Diferenças de padrão de viagem na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ)

Juliane Érika Cavalcante Bender

Departamento de Engenharia Civil e Meio Ambiente, Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET MG), Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9831-0407

Carlos David Nassi

Programa de Engenharia de Transportes, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5883-6343

Juliano Bortolini

Departamento de Estatística, Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0126-3040

Recibido: 25 de marzo de 2020. Aceptado: 17 de agosto de 2020.

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar padrões de viagem de forma desagregada, observando as características dos deslocamentos de homens e mulheres. A Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) foi escolhida como objeto de estudo, sendo utilizados dados de deslocamentos provindos da pesquisa origem destino realizada em 2003. A metodologia desenvolvida baseou-se em análises descritivas das variáveis de interesse e do cruzamento dos dados de sexo e situação familiar. Os resultados apontam para um padrão de deslocamento distinto: homens com número de viagens, duração e distância de deslocamento com magnitudes superiores em relação às mulheres. Entretanto, quando analisado o modo de transporte, elas possuem o que pode ser chamado de um comportamento mais sustentável, por dependerem mais fortemente do transporte coletivo e ativo em suas viagens. Para o planejamento de transporte, o conhecimento do comportamento e das necessidades dos grupos de interesse pode auxiliar no momento de definição de políticas específicas e no emprego racional dos recursos públicos a fim de construir uma cidade igualmente acessível e justa para todos seus habitantes.

Palavras-chave: Sex. Padrão de deslocamento. Pesquisa origem destino.

Differences in travel patterns in the Metropolitan Region of Rio de Janeiro (RMRJ)

Abstract

This article aims to analyze travel patterns in a disaggregated way, observing the characteristics of the travels made by men and women. As a study object was chosen the Rio de Janeiro Metropolitan Region and using the data created through the Origin-Destination surveys conducted in 2003. Descriptive statistics and combination of the variables sex and position in family structure were used in order to better describe gender in daily transportation. Results point to a distinct travel pattern: men tend to travel more, cover bigger distances and spend more time traveling than women. However, women tend to have a sustainable behavior, as they rely more on transit and non-motorized transport. When it comes to transport planning, the knowledge of the needs and habits of its groups of focus helps to define specific policies, also well as to apply public resources in a rational way in order to build an equally accessible and fair city for its citizens.

Keywords: Sex. Travel pattern. Origin-destination survey.

Palabras clave: Sexo. Patrón de viaje. Encuesta origen-destino.

Introdução

O modelo tradicional de planejamento de transporte, utilizado no século passado, foi baseado nos termos “prever e prover” (Owens, 1995): planejar e dimensionar o sistema e infraestrutura de transporte de forma a atender as demandas futuras estimadas; não havendo preocupação na gestão das mesmas, sendo as tendências identificadas somente aceitas (Azevedo Filho, 2012). Soma-se a valorização dos modos rodoviários como forma de promoção da mobilidade e a falta de planejamento urbano articulado (Gonzalez-Villada e Portugal, 2015). No Brasil, as políticas de transporte praticadas basearam-se em isenções e benefícios aos modos motorizados individuais e em decisões que causaram a inadequação de oferta e circulação do transporte coletivo, ocasionando queda de sua confiabilidade, aumento de seu custo operacional (Vasconcellos, 2014) e privando a população mais carente de seu direito ao transporte (Vasconcellos, 1995).

Uteng (2011) argumenta que o crescimento da dependência de automóveis aponta para um desprezo das necessidades de mobilidade das mulheres, tendo em vista que este grupo é relativamente mais dependente do transporte público. Além disso, a baixa participação de mulheres nas tomadas de decisão em relação aos transportes também contribui para a desconsideração das particularidades do deslocamento feminino (Uteng, 2011).

No Brasil, as mulheres correspondem à maioria da população, com maior longevidade, ocupam cada vez mais espaço no mercado de trabalho e são responsáveis pelo sustento de 37,3% das famílias (Portal Brasil, 2015). Entretanto, verifica-se historicamente que elas ainda enfrentam maiores dificuldades no mercado de trabalho, tanto para obter uma ocupação, quanto para mantê-la, principalmente por receberem menores salários que homens (DIEESE, 2013). Uteng (2011) entende que essas diferenciações encontradas, principalmente em regiões em desenvolvimento, podem ser resultantes das construções ideológicas, onde o homem é concebido como mais móvel e chefe de família, ao passo que mulheres devem ser mais estáticas e exercerem a função de dona de casa.

Crane (2007) argumenta que apesar da diminuição das disparidades entre homens e mulheres, como aumento do número de mulheres empregadas em cargos executivos, superioridade feminina nas taxas de matrícula em faculdades, ainda persiste um distanciamento em termos de mobilidade. Este gap reforça o argumento que as necessidades femininas no transporte requerem atenção separada, mesmo que aconteça uma aproximação de oportunidades dentro do mercado de trabalho (Rosenbloom, 2006).

A consideração das necessidades e particulares do deslocamento feminino dentro do transporte tem sido objeto de diversos estudos (Anumonwo, 1992; Rosenbloom & Burns, 1993; Hanson e Pratt, 1995; Johnston-Crane, 2007; Noack, 2010). Pesquisas buscam compreender: a influência da composição familiar nos deslocamentos realizados (Feng, Dijst, Wissink e Prillwitz, 2015; Fan, 2017), se a presença ou ausência de filhos motivam mudanças nas viagens familiares (Scheiner, 2016; Scheiner e Holz-Rau, 2017), como ser lido como homem ou mulher pode estar relacionado ao cumprimento de metas de sustentabilidade (Hanson, 2010; Kronsell, Rosqvist e Hiselius, 2015), além das diferenças de padrão de viagem que podem ser encontradas dentro de uma unidade territorial (Kwan e Kotsev, 2015; Sun e Li, 2015).

