Fatores influentes no crescimento de viagens de bicicleta feitas por mulheres na cidade do Recife


Mariana Silveira

AMECICLO, Associação Metropolitana de Ciclistas do Recife, Brasil.

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4568-8841

Maurício Oliveira de Andrade

Departamento de Engenharia Civil, Universidade Federal de Pernambuco, Brasil.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7377-7668

Recibido: 12 de junio de 2021. Aceptado: 27 de junio de 2022.

Resumo

O reduzido número de viagens por bicicleta realizadas por mulheres nas cidades do Brasil atrela-se normalmente à insegurança do trânsito e pública e à carência de infraestruturas cicloviárias. No entanto, fica cada vez mais evidente que o número de mulheres que usam a bicicleta vem aumentando aos poucos. Este artigo tem o objetivo de apresentar fatores que influenciam o uso da bicicleta por mulheres, considerando o uso do solo, a segurança do trânsito e a infraestrutura cicloviária da cidade do Recife. Usa da comparação de contagens de viagens de bicicleta em diferentes anos e tenta por testes estatísticos inferir sobre associações com fatores influentes ao uso da bicicleta. Traz em seus resultados que a variedade de uso do solo e a presença ou ausência de infraestrutura cicloviária interferem estatisticamente sobre as viagens de bicicleta feitas por mulheres.

Palavras-chave: viagens de bicicleta, mulheres, contagens, uso do solo. infraestrutura cicloviária.

Influential factors in the growth of bicycle trips carried out by women in the city of Recife

Abstract

The small number of bicycle trips carried out by women in Brazilian cities is normally linked to traffic and public insecurity, besides the lack of infrastructure. However, it becomes evident that the number of women who use bicycles is gradually increasing. This article aims to present factors that influence the use of bicycles by women, considering land use, traffic safety and cycling infrastructure in the city of Recife. For this, it was applied comparing bicycle trips counts in different years. Statistical analysis was performed to correlate these data with factors that influence bicycle use. The study confirmed that the variety of land use and the presence or lack of cycling infrastructure statistically interfere on bicycle trips carried out by women.

Keywords: bicycle trips, women, counts, land use, cycling infrastructure.

Introdução

A mobilidade urbana feminina é um exemplo de reivindicação pela desigualdade da ocupação da mulher no meio urbano, sua necessidade de protagonismo e associação com temas ainda contemporâneos como violência, moralidade, competência e fragilidade. A mobilidade urbana é apenas um recorte da temática de gênero, onde podemos analisar a forma de como as mulheres realizam seus deslocamentos. Para elas, os desdobramentos da sensação de insegurança pública e do trânsito limitam horários e espaços de circulação nas cidades (Machado, 2017).

De acordo com Lemos et.al. (2017), embora haja um reconhecimento na literatura que a invisibilidade da mulher deve ser superada e abordada de forma total nos diagnósticos e planos para os territórios, há uma lentidão na incorporação de recortes de gênero nas pesquisas qualitativas e quantitativas sobre como a cidade é vivenciada. De acordo com Rasselet, Bernard-Hohm e Raibaud (2011), além de usarem a cidade de modo diferente dos homens, a forma como as mulheres circulam e se locomovem é também bastante diferente.

Ao irem às ruas, as mulheres usufruem de um conjunto de instalações, mecanismos e organizações elaboradas principalmente pelos homens, que historicamente foram a imensa maioria nas urnas, na gestão urbana e na gestão do mercado (Via Ciclo, 2010). Assim sendo, não é de se estranhar que a especificidade de uma representação e de uma postura feminina em relação à mobilidade seja influenciada por uma estrutura consolidada e que uma eventual mudança com efetiva influência da feminilidade somente venha a ocorrer com o passar do tempo. Se compreendermos que a feminilidade possui especificidades em termos de cognição, sensibilidade e visão de mundo vê-se que é preciso que a mulher ocupe o mesmo espaço de reflexão, debate e deliberação sobre a mobilidade urbana para equilibrar as representações sociais e determinar a normatização da vida urbana (Via Ciclo, 2010).

Os modos ativos, como a bicicleta, podem desenvolver um papel fundamental nas viagens cotidianas das mulheres, aumentando seu raio de deslocamento, as possibilidades de destino, economia de recursos, a prática de exercícios físicos entre outros (Harkot, 2018).

De acordo com Rodrigues (2020), numa iniciativa da ONG Transporte Ativo do Observatório das Metrópoles e do LABMOB - Laboratórios de Mobilidade Sustentável da UFRJ foram feitas pesquisas nos anos de 2013 e 2015 para investigar quem é o ciclista brasileiro e o latino-americano, no segundo ano do projeto. Com relação ao gênero, observou-se que 84% dos ciclistas do sexo masculino utilizam a bicicleta em cinco ou mais dias da semana, enquanto esse percentual é de 78% entre as pessoas do sexo feminino. Essa diferença de intensidade de uso pode ser resultado justamente de aspectos relacionados às condições oferecidas pelas cidades, para que mulheres se sintam mais seguras ao utilizarem a bicicleta.

Embora a falta de infraestrutura prepondere entre as preocupações de todos os pesquisados, no caso das pessoas do sexo feminino, a preocupação com a segurança pública é um pouco maior em comparação às pessoas associadas ao sexo masculino. Quando perguntadas sobre qual seria o principal problema que enfrentam no uso da bicicleta como meio de transporte, 11% das mulheres apontaram a falta de segurança pública contra apenas 7% dos homens (Rodrigues, 2020).

As principais preocupações de segurança associada ao ciclismo entre as mulheres (além da segurança pessoal) envolvem trânsito, velocidade dos motorizados e motoristas distraídos. De acordo com o Cycling Promotion Fund e a Heart Foundation,1 ter ciclovias atraem mais mulheres para o uso da bicicleta, e esta visão é independente da mulher já ter o costume deste uso ou não, da sua idade ou da sua localização residencial. A maioria das mulheres concorda que o governo deve melhorar infraestruturas para uso da bicicleta. No Brasil, tem se observado que está havendo aumento no número de mulheres usando bicicleta como meio de transporte nas cidades, um exemplo disso acontece na cidade de São Paulo. De acordo com a Associação de Ciclistas Urbanos da cidade esse aumento acontece, principalmente, nos locais onde foram implantadas infraestruturas para bicicleta (Lemos et al., 2017).

Este artigo tem o objetivo de demonstrar o aumento do número de viagens por bicicletas feitas por mulheres na cidade do Recife e de verificar a relação desse aumento com a diversidade do uso do solo, com a segurança do trânsito e com a infraestrutura. Esse aumento será verificado através de contagens de viagens comparativas entre anos diferentes em pontos específicos da cidade.

Este artigo se divide em sete seções: (1) Introdução; (2) Métodos de contagem de viagens de bicicleta e metodologia da pesquisa; (3) A utilidade das contagens de viagens de bicicleta; (4) Viagens de bicicleta feitas por mulheres no Recife; (5) Principais motivos sobre o crescimento de uso da bicicleta por mulheres no Recife; (6) Considerações finais e (7) Referências.

Métodos de contagem de viagens de bicicleta e
metodologia da pesquisa

No Brasil, as contagens de viagens de bicicleta normalmente ainda acontecem de forma manual, sem a utilização de tecnologias mais sofisticadas. De acordo com o ITDP Brasil (2018a) apesar da simplicidade da execução, as contagens manuais são dispendiosas em recursos humanos. Por isso, a tendência em países e cidades onde as políticas públicas voltadas para a bicicleta estão mais maduras é usar tecnologias para contagens automáticas. No entanto, os dados gerados nas contagens manuais são também confiáveis. Além disso, a contagem manual apresenta flexibilidade, pois há possibilidades de extrair características qualitativas das pessoas e veículos (ex: gênero, com/sem capacete, bicicleta elétrica, na contramão etc.).

