Método de análise dos riscos de acidentes em passagens em nível objetivando o aumento da segurança operacional ferroviária


Pedro Paulo Ferreira Peron

Seção de Ensino de Engenharia de Fortificação e Construção – Engenharia de Transportes, aluno, Instituto Militar de Engenharia, Brasil.

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0619-4507

Mariana Verbena Casella

Seção de Ensino de Engenharia de Fortificação e Construção – Engenharia de Transportes, aluna, Instituto Militar de Engenharia, Brasil.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5206-8723

Aldrei Camille Max Skwarok

Seção de Ensino de Engenharia de Fortificação e Construção – Engenharia de Transportes, aluna, Instituto Militar de Engenharia, Brasil.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6104-9647

Renata A. de Mello Bandeira

Seção de Ensino de Engenharia de Fortificação e Construção – Engenharia de Transportes, professora, Instituto Militar de Engenharia, Brasil.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2776-2473

Vânia Barcelos Gouvêa Campos

Seção de Ensino de Engenharia de Fortificação e Construção – Engenharia de Transportes, professora, Instituto Militar de Engenharia, Brasil.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3206-168X

Orivalde Soares da Silva Junior

Seção de Ensino de Engenharia de Fortificação e Construção – Engenharia de Transportes, professor, Instituto Militar de Engenharia, Brasil.

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0743-8024

Resumo

O presente artigo propõe um método para análise dos riscos existentes de acidentes em passagens em nível (PN) em ferrovias brasileiras. Assim, foi realizada uma análise em normas nacionais e internacionais para identificar os principais critérios adotados para classificação por tipo de risco e para definição do tipo de sinalização a ser empregado, visando aumentar a segurança desses cruzamentos. Com base no resultado da análise, foi desenvolvido o método proposto e aplicado na malha de uma ferrovia na região sudeste do país. De acordo com os dados históricos, verifica-se que as obras de sinalização implantadas tiveram resultados positivos em segurança (queda de 72% no número de ocorrências entre 2014 e 2019), proporcionou o aumento da velocidade máxima autorizada no trecho, gerando um menor impacto no trânsito (visto que a PN é liberada mais rapidamente), garantindo ganhos para a operação e para a população que precisa transpor as intervenções nessas localidades, diminuindo os ruídos emitidos pelo tráfego e a necessidade de manutenção em locomotivas e vagões.

Palavras-chave: passagem em nível, segurança operacional, acidentes ferroviários, métodos de priorização.

Method for analyzing accident risks at level crossings aiming to increase railway operational safety

Abstract

This article proposes a method for analyzing and solving accident risks at grade crossings in the Brazilian railroads. Thus, an analysis was carried out on national and international standards to identify the main criteria adopted for classifying the type of risk and for defining the type of signaling to be used, aiming to increase the safety of these grade crossings. Based on the analysis result, the proposed method was developed and applied to a railroad network in the southeastern region of the country. According to the historical data, one verifies that the implemented signaling works had positive results in safety (drop of 72% in the number of occurrences between 2014 and 2019), provided an increase in the maximum authorized speed on the railroad stretch, generating less impact in traffic (since the grade crossing is released more quickly), assuring gains for the operation and for the population that needs to transpose the railroad in these locations, reducing the noise emitted by traffic and the need for locomotives and wagons maintenance.

Keywords: grade crossing, operational security, railroad accidents, prioritization method.

Introdução

A realização de qualquer atividade, mesmo que de forma cautelosa, está associada a riscos, sendo que uma das melhores formas de lidar com o risco é evitando-o (Furtado, 2012). Evitar que riscos se tornem ocorrências está relacionado ao investimento em prevenção, ao gerenciamento dos fatores e das causas, à conscientização das melhores práticas e atitudes em quaisquer atividades. Assim, uma organização precisa estar preparada para situações que envolvem riscos, ter seus colaboradores treinados e ter documentos orientando como devem proceder, empregando conceitos e ferramentas de gerenciamento de riscos (Silva, 2010).

No setor de transporte, em especial no transporte ferroviário, os riscos existentes podem ser relacionados às seguintes causas: falha humana ou funcional (devido ao comportamento das pessoas envolvidas), materiais rodantes (estado operacional dos veículos envolvidos no transporte, locomotivas ou vagões), via permanente (características da via, infraestrutura, superestrutura, sinalização e meio ambiente), jurídicas, sociais ou institucionais (características da comunidade lindeira ou relacionadas à regulamentação e fiscalização) (Ribeiro, 2011). Logo, a prevenção e o gerenciamento dos fatores de risco no transporte ferroviário estão relacionados à avaliação destes fatores, bem como ao tipo de carga transportada (Areosa, 2012).

Comparado a outros modos de transporte, a ferrovia apresenta vantagens frente aos riscos devido à presença de faixa de domínio própria, ao controle da frota, do trem e do produto transportado, a possuir um sistema próprio de comunicação, à existência de planos de atendimento de acidentes, de trem e de equipe especializada de socorro, de especialistas em segurança e meio ambiente e, de maneira geral, de bases de atendimento ambiental e equipagem com treinamento e controle médico (Ferreira e Almeida, 2006).

Os acidentes ferroviários são um dos principais riscos associados a este modo de transporte, sendo os causadores de inúmeros inconvenientes: geram custos de reparação da via e do material rodante danificado; custos de perda de mercadoria em casos de tombamentos de vagões; custos de operação devido ao tempo de interrupção e liberação de tráfego; e, quando ocorridos em regiões metropolitanas, afetam a população local (Ribeiro, 2011). Essa questão se torna mais grave quando os acidentes envolvem produtos perigosos, agressivos aos seres vivos e ao meio ambiente em geral. Além disto, afetam diretamente a imagem das empresas e a garantia de novos contratos, pois impactam os clientes, a comunidade e o meio ambiente. Também são indicadores monitorados pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), o que pode gerar consequências como multas e proibição de renovação das concessões. De acordo com Hauer (1997), podemos definir melhor a segurança de uma entidade, como o número de acidentes por tipo e severidade, esperados para ocorrer em uma entidade durante um período específico.

Mais de 60% dos acidentes ferroviários, no Brasil, acontecem entre ferrovias e rodovias ou ferrovias e estradas (passagens em nível), tendo como principal causa a imprudência de motoristas e pedestres (ANTT, 2015). A Resolução nº 5.902 (ANTT, 2020) reforça que alguns dos principais tipos de acidentes ferroviários são: atropelamento em passagem em nível, quando ocorrer choque entre veículo ferroviário e ser humano em passagem em nível; e abalroamento em passagem em nível, quando ocorrer choque entre veículo ferroviário e veículo não ferroviário em passagem em nível.