Nos últimos 20 anos, de acordo com Mahadevia e Advani (2016), a mobilidade das mulheres e as distâncias percorridas por elas, em termos per capita, aumentaram mundialmente, principalmente em países desenvolvidos ou em rápido desenvolvimento. O Transportation Research Board (2006) discorre que apesar de não existirem dúvidas de que os padrões de viagem masculinos e femininos no nível agregado estejam caminhando para uma convergência, estes permanecem distantes da igualdade. Assim, quando levado em conta o contexto socioeconômico, juntamente com projeções e tendências, confirma-se que a diferença entre os sexos ainda é evidente e tem efeitos sobre os padrões de mobilidade (CIVITAS, 2014).

Mahadevia e Advani (2016), ao assumirem que as mulheres possuem necessidades de deslocamento diferentes dos homens, alegam que este fato justifica a potencialidade para possíveis revisões das políticas de transporte. O desafio reside, então, em planejar e tornar os transportes mais neutros (European Commission, 2014), atendendo assim tanto as necessidades femininas quanto masculinas. Dentro do contexto exposto, busca-se demonstrar como o padrão de viagem pode variar de acordo com o sexo dos usuários que transitam na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), para o ano de 2003.

Gênero e deslocamento

A teoria da responsabilidade doméstica afirma que as mulheres não podem buscar livremente oportunidades de emprego, como resultado das realidades logísticas e expectativas sociais relacionadas à assistência familiar e outros trabalhos domésticos (Haley-lock e Timberlake, 2013). Para Haley-lock e Timberlake (2013) as exigências subjetivas do matrimônio e progenitora são intensificadas pelas expectativas sobre como desempenhar esses papeis e exercem pressão sobre algumas mulheres para limitar sua participação na força de trabalho em prol do cumprimento dessas obrigações (Johnston-Anumonwo, 1992; Hanson, 2010; Rapino e Cooke, 2011).

Silm, Ahas e Nuga (2013) ressaltam que as expectativas da sociedade como homens ou mulheres devem se portar e, de acordo com isso, refletem no tipo de espaços de atividade que estes acabam por ocupar. Noack (2010) adiciona que a participação na força de trabalho das mulheres é cada vez mais vista como normal, embora a ideologia da “dona de casa”, não tenha se tornado obsoletos. As mulheres, especialmente as mães, tendem a colocar suas carreiras e suas próprias atividades de lazer de lado para atender às suas responsabilidades domésticas (Noack, 2010).

De acordo com Rosenbloom (2004), décadas atrás, a maioria da força de trabalho era masculina, logo era possível identificar, com facilidade, por que homens e mulheres possuíam diferentes padrões de viagem. Assim, a viagem deles foi moldada pela sua necessidade de deslocamento ao local de trabalho normalmente, distante de suas residências. Enquanto que a maioria das mulheres foram norteadas por suas responsabilidades domésticas e de assistência aos seus dependentes, geralmente perto de suas casas.

Vasconcellos (2001) entende que o papel das mulheres é pertinente no processo de compreensão e estudo dos padrões de deslocamento diários nas famílias dos países em desenvolvimento. A melhor forma de entender estes padrões é começando pela alocação de tarefas domésticas e depois examinar condicionantes culturais e religiosas de sua mobilidade. Nesse sentido, Madariaga (2016) introduz o conceito chamado “mobilidade do cuidado”, que apresenta a necessidade de quantificar, acessar e fazer visíveis as viagens diárias associadas ao trabalho do cuidado. O trabalho do cuidado é entendido como uma ocupação não-remunerada de adultos em benefício de crianças ou outros dependentes, incluindo a manutenção do domicílio (Madariaga, 2016). Esse tipo de emprego não recebe compensação econômica e também não é incluído nos cálculos de PIB -exceto quando realizados remuneradamente- mas requerem esforço diário, tempo, habilidade e dedicação. São consideradas as atividades de cuidados infantis, manutenção do lar, cozinhar, lavanderia, passagem de roupas, limpeza da casa, compras e serviços, cuidado de animais domésticos, auxílio informal em outros domicílios, reparos, organização e viagens relacionadas às atividades citadas.

Considerar que mulheres se dedicam mais à estas atividades de cuidado que homens, e menos tempo que eles ao trabalho remunerado e em atividades de lazer, implica que o trabalho do cuidado é uma das chaves para equidade no transporte; tendo em vista que várias das atividades relacionadas a essa ocupação requerem um deslocamento para serem acessadas (Madariaga, 2016). Dessa forma, de acordo com a idealizadora, o conceito de mobilidade do cuidado, desafia as atuais prioridades na elaboração de políticas de transporte e de planejamento urbano, onde os deslocamentos por motivo trabalho são considerados os principais e de maior volume, pois, aparentemente, a maioria das viagens são realizadas por esse propósito. Ao se utilizar o conceito apresentado, percebe-se que, de fato, o trabalho seria um dos dois principais motivos, ao lado das viagens de cuidado.

A fim de apresentar um panorama das conclusões acerca da interseção da mobilidade com o sexo foi elaborado o Quadro 1, que sintetiza as discussões e resultados de trabalhos publicados até o ano de 2017. As publicações abordam as diferenciações que podem ser observadas quanto a quantidade de viagens realizadas, tempo e distância de deslocamento, modo de transporte e propósito das viagens cotidianas.

Quadro 1. Quadro resumo de publicações abordando o tema. Fonte: Elaboração própria.

Número de viagens

Autores

Conclusões

Loo e Lam (2013).