As contagens de viagens de bicicleta vêm sendo adotadas em algumas cidades como forma de medição de uso da bicicleta, e essas iniciativas, em muitos casos, são da sociedade civil. No Brasil, normalmente pesquisadores voluntários realizam essas contagens de forma manual (ITDP Brasil, 2018a). A Associação Transporte Ativo, Organização da Sociedade Civil do Rio de Janeiro, desenvolveu um método simples de contagem de viagens de bicicleta. Nele, há o preenchimento de planilha específica e contabiliza-se a quantidade de viagens de bicicleta que passam pelo ponto de coleta de dados. Além da quantidade de viagens por hora, direção e sentido, registram-se informações adicionais importantes como presença de carona, uso de capacete, gênero do ciclista, tipo de bicicleta (comum, cargueira ou triciclo), tipo de uso (transporte ou a serviço), e ainda se conduzida no fluxo ou contrafluxo permitido na via (Transporte Ativo, 2010).

De acordo com Orellana e Guerrero (2019), o uso de dados fornecidos de forma colaborativa, como acontece com as contabilizações de viagens de bicicleta feitas por aplicativos que permitem que ciclistas rastreiem rotas usando telefones celulares com GPS, representa uma solução promissora para a inconveniência das limitações de coleta de dados. As informações geradas por esses aplicativos podem fornecer dados com resolução suficiente para torná-los relevantes para a pesquisa e para tomadas de decisão. Isto é especialmente verdade para as cidades latino-americanas, onde os recursos para a coleta extensiva de dados e implantação de infraestrutura cicloviária são escassos.

Jestico, Nelson e Winters (2016), num estudo comparativo entre o método manual de contagem e outro a partir de aplicativo, realizado na cidade de Victoria, província canadense da Colúmbia Britânica, observaram que há um forte alinhamento entre os dois métodos, e que o número de viagens de bicicleta ficava cada vez mais próximo à medida que o intervalo de tempo aumentava, por hora, períodos da manhã e da tarde e horários de pico.

Sobre a metodologia de análise aplicada nesta pesquisa, seguem algumas considerações: (1) alguns pontos de contagens foram considerados como importantes para análise, diante de seus crescimentos anuais de viagens de bicicleta feitas por mulheres na cidade do Recife, e o método aplicado nessas contagens foi adaptado ao desenvolvido pela Transporte Ativo, já citado neste item sobre métodos; (2) fez-se testes estatísticos T e de Levene para verificar a importância do crescimento de viagens de bicicleta por mulheres na cidade do Recife; (3) usou-se a variável dependente de crescimento de viagens de bicicleta por mulheres e relacionou-a com variáveis de diversidade do solo (a partir do Índice de Entropia), com variáveis de segurança do trânsito (com o teste estatístico do Qui quadrado) e com variáveis de infraestrutura cicloviária (também com o teste estatístico do Qui quadrado). A partir dos resultados dessas relações se obteve as conclusões da pesquisa indicando os fatores influentes sobre o crescimento de viagens de bicicleta feitas por mulheres na cidade do Recife.

A utilidade das contagens de viagens de bicicleta

As contagens de viagens de bicicleta são úteis para o planejamento e monitoramento da ciclomobilidade, servem para demonstrar a demanda existente e permitem observar o uso de bicicletas e os efeitos resultantes de políticas cicloviárias e da implantação de infraestruturas para o modo bicicleta (ITDP Brasil, 2018a). Além disso, essas contagens são necessárias para entender o que influencia o número de ciclistas e são essenciais para estudos de segurança do trânsito e pública (Jestico, Nelson e Winters, 2016).

Informações sobre o número de viagens de bicicleta fornecem dados que auxiliam como resolver problemas críticos relacionados a planejamento de transportes, implementação de medidas de segurança e gerenciamento de tráfego com segurança para os ciclistas. A avaliação de impacto de novas infraestruturas para ciclistas geralmente tem se limitado à contagem manual ou automatizada de ciclistas antes e depois da construção das infraestruturas (Shahraki et al.; 2017).

De acordo com a Transporte Ativo (2010), as contagens de viagens de bicicleta são interessantes não somente para engenheiros de trânsito e planejadores urbanos. Os dados podem ser úteis também para agentes de saúde, naturalmente interessados em promover estilos de vida saudáveis. O número de ciclistas em idade escolar é fundamental para programas de educação para o trânsito ou implantação de rotas seguras para a escola. A polícia pode encontrar nos dados coletados, bons motivos para reforço do policiamento e da segurança pública na região. Da mesma forma, associações de ciclistas podem usá-los nas reivindicações de melhorias para bicicletas em determinadas áreas e para determinados públicos, como mulheres, por exemplo.

Viagens de bicicleta feitas por mulheres no recife

Desde 2013, a AMECICLO – Associação Metropolitana de Ciclistas do Recife, realiza contagens de viagens de bicicletas no Recife e em sua Região Metropolitana. De 2013 até 2017, essas contagens eram feitas apenas por essa Associação. A partir de 2017 essas contagens começaram a ter o apoio da Pernambuco Bike Anjo. A AMECICLO e a Pernambuco Bike Anjo realizam contagens de viagens de bicicletas em pontos estratégicos da cidade do Recife e de sua Região Metropolitana. Desde 2013 já foram feitas mais de 40 contagens, em 27 pontos. Em alguns pontos foram realizadas recontagens anos depois. Nessas pesquisas de campo, mais de 80 mil viagens de bicicleta já foram contabilizadas. O método aplicado nessas contagens foi adaptado ao desenvolvido pela Transporte Ativo, já citado no item sobre métodos de contagem de viagens de bicicleta, demonstrado neste artigo.

Quanto à abrangência horária, a contagem se inicia às 6h da manhã e se encerra às 20h. Há o preenchimento de planilha específica e contabiliza-se a quantidade de viagens de bicicleta que passam pelo ponto de coleta de dados. Além da quantidade de viagens por hora, direção e sentido, registram-se informações importantes como presença de carona, uso de capacete, gênero, tipo de bicicleta (comum, cargueira ou triciclo), tipo de uso (transporte ou a serviço), ainda se conduzida no fluxo ou contrafluxo permitido na via. São considerados sempre dias úteis, normalmente no meio da semana, e observa-se nessa seleção de dia se há previsão de chuvas, eventos excepcionais ou outras atividades que possam tornar a contagem atípica.

Os locais escolhidos para as contagens normalmente fazem parte de algum plano cicloviário ou são próximos a centros de atração ou geração de tráfego. Na Tabela 1, são demonstrados os pontos que apresentaram pelo menos 8% de viagens de bicicletas feitas por mulheres em algum dos anos de contagem, considerando o intervalo de anos de 2013 a 2019.