O Código Nacional de Trânsito (CNT), pela Lei nº 9.503/1997, define passagem em nível (PN) como sendo “todo cruzamento em nível entre uma via e uma linha férrea ou trilho de bonde com pista própria”, podendo ser em nível, onde o cruzamento ocorre no mesmo patamar, ou em desnível, onde o cruzamento ocorre com subposição (mergulhões, por exemplo) e sobreposição, como viadutos (JUSBRASIL, 2020). Dados de 2008 da Agência Nacional de Transportes Ferroviários (ANTF) indicavam a existência de 12.273 passagens em nível catalogadas ao longo de 29.817 km de linha ferroviária no Brasil (Peron, 2016).

Essas interferências entre o modo rodoviário e ferroviário comprometem a velocidade do tráfego dos trens e, consequentemente, a capacidade de transporte das concessionárias ferroviárias, sendo considerado um “gargalo logístico”, pois a interferência na circulação dos trens, que em sua maioria transportam commodities até os portos (Castillo, 2007). Ainda, as passagens em nível representam grandes riscos de acidentes, sendo agravados pelo volume de movimentação em ambos os sistemas e pela localização (Carmo; Lopes e Campos, 2012). Como a maioria das ferrovias brasileiras possui mais de cem anos, as cidades cresceram muito perto das vias, gerando impactos na segurança.

De modo a evitar acidentes, cabe às concessionárias ferroviárias, desde que essas sejam as responsáveis pela criação do cruzamento, a implantação da sinalização nas passagens em nível, respondendo pela sua falta, insuficiência ou incorreta instalação (JUSBRASIL, 2020). Porém, é importante destacar que, além dessas medidas, é fundamental o apoio do poder público e da própria sociedade para atingir uma redução do número de acidentes.

Nesse contexto, o presente artigo aborda a análise de riscos especificamente relacionados a acidentes em passagem em nível em uma concessionária ferroviária. Assim sendo, foi desenvolvido um método para análise dos riscos de acidentes em passagens em nível, tendo como base a análise da regulamentação nacional e internacional sobre o tema. O método proposto apresenta vantagens em relação à avaliação que atualmente é realizada no país, pois, além de relacionar as normas vigentes, inclui a análise de visibilidade como fundamental neste processo decisório, além de definir uma forma de priorização de demanda nos casos em que são analisadas mais de uma PN. Ainda, o método proposto não é restrito apenas a projeto de novas PN e pode ser utilizado para melhoria daquelas já implantadas. O método proposto foi aplicado na rede de um operador ferroviário no Brasil e foram analisados indicadores de acidentes nos locais em que houve tratativas preventivas, considerando a gravidade dos riscos e as causas identificadas em acidentes históricos. Assim, realizou-se o mapeamento das ações preventivas empregadas, sendo avaliada a efetividade da execução, no período de 2014 a 2019.

Passagem em nível

As potenciais soluções para evitar acidentes em PNs, que são específicas das concessionárias ferroviárias, correspondem à implantação da sinalização das PNs de acordo com a sua classificação. Nesse sentido, são apresentadas a seguir a regulamentação e classificação para as PNs no Brasil e no exterior.

Regulamentação e classificação de PNs

No âmbito internacional, os critérios utilizados para identificação das passagens em nível são classificados em função do que é observado, sendo os principais critérios divididos em: condições físicas, condições de tráfego, condições operacionais, comportamento humano e histórico de acidentes. O Quadro 1 sintetiza os critérios adotados nos Estados Unidos, na Austrália e no Canadá para a classificação de passagens em nível. A escolha por analisar a regulamentação desses três países se deu pela sua semelhança ao Brasil, com relação ao tipo de carga, ao volume transportado e à abrangência continental do país, bem como a importância do modo ferroviário para a matriz de transporte destes países. O transporte Europeu não foi incluído na análise por diferir muito em características essenciais, como por exemplo: possuir países de menores extensões com maior foco em transporte de passageiros.

No Brasil, de acordo com o Código Nacional de Trânsito, as ferrovias não podem impedir a travessia de suas linhas por outras vias, sendo que essas travessias devem ser, preferencialmente, em desnível. Porém, devido ao grande número de passagens em nível no país, torna-se inviável que todos os cruzamentos sejam realizados em desnível devido ao alto investimento necessário e à limitação da disponibilização de recursos necessários à viabilização das obras.

A principal questão envolvendo PNs no país está diretamente ligada à regulamentação (Peron, 2016). Porém, a discussão das responsabilidades sobre a manutenção e instalação dos sistemas de segurança não possui definição. Os padrões de classificação, que deveriam colaborar para a identificação das soluções mais adequadas para cada local, são pouco utilizados pelas esferas envolvidas no processo e as normas brasileiras, que deveriam nortear as concessionárias ferroviárias, apresentam dificuldades de entendimento e pouca aplicação prática (Peron, 2016).

País

Classificação para PNs

Estados Unidos

Nos EUA, os critérios de comportamento humano e histórico de acidentes não são usados para embasar as análises envolvendo a classificação das PN, sendo adotados apenas critérios físicos (distância de visibilidade, número de faixas, grau de estrada/curvatura, cruzamentos adjacentes, brilho do sol), de tráfego (volume de veículos rodoviários, trens e de pedestre) e operacionais (modo de utilização). Segundo a Queensland Transport (1999), estes critérios foram relacionados por meio de formulação matemática, visando calcular o índice de “perigos” (possíveis acidentes), por meio da qual o Departamento de Transportes dos EUA considera ser possível prever o número de acidentes que podem ocorrer em uma determinada PN. Por meio das previsões de acidentes em PNs, resultantes deste método, Saccomanno et al. (2006) propuseram uma classificação para as passagens em nível nos EUA em três categorias: sinalização passiva, sinalização ativa - com luzes piscando e sinalização ativa - com portões. Entretanto, Raub (2006) consideram que a equação proposta por Queensland Transport (1999) não consegue capturar a mudança de padrão de tráfego rodoviário e ferroviário ao longo do dia, além de não considerar o ângulo do cruzamento com a estrada e a vegetação na vizinhança da passagem. Ainda, segundo Raub (2006), a existência de apenas três categorias de sistemas de alerta não permite a distinção de vedação parcial ou completa com uso de barreiras/portões, por exemplo. Portanto, embora relacionados os critérios através de equação matemática, a classificação utilizada nos EUA necessita de ser reavaliada visando à eliminação dos pontos determinados como falha.