Partindo para uma análise do número de viagens realizadas por dia, tem-se que em Hong Kong, homens têm mobilidade superior às mulheres, 3.17 e 3.04 viagens diárias, respectivamente.

Elias et al. (2015).

Considerando o caso da imobilidade em países árabes, 20% das mulheres não realizaram deslocamentos no dia da pesquisa, em contraste com 6% dos homens.

Miralles-Guasch e Marquet (2015).

Mais mulheres se enquadram no grupo de pessoas que não se deslocaram no dia anterior à pesquisa 5,7% em comparação com 4,6% dos homens, uma diferença que aumenta com a idade e é maior nas áreas rurais. Além disso, mulheres completaram 44,4% de suas viagens caminhando, em comparação com 30,8% para os homens; assim como 20,5% delas utilizam o transporte público contra 14,9% deles.

Basaric et al. (2016).

Em Novi Sad, Sérvia, no dia da pesquisa, 7,13% e 5,74%, respectivamente, das mulheres e homens pesquisados não fizeram nenhuma viagem.

Modo de transporte

Autores

Conclusões

Noack (2010).

Em uma casa com somente um automóvel, a tendência é que o marido, sendo o chefe de família, seja considerado o cônjuge com direito ao uso deste. Atribuindo à mulher o uso de meios alternativos de transporte, ou abstenção de viajar.

Elias et al. (2015); Kronsell et al. (2015); Tran e Schlyter (2010).

A utilização do transporte individual motorizado tende a ser maior entre os homens.

Mahadevia e Advani (2016).

Na Índia, caminhar é o modo mais utilizado entre as mulheres de baixa renda; observa-se que, com o aumento da renda, cresce também o número de usuárias dos serviços de transporte público e serviços alternativos de transporte.

Tempo de deslocamento

Autores

Conclusões

Schaffer e Schulz (2008).

Na Alemanha, considerando viagens relacionadas ao trabalho não remunerado, o uso do tempo feminino excede o masculino, girando em torno dos 30 minutos para elas e um pouco menos de 20 minutos para eles. No caso de viagens relacionadas ao trabalho remunerado, o eles se deslocam por mais tempo. Entretanto, em termos gerais, o tempo de deslocamento feminino se apresenta menor: 81 minutos contra 88 minutos para eles.

Tempo de deslocamento

Autores

Conclusões

Neto et al. (2015).

Para a Região Metropolitana de São Paulo (Brasil), ser uma mulher casada implica um aumento de cerca de 7% na probabilidade de deslocamentos mais curtos (até 30 minutos) e um decréscimo de 1,5% na probabilidade de viajar mais de duas horas.

Distância de viagem

Autores

Conclusões

Aguiléra et al. (2009); Crane (2007); Hanson e Pratt (1995); Lenormand et al. (2015); Loo e Lam (2013); Sánchez et al. (2014), Sandow (2008); Silm et al., (2013); Siren e Haustein (2013); Surprenant-legault et al. (2013) e Tran e Schlyter (2010).

Mulheres percorrem distâncias menores em seus deslocamentos diários que homens.

Haan et al. (2014).

Ser lido como homem aumenta em quase 40% a propensão de se engajar em formas mais extensas de mobilidade geográfica relacionada ao emprego.

Modo de deslocamento

Autores

Conclusões

Aguiléra et al. (2009); Arman et al. (2015); Basaric et al. (2016); Elias et al. (2015); Feng et al. (2015); Mahadevia e Advani (2016); Miralles-Guasch e Marquet (2015); Sánchez et al. (2014); Taylor et al. (2015) e Tran e Schlyter (2010).

Dentro da categoria de viagens por motivo de trabalho tem-se maior representatividade masculina, ao passo que as atividades de suporte familiar merecem destaque para as mulheres.

Zhong et al. (2012).

Homens gastam mais tempo que as mulheres em atividades de trabalho, estudo, social e viagens fora da cidade, demonstrado por durações médias e máximas superiores. Os resultados indicam, claramente, que eles tendem a passar mais tempo fora do agregado familiar e implica que as responsabilidades sociais ainda são diferentes para mulheres e homens contemporâneos.

No quadro resumo apresentado há uma predominância de estudos realizados nos Estados Unidos e Europa. Pesquisas buscando retratar as divergências de padrão de viagem entre homens e mulheres ainda são relativamente escassas no Brasil e América Latina, esta realidade também é relatada no trabalho de Svab e Strambi (2015). Lemos et al. (2017) expõem outro desafio no campo das pesquisas de mobilidade no Brasil: os dados não são apresentados de forma desagregada por sexo, mesmo que estas informações estejam presentes nas bases de dados, o que dificulta leituras sobre os padrões femininos.

Apesar das dificuldades discutidas no parágrafo anterior, podem ser destacados alguns estudos que buscam investigar a mobilidade feminina no Brasil. Vasconcellos (2001) conclui que, de modo geral, mulheres fazem menos viagens e andam mais a pé do que os homens. Analogamente, para o caso da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), Silveira Neto et al. (2014) destacam que a tendência observada é que as mulheres estejam no grupo dos trabalhadores com menor tempo de deslocamento ao trabalho, sendo a propensão significativamente maior quando em sua configuração familiar existam filhos.

Ainda na RMSP, a série histórica da pesquisa de Origem-Destino do Metrô (OD) demonstra que apesar do número de viagens de homens e mulheres terem se aproximado, eles ainda efetuam mais viagens por modo motorizado individual, ao passo que elas ainda realizam mais deslocamentos por modos ativos, em especial, a pé (Lemos et al., 2017). Svab (2016) ao observar as pesquisas OD do Metrô de São Paulo entre 1977 e 2007 aponta distinção na mobilidade entre homens e mulheres particularmente quando a família possui um número considerável de filhos, e alterações nos padrões relacionadas à faixa etária dos mesmos.