Tabela 1. Número de viagens de bicicletas com foco nos pontos que tiveram pelo menos 8% de suas viagens feitas por mulheres em algum dos anos de contagem

Ponto de contagem

Data da contagem

Total de viagens de bicicleta

Máximo de viagens em
uma hora

Percentual de viagens feitas por mulheres

Percentual do fluxo na
hora de pico

Av. Abdias de Carvalho x Av. Gal. San Martin

29/11/2016

2354

291

8,20%

12,36%

10/12/2019

2733

312

12,50%

11,42%

Av. Caxangá x Av. Gal. San Martin

09/09/2015

3067

373

8,10%

12,16%

11/09/2019

3976

490

11,20%

12,32%

Av. Cosme Viana x R. 21 de Abril

25/05/2016

3032

360

7,00%

11,87%

30/05/2019

4305

471

8,10%

10,94%

Av. Domingos Ferreira x Av. Antônio Falcão

23/11/2017

1002

110

8,10%

10,98%

28/11/2019

1199

157

7,20%

13,09%

Av. Forte do Bom Jesus x R. Miguel Vieira

25/04/2013

3556

464

12,60%

13,05%

Av. Gov. Agamenon Magalhães x Praça do Derby - Pista Leste

15/09/2016

1188

131

5,60%

11,03%

18/09/2019

2077

237

9,10%

11,41%

Av. Gov. Agamenon Magalhães x Praça do Derby - Pista Oeste

15/09/2016

1292

150

5,60%

11,61%

18/09/2019

2262

208

8,50%

9,20%

Av. Mascarenhas de Moraes x R. Eng. Alves de Souza

09/04/2014

1386

199

6,30%

14,36%

27/03/2019

1403

180

8,10%

12,83%

Av. Rui Barbosa x Av Dr Malaquias

18/03/2015

795

115

6,70%

14,47%

13/03/2019

1106

109

9,00%

9,86%

Av. Visconde de Suassuna x Rua Hospício

24/02/2016

1093

106

6,60%

9,70%

20/02/2019

1532

149

13,10%

9,73%

Estrada de Belém x R. Odorico Mendes

27/08/2014

2155

262

8,30%

12,16%

28/08/2019

2542

262

8,70%

10,31%

R. Arquiteto Luiz Nunes x R. Engenheiro Alves de Souza

09/04/2014

2282

282

7,90%

12,36%

27/03/2019

2529

316

11,30%

12,50%

Rua dos Palmares x Rua Treze de Maio

24/02/2016

1371

135

8,20%

9,85%

20/02/2019

1960

223

11,90%

11,38%

De acordo com a Tabela 1, o local com maior porcentagem de mulheres em um dia de contagem foi no cruzamento da Avenida Visconde de Suassuna com a Rua do Hospício (contagem em fevereiro de 2019). Esse ponto fica na região central da cidade do Recife, e teve 13,10% de suas viagens feitas por mulheres (201 viagens). O total de viagens foi de 1.532. Nesse ponto, as distribuições das viagens feitas por mulheres se concentraram no fim e início do dia, sendo 15% dessas viagens no intervalo das 6 às 9h e 46% no intervalo das 17 às 20h. Nesse último intervalo, houve a maior concentração do dia no último horário de contagem, das 19 às 20h, com 69 viagens (34% do total das viagens feitas por mulheres). Frisa-se que se trata de uma área de muitos empregos formais e informais e de muitas instituições de ensino em vários níveis, o que pode justificar principalmente essa concentração de viagens no turno da noite. Neste caso, a maior porcentagem não corresponde ao maior número absoluto de viagens feitas por mulheres, visto o número absoluto (445 viagens) na segunda contagem do cruzamento da Avenida Caxangá com a Avenida General San Martin, por exemplo (ver tabela 2).

Outro cruzamento que se destaca em número absoluto de viagens de bicicleta feitas por mulheres é na Avenida do Forte do Bom Jesus com a Rua Miguel Vieira. Único ponto demonstrado na Tabela 1 que não teve recontagem para comparação até o término de análise dos dados de contagem neste artigo. Este ponto fica na zona oeste da cidade do Recife, numa região de bastante movimento de mercadinhos de alimentos e de escolas de ensino básico e fundamental, também é considerada uma área majoritariamente residencial. Outra característica deste ponto, o qual interfere positivamente na quantidade de viagens feitas por bicicleta, é que a Rua Miguel Vieira faz parte de uma rota alternativa, de menor movimentação de veículos motorizados, para acessar a Universidade Federal de Pernambuco. Seguindo nesta rua, consegue-se acessar a universidade sem grandes riscos do trânsito. Este ponto teve 12,60% de suas viagens feitas por mulheres (447 viagens). O total de viagens foi de 3.556. Observando a distribuição de viagens feitas por mulheres, viu-se que se comportou de forma equilibrada, com maior concentração das 17 às 18h, com 70 viagens (15% do total dessas viagens). De 6 às 9h houve 86 viagens (19% do total) e das 17 às 20h houve 142 viagens (21% do total).

Na Tabela 2, são demonstrados os 12 pontos que foram recontados, com o número total de viagens de bicicleta feitas por mulheres nos dois anos de contagem, o percentual de acréscimo dessas viagens entre essas contagens e a taxa de acréscimo anual considerando o intervalo entre as contagens.

Tabela 2. Percentual de acréscimo do número de viagens de bicicleta feitas por mulheres nos 12 pontos selecionados, entre os anos de contagem e o crescimento anual

Ponto de contagem

Intervalo de anos entre contagens

Total de viagens de mulheres na primeira contagem e na segunda contagem

% de acréscimo de viagens de bicicleta feitas por mulheres entre as contagens

Crescimento anual do número de viagens de bicicleta feitas por mulheres

Av. Abdias de Carvalho x Av. Gal. San Martin

3 anos

194

76%

20,80%

342

Av. Caxangá x Av. Gal. San Martin

4 anos

247

80%

15,86%

445

Av. Cosme Viana x R. 21 de Abril

3 anos

213

64%

17,89%

349

Av. Domingos Ferreira x Av. Antônio Falcão

2 anos

81

6%

3,04%

86

Av. Gov. Agamenon Magalhães x Praça do Derby - Pista Leste

3 anos

66

188%

42,26%

190

Av. Gov. Agamenon Magalhães x Praça do Derby - Pista Oeste

3 anos

72

168%

38,91%

193

Av. Mascarenhas de Moraes x R. Eng. Alves de Souza

5 anos

87

31%

5,55%

114

Av. Rui Barbosa x Av Dr Malaquias

4 anos

53

87%

16,91%

99

Av. Visconde de Suassuna x Rua do Hospício

3 anos

72

179%

40,81%

201

Estrada de Belém x R. Odorico Mendes

5 anos

179

23%

4,21%

220

R. Arquiteto Luiz Nunes x R. Engenheiro Alves de Souza

5 anos

180

58%

9,63%

285

Rua dos Palmares x Rua Treze de Maio

3 anos

113

106%

27,28%

233

Considerando que os 12 pontos apresentam em média 20,26% de acréscimo anual de viagens de bicicletas feitas por mulheres no Recife, observam-se cinco pontos que se destacam com valores acima da média: (1) Av. Abdias de Carvalho com a Av. Gen. San Martin (20,80% a.a.); (2) Av. Gov. Agamenon Magalhães (pista leste) com Praça do Derby (42,26% a.a.); (3) Av. Agamenon Magalhães (pista oeste) com Praça do Derby (38,91% a.a.); (4) Av. Visconde de Suassuna com Rua do Hospício (40,81% a.a.) e (5) Rua dos Palmares com Rua Treze de Maio (27,28% a.a.) (ver Tabela 2). Frisa-se que, considerando os números absolutos de viagens de bicicleta feitas por mulheres, os pontos de maior crescimento não necessariamente são os de maiores fluxos (ver valores na coluna de número de viagens feitas por mulheres na tabela 2).

A partir dos dados dos 12 pontos demonstrados na Tabela 2, considerando o crescimento anual de uso da bicicleta entre as mulheres e relacionando esses dados com as viagens feitas por homens nesses pontos, fez-se o Teste de Levene (ver Tabela 3), que avalia se os dados são, ou não, homogêneos. Nesse teste, o sig = 0,014 (p<0,05) indica que o crescimento não é homogêneo.

Considerando o resultado do Teste de Levene, pode-se avaliar o resultado do Teste T (que avalia a igualdade de médias) de amostras independentes a partir das variâncias iguais não assumidas, e teve-se o sig = 0,019 (p<0,05) que indica a hipótese alternativa de médias diferentes entre os dois grupos analisados (mulheres e homens) e mostra ter havido aumento significativo da participação feminina no uso da bicicleta entre 2014 e 2019, com média de crescimento de 20,26% para as mulheres e 8,50% para os homens. O Teste T teve valor de t (15,125) = 2,621; p < 0,05) (ver Tabela 3). Além dos dados dos Testes de Levene e T, segue na Tabela 4 dados estatísticos de média, desvio padrão e erro padrão da média.

