Relação entre a classe de uma via arterial e a sua VFL.
Fonte: adaptado de TRB (1997).

Classe

I

II

III

Intervalo de velocidades de fluxo livre (mph)

35 a 45 mph

(≈ 60 a 70 km/h)

30 a 35 mph

(≈ 50 a 60 km/h)

25 a 35 mph

(≈ 40 a 60 km/h)

Velocidade de fluxo livre típica (mph)

40 mph

(≈ 64 km/h)

33 mph

(≈ 53 km/h)

27 mph

(≈ 43 km/h)

Caso essa análise indique que a classificação inicial não esteja de acordo com a velocidade de fluxo livre medida em campo, é necessário que se retorne à primeira etapa para que seja feita uma reavaliação da classe do trecho da via.

Determinação dos limites de velocidade, sob os aspectos operacional e ambiental (4a etapa)

Tomando-se como base a classificação do trecho da via, confirmada na 3a etapa por meio da velocidade de fluxo livre, determina-se, com o auxílio do Quadro 3 (TRB, 2000), o limite de velocidade, aqui designado de V1, mais apropriado às condições de operação e de interferências do ambiente nesse trecho. Vale ressaltar que o Quadro 3, não estabelece um limite de velocidade fixo para cada classe de via arterial, mas sim um intervalo de possíveis limites de velocidade. Portanto, a escolha do valor mais adequado entre esses valores máximo e mínimo, será feita com base na experiência do técnico responsável pela análise, no seu conhecimento do local e nos índices de acidentes.

Quadro 3. Limites de velocidade para cada tipo de via arterial. Fonte: adaptado de TRB (2000).

Classificação quanto à categoria
de projeto

Suburbana

Intermediária

Urbana

Faixa de variação para identificação
do limite de velocidade (V1)

65 a 75 km/h

50 a 65 km/h

40 a 55 km/h

Estudo da geometria da via (5a etapa)

Nesta seção serão realizados os estudos das características geométricas dos trechos da via, tais como a largura das faixas de tráfego e dos acostamentos, as declividades, a presença de curvas, retornos e agulhas, e as restrições de visibilidade resultantes dessa geometria e das interferências locais. Essas informações têm por finalidade a verificação de qual seria a velocidade mais adequada à geometria da via, ou seja, a velocidade de projeto da via.

Determinação das velocidades de projeto (6a etapa)

Agora, com base nos estudos realizados na etapa anterior, será determinada a velocidade de projeto, aqui designada de V2, ou velocidade diretriz dos trechos da via. Para tanto, tomar-se-á como referência o Green Book (AASHTO, 2001), já que estabelece esta relação entre as várias características geométricas da via e a velocidade de projeto. O objetivo da velocidade V2 é proporcionar ao técnico mais um parâmetro de análise, este sob o aspecto da geometria e das características físicas da via, durante a determinação do limite de velocidade. Assim, o limite de velocidade da via não poderia ser maior que V2, mesmo que os aspectos relacionados às características operacionais e ambientais, e às taxas de acidentes, em determinado trecho da via, o permitissem.

Identificação e análise dos pontos críticos (7a etapa)

O objetivo desta etapa é identificar e analisar os pontos críticos existentes em cada trecho da via, e determinar se os acidentes nesses pontos estão relacionados, ou não, com a velocidade regulamentada. Mas, para tanto, necessita-se de um conjunto de informações oficiais e detalhadas a respeito dos acidentes. O primeiro passo nesse processo é o levantamento do índice de acidentes e do volume médio diário, onde serão listados os locais dos acidentes, indicando o número de acidentes ao longo de um período de referência de, preferencialmente, 3 a 4 anos.

Em seguida, será preparada uma segunda listagem eliminando aqueles locais com uma ocorrência de menos de 3 (três) acidentes por ano, desde que sem vítimas fatais, conforme a metodologia do DENATRAN (BRASIL, 2002, p. 22). A partir dessa listagem final, será feito o cálculo do número de Unidades Padrão de Severidade (UPS), adotando-se os pesos estabelecidos pelo manual de procedimentos para o tratamento de locais críticos de acidentes de trânsito, do Ministério dos Transportes (BRASIL, 2002). Nesse documento, acidentes com vítimas fatais têm peso 13, acidentes com feridos envolvendo pedestres, peso 6, acidentes com feridos sem envolver pedestres, peso 4, e acidentes apenas com danos materiais, peso 1. O próximo passo é o levantamento do Volume Médio Diário (VMD), o cálculo da taxa de acidentes e do número de UPS, em cada trecho da via. De posse desses valores, são calculadas as taxas de acidentes (T), por meio da equação 1.