Para Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), aposentados e donas de casa são as categorias mais imóveis (Motte-Baumvol e Nassi, 2012). Koch et al. (2013) ao estudarem três favelas do Rio de Janeiro não encontram grandes diferenças entre homens e mulheres quanto ao número de viagens por dia, todavia concluíram que homens têm maior probabilidade de realizar viagens motorizadas, por meio do transporte público ou por modos individuais.

Procedimiento Metodológico

Como estudo de caso foi escolhida a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), em razão da disponibilidade dos estudos realizados para a elaboração do Plano Diretor de Transporte Urbano (PDTU) de 2003 e 2015. Tendo em vista a existência de bancos de períodos diferentes, existia a alternativa de realização de uma análise da evolução dos padrões de deslocamento dentro da Região Metropolitana. Entretanto, devido a algumas constatações: (a) redução do tamanho da amostra das pesquisas, que passaram de 99.310 para 9.578 pessoas, (b) erros dentro do banco de dados que causaram invalidação de parte das entradas, e (c) retirada de campos de possível interesse durante a pesquisa, optou-se por, nas análises a serem efetuadas, utilizar somente a base referente ao ano de 2003. De fato, é possível que os padrões de deslocamento tenham se alterado, contudo devido aos problemas verificados na última versão da pesquisa realizada preferiu-se manter a opção pelo banco de dados de 2003.

Os estudos de 2003, contaram com uma amostra útil de 34.000 domicílios, sendo a região metropolitana dividida em 485 zonas de tráfego (CENTRAL, 2005). A área de abrangência da pesquisa engloba os 20 municípios integrantes da região metropolitana: Rio de Janeiro, Niterói, Duque de Caxias, São Gonçalo, Itaboraí, Nova Iguaçu, Mesquita, Nilópolis, São João de Meriti, Magé, Maricá, Belford Roxo, Itaguaí, Queimados, Seropédica, Guapimirim, Japeri, Paracambi e Tanguá, acrescido da cidade de Mangaratiba.

Há de se pontuar que o Rio de Janeiro foi sede de diversos megaeventos, tais como: realização dos XV Jogos Pan Americanos de 2007, dos Jogos Militares em 2011, da Conferência Internacional ONU Rio + 20 em 2012, da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) em 2013, da Copa das Confederação de Futebol FIFA em 2013, da Copa do Mundo de Futebol Fifa em 2014 e em 2016, das Olimpíadas e das Paraolimpíadas (Bartholo et al., 2017). Nesse sentido, foram realizadas obras de infraestrutura de transportes como forma de atender à demanda desses eventos de grandes dimensões, principalmente aquelas focadas em modos de alta capacidade. Costa e Maiolino (2015) elencam as melhorias na rede de transporte de alta capacidade, sendo elas:

a) sistema de Bus Rapid Transit (BRT) Transcarioca, Transoeste, Transolímpica e Transbrasil, que totalizam 155 km;

b) implantação do sistema Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) cobrindo 28 km na área central da cidade;

c) construção da Linha 4 do metrô, ligando a Barra da Tijuca a Ipanema, com 16 km de extensão;

d) extensão e alargamento de 167 km do sistema viário, como a duplicação do viaduto das Bandeiras que conecta a Barra da Tijuca a Zona Sul;

e) melhoria nos sistemas de gestão de tráfego, com a construção do Centro de Operações Rio (COR);

f) melhoria do sistema de ônibus regulares, por meio da implantação dos corredores preferenciais de ônibus, conhecidos localmente como Bus Rapid System (BRS).

O procedimento metodológico utilizado é apresentado pela Figura 1. A revisão bibliográfica desempenhou o papel de compreensão do ambiente no qual a pesquisa seria desenvolvida. Por intermédio desta se tornou possível entender quais aspectos eram citados e estudados pelas publicações, além de possíveis variáveis de interesse. Em seguida, procedeu-se à comparação com o banco de dados escolhido. Nesta fase, delineou-se quais variáveis poderiam ser retiradas diretamente e aquelas que deveriam ser criadas a partir dos elementos do Banco de Dados (BD), sendo essas subdivididas entre relativas aos deslocamentos e relativas às pessoas, conforme explicita o Quadro 2. O sistema de gerenciamento de banco de dados MySQL foi utilizado para criação das variáveis necessárias para a análise, mas não existentes no BD. Uma vez concluída esta etapa, procedeu-se para geração e análise dos resultados.

Figura 1. Fluxograma metodológico. Fonte: Elaboração própria.

De forma a facilitar o entendimento dos resultados o Quadro 2 apresenta em sua primeira coluna os nomes escolhidos para se referir às variáveis de interesse.

Quadro 2. Variáveis utilizadas. Fonte: Elaboração própria.

Variáveis obtidas diretamente do banco de dados

Nome utilizado

Variável

Especificação

Sexo

sexo

Variável utilizada como aproximação para o gênero do entrevistado.

Situação familiar

sit_familiar

Categorização de acordo com a responsabilidade do indivíduo dentro do agregado familiar.

Condição de atividade

cond_atv_1

Categoriza o indivíduo quanto à condição de atividade na sua ocupação principal.

Fator de expansão de pessoa

fexp_pess

Fator de expansão da pessoa.

Fator de expansão da viagem

fexp_viagem

Fator de expansão da viagem.

Zona de origem e Zona de destino

zn_orig e zn_dest

Denotam as zonas de origem e destino dos deslocamentos, respectivamente.

Novas variáveis referentes às viagens

Nome utilizado

Variável

Especificação

Modo de transporte

modo_agr_1

A pesquisa realizada disponibilizava 19 opções da variável modo_principal (fornecida pelo BD), dessa forma esta agrega opções de transporte semelhantes. Foram criadas as seguintes categorias: ônibus, transporte ativo (TA), condutor de automóvel particular, passageiro e sobre trilhos.