Tabela 3. Teste de Levene e Teste T independente

 

Teste de Levene para igualdade de variâncias

Teste-t para Igualdade de Médias

Z

Sig.

t

df

Sig. (2 extremidades)

Diferença média

Erro padrão de diferença

95% Intervalo de Confiança da Diferença

Inferior

Superior

Crescimento Anual

Variâncias iguais assumidas

7,159

,014

2,621

22

,016

11,75917%

4,48569%

2,45641%

21,06193%

Variâncias iguais não assumidas

 

 

2,621

15,125

,019

11,75917%

4,48569%

2,20499%

21,31334%

Tabela 4. Média, Desvio Padrão e Erro padrão da média

Gênero

N

Média

Desvio Padrão

Erro padrão
da média

crescimento anual

Mulheres

12

20,2625%

14,21717%

4,10414%

Homens

12

8,5033%

6,27131%

1,81037%

Vale destacar o cruzamento da Avenida Agamenon Magalhães com a Praça do Derby (cruzamento dos principais corredores de transporte do Recife), como sendo um dos mais movimentados e de violência de trânsito da cidade. Mesmo assim, se observa considerado acréscimo de viagens de bicicleta, o que mostra a importância de implantação de infraestruturas cicloviárias nessa região. Frisa-se que a Avenida Agamenon Magalhães está contemplada no Plano Diretor Cicloviário, o qual foi lançado em 2014, e não há infraestrutura cicloviária até hoje.

Também é importante frisar que, por observação no dia de recontagem, no cruzamento da Avenida Agamenon Magalhães com a Praça do Derby, viu-se que foi muito comum ver mulheres ciclistas usando das calçadas e no contrafluxo do tráfego geral, dois fatores que revelam a insegurança do trânsito em trafegar em vias compartilhadas com veículos motorizados. No entanto, sabe-se que o comportamento de uso da contramão é muito perigoso. De acordo com Allen (2001), ciclistas que se integram ao fluxo normal de veículos chegam mais depressa ao destino. Quando se trafega na contramão, é necessário parar ou diminuir o ritmo a todo instante, enquanto integrado ao fluxo dos veículos pode-se desenvolver velocidades maiores, principalmente considerando-se a velocidade média, que é o que determina a duração do trajeto. Ainda de acordo com Allen (2001), ciclistas que pedalam no sentido correto têm cerca de cinco vezes menos chance de colisão.

Outra característica observada em um relevante número de mulheres foi a utilização de bicicletas compartilhadas. Esse tipo de serviço traz uma sensação de segurança pública, se comparado com o uso de bicicleta própria, pois inibe o roubo da bicicleta. Esse fato apareceu principalmente nos pontos que são contemplados com a rede dessas bicicletas na cidade do Recife. De acordo com dados disponíveis sobre o sistema de bicicletas compartilhadas da cidade, o Bike PE, na Plataforma Micromobilidade Brasil (2020), a qual é coordenada pelo Laboratório de Mobilidade Sustentável (LABMOB) da Universidade Federal do Rio de Janeiro; com dados de setembro de 2020, a cidade do Recife realiza cerca de 1500 viagens diárias pelo sistema.

Vale frisar que numa pesquisa realizada pelo ITDP (2018b) com grupo focal de mulheres da Região Metropolitana do Recife, observou-se que a ausência de infraestrutura cicloviária adequada é um impeditivo real para o uso da bicicleta no cotidiano. Essa visão é fundamentada na percepção de que o trânsito é violento, especialmente para os pedestres. No Recife e em sua Região Metropolitana, mais da metade dos óbitos de mulheres no trânsito tem ocorrido em deslocamentos a pé, de bicicleta ou de ônibus. Além disso, nessa mesma pesquisa, foi relatado que as mulheres gostariam de ter mais possibilidade de uso da bicicleta em seus deslocamentos diários, inclusive integrada em viagens mais longas com outros meios. No entanto, verificou-se que apenas 15% das creches públicas, 11% dos postos de saúde e 19% das estações de transporte público de média e alta capacidade encontram-se em áreas a até 300 metros da rede cicloviária existente na cidade do Recife.

Por fim, na Figura 1, segue a localização no mapa do Recife dos cinco pontos que tiveram maior crescimento de viagens de bicicletas feitas por mulheres. Frisa-se que os dois pontos da Agamenon Magalhães com a Praça do Derby foram considerados com apenas uma marcação, já que são próximos, diferindo apenas nas pistas da própria avenida (leste e oeste).


Figura 1
. Localização dos cinco pontos com crescimento anual de viagens de bicicletas por mulheres superior a 20,26% (que é a média de crescimento entre os 12 pontos analisados nesta pesquisa). Imagem elaborada com apoio de mapa da cidade disponível pelo GoogleMaps.

Principais motivos sobre o crescimento de uso da bicicleta por mulheres no recife

Neste tópico alguns fatores serão investigados e relacionados com a variável dependente de crescimento de viagens de bicicleta por mulheres demonstrada nesta pesquisa. Cervero et. al. (2009) frisam que fatores relacionados aos indivíduos têm significância na influência da mobilidade, como o gênero, a idade, a renda, a cultura e questões relacionadas à segurança pública e de trânsito e a qualidade da infraestrutura disponível; e frisam a importância da análise de dimensões mais relacionadas à cidade, como densidade, diversidade, desenho urbano, distância do transporte e destino acessível. Nesta pesquisa, a (1) diversidade do solo, a (2) segurança do trânsito e a (3) infraestrutura cicloviária existentes na cidade do Recife serão consideradas para se analisar o crescimento das viagens de bicicleta feitas por mulheres.

1.A diversidade está relacionada aos diferentes usos de solo da cidade. Quanto mais equilibrada é a relação entre os diferentes usos (residencial, comercial, serviços, lazer, trabalho) numa determinada área, maior poder de atração ela exerce e maior a tendência da vitalidade do bairro. A diversidade pode ser determinada pelo índice de entropia na distribuição de usos do solo, ranqueando dentro de uma escala de valores que vai de 0 a 1. Quanto mais alto o índice maior a mescla de usos (Cervero et al. ,2009);

2.A segurança do trânsito será avaliada pelo número de colisões que envolvem ciclistas por ano, considerando a localização dos pontos de contagem. Esta segurança está diretamente atrelada à velocidade dos motorizados, a falta de respeito dos motoristas com os ciclistas, ao risco de atropelamento, dentre outros fatores;

3.A infraestrutura cicloviária existente ou ausente nas proximidades dos pontos de contagem será considerada na avaliação de interferência sobre o uso da bicicleta por mulheres, considerando o intervalo entre contagens.

Os três fatores considerados nesta pesquisa para avaliar o uso da bicicleta por mulheres na cidade do Recife foram considerados, pois: (1) o uso do solo interfere e está diretamente relacionado às condições de acessibilidade (Cervero et al. 2019), além disso, a diversidade do uso do solo aponta uma relação positiva com o aumento de viagens por bicicleta (Batalha e Portugal, 2019); (2) a falta de segurança no trânsito, a qual leva, em alguns casos, à morte do ciclista; é abordada com destaque na maioria das pesquisas que identificam barreiras ao uso da bicicleta. Fatores como: desrespeito do motorista com o ciclista, volume dos veículos motorizados, velocidade dos veículos motorizados e riscos de atropelamento são sempre referenciados entre empecilhos ao uso da bicicleta (Battiston, Neto e Olekszechen, 2017); e (3) estudos têm mostrado uma relação direta entre a implantação de facilidades ao ciclista e o aumento do número de viagens com a bicicleta, evidenciando o elevado número de viagens em cidades com maiores extensões de infraestrutura cicloviária (Pucher e Buehler, 2012).