Onde:

no UPS -

Número de Unidades Padrão de Severidade;

VMD -

Volume Médio Diário de veículos passando pelo segmento;

P -

Período de estudo (preferencialmente 365 dias);

E -

Extensão do trecho (km).

Em seguida calcula-se a taxa média (TM) da via, com base no valor de T de cada segmento por meio da equação 2.

Onde: n - número de segmentos ao longo do trecho da via.

A determinação da taxa de acidentes (T) é necessária como forma de se obter uma medida capaz de representar com exatidão o real grau de periculosidade da via. Isto porque, embora o número de UPS estabeleça pesos para cada tipo de acidente em função da sua gravidade, não considera a extensão do trecho em que os acidentes foram levantados, e nem o volume de veículos que passaram por esse trecho. Assim, identificam-se os pontos críticos como sendo aqueles onde T≥TM, e parte-se para a análise das causas dos acidentes.

Conforme Chen e Jovanis (2000) mostraram em sua pesquisa, não se pode atribuir um acidente a uma causa específica, pois o acidente é o resultado da interação entre vários fatores. Daí a dificuldade de se determinarem as causas de um acidente. Portanto, ao se estabelecer um determinado fator como sendo a causa de um acidente, deve-se entender que esse é o fator principal, ou seja, caso ele não existisse o acidente não ocorreria, mas não é o único. No que se refere à via, esses fatores podem estar relacionados ao estado de conservação, à operação do tráfego no local, ou às falhas em sua geometria. E no que se refere às interferências locais, podem estar relacionados às condições de visibilidade, à velocidade, aos estacionamentos e aos movimentos de pedestres.

Determinação do limite de velocidade nos segmentos com pontos críticos (8a etapa)

Caso a análise realizada na seção anterior indique que esses acidentes tenham como causa principal a velocidade regulamentada para o local, deve-se rever esse limite de velocidade, ajustando-se para um valor mais apropriado. Destaca-se que essa não é uma tarefa trivial, pois deve ser devidamente sustentada pelo boletim de ocorrência do sinistro. Esse novo limite de velocidade, aqui designado de V3, pode ser aplicado apenas ao ponto crítico, onde a velocidade reduzida é necessária, sendo indicado por meio de uma sinalização específica, ou a todo o segmento onde se encontra esse ponto crítico, ficando a cargo do técnico responsável pela análise a definição da opção mais adequada. Mas, caso a causa principal dos acidentes, nesses segmentos, esteja relacionada a outros fatores, tais como, o estado de conservação da via, falhas em sua geometria, etc., o limite de velocidade existente pode ser mantido, ou até mesmo aumentado, desde que tais problemas locais sejam solucionados.

Determinação do limite de velocidade a ser aplicado a cada trecho da via (9a etapa)

Finalmente, de posse dos três limites de velocidade previamente determinados para os trechos da via, em função das suas características operacionais (V1), de suas características físicas e geométricas (V2) e dos acidentes (V3), é determinado o limite de velocidade V, a ser implementado no(s) trecho(s) da via. Esse limite de velocidade V deverá ser aquele que apresentar o menor valor entre V1, V2 e V3, ou seja, deverá ser aquele representativo da situação mais desfavorável, capaz de proporcionar maior conforto e segurança aos usuários da via.

Aplicação

Essa metodologia foi testada por meio da sua aplicação ao trecho 2 da Estrada Francisco da Cruz Nunes, um importante corredor de tráfego da cidade de Niterói-RJ, classificado como uma via arterial. Destaca-se que o trecho 2 dessa via (Figura 2) foi escolhido como forma de melhor caracterizar os resultados desta aplicação, tendo em vista suas especificações, com comprimento de 2,5 km, composto por um único segmento, partindo da interseção com a Av. Independência e chegando na saída da Estrada Engenheiro Pacheco de Carvalho, próximo ao no 4515. Esse trecho apresenta um dos maiores índices de acidentes da região, além de apresentar baixo limite de velocidade e fiscalização eletrônica de velocidade com foto-radares.