Austrália

Na Austrália, diversos estudos sobre modelos de priorização das passagens em nível têm sido desenvolvidos, sendo o principal deles o Australian Level Crossing Assessment Model (ALCAM). Este compreende um algoritmo de classificação que considera, para cada nível de cruzamento, as propriedades físicas (características e controles) e o comportamento humano comum relacionado ao tema (ALCAM, 2020). O ALCAM é uma ferramenta matemática que leva em conta características físicas e controles existentes em ambos os cruzamentos de estrada e nível de pedestres. O modelo considera que elementos físicos e o comportamento dos motoristas comuns e pedestres no local devem ser correlacionados para fornecer uma pontuação no "Fator de Probabilidade" para cada PN, que irá permitir a comparação do risco relativo em todas as passagens em nível dentro de uma mesma região, permitindo sua priorização. Além disso, o modelo aloca pontos de risco com base nas características do cruzamento e da relação entre essas características e diferentes causas de acidentes (ALCAM, 2020).

Canadá

No Canadá, foi desenvolvido um modelo de previsão de acidentes com base em dados de 10.449 PNs existentes no país, levantados entre 1993 e 2001. (Saccomanno et. al. 2006). Este modelo de previsão de acidentes utiliza dados de colisão, inventário e história da colisão. Assim, com base nos resultados deste modelo, foram identificados os seguintes critérios a serem considerados nas análises das PNs a existência de dispositivos de alerta, atributos geométricos, características de tráfego e ocorrência de colisão. Segundo Saccomanno et al. (2006), muitos modelos de previsão de colisão atuais não conseguem representar toda a gama de fatores que explicam a variação na frequência de colisão em cruzamentos individuais ao longo de um determinado período de tempo. No entanto, com intuito de aumentar a confiabilidade dos modelos de previsão, é validado o critério de visibilidade com o do modelo proposto. O modelo resultante pode então ser utilizado para avaliar a segurança e as propostas de tratamento dos problemas aplicados aos cruzamentos.

Quadro 1. Regulamentação e classificação internacional para PNs. Fonte: feito pelos autores.

A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) tem normas referentes ao processo de regulamentação das PNs, como:

»NBR 7613:2019 – que estabelece requisitos para a determinação do momento da circulação (MC), do grau de importância (GI) e do índice de criticidade (IC) para travessia rodoviária através de via férrea, em um mesmo nível (ABNT, 2019a).

»NBR 12180:2009 – que especifica os requisitos para o equipamento de proteção elétrico, para travessia rodoviária por via férrea, através de PN pública (ABNT, 2009).

»NBR 15680:2017 – que especifica os requisitos de projeto para novas travessias rodoviárias, em PNs públicas (ABNT, 2017).

»NBR 15942:2019 –que estabelece a classificação e os requisitos para equipamentos de proteção para travessia rodoviária por via férrea (ABNT, 2019b).

Entretanto, essas normas da ABNT se baseiam em conceitos que, na visão das concessionárias, são pouco aplicáveis na prática. Por exemplo, a norma NBR 15680:2017, que é vista como a norteadora do assunto, se caracteriza por itens de projetos, não sendo aplicável em PN já existentes. A norma NBR 7613:2019 sofreu grande alteração quando Carmo et al. (2007) propuseram a inclusão do índice de criticidade no texto normatizador. Entretanto, o descompasso dessa norma com a realidade é não conseguir vincular a mesma em distintas categorias de PN, que poderiam ter diferentes tratativas, levando em conta critérios não só de segurança, mas também social e econômico.

O Manual de Cruzamentos Rodo Ferroviários (1979) do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran, 1987) ainda é a base de qualquer estudo envolvendo o assunto PN. Porém, ao longo destes 41 anos, muitos critérios mudaram, sobretudo o número de veículos, o volume de transporte e a densidade populacional.

Assim, é vital a análise de quais devem ser critérios adotados para classificação e o real impacto de cada um em um modelo de classificação de PN a ser proposto. Itens de segurança devem ter seus pesos calculados por bases históricas, volumes de fluxo precisam ser avaliados em diferentes períodos, custos e investimentos precisam ser levantados e considerados na análise. Acredita-se que é fundamental a proposta de um novo modelo brasileiro de análise e tratamento de passagens em nível, que deve ser normatizado em um único documento.

Consolidação dos critérios adotados

Com base nas normas brasileiras existentes e nos modelos implantados nos Estados Unidos (EUA), Canadá e Austrália, elaborou-se o Quadro 2, que sintetiza os principais critérios adotados pelos modelos analisados para a classificação de passagens em nível e posterior definição das medidas necessárias para assegurar a segurança nestes cruzamentos. Este tipo de análise é relevante para mapear os critérios utilizados em diferentes regiões do mundo, permitindo assim a avaliação de quais destes itens são aderentes à realidade do país.

Observa-se, a partir do Quadro 1, que a maior parte dos critérios identificados são adotados em pelo menos dois países estudados. Entretanto, ressalta-se que o modelo australiano apresenta uma análise mais complexa, visto que, entre outros pontos de análise, o mesmo mapeia o histórico de acidentes, suas causas e consequências. Porém, o ponto falho desse modelo consiste na utilização do critério “comportamento humano”, visto que essa variável é altamente subjetiva e muito complexa de ser quantificada. A subjetividade se dá porque os conceitos focam em percepção pessoais e o parecer humano muda de acordo com a urgência ou a criticidade de cada situação, não havendo um padrão de análise e determinação, tornando-a também complexa.

Sobre o modelo americano, o grande ponto a ser considerado é o fato de mapear todas as situações de tráfego, incluindo pedestre, tal qual ocorre no modelo hoje adotado no Brasil. Ainda sobre o modelo hoje praticado no país, observa-se que a maior fragilidade se deve ao fato de que o mesmo não contempla em suas análises critérios relacionados a acidentes, não refletindo, portanto, essa base na classificação dos cruzamentos. Dentre os modelos estudados, aquele que apresenta o menor número de critérios de condições físicas mapeados é o modelo canadense, o que pode apresentar um alto risco associado ao mesmo já que condições locais interferem diretamente nas análises a serem realizadas.

Além disto, por meio do Quadro 2, verificou-se que todos os critérios relacionados às condições de tráfego já são adotados pelas normas brasileiras relacionadas à definição das medidas de segurança a serem adotadas nas PNs.

Com relação aos critérios físicos, já são consideradas as distâncias de visibilidade, grau (rampa) e número de faixas. O critério “ângulo da pista”, adotado apenas pelo Canadá, é considerado atualmente no Brasil como um obstáculo no momento do cálculo de visibilidade, que leva em conta o local e a forma de acesso a PN. Acredita-se que o critério “brilho do sol” não deve ser adotado como um ponto isolado a ser inserido na análise atual, pois, é considerada a iluminação na definição dos fatores de base do cálculo do modelo. Ainda, o critério “cruzamentos adjacentes”, que apresenta um critério já normatizado e controlado pelos responsáveis pelo modal rodoviário, também não deve incluído como novo ponto, uma vez que a interferência desse item no modelo de PN já está refletida no volume de tráfego.