Três regiões, onde estão os cinco pontos de contagem em destaque sobre o uso da bicicleta por mulheres na cidade do Recife, serão consideradas nestas análises.

Diversidade

O uso misto do solo tende a reduzir as distâncias das viagens favorecendo ao uso da bicicleta. Para Kuzmyak et al. (2003) certas combinações de uso do solo são particularmente eficazes na redução de viagens motorizadas, tais como para escolas, parques, lojas e outros serviços comumente usados em centros de empregos e bairros residenciais.

A variável de Índice de Entropia (IE) é bastante utilizada para medir a diversidade de uso do solo. Autores como Barbugli (2003) e Portugal (2017) demonstraram a importância desta ferramenta para avaliação do equilíbrio na distribuição de áreas construídas nas diferentes categorias de usos do solo dentro de determinadas regiões. O IE é calculado através da seguinte formulação:

Onde:

Ei = índice de entropia no setor censitário i
Pji =
parcela da área construída ocupada pelo uso do solo j no setor i
K
= número de categorias de uso

O índice de entropia pode variar entre 0 e 1, onde 0 indica homogeneidade com a existência de apenas um tipo de uso do solo na região e 1 heterogeneidade onde a região é ocupada por porcentagens iguais de todos os usos de solo considerados.

Nesta pesquisa foram analisados os mapas de usos do solo de três regiões que incorporam os cinco pontos que têm maiores índices de crescimento anual de viagens de bicicleta feitas por mulheres na cidade do Recife. O ponto da Avenida Abdias de Carvalho com a Avenida General San Martin (localizado no bairro do Cordeiro); os dois pontos da Avenida Agamenon Magalhães - pistas leste e oeste - com a Praça do Derby (localizados no bairro do Derby) e os pontos da Avenida Visconde de Suassuna com a Rua do Hospício e da Rua dos Palmares com a Rua Treze de Maio (localizados no bairro de Santo Amaro).

Para delimitação das regiões que incorporam os pontos analisados, foram consideradas importantes vias de circulação nos perímetros dos polígonos das regiões e distâncias compatíveis ao uso da bicicleta. Na primeira região avaliada, onde se situa o ponto da Avenida Abdias de Carvalho com a Avenida General San Martin, foi considerado para análise um polígono de 5 km², tendo nas extremidades vias importantes de deslocamentos na cidade (Avenida Caxangá, Avenida do Forte, Rua Vinte e Um de Abril e Rua Carlos Gomes). A segunda região avaliada, onde se situam os dois pontos da Avenida Agamenon Magalhães com a Praça do Derby, foi considerado um polígono de 3,30 km², tendo nas suas extremidades também vias importantes de deslocamentos na cidade (Rua Amélia, Avenida Visconde de Albuquerque, Avenida Sport Clube do Recife e Avenida João de Barros). Por fim, o terceiro polígono avaliado, o qual incorpora os últimos dois pontos de maior crescimento de viagens de bicicleta feitas por mulheres na cidade do Recife, tem 2,50 km², tendo em suas extremidades as seguintes vias importantes: Rua da Aurora, Avenida Conde da Boa Vista, Avenida Norte e Avenida João de Barros. Na Figura 2, segue mapa com demonstração dos polígonos das três regiões, com marcação dos cinco pontos de contagens em destaque.


Figura 2
. Delimitação dos polígonos das três regiões que incorporam os cinco pontos de contagem (marcados na imagem) que têm crescimento anual de viagens de bicicletas por mulheres superior a 20,26%, para análise de uso de solo. Imagem elaborada a partir de mapas disponíveis no portal da Prefeitura do Recife. Fonte: Prefeitura do Recife, 2008.

Considerando os usos de solo habitacional e não habitacional e baseado em dados disponíveis no portal da Prefeitura do Recife (2008), fez-se uma medição aproximada, em km², de áreas desses dois tipos de uso de cada região em análise. Com essas medidas, foi possível fazer a aplicação da fórmula do Índice de Entropia, tendo-se como resultados: Região 1 (IE=0,60984), Região 2 (IE=0,79905) e Região 3 (IE=0,98145). Na Tabela 5, seguem detalhes das medidas para o cálculo do Índice de Entropia.

De acordo com as viagens de bicicleta feitas por mulheres, o ponto 1 localizado na região 1 de IE=0,60984 apresentou 20,80% de aumento anual dessas viagens; os pontos 2 e 3 localizados na região 2 de IE=0,79905 apresentaram 42,26% e 38,91% de aumento anual dessas viagens; e os pontos 4 e 5 localizados na região 3 de IE=0,98145 apresentaram 27,28% e 40,81% de aumento anual dessas viagens. Esses resultados indicam que nas regiões com maior Índice de Entropia (IE), com valores mais próximo a 1, estão localizados os pontos que demonstraram maiores índices de aumento de uso da bicicleta por mulheres, concluindo-se que a heterogeneidade de uso do solo interferiu positivamente nesses aumentos.

Tabela 5: Detalhes dos valores para cálculo do Índice de Entropia das três regiões analisadas. Os valores de uso do solo foram baseados em dados disponíveis no Portal da Prefeitura do Recife (2008).

Região do ponto 1 (Av. Abdias de Carvalho com Av. General San Martin)

Área Total km²

5km²

 

 

Usos

 

pji

ln(pji)

Habitacional

4,25km²

0,85

-0,162518929

Não habitacional

0,75km²

0,15

-1,897119985

k = 2

ln 2 =

0,693147

 

 

(pji)(lnpji) =

0,422709

 

 

IE =

0,60984

 

Região dos pontos 2 e 3 (Av. Agamenon Magalhães - pistas leste e oeste - com Praça do Derby)

Área Total km²

3,30km²

 

 

Usos

 

pji

ln(pji)

Habitacional

2,50km²

0,757576

-0,277631737

Não habitacional

0,80km²

0,242424

-1,41706602

k = 2

ln 2 =

0,693147

 

 

(pji)(lnpji) =

0,553858

 

 

IE =

0,799049

 

Região dos pontos 4 e 5 (Rua dos Palmares com Rua Treze de Maio e Av.Visconde de Suassuna com Rua do Hospício )

Área Total km²

2,50km²

 

 

Usos

 

pji

ln(pji)

Habitacional

1,45km²

0,58

-0,544727175

Não habitacional

1,05km²

0,42

-0,867500568

k = 2

ln 2 =

0,693147

 

 

(pji)(lnpji) =

0,680292

 

 

IE =

0,981454

 

Segurança

A segurança será avaliada pelo número de colisões envolvendo ciclistas por ano, considerando a localização dos pontos de contagem. Nesta análise, será considerado o intervalo de anos das contagens. Dados abertos do DATASUS – Tecnologia da informação a serviço do SUS (Sistema Único de Saúde) serão demonstrados neste tópico, com indicação de mortes no trânsito na cidade do Recife, considerando as colisões que envolvem transportes terrestres e dando foco, relacionando com gênero, aos ciclistas. Além disso, a partir de dados abertos disponíveis no site da Prefeitura do Recife (2020a), serão demonstrados os números de colisões que aconteceram na cidade, considerando, principalmente, as três regiões onde estão inseridos os cinco pontos de maior contagem de viagens de bicicleta feitas por mulheres.

De acordo com dados do DATASUS (2020), o número de mortes ocorridas na cidade do Recife, no intervalo entre 2013 e 2019, decorrentes de colisões entre transportes terrestres foi de 3389. Desse número, a maior parte é de motociclistas e pedestres, tendo valores de 45% e 30% respectivamente, do total das mortes. Com relação aos ciclistas, foram 137 mortes, correspondendo a 4% do total (ver Gráfico 1).