Figura 2. Estrada Francisco da Cruz Nunes, trecho 2. Fonte: próprio autor.

Conforme citado no início deste trabalho, o teste desta metodologia ocorreu nos anos de 2004 e 2005, como parte de um estudo realizado, pelo autor, para a prefeitura de Niterói-RJ, cujo objetivo foi fazer uma revisão dos limites de velocidade das vias principais dessa cidade. O limite de velocidade, do trecho em análise, sofreu um incremento, passando de 60 km/h para 70 km/h. Além disso, também há um estudo realizado por Silva (2005) onde foram identificados os pontos críticos, e levantados os índices de acidentes antes e depois desse incremento no limite de velocidade, permitindo uma avaliação mais precisa dos efeitos dessa intervenção sobre a segurança de tráfego nesse trecho da via.

A partir da metodologia do HCM (TRB, 1997), esse trecho foi classificado como uma via arterial principal, para a categoria funcional, e arterial suburbana, para a categoria de projeto, devido aos espaçamentos entre os semáforos e o desenvolvimento urbanístico em seu entorno. Assim, pelo Quadro 1, o trecho foi classificado como uma via arterial de classe I. Com o Quadro 2, e a classe da via, foi estimada a velocidade de fluxo livre (VFL) de 64 km/h, e pelo método do carro teste uma VFL de 67 km/h. Essa velocidade confirma a classificação preliminar da via arterial, e, a partir dessa classificação e do Quadro 3, obtém-se o intervalo de limites de velocidade V1 recomendados para esse trecho, entre 65 e 75 km/h. Então, tendo em vista as características geométricas do trecho, a VFL medida em campo, e a existência de dispositivos de fiscalização eletrônica de velocidade, que geram uma tendência para uma velocidade média de viagem abaixo desse limite, foi selecionada uma velocidade V1 de 70 km/h.

Com relação às características geométricas do trecho da via, têm-se: duas pistas com canteiro central; cada pista é composta 3 faixas de tráfego com 4,00 m de largura, por sentido; sem acostamentos; declividade média, no sentido Itaipu - Largo da Batalha, de +8,200 % nos primeiros 1500 m, e de -2,000 % nos 1000 m seguintes, em terreno montanhoso; presença de apenas 3 curvas suaves, 2 retornos; sem restrições de visibilidade; sem interferências locais significativas. De acordo com AASHTO (2001: 72), a velocidade de projeto de uma via arterial urbana pode variar entre 50 e 100 km/h, sendo que as menores se aplicam a centros comerciais e áreas mais desenvolvidas e urbanizadas, e as maiores, a áreas suburbanas e em desenvolvimento, o que é o caso do trecho em estudo. Quanto às velocidades médias de viagem, os valores variam de 30 a 70 km/h (2001: 72). Com relação ao greide, para terreno montanhoso, o Quadro 4, estabelece que o greide máximo para velocidades entre 90 e 100 km/h é de 8 %, e para velocidades entre 70 e 80 km/h, e 9%. Assim, tem-se um limite de velocidade viável entre 70 e 80 km/h.

Quadro 4. Greides máximos para vias arteriais urbanas. Fonte: adaptado de AASHTO (2001: 476)

Tipo de terreno

Greide máximo (%) para velocidades de projeto específicas (km/h)

50

60

70

80

90

100

Plano

8

7

6

6

5

5

Ondulado

9

8

7

7

6

6

Montanhoso

11

10

9

9

8

8

Segundo a AASHTO (2001: 71), curvas horizontais geralmente não representam a principal restrição aos limites de velocidade em vias arteriais, e nos casos com raios menores pode-se usar o recurso da superelevação. O ambiente no entorno do trecho 2 não apresenta interferência significativa de pedestres e de atividades comerciais, e as demais características geométricas também são favoráveis. A declividade nos primeiros 1500, no sentido Itaipu – Largo da Batalha, também não prejudica a velocidade, pois as curvas verticais são grandes e fornecem distâncias de visibilidade de parada maiores que 130 m, que seria o valor mínimo para a velocidade de projeto de 80 km/h, de acordo com o Quadro 5. Tais distâncias de visibilidade locais foram aferidas a partir dos gabaritos de visibilidade do DNIT (BRASIL, 2010b), com o auxílio de um Sistema de Informações Geográficas. Dessa maneira, com base nessas informações tem-se uma velocidade de projeto V2 igual a 80 km/h.