Modo de transporte principal

modo_agr_2

Agrega os modos de transporte de acordo com os seguintes campos: transporte coletivo, transporte individual, TA e outros.

Motivo de deslocamento

motivo_agr_1

Categoriza suas viagens pelo motivo no destino, a partir da variável motivo_destino. Dessa forma, formularam-se os seguintes grupos de motivação de deslocamento: residência, trabalho, educação, compras ou saúde, transporte de passageiro para estudo, transporte de passageiro para trabalho e lazer ou outros.

Novas variáveis referentes às pessoas

Nome utilizado

Variável

Especificação

Número de viagens

quant_viagem

Quantidade de viagens realizada pelo indivíduo.

Tempo médio

tempo_medio

Duração total de todos os deslocamentos realizados pelo indivíduo dividida pelo seu número total de viagens.

Distância total de viagem

dist_viagem

Informação proveniente das estimativas de distância computadas através do Google Distance Matrix API.

Distância média de viagem

dist_media

Distância de todos os deslocamentos realizados pela pessoa dividida pelo seu respectivo número total de viagens.

Cálculo das distâncias

O banco de dados não fornecia as distâncias das viagens, somente suas respectivas zonas de origem e destino. Desta forma, tornou-se necessário estimar tais informações. Existia, então, a possibilidade de realizar esse cálculo por meio de distância euclidiana entre os centroides das zonas de tráfego, utilizando Sistema de Informações Geográficas (SIG). Entretanto, optou-se por computá-las por intermédio do Google Distance Matrix Application Programming Interface (API), um serviço que fornece distância e tempo de viagem para uma matriz de origem e destino, com base na rota recomendada entre os pontos inicial e final. São suportados diferentes modos de transporte, como automóvel, caminhada, bicicleta e transporte público, ao calcular a distância entre dois pontos. O API permite que uma consulta seja enviada para o servidor on-line da Google, sendo uma rota calculada e retornada em um formato padronizado. Ainda, através deste, pode ser estimado o custo da viagem e a velocidade deste deslocamento considerando as condições reais de trânsito.

Foram cruzadas as informações de zona de origem (zn_orig) e destino (zn_dest), de acordo com a modalidade de transporte (modo_agr_2). Ademais, em razão da forma como a pesquisa domiciliar foi idealizada, não foram tabulados os endereços das residências entrevistadas, sendo reportadas somente as zonas de tráfego. Aliando as informações sobre os locais de origem e destino, e modo de transporte, as distâncias foram geradas por meio de consulta automatizada. Os valores obtidos pelo Google Distance Matrix API foram então retornados ao BD, sendo armazenados pela variável distância total de viagem (dist_viagem).

Uma consequência da estimativa realizada por meio dos centroides seria o valor das distâncias das viagens intrazonais1 assumidos como zero, visto que não seria possível calculá-las por terem se dado dentro de uma mesma zona de tráfego. Buscando contornar esta deficiência do BD, estimaram-se, então, esses elementos pelo cálculo das velocidades médias do modo de transporte principal (modo_agr_2). Em seguida, referenciando pela modalidade de transporte empregada, as velocidades estimadas foram multiplicadas pelo tempo de deslocamento de cada uma das viagens ocorridas dentro das zonas, obtendo-se, assim, as distâncias aproximadas para tais deslocamentos.

Fatores de expansão

Ortúzar e Willumsen (2011) discutem que uma vez corrigidos os dados da pesquisa, se torna necessário expandi-los de forma a representar a população total. A função de transformar os resultados da amostra é realizada pelo fator de expansão. Estes são definidos para cada zona de estudo como a razão entre o número total endereços na zona e o número obtido como amostra final (Ortúzar & Willumsen, 2011).

Na base de dados escolhida para o estudo de caso são fornecidos fatores de expansão para família (fexp_fam), pessoa (fexp_pess) e viagem (fexp_viagem), estas variáveis métricas não sofreram transformação alguma. Entretanto, devido aos fins da pesquisa, foram utilizados somente aqueles referentes à viagem e pessoa. Ademais, para cada equação a seguir, foram divididos os grupos feminino e masculino e, somente após esta filtragem, foram realizadas as análises. A utilização desses fatores para a obtenção dos valores correspondentes para a população total, estes foram estimados para o total geral, homens e mulheres. Para todas as expressões a seguir, considerar: - número de viagens, - índice de cada viagem; - total de pessoas na amostra; - índice de cada indivíduo.

O número de viagens foi obtido por meio da Equação 1:

Por sua vez, o tempo médio de deslocamento expandido é calculado por meio da Equação 2:

A distância média de viagem expandida tem como formulação matemática a Equação 3:

De forma a obter a representatividade de cada modo de transporte, para cada modalidade de transporte, foi utilizada a Equação 4:

Por fim, para o motivo de deslocamento foi utilizada a Equação 5:

Resultados

Nota-se que a maioria das pessoas realizam nenhuma ou duas viagens, conforme o Quadro 3. Dentre aqueles que se deslocaram no dia da pesquisa existe a predominância de duas viagens, ou seja, saem de suas residências com um propósito único (trabalhar, estudar, fazer compras) e depois retornam à residência.

Quadro 3. Número de viagens realizadas. Fonte: Elaboração própria.

Número de viagens

Total (%)

0

46,15

1

1,05

2

48,88

3

1,39

4

2,05

≥ 5

0,47

Um fato que chamou a atenção em relação aos dados do Quadro 3 foi a expressividade dos valores de nenhuma viagem, cerca de 47%. Dessa forma, decidiu-se detalhar essa ocorrência. Considerando separadamente os deslocamentos femininos e masculinos, tem-se que 40,14% dos homens não se deslocaram contra 51,52% para as mulheres, como demonstra a Figura 2.