Com foco nas mortes de ciclistas, com dados do DATASUS (2020), foi possível verificar sob o recorte de gênero, que parcela considerável das mortes foi de homens. Nos anos de 2015 a 2019, o percentual de acidentes com mulheres foi sempre menor do que a participação das mulheres no uso da bicicleta segundo as contagens realizadas, talvez indicando que mulheres são mais prudentes. Observou-se ainda, que do ano 2013 a 2015, o número de mortes subiu. No ano de 2016 teve uma baixa considerável. E desde o ano de 2017 que esse número voltou a crescer, tendo no ano de 2019 o maior valor no intervalo considerado, onde 32 homens ciclistas e 3 mulheres ciclistas foram vítimas fatais em colisões de trânsito na cidade do Recife (ver Gráfico 2).


Gráfico 1. Número de mortes acorridas em colisões de transportes terrestres na cidade do Recife no intervalo entre 2013 e 2019.
Fonte: DATASUS, 2020.


Gráfico 2. Número de mortes de ciclistas acorridas em colisões de transportes terrestres na cidade do Recife no intervalo entre 2013 e 2019, considerando o gênero.
Fonte: DATASUS, 2020.

Considerando os dados abertos da Prefeitura do Recife (2020a), e observando apenas os dados de 2016 a 2019 - intervalo de contagens dos cinco pontos que mais se destacaram e foram considerados na análise do Índice de Entropia no tópico anterior - observou-se que os números de mortes de ciclistas divulgados são menores que os registrados na fonte do DATASUS (2020). Neste intervalo o DATASUS (2020) mostra que foram 92 mortes e a Prefeitura do Recife (2020a) indica 14 mortes de ciclistas na cidade do Recife.

Com os dados da Prefeitura do Recife (2020a) é possível observar a localização das colisões e o número de colisões com vítimas fatais, com vítimas não fatais e sem vítimas. A partir destes dados foi feita uma relação das colisões que envolvem ciclistas com vítimas não fatais e fatais acontecidas em vias de bairros que fazem parte das três regiões em análise neste artigo (ver Tabela 6). Vale frisar que os dados de colisões com ciclistas divulgados pela Prefeitura do Recife (2020a) podem estar subnotificados, já que, quando se observa os dados do DATASUS (2020), o número de mortes de ciclistas na cidade do Recife é bem superior. No entanto, a única fonte de análise disponível por área da cidade é a partir dos dados da Prefeitura do Recife (2020a) e por isso foram selecionados para a análise dos pontos de contagem.

Tabela 6. Número de colisões que envolvem ciclistas, nas três regiões que incluem os cinco pontos de contagem em análise, considerando com vítimas não fatais e fatais, no intervalo de 2016 a 2019. Fonte: dados abertos da Prefeitura do Recife (2020a).

 

2016

2017

2018

2019

Bairros com vias que tiveram colisões na Região 1

Com vítima não fatal

Com vítima fatal

Com vítima não fatal

Com vítima fatal

Com vítima não fatal

Com vítima fatal

Com vítima não fatal

Com vítima fatal

Cordeiro

5

0

5

0

4

0

7

1

San Martin

1

0

1

0

3

0

6

0

Prado

0

0

0

0

0

0

3

0

Bongi

0

0

1

0

2

0

2

1

Mustardinha

0

0

0

0

1

0

1

0

Zumbi

0

0

1

0

1

0

0

0

TOTAIS

6

0

8

0

11

0

19

2

 

2016

2017

2018

2019

Bairros com vias que tiveram colisões na Região 2

Com vítima não fatal

Com vítima fatal

Com vítima não fatal

Com vítima fatal

Com vítima não fatal

Com vítima fatal

Com vítima não fatal

Com vítima fatal

Derby

1

0

1

0

1

0

2

0

Boa Vista

8

0

4

0

6

0

7

0

Madalena

0

0

3

0

3

0

8

0

TOTAIS

9

0

8

0

10

0

17

0

 

2016

2017

2018

2019

Bairros com vias que tiveram colisões na Região 3

Com vítima não fatal

Com vítima fatal

Com vítima não fatal

Com vítima fatal

Com vítima não fatal

Com vítima fatal

Com vítima não fatal

Com vítima fatal

Santo Amaro

3

0

10

0

6

0

13

1

Boa Vista

8

0

4

0

6

0

7

0

TOTAIS

11

0

14

0

12

0

20

1

Observou-se que, de uma forma geral, o número de colisões que envolvem ciclistas aumentou nas três regiões em análise no intervalo de 2016 a 2019, com destaque considerável no ano de 2019 em todas as regiões. Inclusive, foi neste ano que foram registradas vítimas fatais nas regiões 1 e 3, com perdas de ciclistas nos bairros do Cordeiro, Bongi e Santo Amaro (ver Tabela 6), de acordo com dados da Prefeitura do Recife (2020a).

Com relação ao recorte de gênero, apenas é possível verificar, nos dados abertos do DATASUS (2020), o número de óbitos de ciclistas mulheres e homens na cidade do Recife, e não a quantidade de colisões com ciclistas (como visto no Gráfico 2). Além disso, não se pôde verificar o local onde aconteceram essas mortes, e, portanto, não se pode fazer uma relação com as três regiões em análise nesta pesquisa. No entanto, verificou-se que a maior quantidade de mortes de ciclistas na cidade do Recife, no intervalo de 2013 a 2019, é consideravelmente de homens, que ocupam um total de 94% dessas mortes.

Por fim, avaliando os resultados da segurança através da estatística do Qui-quadrado, a qual avalia a significância dos resultados com algum evento, foi feita a relação do número de vítimas fatais e não fatais das três regiões no intervalo entre contagens com o evento de crescimento anual do uso da bicicleta entre as mulheres nos pontos das três regiões. O Qui-quadrado quando tem valor < 0,005 é considerado como significante estatisticamente. Na ocasião em análise, obteve-se valor de 0,287 na relação com vítimas não fatais e de 0,265 na relação com vítimas fatais (ver Tabela 7 e Tabela 8), significando que a quantidade de vítimas não está relacionada ao crescimento anual de uso da bicicleta entre as mulheres na cidade do Recife.

Tabela 7. Teste estatístico do Qui-quadrado relacionando o número de vítimas não fatais com o crescimento anual de viagens de bicicleta feitas por mulheres nos cinco pontos em análise

COM VÍTIMA NÃO FATAL X CRESCIMENTO ANUAL

 

CRESCIMENTO ANUAL

Total

20,80

27,28

38,91

40,81

42,26

COM VÍTIMA NÃO FATAL

44

1

0

1

0

1

3

57

0

1

0

1

0

2

Total

1

1

1

1

1

5

Testes QUI-QUADRADO

 

Valor

df

Sig. (2 lados)

Qui-quadrado de Pearson

5,000a

4

,287

Razão de verossimilhança

6,730

4

,151

Associação Linear por Linear

,000

1

,995

N de Casos Válidos

5

 

 

a. 10 células (100,0%) esperavam uma contagem menor que 5. A contagem mínima esperada é ,40.

Tabela 8. Teste estatístico do Qui-quadrado relacionando o número de vítimas fatais com o crescimento anual de viagens de bicicleta feitas por mulheres nos cinco pontos em análise

COM VÍTIMA FATAL X CRESCIMENTO ANUAL

 

CRESCIMENTO ANUAL

Total

20,80

27,28

38,91

40,81

42,26

COM VÍTIMA FATAL

0

0

0

1

0

1

2

1

0

1

0

1

0

2

2

1

0

0

0

0

1

Total

1

1

1

1

1

5

Testes QUI-QUADRADO

 

Valor

df

Sig. (2 lados)

Qui-quadrado de Pearson

10,000a

8

,265

Razão de verossimilhança

10,549

8

,229

Associação Linear por Linear

2,771

1

,096

N de Casos Válidos

5

 

 

a. 15 células (100,0%) esperavam uma contagem menor que 5. A contagem mínima esperada é ,20.