Quadro 5. Distâncias mínimas de visibilidade para vias arteriais.
Fonte: adaptado de AASHTO (2001: 449).

Velocidade de projeto (km/h)

Distância de visibilidade mínima de parada (m)

50

65

60

85

70

105

80

130

90

160

100

185

110

220

120

250

130

285

Na etapa da identificação e análise dos pontos críticos, houve problemas relacionados ao levantamento e cadastro das informações sobre os acidentes de trânsito. Neste levantamento verificou-se que, independentemente do ano pesquisado, o Corpo de Bombeiros tinha um sistema de registro dos acidentes, a Polícia Militar tinha outro, e a prefeitura, outro. Além disso, não estavam coerentes entre si e nenhum deles seguia o padrão recomendado pelo DENATRAN. Como resultado, as informações disponíveis a respeito dos acidentes estavam incompletas e insuficientes para uma análise mais criteriosa das suas causas principais, e das suas possíveis soluções. Essa situação representou a maior restrição para a aplicação desta metodologia, e no sentido de superá-la sem prejudicar a consistência dos resultados, foi selecionado o período de 2004 a 2005, conforme justificado anteriormente. Assim, tomando como base os estudos realizados por Silva (2005), foi constatado que os índices de acidentes, nos pontos críticos identificados, embora elevados, não tinham relação com o limite de velocidade, mas, sim, com outros fatores locais como, condições ruins de pavimento e direção sob o efeito de álcool.

Com base nas velocidades V1, V2 e V3, obtidas, constatou-se que o limite de velocidade desse trecho poderia passar dos atuais 60 km/h para 70 km/h, sem prejuízo para a segurança de tráfego. Essa alteração de limite de velocidade foi de fato implementada pela prefeitura de Niterói, e uma comparação do índice de acidentes, antes e depois dessa intervenção, mostrou que esse parâmetro não foi afetado, confirmando que o fator segurança não foi prejudicado por esse aumento do limite de velocidade. A efetividade dessa realidade pode ser ainda confirmada pelo fato de que esse limite de velocidade proposto no estudo, 70 km/h, continua em operação até os dias atuais, sem nenhum prejuízo para a segurança da via.

Assim, esta pesquisa revelou a importância de um estudo técnico, desenvolvido a partir de uma metodologia simples e estruturada, para o estabelecimento dos limites de velocidade nos segmentos das vias arteriais. Os resultados ainda confirmaram que, em alguns casos, ao se adotarem os valores mínimos recomendados pelo CTB, devido à ausência de estudos técnicos específicos, em segmentos que poderiam suportar com segurança velocidades maiores, tem-se uma redução desnecessária da capacidade da via, e uma consequente piora no nível de serviço oferecido aos seus usuários. Dessa maneira, não houve necessidade de redução do limite de velocidade em operação, descartando-se, portanto, o limite de velocidade V3.

Conclusões e proposições

O presente trabalho apresentou uma metodologia, estruturada e de fácil aplicação, cujo objetivo é auxiliar os técnicos das prefeituras durante o desenvolvimento dos estudos de limites de velocidade em vias arteriais, corredores de tráfego de vital importância para as cidades. Também mostrou como é preocupante a situação das vias cujos limites de velocidade não são definidos a partir de estudos técnicos específicos, mas simplesmente aplicando os valores mínimos estabelecidos pelo CTB. Isto porque correm o risco de estarem subdimensionados e, em conjunto com os dispositivos de fiscalização eletrônica de velocidade, provocarem a redução das suas capacidades e a piora nos níveis de serviço oferecidos aos seus usuários. Outro fator agravante dessa situação foi a disseminação desses dispositivos de controle de velocidade por todo o Brasil, principalmente após a aprovação do CTB. Verificou-se, ainda, uma tendência em se atribuir à velocidade, a causa principal dos acidentes, mais especificamente nesse cenário de ausência de um estudo técnico, apropriado, capaz de apontar com segurança as verdadeiras causas dos acidentes.