Figura 2. Número de viagens por sexo. Fonte: Elaboração própria.

A consolidação do perfil dos indivíduos imóveis e daqueles que realizaram deslocamento foram cruzadas as informações de situação familiar e condição de atividade, sendo obtida o Quadro 4. O grupo com maior predominância de nenhum deslocamento são as mulheres, casadas e donas de casa. De fato, observa-se nesse grupo uma tendência de menor número de viagens (Johnston-Anumonwo, 1992; Taylor et al., 2015). Além disso, os resultados ainda confirmam as observações de outros estudos (Loo e Lam, 2013; Silm et al., 2013; Taylor et al., 2015) onde a classe com maior mobilidade são homens empregados. Um fato importante a se destacar é o aparecimento dos estudantes com o segundo e terceiro lugar dentro da categoria de pessoas com deslocamentos.

Quadro 4. Perfil dos grupos com e sem deslocamento. Fonte: Elaboração própria.

Sem deslocamento

Sexo

Situação familiar

Condição de atividade

Total (%)

Feminino

Cônjuge

Dona de Casa

17,46

Masculino

Chefe

Aposentado ou Pensionista

8,98

Feminino

Chefe

Aposentado ou Pensionista

6,47

Masculino

Chefe

Ocupado

5,12

Masculino

Filho

Estudante

4,92

Feminino

Filho

Estudante

4,87

Feminino

Filho

Não Ocupado

4,73

Outras configurações

47,45

Com deslocamento

Sexo

Situação familiar

Condição de atividade

Total (%)

Masculino

Chefe

Ocupado

20,26

Masculino

Filho

Estudante

14,4

Feminino

Filho

Estudante

14,15

Feminino

Cônjuge

Ocupado

7,42

Masculino

Filho

Ocupado

6

Feminino

Filho

Ocupado

4,87

Feminino

Chefe

Ocupado

4,72

Outras configurações

28,18

O Quadro 5 compara os resultados para o caso da amostra total (pessoas com e sem deslocamentos) e parcial (somente aquelas que se deslocaram).

Quadro 5. Número médio de viagens por sexo, sem expansão. Fonte: Elaboração própria.

Amostra total (com e sem deslocamentos)

Grupo

Máximo

Média

Mediana

Desvio Padrão

Assimetria

Curtose

Geral

15

1,14

2

1,14

0,59

1,09

Masculino

15

1,25

2

1,1

0,35

1,22

Feminino

12

1,04

0

1,165

0,82

1,19

Amostra parcial (com deslocamentos)

Grupo

Máximo

Média

Mediana

Desvio Padrão

Assimetria

Curtose

Geral

15

2,12

2

0,58

4,87

37,39

Masculino

15

2,09

2

0,52

5,6

54,26

Feminino

12

2,15

2

0,64

4,3

26,84

O número médio de viagens da amostra total, sem expansão, foi determinado como 1,14, tendo como mediana o valor duas viagens. Assim, quando o olhar se divide em relação aos padrões masculinos e femininos, observa-se um maior número de viagens para homens (1,25) e menor para mulheres (1,04). Ao excluir quem não declarou viagens no dia anterior a pesquisa, a média do número de viagens está acima de dois. São percebidas diferenciações na mediana das mulheres, que passou a ser 2, se igualando ao resultado masculino.

Considerando que, por vezes, a média pode ser distorcida por valores demasiadamente oscilantes, uma alternativa é a observação da mediana da amostra, neste caso sendo zero para o grupo feminino e dois para o masculino. Os valores de assimetria, para todos os resultados, são positivos, indicando maior concentração à esquerda e cauda longa à direita da distribuição. Os valores de curtose evidenciam não se tratar de distribuição normal. Foram feitos teste t para avaliar se as médias eram estatisticamente significantes (intervalo de confiança de 95%). Todas médias são estatisticamente diferentes umas das outras. Tendo em vista essa análise simplificada, apresenta-se no Quadro 6 os valores médios expandidos do número de viagens.

Quadro 6. Número médio de viagens, com expansão. Fonte: Elaboração própria.

Grupo

Pessoas com ou sem viagem

Apenas pessoas com viagem

Geral

1,76

3,30

Masculino

1,94

3,26

Feminino

1,61

3,32

Considerando todo o conjunto, a média de deslocamento masculino é superior ao feminino. Entretanto, a situação é invertida quando são retirados da análise as pessoas com número de viagem igual a zero. Acredita-se que este acontecimento pode ser relacionado ao fato de um maior número de mulheres estar alocada no grupo em condição de imobilidade no dia da pesquisa, conforme apresentado na Figura 2. Assim, ao ser retirado um maior número de integrantes desse grupo, sua média tende a se elevar. Em outras palavras, apesar das mulheres somarem maior parte do grupo dos indivíduos com zero deslocamentos, aquelas que se deslocam o fazem com maior frequência. Este fato vai de encontro com parte dos estudos consultados (Loo & Lam, 2013; Silm et al., 2013; Elias et al., 2015; Mahadevia & Advani, 2016), ao passo que concorda com os resultados apresentados por Sánchez et al. (2014), Feng et al. (2015) e Haydée Svab (2016), na China, Espanha e RMSP (Brasil), respectivamente.

O Quadro 7 apresenta os valores de distância e tempo médios sem expansão.

Quadro 7. Distância e tempo médio de viagem, sem expansão. Fonte: Elaboração própria.