Infraestrutura cicloviária

A infraestrutura cicloviária, tão citada na literatura como variável importante na intenção e no estímulo de se usar a bicicleta em deslocamentos cotidianos nas cidades (Pucher e Buehler, 2012; Rodrigues, 2020; Lemos et.al., 2017), será avaliada neste tópico sobre o contexto do aumento do uso da bicicleta por mulheres na cidade do Recife. Serão considerados dados abertos disponíveis no portal da Prefeitura do Recife (2020b), onde há um conjunto de detalhes sobre toda a infraestrutura cicloviária implantada na cidade.

A partir da disponibilidade das datas de implantação de cada infraestrutura cicloviária, foi possível verificar a existência de cada uma delas na ocasião da primeira e da segunda contagem dos cinco pontos considerados nas três regiões em análise. E, sendo assim, pôde-se verificar se houve aumento da infraestrutura cicloviária entre os intervalos de contagem e correlacionar com o aumento do número de viagens feitas por mulheres. Foram consideradas as infraestruturas que interferem nos bairros que passam em cada região, não se limitando à infraestrutura existente apenas dentro do polígono que delimita cada região, de acordo com a Figura 2.

Na região 1, onde há apenas um ponto, o da Avenida Abdias de Carvalho com a General San Martin, observou-se que houve um acréscimo de infraestrutura de 6,35km entre as contagens (em nov/2016 e dez/2019) e atualmente esta região dispõe em seus entornos de 16,65 km de infraestrutura cicloviária, tendo 10,3 km em 2016 e 16,65 km em 2019 (ver Tabela 9).

Na região 2, onde estão os dois pontos da Avenida Agamenon Magalhães com a Praça do Derby, observou-se que houve um acréscimo de infraestrutura de 3,4km entre as contagens (em set/2016 e set/2019) e atualmente esta região dispõe em seus entornos de 6,8 km de infraestrutura cicloviária, tendo 0 km em 2016 e 3,4 km em 2019. Os 3,4km restantes foram implantados após a segunda contagem (ver Tabela 9).

Tabela 9. Relação das infraestruturas cicloviárias das três regiões em análise, considerando o intervalo entre contagens dos pontos. Tabela elaborada com apoio dos dados disponíveis pela Prefeitura do Recife (2020b)

REGIÃO 1

Infraestrutura

Inauguração

Bairro

Tipo

Sentido

Ext. atual (km)

Existia na cont.de nov/2016

Existia na cont. de dez/2019

Cavouco

2007

Cordeiro/Iputinga

Ciclofaixa

unidirecional

2,3

Sim

Sim

Tiradentes

2005

Cordeiro/Torrões/San Martin

Ciclofaixa

bidirecional

5,6

Sim

Sim

Inácio Monteiro

dez/15

Cordeiro

Ciclofaixa

unidirecional

2,4

Sim

Sim

Rota Compaz Ariano Suassuna

jul/18

Cordeiro

Ciclorota

bidirecional

0,65

Não

Sim

Estrada do Bongi

ago/18

Prado/Bongi/San Martin

Ciclofaixa

bidirecional

2,7

Não

Sim

Maurício de Nassau

ago/19

Cordeiro/Iputinga

Ciclofaixa

bidirecional

3

Não

Sim

 

 

 

 

 

16,65

10,3

16,65

Acréscimo entre contagens:

6,35

REGIÃO 2

Infraestrutura

Inauguração

Bairro

Tipo

Sentido

Ext. atual (km)

Existia na cont. de set/2016

Existia na cont. de set/2019

Boa Vista 1ª etapa

out/19

Boa Vista/Santo Amaro

Ciclofaixa

bidirecional

0,4

Não

Sim

Jornalista Graça Araújo (2ª etapa)

nov/19

Boa Vista/Santo Amaro

Ciclofaixa

unidirecional

1,4

Não

Sim

Boa Vista 2ª etapa

dez/19

Boa Vista/Soledade

Ciclofaixa

bidirecional

1,6

Não

Sim

Boa Vista 3ª etapa

jan/20

Boa Vista/Santo Amaro/Soledade

Ciclofaixa

unidirecional

2,4

Não

Não

Boa Vista 4ª etapa

jul/20

Boa Vista/Ilha do Leite/Coelhos

Ciclofaixa

bidirecional

1

Não

Não

 

 

 

 

 

6,8

0

3,4

Acréscimo entre contagens:

3,4

REGIÃO 3

Infraestrutura

Inauguração

Bairro

Tipo

Sentido

Ext. atual (km)

Existia na cont. de fev/2016

Existia na cont. de fev/2019

Boa Vista 1ª etapa

out/19

Boa Vista/Santo Amaro

Ciclofaixa

bidirecional

0,4

Não

Não

Jornalista Graça Araújo (1ª etapa)

set/19

Santo Amaro

Ciclovia

bidirecional

2,08

Não

Não

Jornalista Graça Araújo (2ª etapa)

nov/19

Boa Vista/Santo Amaro

Ciclofaixa

unidirecional

1,4

Não

Não

Boa Vista 2ª etapa

dez/19

Boa Vista/Soledade

Ciclofaixa

bidirecional

1,6

Não

Não

Boa Vista 3ª etapa

jan/20

Boa Vista/Santo Amaro/Soledade

Ciclofaixa

unidirecional

2,4

Não

Não

Boa Vista 4ª etapa

jul/20

Boa Vista/Ilha do Leite/Coelhos

Ciclofaixa

bidirecional

1

Não

Não

Ciclovia Norte

jul/05

Santo Amaro

Ciclovia

bidirecional

1,47

Sim

Sim

Rota Josias de Albuquerque

nov/19

Santo Amaro

Ciclofaixa

unidirecional

6,08

Não

Não

Rota Othon Paraíso

jul/20

Santo Amaro / Torreão

Ciclofaixa

unidirecional

1

Não

Não

Ciclofaixa Hospício

dez/20

Santo Amaro

Ciclofaixa

bidirecional

1

Não

Não

 

 

 

 

 

18,43

1,47

1,47

Acréscimo entre contagens:

0

Na região 3, onde estão os pontos da Rua dos Palmares com a Rua Treze de Maio e da Av. Visconde de Suassuna com a Rua do Hospício, observou-se que não houve acréscimo de infraestrutura entre as contagens (em fev/2016 e em fev/2019). Nos dois anos existia apenas 1,47km de infraestrurura nos entornos dos dois pontos. No entanto, a partir de setembro de 2019 iniciou-se uma série de implantações de novas infraestruturas nesta região, a qual possui atualmente 18,43km de vias cicláveis (ver Tabela 9).

Como resultados deste tópico viu-se que na região 1 de seis infraestruturas implantadas até a segunda contagem, existiam apenas três na primeira contagem; na região 2, de três infraestruturas presentes na segunda contagem, era ausente infraestrutura na primeira contagem; e, na região 3, existia uma infraestrutura na primeira contagem e na segunda, permaneceu apenas esta infraestrutura (ver Tabela 9).

De acordo com as viagens de bicicleta feitas por mulheres, o ponto da Avenida Abdias de Carvalho com a Avenida General San Martin, localizado na região 1, tem 20,80% de aumento anual destas viagens, e nesta região 1 teve um acréscimo de 6,35km de vias cicláveis entre às contagens; os dois pontos da Avenida Agamenon Magalhães com a Praça do Derby, localizados na região 2, têm 42,26% e 38,91% de aumento anual das viagens feitas por mulheres, e nesta região 2 teve um acréscimo de 3,4km de vias cicláveis entre as contagens; e, por fim, os pontos da Rua dos Palmares com a Rua Treze de Maio e da Avenida Visconde de Suassuna com a Rua do Hospício, localizados na região 3, têm 27,28% e 40,81% de aumento anual das viagens feitas por mulheres, e nesta região não se teve acréscimo de infraestrutura entre as contagens.