Parâmetros Adotados

Países

Classificação

Descrição

Austrália

Brasil

Canadá

EUA

Físicas

Ângulo de pista

x

Brilhos do sol

x

Cruzamentos adjacentes

x

Distâncias de visibilidade (Curvatura)

x

x

x

x

Grau de estrada (Rampa)

x

x

Número de Faixas

x

x

Tráfego

Velocidade dos trens

x

x

x

Velocidades dos veículos

x

x

x

Volume de pedestres

x

x

x

Volume de trem

x

x

x

x

Volume de veículo

x

x

x

x

Operacionalização

Existência de dispositivo de alerta

x

Modo de utilização

x

Acidentes

Causas dos acidentes

x

x

Consequências dos acidentes

x

Ocorrência de acidentes

x

x

Comportamento humano

x

Quadro 2. Resumo dos critérios utilizados em cada país. Fonte: feito pelos autores.

Como o critério comportamento humano reporta uma análise totalmente subjetiva e difícil de ser quantificada, acredita-se que o mesmo não deve ser contemplado entre os critérios adotados no Brasil. Por fim, tomou-se como fundamental a inclusão dos itens que mapeiam os acidentes como critérios a serem considerados nas análises e na definição de um novo modelo de classificação.

Enfim, a presente análise permitiu identificar os critérios que devem ser considerados para a proposta de um método para a classificação de passagens em nível e definição do tipo de sinalização a ser empregado para aumentar o nível de segurança desses cruzamentos, considerando a realidade brasileira, conforme apresentado na seção a seguir.

Método para análise dos riscos de acidente em passagens em nível

O método proposto foi divido em dois módulos, porém não é obrigatória e nem necessária a execução em conjunta desses. O primeiro módulo, “Análise Técnica de Passagem em Nível”, consistiu no levantamento das características físicas, operacionais e análise das passagens em nível frente às normas brasileiras existente, tendo como foco a definição das etapas a serem seguidas para a categorização das PN. O segundo, “Priorização da Demanda de Adequação das Passagens em Nível”, estabeleceu uma forma de atuação nas PN por grau de risco, em que o tipo de proteção existente foi confrontado ao tipo exigido em norma, por meio da indicação de pesos aos padrões normatizados e ao resultado da diferença entre ambos, resultando em uma lista de prioridades dos investimentos. No caso de os valores das passagens analisadas serem equivalentes, foi correlacionado o histórico de acidentes para priorizar essas PN. Ambos os módulos são detalhados a seguir.

O módulo I, além de relacionar as normas vigentes no país, inclui a etapa de análise de visibilidade como parte fundamental e decisória do processo, de modo que não fica restrita apenas a projeto de novas PN. Por sua vez, o módulo II apresenta uma forma de priorização de demanda nos casos em que são analisadas mais de uma PN, contribuindo para a definição de onde serão realizados os primeiros investimentos. Ainda, para facilitar a aplicação prática do método, foi desenvolvida uma ferramenta computacional, utilizando o software Excel, que pode ser empregada em cada uma das etapas propostas para a análise das PNs.

Módulo I – Análise Técnica De Passagem Em Nível

A análise técnica de passagem em nível tem como objetivo a categorização das PN em grupos, com base nos parâmetros operacionais, físicos das PN e também na aplicação das normas brasileiras existentes, no que dizem respeito à definição do tipo de proteção a ser utilizado em cada caso. A Figura 1 sintetiza as etapas a serem desenvolvidas nesta análise, que correlaciona as normas vigentes e inclui a etapa de análise de visibilidade como fator decisório.


Figura 1. Fluxograma da Metodologia Proposta. Fonte: feita pelos autores.

Verifica-se, por meio da Figura 1, que a primeira etapa deste módulo consiste na identificação da PN a ser considerada, que deve ser seguida pelo mapeamento de suas características físicas (Quadro 3). Também devem ser analisadas as características operacionais ferroviárias e rodoviárias da PN (Quadro 3), que estão diretamente relacionadas aos itens segurança e proteção necessários para um cruzamento ferroviário. Destaca-se que os parâmetros considerados nesta etapa podem ser constantemente alterados e, por isso, a análise sempre deve refletir os que gerem maior risco. Por exemplo, a VMA, que é a Velocidade Máxima Autorizada para circulação de um veículo ferroviário em km/h, pode variar em função do sentido de circulação e em função de restrições técnicas de via impostas por diferentes cenários.

Formulário de Levantamento de Dados

Dados do Registro

Identificação da PN

 

Nome da PN

 

Município

 

Estado

 

km

 

Características Físicas da PN

Comprimento da PN

12,00

Ângulo da Travessia

90,00

Características dos Acessos a PN

Em Nível

Rampa Máxima de Aproximação da Via Pública (%)

0,00

Abaixo de 3%

Comprimento da Rampa

0,00

Fator de Correção do Tempo Adotado

1,40

Possui Energia Elétrica

Sim

Visibilidade Margem Direita da Ferrovia - Sentido Crescente

300

Visibilidade Margem Direita da Ferrovia - Sentido Decrescente

300

Visibilidade Margem Esquerda da Ferrovia - Sentido Crescente

30

Visibilidade Margem Esquerda da Ferrovia - Sentido Decrescente

300

Visibilidade

Abaixo de 150 m

Análise das Condições de Visibilidade em Função da Velocidade do Trem

Restrição causa: VISIBILIDADE

OBRIGATÓRIO o uso de SINALIZAÇÃO ATIVA

Tipo de Proteção Existente

ATIVA TIPO 5

Características Operacionais da PN - Ferroviárias

VMA Ferroviária - Sentido Crescente

40 km/h

VMA Ferroviária - Sentido Decrescente

40 km/h

VMA do Trem mais rápido (VMA Ferroviária)

Entre 40 e 80 km/h

Número de Vias Férreas

1

Via Singela

TD - Quantidade de Trens durante o dia

15,35

TA - Quantidade de Trens durante a noite

15,35

Características Operacionais da PN - Rodoviárias

VMA na Via Pública (VMA Rodoviária)

Abaixo de 50 km/h

Número de Faixas Rodoviárias

3

Três ou mais faixas

Condições de Pavimento

Regular

Condições de Iluminação

Eficiente

Volume de Carros de Passeio (Veículos + Motos)

Acima de 20%

Volume de Caminhões

Até 5%

Volume de Ônibus

Até 5%

Volume de Pedestres

Acima de 20%

VD - Volume de Veículos durante o dia

16627,00

VA - Volume de Veículos durante a noite

5653,18

Comprimento do Veículo (m)

22,00

Histórico de Acidentes

Nº de Acidentes com Mortos

2

Nº de Acidentes com Veículos

3

Nº de Acidentes com Danos Materiais

0

Fator Ponderado de Acidentes (FPA)

29,50

Nível de Segurança (INS)

97,29

Quadro 3. Modelo do Formulário de Levantamento de Dados das PNs. Fonte: feito pelos autores.