Distância média, em quilômetros

Grupo

Média

Mediana

Desvio Padrão

Assimetria

Curtose

Geral

11,7

7,3

11,74

2,32

10,8

Masculino

12,6

7,9

12,42

2,23

11,27

Feminino

10,7

6,6

10,85

2,41

9,29

Tempo médio, em minutos

Grupo

Média

Mediana

Desvio Padrão

Assimetria

Curtose

Geral

42,5

30

34,8

1,97

8,22

Masculino

44,5

32,5

36,3

1,92

8,87

Feminino

40,4

30

33,1

2

6,95

Os resultados da distância média de viagem apontam o grupo masculino se deslocando em distâncias ligeiramente maiores em suas viagens. Nesse caminho, os tempos médios de deslocamento são menores para as mulheres, tanto nos termos da média ou de mediana. A distribuição não adere à normalidade e a assimetria indica maior concentração à esquerda e cauda longa à direita da distribuição. Tanto para o caso da distância como duração dos deslocamentos, foram realizados testes t para avaliar se os valores encontrados eram estatisticamente significantes, com intervalo de confiança de 95%, sendo confirmados estatisticamente diferentes.

O emprego dos fatores de expansão possibilita estimar as distâncias e tempos de viagem para os grupos de interesse (Quadro 8). Apesar dos deslocamentos masculinos cobrirem maiores espaços, estes são apenas 8% superiores aos femininos. Além disso, percebe-se que ao realizar a expansão os valores de tempo são reduzidos, entretanto os homens continuam com maiores durações em relação às mulheres, 42,6 minutos contra 37,9 minutos.

Quadro 8. Tempo de deslocamento médio e distância média de viagem, com expansão. Fonte: Elaboração própria.

Grupo

Tempo médio

Distância média

Geral

40,4 min

11,2 km

Masculino

42,6 min

12,3 km

Feminino

37,9 min

10,0 km

De fato, não são constatadas grandes diferenças entre os tempos de deslocamento e distância entre homens e mulheres, contrariando as observações de alguns autores (Schaffer & Schulz, 2008; Zhong et al., 2012; Haan et al., 2014; Neto et al., 2015). Torna-se necessário então acompanhar desses indicadores de forma a observar a evolução dos mesmos ao longo do tempo, de forma a confirmar ou não a aproximação dos padrões de viagem. O Quadro 9 apresenta as estatísticas descritivas da combinação do sexo juntamente ao modo de transporte utilizado e o total em relação à todas as observações.

Quadro 9. Frequência relativa da variável modo de transporte em relação ao total. Fonte: Elaboração própria.

Sexo

Modo de transporte

Total (%)

Masculino

Ônibus

20,79

Feminino

Ônibus

20,46

Feminino

TA

19,41

Masculino

TA

17,65

Masculino

Condutor Automóvel Particular

7,65

Feminino

Condutor Automóvel Particular

2,94

Feminino

Passageiro

2,88

Masculino

Passageiro

2,15

Masculino

Sobre Trilhos

1,89

Feminino

Sobre Trilhos

1,42

Outras configurações

 

2,76

O Quadro 9 ilustra a diferenciação entre os homens e mulheres na escolha modal. Analisando individualmente os modos podem ser tecidas algumas discussões. Primeiramente, conclui-se que apesar da combinação homem e ônibus aparecer na primeira colocação, a diferença para a segunda configuração, mulher mais ônibus, é menor que 1%. Em segundo lugar, no caso do transporte ativo a situação é invertida, neste temos as mulheres como maiores usuárias. Entretanto, a diferença para o segundo grupo não pode ser considerada relevante.

A utilização do automóvel particular como condutor é maior para o grupo masculino, e nesse caso é possível afirmar que existe uma liderança por parte desta categoria. Ademais, na ocasião do uso do automóvel particular como carona as mulheres figuram com uma maioria não significante. As frequências relativas do motivo de deslocamento são apresentadas pelo Quadro 10.

Levando em consideração a natureza da nova variável de motivação das viagens, considera-se justificável a representatividade dos deslocamentos de retorno às residências, figurando como o mais expressivo tanto para homens quanto para mulheres. Conforme esperado, os deslocamentos por motivo trabalho são mais significativos entre os homens, existindo uma diferença de pouco mais que 4,5% para as mulheres, estando em consonância com as observações de outros estudos (Tran & Schlyter, 2010; Aguiléra et al., 2009; Arman et al., 2015; Sánchez et al., 2014; Basaric et al., 2016).

Quadro 10. Frequência relativa do motivo de deslocamento, em relação ao total de observações. Fonte: Elaboração própria.

Sexo

Motivo de deslocamento

Total (%)

Masculino

Residência

25,85

Feminino

Residência

24,03

Masculino

Trabalho

15,13

Feminino

Trabalho

10,02

Feminino

Educação

8,35

Masculino

Educação

7,96

Feminino

Compras ou Saúde

2,47

Feminino

Lazer ou Outros

2,35

Masculino

Compras ou Saúde

1,33

Masculino

Lazer ou Outros

1,25

Feminino

Transporte Pass. Estudo

0,88

Masculino

Transporte Pass. Estudo

0,29

Masculino

Transporte Pass. Trabalho

0,06

Feminino

Transporte Pass. Trabalho

0,02

Considerava-se provável que os deslocamentos por motivações de saúde, compras e lazer se apresentassem mais fortemente entre elas. Essa comprovação traz à tona as discussões apontadas por Madariaga (2016) acerca da mobilidade do cuidado, demonstrando uma dedicação de tempo e espaço extra por parte das mulheres para questões ligadas ao lar. Entretanto, o transporte de outras pessoas tanto para estudo quanto para trabalho, ao contrário das expectativas, não se mostrou expressivo.