Por fim, avaliando os resultados da infraestrutura através da estatística do Qui-quadrado, a qual avalia a significância dos resultados com algum evento, foi feita a relação da ausência ou presença da infraestrutura nas duas contagens realizadas dos cinco pontos das três regiões com o evento de crescimento anual do uso da bicicleta entre as mulheres nesses pontos. O Qui-quadrado quando tem valor < 0,005 é considerado como significante estatisticamente. Na ocasião em análise, obteve-se o valor de 0,001 (ver Tabela 10) o que significa que a presença ou ausência da infraestrutura cicloviária interfere sobre o uso da bicicleta entre as mulheres.

Tabela 10. Teste estatístico do Qui-quadrado relacionando a presença e a ausência de infraestrutura cicloviária com o crescimento anual dos cinco pontos entre as duas contagens

CRESCIMENTO ANUAL * (0) ausente nas duas contagens, (1) presente nas duas contagens, (2) presente só na segunda (Tabulação cruzada)

5 PONTOS DE CONTAGEM

INFRAESTRUTURA (0) ausente nas duas, (1) presente nas duas, (2) presente só na segunda

Total

,0

1,0

2,0

CRESCIMENTO ANUAL DOS CINCO PONTOS

20,80

0

3

3

6

27,28

9

1

0

10

38,91

2

0

3

5

40,81

9

1

0

10

42,26

2

0

3

5

Total

22

5

9

36

Testes QUI-QUADRADO

 

Valor

df

Significância Sig. (2 lados)

Qui-quadrado de Pearson

25,767a

8

,001

Razão de verossimilhança

31,582

8

,000

Associação Linear por Linear

,554

1

,457

N de Casos Válidos

36

 

 

a. 13 células (86,7%) esperavam uma contagem menor que 5. A contagem mínima esperada é ,69.

Considerações finais

Contagens de viagens por bicicleta são fundamentais para o planejamento e monitoramento da ciclomobilidade. Trata-se de ferramenta de baixo custo, com múltiplas finalidades permitindo observar o uso de bicicletas e os efeitos resultantes de políticas cicloviárias e de implantação de infraestrutura, em escalas temporais menores e mais adequadas do que outras formas de pesquisa (ITDP Brasil, 2018a).

Observando os dados de contagem das viagens de bicicleta feitas por mulheres na cidade do Recife foi possível observar a relação do crescimento dessas viagens com: i) a diversidade do uso do solo; ii) a segurança no trânsito através do número de vítimas fatais e não fatais; e iii) a infraestrutura cicloviária ausente ou presente nos anos de contagem. Cinco pontos distribuídos em três regiões foram considerados para essas análises: (1) Avenida General San Martin com Avenida Abdias de Carvalho, (2) Avenida Agamenon Magalhães (pista leste) com a Praça do Derby, (3) Avenida Agamenon Magalhães (pista oeste) com a Praça do Derby, (4) Rua dos Palmares com a Rua Treze de Maio e (5) Avenida Visconde de Suassuna com a Rua do Hospício, pois se caracterizam como sendo pontos em destaque sobre o crescimento anual de viagens de bicicleta feitas por mulheres, com crescimento anual acima de 20%.

Sobre a diversidade do uso do solo, nas regiões com maior Índice de Entropia, ou seja, com maior variedade deste uso, estão localizados os pontos que tiveram maiores índices de aumento de viagens de bicicleta, indicando que a heterogeneidade do uso do solo interfere positivamente em viagens de bicicleta feitas por mulheres; sobre a segurança no trânsito, ao avaliar os números de ciclistas vítimas fatais e não fatais em colisões das três regiões em análise, viu-se a partir da estatística do teste de Qui- quadrado que não há relação significante entre o número de vítimas e o crescimento de viagens de bicicleta feitas por mulheres; e, por fim, sobre a infraestrutura cicloviária, viu-se também através do teste de Qui-quadrado, que há significância na relação de presença ou ausência de infraestrutura sobre o crescimento de uso da bicicleta, indicando que maior quantidade de infraestrutura adequada ao ciclista interfere no aumento de viagens de bicicleta feitas por mulheres na cidade do Recife.

Sobre a infraestrutura foi curioso observar que: no ponto da Avenida Abdias de Carvalho com a Avenida General San Martin, onde houve um maior aumento de vias cicláveis entre as contagens em sua região, foi onde o percentual de crescimento anual de viagens de bicicletas foi mais baixo entre os cinco pontos, de 20,80% a.a; nos dois pontos da segunda região em análise, os da Avenida Agamenon Magalhães, não houve acréscimo de infraestrutura entre as contagens e os crescimentos anuais são de 38,91% na pista oeste e de 42,26% na pista leste; e, nos dois pontos da terceira região, que ficam no centro da cidade do Recife, também não houve acréscimo de infraestrutura entre as contagens, havendo apenas 1,47 km de vias cicláveis em ambos os anos. Na terceira região foram analisados os pontos da Avenida Visconde de Suassuna com a Rua do Hospício, que apresentam crescimento de viagens de bicicleta feitas por mulheres de 40,81% a.a e da Rua dos Palmares com a Rua Treze de Maio, que tem 27,28% a.a. de crescimento dessas viagens. Diante do relevante aumento de viagens de bicicleta por mulheres nesta terceira região, sugere-se para pesquisa futura que haja outra contagem nos pontos da região, pois atualmente, há 16,96 km de vias cicláveis a mais, as quais foram implantadas depois da ocasião da segunda contagem que ocorreu em 2019.

Por fim, no contexto atual de pandemia e pós-pandemia da COVID-19 relacionada a aspectos de mobilidade urbana, o estímulo ao uso da bicicleta é iniciativa essencial para segurança sanitária das pessoas, pois o uso desse meio de transporte preserva o distanciamento social durante o deslocamento; é um veículo de suporte e que pode evitar as aglomerações em transportes públicos, principalmente em viagens de pequenas e médias distâncias; dentre outros benefícios que o uso da bicicleta trás para termos cidades mais vivas. No caso desta pesquisa, e diante deste cenário, é importantíssimo que se considere a urgente implantação de infraestruturas cicloviárias adequadas e integradas para que, considerando o corte de gênero, mais mulheres possam utilizar a bicicleta na cidade do Recife.

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Mariana Silveira / maridasilveira@gmail.com

Possui Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Pernambuco (2004), Mestrado em Engenharia de Transportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2010), Doutorado em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Pernambuco (2016) e Pós doutorado pelo programa de Pós graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (2018). Em toda pós-graduação trabalhou sobre mobilidade ativa com foco no modal bicicleta, tendo em vista aspectos de planejamento de transportes, mobilidade sustentável e comportamento. Além disso, atualmente vem pesquisando sobre a importância da mobilidade ativa relacionada à educação infantil e aos objetivos para o desenvolvimento sustentável.

Mauricio Oliveira de Andrade / mauricio.andrade@ufpe.br

Engenheiro Civil, Mestre e Doutor em Engenharia Civil – Transportes pela UFPE. Professor do Centro de Tecnologia e Geociências da UFPE (2009 a atual) na graduação e pós-graduação em Engenharia Civil e da Escola Politécnica de Pernambuco (UPE- 2007 a 2009) de Estradas e Transportes, Gestão das Infraestruturas Urbanas, Engenharia Econômica, Métodos econométricos e Geografia dos Sistemas de Transportes. É atualmente bolsista de produtividade do CNPq - PQ 2. Tem ainda, 30 anos de experiência na área de consultoria de engenharia de transportes (1979 a 2009).


1 Cycling Promotion Fund e Heart Foundaion (2013). Women and cycling survey.