Com base nos dados coletados, foi realizada a etapa dos cálculos necessários para determinação do impacto gerado pela visibilidade existente na região do cruzamento, com o tipo de proteção a ser aplicado no mesmo. Segundo a NBR 15680 (ABNT, 2017), o cálculo da distância de visibilidade é fator determinante para necessidade de implantação ou não da sinalização passiva. Caso os valores existentes sejam inferiores à distância de visibilidade mínima, torna-se obrigatório o uso da sinalização ativa, seja ela de operação manual ou automática.

Em seguida, foram estimados o momento de circulação (MC) e o índice de criticidade (IC), segundo os critérios da NBR 7613 (ABNT, 2019a). Tanto o MC, quanto o IC representam numericamente a intensidade de utilização de uma passagem em nível, no entanto o MC apenas correlaciona trens e veículos, já o IC leva também em consideração parâmetros físicos existentes. Priorizando a segurança envolvida na travessia das PN, sugere-se comparar os valores de MC e IC, e adotar o maior valor entre estes para a definição do tipo de proteção a ser aplicado. Isso porque, quanto maior é o valor de IC/MC, maior é o nível de segurança da proteção a ser implantada.

Enfim, definiu-se o tipo de proteção a ser implantado na PN, seguindo o Manual de Cruzamentos Rodoviários, que define os padrões de proteção e controle existentes, e homologados no Brasil. Assim, conhecendo o tipo de via e sua categoria, levantados na etapa 4 desse módulo, e com o valor resultante da comparação de MC e IC, é possível definir o tipo de proteção a ser aplicado e, consequentemente, o tipo de controle a ser usado (Denatran, 1987).

Módulo II – Priorização da Demanda de Adequação das Passagens em Nível

Este módulo tem como objetivo a elaboração de um processo que possibilite obter a ordem de prioridade para a atuação nas PN, de modo a auxiliar o processo de tomada de decisão em relação às demandas de adequação das passagens em nível. Essa priorização é fundamental, uma vez que os recursos para esse tipo de investimento são disponibilizados em determinados intervalos de tempo.

Para a priorização para adequação das passagens em nível, utilizou-se como critério a maior divergência entre a proteção existente em relação ao tipo de proteção definido em norma. Com intuito de quantificar essa divergência, foi atribuído um peso específico à cada tipo de proteção existente, considerando que, quanto mais simples o tipo de proteção, menor é o peso atribuído ao mesmo. Para tanto, considerou-se que a sinalização passiva é composta apenas por itens estáticos (placas, sinalização de solo, entre outros) enquanto a sinalização ativa é caracterizada por ser resultado de uma ação podendo ser manual (guarda cancela) e/ou automática (sistema de detecção via trilho). Os pesos para cada tipo de proteção são: 1 – Sem sinalização; 2 – Passiva; 3 – Ativa; 4 – Ativa Tipo 4; 5 – Ativa Tipo 5.

Verificou-se, para cada PN analisada, qual é o peso do tipo de sinalização exigida em norma (NBR7613), subtraindo deste valor o peso atribuído ao tipo de sinalização existente. Quanto maior for o valor desta diferença, maior deve ser a prioridade dada para adequação da PN analisada.

O módulo II foi utilizado para definir a prioridade de adequação de uma determinada PN frente a um grupo analisado. Portanto, para tornar a análise ainda mais visual, foram mapeados os possíveis resultados (que são valores inteiros variando de -4 a 4), sendo atribuídas cores de gradação (do verde ao vermelho) para cada um deles.

Na matriz que relaciona o tipo de proteção existente com o tipo de proteção exigida em norma, é proposto um artifício visual importante a ser utilizado para auxiliar o processo decisório relacionado à determinação da prioridade de adequação das PN. Assim sendo, ao analisar o Quadro 4, pode-se definir a prioridade a ser dada para a PN em análise.

Proteção Existente

Proteção Exigida em Norma

Tipos

Ativa Tipo 5

Ativa Tipo 4

Ativa

Passiva

Sem Sinalização

Ativa Tipo 5

 

.

.

.

.

Ativa Tipo 4

.

 

.

.

.

Ativa

.

.

 

.

.

Passiva

.

.

.

 

.

Sem Sinalização

.

.

.

.

 

Quadro 4. Matriz Relacionando o Tipo de Proteção Existente x Tipo de Proteção Exigida em Norma. Fonte feito pelos autores.

Observa-se, no Quadro 4, que foi dada máxima prioridade (vermelho mais escuro) para os casos em que não existe nenhum tipo sinalização e que pela norma deveria existir sinalização ativa tipo 5, e assim por diante. Para os casos em que o tipo exigido em norma é inferior ao tipo existente, sugere-se não realizar nenhuma alteração uma vez que, a situação existente está superior ao exigido.

Entretanto, dependendo do número de PNs a serem avaliadas, pode-se encontrar dificuldade na priorização baseando-se apenas no resultado desta diferença, uma vez que os valores resultantes da subtração sugerida apresentam uma pequena variação, de modo que diversas PN de um mesmo grupo podem apresentar a mesma prioridade. Nesses casos, além do processo de priorização estabelecido pela divergência entre o existente e o normatizado, deve ser avaliado também o histórico de acidentes de cada PN, como número de acidentes com mortos, de acidentes com feridos e de acidentes com danos materiais.

Para isso, deve ser realizado o cruzamento das informações oriundas das concessionárias e do órgão fiscalizador. Com base nesses dados históricos de acidentes, deve-se calcular o valor do Fator Ponderado de Acidentes (FPA), conforme definido por Carmo et al. (2007), levando em consideração o número de acidentes envolvendo mortos, feridos, danos, lesões e acidentes com apenas danos materiais nos últimos cinco anos (gerados em uma PN).

Logo, gera-se outra lista de prioridade a ser adotada para o desempate das PN que haviam obtido o mesmo grau para a diferença entre o tipo de proteção existente e a exigida em norma, sendo a PN prioritária é a que tiver o maior FPA, devendo assim ser a primeira a ser solucionada.