Entre os reflexos negativos desse cenário, têm-se: congestionamentos; conflitos e acidentes de trânsito; desperdício energético; aumento do tempo de viagem; impactos ambientais e psicológicos. Nesse contexto a metodologia proposta representa uma ferramenta simples e objetiva, capaz de auxiliar os técnicos durante esse processo de estudo dos limites de velocidade das vias arteriais, cujo teste mostrou sua efetividade, contribuindo, assim, para uma operação mais adequada dessas vias. Vale lembrar que, embora o estudo de caso tenha indicado a viabilidade de um incremento de 10 km/h no trecho analisado, o objetivo deste trabalho não foi defender o aumento dos limites de velocidade nas vias arteriais, mas desenvolver e testar uma ferramenta de apoio para o desenvolvimento desses estudos, que podem inclusive indicar a necessidade de uma redução nesse limite de velocidade.

Durante a aplicação desta metodologia, a principal restrição identificada foi a dificuldade para se obterem dados precisos a respeito dos acidentes de trânsito. Os dados foram obtidos no corpo de bombeiros, na polícia militar e na prefeitura de Niterói-RJ. Mas, além de serem levantamentos incompletos, e de não seguirem a simbologia proposta pelo Diagrama de Acidentes do DENATRAN (2002: 69), dificultando a identificação do principal fator indutor do acidente, também se verificaram diferenças e inconsistências entre as informações obtidas em cada uma dessas fontes.

Portanto, fica aqui a sugestão para que o DENATRAN estabeleça uma maneira de se garantir que os órgãos públicos competentes levantem essas informações, segundo o padrão apresentado em seu manual sobre os procedimentos para o tratamento de locais críticos de acidentes de trânsito (BRASIL, 2002). Para tanto, recomenda-se um esforço integrado entre os órgãos envolvidos, no sentido de se formar uma base de dados única e padronizada, com atualização regular, de acesso público e disponível na internet, a respeito dos acidentes de trânsito. Isso proporcionaria um conhecimento mais detalhado dos problemas de trânsito no Brasil, permitindo, por sua vez, a definição de políticas mais eficazes para a redução dos índices de acidentes, assim como o desenvolvimento de pesquisas mais adequadas à realidade brasileira.

Destaca-se, ainda, que a publicação desta pesquisa também procura estimular a discussão, entre pesquisadores da área, que podem vir a propor ajustes e críticas para melhorar a metodologia proposta. Neste sentido, como sugestões para futuros estudos, capazes de permitir a evolução e o refinamento desta linha de pesquisa, a partir da superação de algumas fragilidades identificadas no trabalho, têm-se: considerar a incorporação de aspectos ligados à sinistralidade e à segurança na via, que foi uma fragilidade resultante da escassez e da má qualidade dos dados disponíveis; desenvolver um estudo de caso mais atual, mostrando como a versão mais recente do HCM seria incorporada à metodologia proposta, tendo em vista as restrições relacionadas à temporalidade; estudar a relação entre a velocidade e as taxas de mortalidade em acidentes de trânsito, no mundo, considerando a Segunda Década de Ação pela Segurança no Trânsito 2021-2030, por meio da Resolução 74/299 da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU, 2020).

#Referências bibliográficas

»AASHTO (2018). A Policy on Geometric Design of Highways and Streets. 7th Edition. American Association of State Highway and Transportation Officials, Washington, D.C., U.S.A.

»AASHTO (2001). A Policy on Geometric Design of Highways and Streets. American Association of State Highway and Transportation Officials, Washington, D.C., U.S.A.

»Barbosa, H.M. e P.R.S. Monteiro (2000). Redutores Eletrônicos de Velocidades ­– Impactos no Desempenho do Tráfego. Departamento de Engenharia de Transportes e Geotecnia. UFMG. Minas Gerais.

»Bloch, S.A. (1998). Comparative Study of Speed Reduction Effects of Photo-Radar and Speed Display Boards. Transportation Research Record 1640, TRB, National Research Council, Washington, D.C.

»BRASIL (2022). Código de Trânsito Brasileiro. Lei 9.503 de 23 de setembro de 1997. Ministério dos Transportes. Departamento Nacional de Trânsito. Brasília.

»BRASIL (2010a). Manual de sinalização rodoviária – 3.ed. Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes. Diretoria Executiva. Instituto de Pesquisas Rodoviárias. Rio de Janeiro.

»BRASIL (2010b). Manual de Projeto Geométrico de Travessias Urbanas. Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes. Diretoria Executiva. Instituto de Pesquisas Rodoviárias. Rio de Janeiro.