Conclusão

Por meio da revisão da literatura foram expostos diversos argumentos e dados, nacionais e internacionais, que apontam para uma diferenciação no padrão de deslocamento entre homens e mulheres. Além disso, foi possível compreender quais variáveis e/ou indicadores de mobilidade representam melhor as influências do sexo no transporte urbano e, por meio deste, direcionar as análises no banco de dados.

Os resultados obtidos neste estudo da RMRJ confirmam a maioria das conclusões das pesquisas selecionadas e estudadas ao longo da revisão bibliográfica. Esperava-se que as mulheres realizassem um menor número de deslocamentos, e que suas durações e distâncias seriam inferiores às masculinas, o que foi confirmado ao longo da realização da pesquisa.

Dentro da categoria número de viagens, faz-se necessário comentar a situação de imobilidade das donas de casa elas são o grupo com maior expressão dentro da análise de zero deslocamentos (imobilidade). No outro extremo, aqueles que mais se deslocaram no dia anterior à pesquisa, encontram-se os homens chefes de família ocupados. Esta categoria se desloca mais que as femininas análogas somadas (mulher chefe de família ocupada ou cônjuge ocupada). Credita-se, então, o discurso de Haley-Lock e Timberlake (2013), onde as mulheres experimentam restrições para acessar livremente oportunidades de emprego como resultado das realidades logísticas e expectativas sociais relacionadas à assistência familiar e outros trabalhos domésticos. Além de, por vezes, precisarem associar as atividades de trabalho e afazeres/responsabilidades do lar ao longo do seu dia, o que pode ser demonstrado pelo maior número de viagens quando não são consideradas na composição da média daquelas que não se deslocam.

Quanto ao modo de deslocamento, percebeu-se uma maioria feminina nas categorias coletivo e ativo. Dentro da categoria TA, os deslocamentos a pé são mais expressivos. A tendência é que estes modos tenham perdido espaço para o automóvel desde a realização da pesquisa, trazendo a necessidade de políticas de incentivo a esses meios. Estas medidas devem contemplar não somente questões de dimensionamento da modalidade de transporte em si, mas também do ambiente construído sabe-se que muitas mulheres deixam de realizar deslocamentos por medo/insegurança em relação ao caminho, meio de transporte disponível ou horário a ser utilizado.

Além disso, a predominância feminina nos modos de transporte coletivo e ativo, denota um padrão de deslocamento possivelmente mais sustentável por parte delas. Entretanto, discute-se que, ao longo dos anos, este padrão de deslocamento tem se aproximado do masculino, como argumento acerca de uma melhora de sua mobilidade. Todavia, essa afirmação vai de encontro à urgência na mudança de comportamento perante as necessidades de deslocamento diárias da população, podem levar à compreensão errônea do contexto da mobilidade dentro uma cidade ou região. Vale também o questionamento acerca da manifestação deste comportamento: “seria ele uma opção por estes modos ou reflexo de os rendimentos femininos serem inferiores ao masculino?”.

Tendo em vista que o transporte tem como definição movimentar bens e pessoas de um ponto ao outro, e possuir característica de demanda derivada, ou seja, surge da necessidade de cumprir uma tarefa ou desejo. Isso se traduz em uma forma diferente de deslocamento para homens e mulheres, retratando demandas distintas para os mulheres e homens.

Apesar da intenção inicial de utilizar o BD do PDTU 2012, a configuração e os dados abordados representaram um empecilho à sua utilização, principalmente em relação ao tamanho da amostra, que comprometeria desagregar os dados de forma confiável. Contudo, recomenda-se o uso deste em pesquisas futuras, em análises superficiais, de forma a verificar tendência de modificação do padrão de deslocamento constatado neste trabalho. Ademais, recomenda-se em pesquisas OD futuras a coleta de dados sobre raça/etnia, o que possibilitaria abordagens interseccionais.

É desejável, também, a expansão desse tipo de pesquisa para fora da Região Sudeste do Brasil, considerando as grandes dimensões territoriais do país, as diferentes pressões sociais que as mulheres brasileiras passam e as realidades socioeconômicas das outras regiões brasileiras. Trabalhos futuros podem ter a motivação de identificar quais características influenciam em maior ou menor grau a diferenciação constatada, neste caso o uso de regressões logísticas como a quasi-poisson empregada por Svab (2016) em seu trabalho se mostrou satisfatória.

Agradecimentos: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Juliane Érika Cavalcante Bender / juliane.erika@gmail.com

Engenheira Civil graduada pela Universidade Federal de Mato Grosso e mestra em Engenharia de Transportes pelo Programa de Engenharia de Transportes da COPPE/UFRJ. Professora do CEFET-MG, leciona disciplinas da área de Engenharia de Transportes. Possui interesse de pesquisa na área de planejamento de transportes, principalmente na relação entre gênero e mobilidade.

Carlos David Nassi / nassi@pet.coppe.ufrj.br

Graduação em Engenharia Civil pela Universidade de São Paulo, mestrado em Engenharia de Transportes pela Universidade de São Paulo, doutorado em Urbanismo (menção Transportes) - Université de Paris XII e pós-doutorado em Engenharia de Transportes - University College London. Professor titular do Programa de Engenharia de Transportes (PET) do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Juliano Bortolini / julianobortolini@gmail.com

Doutor (2015) e mestre (2012) em Estatística e Experimentação Agropecuária pela Universidade Federal de Lavras e graduado em Matemática (2009) e Estatística (2019) pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Atualmente está vinculado ao Departamento de Estatística da UFMT, lecionando e pesquisando em inferência estatística, planejamento e análise de experimentos, análise de sobrevivência e estatística computacional.


1 Entende-se por viagens intrazonais aquelas que possuem origem e destino dentro da mesma zona de tráfego.