O método proposto foi avaliado por especialistas no tema e que atuam na área. Após validação o método foi aplicado de 2014 a 2020, em amostra de mais de 500 PNs existentes ao longo da malha ferroviária de uma concessionária no Brasil. Esta malha ferroviária cruza grandes centros urbanos, onde trafegam volumes expressivos de commodities brasileiras para os mercados de exportação e interno ao país. Ao longo de todo o trecho dessa malha, há interferências entre diferentes modos de transporte (perante a ferrovia), sendo mais da metade destas entre o modo rodoviário e ferroviário.

Contudo, para saber se certa intervenção realmente aumenta a segurança e em quanto, ela deve ser testada e ter os seus resultados verificados (Pilkington, 2005). Entretanto, por não ser simples realizar experimentos desta natureza, geralmente a intervenção é aplicada os resultados obtidos são observados e estudados. Este trabalho utilizou uma metodologia antes e depois para avaliar a eficácia das medidas implementadas (Hauer, 1997).

Aplicação do método e análise dos resultados das ações preventivas

Inicialmente, realizou-se para cada PN da malha ferroviária, o levantamento das características de identificação (Nome da PN e município), características operacionais ferroviárias (número de linhas, volume de trens, etc.) e rodoviárias (número de faixas, contagem volumétrica de veículos, etc.), além do tipo de proteção atualmente existente.

Em seguida, realizou-se a aplicação efetiva do método de análise proposto, comparando o tipo de proteção existente com aquele definido em norma, bem como a análise dos acidentes, de modo a realizar a priorização dos investimentos e locais a serem realizados/priorizados.

O Quadro 5 exemplifica a aplicação do método em 10 PNs, que entre as 500 analisadas, tiveram potencial de investimentos priorizado. Essas 10 PNs estão inseridas na malha ferroviária de uma concessionaria e se encontram em centros urbanos com alta densidade populacional.

PN Identificação

Status PN

Proteção Existente

Proteção Exigida em Norma

Diferença

Descrição

Peso

Descrição

Peso

Amostra PN - A

IRREGULAR

Sem sinalização

1,0

ATIVA

3,0

2,0

Amostra PN - B

IRREGULAR

Sem sinalização

1,0

ATIVA Tipo 4

4,0

3,0

Amostra PN - C

IRREGULAR

PASSIVA

2,0

ATIVA

3,0

1,0

Amostra PN - D

IRREGULAR

PASSIVA

2,0

ATIVA

3,0

1,0

Amostra PN - E

IRREGULAR

PASSIVA

2,0

ATIVA Tipo 4

4,0

2,0

Amostra PN - F

REGULAR

ATIVA Tipo 4

4,0

ATIVA

3,0

-1,0

Amostra PN - G

REGULAR

ATIVA Tipo 4

4,0

ATIVA Tipo 4

4,0

0,0

Amostra PN - H

REGULAR

ATIVA Tipo 5

5,0

ATIVA

4,0

-2,0

Amostra PN - I

REGULAR

ATIVA Tipo 5

5,0

ATIVA Tipo 4

4,0

-1,0

Amostra PN - J

REGULAR

ATIVA Tipo 5

5,0

ATIVA Tipo 5

5,0

0,0

Quadro 5. Priorização de 10 PNs a receber investimento. Fonte: feito pelos autores.

O Quadro 6 apresenta um exemplo da aplicação sobre a matriz de cores (resultante da diferença entre o exigido em norma e o existente), que determina a prioridade para a adequação das PNs da amostra. Assim, verifica-se que inicialmente foi priorizada a PN identificada como “Amostra PN – B” no Quadro 6, dado que essa apresenta a maior discrepância entre o real e o normatizado.

Posteriormente, foram dadas as prioridades às PNs identificadas como “Amostra PN – A”, seguida da “Amostra PN – E”, as quais não possuem nenhuma sinalização. Por último, em função do número de acidentes, seriam tratadas as amostras denominadas “Amostra PN – D” e “Amostra PN – C”.

Proteção Existente

Proteção Exigida em Norma

Tipos

Ativa Tipo 5

Ativa Tipo 4

Ativa

Passiva

Sem Sinalização

Ativa Tipo 5

Amostra PN - J

.

.

.

.

Ativa Tipo 4

Amostra PN - I

Amostra PN - G

.

Amostra PN - E

Amostra PN - A

Ativa

Amostra PN - H

Amostra PN - F

 

Amostra PN - D
Amostra PN - C

Amostra PN - B

Passiva

.

.

.

 

.

Sem Sinalização

.

.

.

.

 

Quadro 6. Especificação de Proteções Exigidas por Norma Brasileira x Proteção Existente. Fonte: feito pelos autores.

A referida priorização representou um valor de investimento de mais de R$ 5 milhões, nas cinco sinalizações ativas instaladas. A Tabela 1 apresenta a redução do número de acidentes entre 2016 e 2019 para estas PNs. Os itens em destaque na cor cinza retratam os anos de instalação.

Item

2014

2015

2016

2017

2018

2019

Amostra PN – B

5

3

3

2

1

0

Amostra PN – A

2

1

1

1

1

0

Amostra PN – E

1

2

0

3

2

0

Amostra PN – D

2

1

1

2

2

1

Amostra PN – E

1

3

2

5

3

0

Tabela 1. Redução do número de acidentes com investimento nas PNs priorizadas pela metodologia. Fonte: feita pelos autores.

Ao longo dos anos de aplicação do método, foi possível verificar uma redução no número de eventos como abalroamentos e atropelamentos nos cruzamentos rodoferroviários priorizados, conforme apresenta a Figura 2, que aborda o período entre os anos de 2014 e 2019. Observa-se uma queda de 72% no número de ocorrências entre 2014, quando se iniciou a aplicação do método de análise, e 2019. Esse resultado reforça a importância e eficácia dos investimentos realizados em PNs. Verifica-se ainda que o número de abalroamentos reduziu 74% de 2014 a 2019 e o número de atropelamentos reduziu 70%.


Figura 2. Quantidade de Abalroamentos e Atropelamentos em PNs de 2014 a 2019.
Fonte: feita pelos autores.

As reduções apresentadas na Figura 2 se devem aos investimentos realizados nos últimos anos pela concessionária em segurança operacional (como a instalação de sistemas de proteção ativa para as PNs), com base no método proposto, que compara o tipo de sinalização existente e o tipo sinalização exigida, somados às tratativas jurídicas e governamentais. As campanhas de conscientização da população sobre os perigos de se atravessar de forma imprudente uma passagem de pedestre ou de transpor indevidamente uma PN também têm papel essencial, já que grande parte das ocorrências dessa natureza atua diretamente sobre a maior parcela das causas dos acidentes, que é a imprudência de pedestres e motoristas.

Ao analisar os oito municípios mais críticos em relação a acidentes em PNs na malha analisada, os quais tiveram a metodologia aplicada, é possível verificar a redução no número de acidentes, como mostra a Tabela 2.