»BRASIL (2007). Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN). Sinalização vertical de regulamentação / Contran-Denatran. 2ª edição – Brasília.

»BRASIL (2002). Procedimentos para o tratamento de locais críticos de acidentes de trânsito. MT – Programa PARE. Ministério dos Transportes. Brasília.

»BRASIL (1987). Manual de identificação, análise e tratamento de pontos negros. 2a edição. Ministério da Justiça. DENATRAN – Departamento Nacional de Trânsito. Brasília.

»Chen, W.H. e P.P. Jovanis (2000). Method for Identifying Factors Contributing to Driver-Injury Severity in Traffic Crashes. Transportation Research Record 1717, TRB, National Research Council, Washington, D.C., 1-9.

»Debnath, A.K.; Blackman, R. e Haworth, N. (2012). A review of the effectiveness of speed control measures in roadwork zones. En Proceedings of the Occupational Safety in Transport Conference (pp. 20-21). Australia: Gold Coast.

»Fitzpatrick, K. e S. Das (2019). Vehicle Operating Speed on Urban Arterial Roadways. Final Research Report. Texas A&M Transportation Institute. State of Texas. US.

»Forbes, G.J.; T. Gardner; H. McGee y R. Srinivasan (2012). Methods and Practices for Setting Speed Limits: An Informational Report. Federal Highway Administration. Report no. FHWA-SA-12-004. Disponível em: https://safety.fhwa.dot.gov/speedmgt/ref_mats/fhwasa12004/fhwasa12004.pdf. Acesso em: 2022.

»Garber, N.J. y Ehrhart, A. A. (2000). Effect of Speed, Flow, and Geometric Characteristics on Crash Frequency for Two-Lane Highways. Transportation Research Record 1717, TRB, National Research Council, Washington, D.C., 76-83.

»Kim, H. e D. Jung (2021). Estimation of Optimal Speed Limits for Urban Roads Using Traffic Information Big Data. Applied Sciences, 11, 5710.

»Marques, E.C.S. e M.A.P. Jacques (2012). Fatores a serem considerados para a definição de velocidade limite em rodovias brasileiras. XXVI ANPET – Congresso Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes. Joinville-SC.

»Organização Mundial da Saúde (OMS) (2021). Plano Global - Década de Ação pela Segurança no Trânsito 2021-2030. Disponível em: https://cdn.who.int/media/docs/default-source/documents/health-topics/road-traffic-injuries/global-plan-for-the-doa-of-road-safety-2021-2030-pt.pdf?sfvrsn=65cf34c8_35&download=true. Acesso em: 2021.

»Organização das Nações Unidas (ONU) (2020). Resolução 74/299 - Improving global road safety. Assembleia Geral da ONU. Disponível em: https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N20/226/30/PDF/N2022630.pdf?OpenElement. Acesso em: 2021.

»Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) (2011). Prevenção de lesões causadas pelo trânsito: Manual de Treinamento. OPAS/OMS-MS, Brasília, DF.

»Silva, W. P. (2005). Análise dos Limites de Velocidade em Vias Arteriais: Uma Contribuição Metodológica. En Congresso de Pesquisa e Ensino em Transportes, 19 (pp. 919-930). Recife: ANPET.

»Warren, D., G. Xu e R. Srinivasan (2013). Setting Speed Limits for Safety. Public Roads, 2014, 77(2). Publication Number: FHWA-HRT-13-006.

»TRB (1997). Highway Capacity Manual 1997. Transportation Research Board. National Research Council. Washington, D.C.

»TRB (2000). Highway Capacity Manual 2000. Transportation Research Board. National Research Council. Washington, D.C.

Walber Paschoal da Silva / walberpaschoal@id.uff.br

Graduação em Engenharia Civil pela Universidade Federal Fluminense (1992), Mestrado em Engenharia de Transportes pela COPPE/UFRJ (1995), Doutorado em Engenharia de Transportes pela COPPE/UFRJ (2000). Atualmente é professor titular da Universidade Federal Fluminense. Tem experiência nas áreas: Planejamento de transportes; Engenharia de tráfego; Infraestrutura de transportes; Desenvolvimento urbano sustentável; Sistemas de informações geográficas; e, Sistemas de gerenciamento de projetos de instalações industriais.