Conforme a Tabela 2 destaca, o município 1 apresentou resultados mais significativos com relação à redução de acidentes (redução de 13 no ano de 2014 para 0 em 2019). Esta cidade possui interferência ferroviária em toda a sua extensão, alta densidade demográfica e grande representatividade econômica em seu estado. Neste município, foi realizada a priorização dos investimentos, por meio da metodologia proposta em duas PNs (Amostra PN – B e Amostra PN – E), as quais eram responsáveis pelo maior volume de acidentes da cidade. Com isso, conseguiu-se reduzir o número de acidentes, após as manutenções e obras, chegando a nenhum evento em 2019.

2014

2015

2016

2017

2018

2019

Município 1

13

8

7

7

8

0

Município 2

7

4

9

8

1

0

Município 3

5

1

2

4

5

1

Município 4

4

2

2

7

3

1

Município 5

4

6

4

3

5

1

Município 6

3

0

5

1

5

2

Município 7

3

2

5

2

2

1

Município 8

3

3

4

1

2

1

Tabela 2. Municípios com maior quantidade de abalroamentos e atropelamentos de 2014 a 2019. Fonte: feita pelos autores.

Deve-se ressaltar que o método de priorização das intervenções, além da redução do número de acidentes, também proporcionou outros ganhos indiretos ao município 1. As intervenções também permitiram a retirada ou redução das restrições de velocidade. Deste modo, foi possível o aumento da Velocidade Máxima Autorizada (VMA) do trecho, gerando um menor impacto no trânsito da cidade (visto que a PN é liberada mais rapidamente), garantindo ganhos para a operação e para a população que precisa transpor as intervenções nessas localidades. O aumento da VMA foi gradual, de 5 em 5 km/h, junto com um trabalho de conscientização para que a comunidade pudesse se adaptar ao tempo de chegada do trem na PN e evitasse atravessar.

Ainda, o aumento da VMA nesse trecho permitiu que os trens atingissem maiores velocidades e, por conseguinte, circulassem mais rápido, reduzindo o tempo de ciclo. Com a velocidade anterior de 30 km/h, o trem necessitava de 3 minutos em média para transpor a PN e, atualmente, a uma velocidade de 50 km/h o trem necessita em média de 1 minutos e 55 segundos. Essa redução reflete também em uma maior satisfação do cliente, pois garante entregas mais rápidas das cargas. A redução no ciclo garante uma redução no número de ativos circulando (pelo menos duas locomotivas do modelo AC44 e 136 vagões), o que gera os seguintes benefícios: menor o impacto no trânsito em áreas urbanas (menor quantidade de impactos e menor tempo de impacto), minoração dos ruídos emitidos pelo tráfego ferroviário, menor frequência de manutenção na via permanente e de material rodante e menor consumo de combustível.

O ciclo completo da composição (circulação do trem vazio somada à circulação do trem carregado), referente a aproximadamente 1.500 km, consome em média 25.000 (vinte e cinco mil) litros de diesel. Assim, o aumento de VMA, permitido pelo uso de sinalização adequada, pode garantir a redução de uma composição no ciclo e, portanto, contribuir para a redução desse montante no consumo de combustível.

Ressalta-se que o método empregado neste trabalho foi apresentado em fórum técnico onde participaram representantes e especialistas de concessionárias brasileiras, entre eles os três especialistas que desenvolveram o estudo. Foi consenso comum entre os representantes de que o uso do método proposto melhoraria o processo de priorização das intervenções em passagens de nível quando comparado ao processo empírico que empregam. Foi destacada a importância de criação do método baseado em normas nacionais e internacionais, o que facilita o trabalho ser replicado em outras ferrovias, independente da localidade, além da importância de no Brasil a metodologia complementar as normas, por parte das regras não estarem normatizadas e regulamentadas.

Conclusão

A regulamentação brasileira para a sinalização adequada de passagens em nível é antiga e está dividida em diferentes normativas. Assim, verifica-se a necessidade de atualização da legislação, inclusão de informações pendentes (devido mudanças estruturais dos transportes ao longo do tempo), e orientações/sugestões para verificações acerca da sinalização existente.

A proposta desse trabalho consiste em consolidar as normativas brasileiras sobre o tema de sinalização de PNs e incluir etapas orientadas em documentos internacionais, que pudessem contribuir e garantir maior confiabilidade na escolha da sinalização adequada. Etapas relatadas desde a coleta e análise dos dados, cálculo de indicadores e atribuição de pesos para escolha do tipo de sinalização e priorização de investimentos foram então incluídos na metodologia proposta.

Os resultados da metodologia proposta mostraram que os critérios internacionais (dos Estados Unidos, Austrália e Canadá), atrelados às normas regulamentadoras brasileiras, se complementaram e reforçam a importância da assertividade na priorização das manutenções em passagens em nível críticas, consideradas como de alto risco.

Mais de 60% dos acidentes ferroviários no Brasil acontecem entre ferrovias e rodovias nas passagens em nível, tendo como principal causa a imprudência de motoristas e pedestres (ANTT, 2015). A aplicação do método proposto, junto às campanhas de conscientização, na malha ferroviária analisada, permitiu a diminuição de 72% dos acidentes, sendo de 74% em abalroamentos e 70% em atropelamentos. Além disso, também foram obtidos outros benefícios, como o aumento da VMA (Velocidade Máxima Autorizada) em determinados trechos, gerando consequentemente redução do número de composições em circulação, bem como menor impacto no trânsito em áreas urbanas e a redução nos riscos e acidentes. Por fim, a redução do número de composições em circulação contribui também para diminuir o consumo de combustível, levando a uma menor emissão de poluentes.

O uso de sinalização adequada impacta positivamente no âmbito social, pela redução nos riscos aos automóveis e pedestres, tais como: número de acidentes, ruídos e impacto no trânsito. Além disso, traz impactos econômicos como: redução de indenizações à sociedade, pela diminuição manutenções com ativos (material rodante, por exemplo) e consequentemente combustível. Por fim, as melhorias ambientais estão relacionadas à redução de emissão de Gases de Efeito Estufa e Poluentes Atmosféricos pelas locomotivas.

Destaca-se que o orçamento anual de uma companhia ferroviária é um fator limitante aos investimentos nas PN. Portanto, o método proposto contribui para uma decisão mais assertiva em relação ao emprego dos recursos disponíveis. Assim, devem ser reavaliadas, anualmente, as localidades mais críticas, bem como a priorização de investimentos para os anos (ou períodos) subsequentes. Ainda, as decisões orçamentárias podem influenciar diretamente a solução, visto que a gestão pode optar por passar a destinar seus investimentos em outras necessidades.

Os efeitos benéficos à companhia e à sociedade são assegurados através da aplicação da metodologia proposta com os dados de diminuição dos acidentes após implantação de obras em áreas classificadas como críticas e sem sinalização adequada, reforçando sua importância. Entretanto, convém ressaltar que foi empregada neste estudo a metodologia antes e depois para analisar a eficiência das medidas empregadas, de modo que não se é possível afirmar com precisão que os resultados obtidos não são oriundos de outros fatores, como tendências gerais de redução de acidentes ou mesmo de outras interferências.

Com o intuito de dar continuidade ao trabalho, propõem-se novos estudos para automatização da verificação dos tipos de sinalização, se estão adequados à norma, e da priorização de investimentos. Sugere-se que, em estudos futuros, sejam adotados grupos de controle de comparação e controle de regressão (Elviket al., 2015), bem como a aplicação e validação do método por especialistas de outras empresas ferroviárias de carga, de passageiros e metroferroviárias do país e do mundo, de modo a superar tais limitações. A aplicação global do estudo deverá considerar a alteração dos parâmetros para os praticados na região e no país, uma vez que o modelo proposto se baseia nas normas brasileiras vigentes que possuem particularidades. Como a metodologia foi gerada com base nos critérios já adotados internacionalmente, facilita sua expansão.

#Referências bibliográficas

»ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas (2019a). NBR 7613:2019: Via férrea - Travessia rodoviária - Determinação do grau de importância e momento de circulação. https://www.abntcatalogo.com.br/norma.aspx?ID=412488

»ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas (2009). NBR 12180:2009: Via férrea - Travessia rodoviária - Passagem em nível pública - Equipamento de proteção elétrico. https://www.abntcatalogo.com.br/norma.aspx?ID=38399

»ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas (2017). NBR 15680:2017: Via férrea — Travessia rodoviária — Requisitos de projeto para passagem em nível pública. https://www.abntcatalogo.com.br/norma.aspx?ID=382578

»ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas (2019b). NBR 15942:2019: Via férrea - Travessia rodoviária - Passagem de nível pública - Classificação e requisitos para equipamento de proteção. https://www.abntcatalogo.com.br/norma.aspx?ID=412388

»Areosa, J. (2012). O contributo das ciências sociais para a análise de acidentes maiores: dois modelos em confronto. Anál. Social, 204, 558-584. http://www.scielo. mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0003-25732012000300003&lng=pt&nrm=iso

»ALCAM (2020). Australian Level Crossing Assessment Model – Australian Norm. http://alcam.com.au/

»ANTT (2015). ANTT prepara resoluções para ampliar a fiscalização de ferrovia. http://canaldoservidor.infraestrutura.gov.br/ultimas-noticias/3099-antt-prepara-resolu%C3%A7%C3%B5es-para-ampliar-a-fiscaliza%C3%A7%C3%A3o-de-ferrovia.html

»ANTT (2020). Agência Nacional de Transporte Terrestre. http://www.antt.gov.br

»Carmo, R. C., Campos V.B.G., Guimarães J.E. (2007). Procedimento para Avaliação da Segurança de Passagens de Nível, Anais do XXI ANPET- Congresso de Ensino e Pesquisa. Rio de Janeiro, RJ.

»Carmo, R. C.; Lopes, L. A. S. e Campos, V. B. G. (2012). Análise de práticas para implantação do gerenciamento de atrito em uma ferrovia. Em XXVI ANPET. Panorama Nacional da Pesquisa em Transportes 2012. Joinville: DECTI. v. 1.

»Castillo, R. (2007). Agronegócio e Logística em áreas de cerrado: expressão da agricultura científica globalizada. Revista da ANPEGE, 3, 33-43.

»Denatran - Departamento Nacional de Trânsito (1987). Manual de Cruzamentos Rodoferroviários. Coleção Serviços de Engenharia. Brasília, DF.

»Elvik, R.; Hoye, A.; Vaa, T.; Sorensen, M. (2015). O Manual de Medidas de Segurança Viária. Madrid: Fundación Mampfre.

»Ferreira, M. B. M. e Almeida, R. L. (2006). Módulo 10 Estudos de Caso: Avaliação de Riscos de Ferrovias. Apostila fornecida aos participantes dos cursos de Estudo de Análise de Riscos e Programa de Gerenciamento de Riscos para técnicos do Ministério do Meio Ambiente, IBAMA e OEMAs. Rio de Janeiro, RJ.

»Furtado, A. R. (2012). Metodologia seis sigma como estratégia de melhoria de processo e redução de acidentes ferroviários. Monografia (graduação). Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF. Juiz de Fora, MG.

»Hauer, E. (1997). Observational Before-After Studies In Road Safety, Estimating the effect of highway and traffic engineering measures on road safety. Department of Civil Engineering, University of Toronto.

»Jusbrasil (2020). Artigo 90 da Lei nº 9.503 de 23 de Setembro de 1997. https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10616742/artigo-90-da-lei-n-9503-de-23-de-setembro-de-1997

»Peron, P. P. F. (2016). Passagem em Nível: Proposta de um modelo de Categorização e Sinalização. Dissertação (mestrado). Instituto Militar de Engenharia -IME. Rio de Janeiro, RJ.

»Pilkington P. e Kinra, S. (2005). Effectiveness of speed cameras in preventing road traffic collisions and related casualties: systematic review. BMJ, 330(7487), 331-334. https://doi.org/10.1136/bmj.38324.646574.AE

»Queensland Transport (1999). Level Crossing Risk Scoring Matrix. Manual produced by the Level Crossing Safety Steering Group. Australia.

»Raub, R. A. (2006). Examination of Highway-Rail Grade Crossing Collisions Over 10 years in Seven Midwestern States. ITE Journal, 76(4), 16-26.

»Ribeiro, G. V. (2011). Uma Contribuição metodológica ao atendimento emergencial em ferrovias. Dissertação (mestrado). Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SC.

»Saccomanno, F. F.; Park, P. Y.-J.; & Fu, L. (2006). Analysis of Countermeasure Effects for Grade Crossings. 9th International Level Crossing safety and Trespass Prevention Symposium, Montreal.

»Silva, R. de O. (2010). Mapeamento de vulnerabilidade ambiental para o gerenciamento de riscos nos transportes ferroviários de produtos perigosos. Dissertação (mestrado). Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT). São Paulo, SP.

Pedro Paulo Ferreira Peron / pedropaulo26@hotmail.com

Graduado em Engenharia Elétrica (Universidade Federal de Juiz de Fora), pós-graduação em Engenharia de Segurança do Trabalho (Universidade Federal de Juiz de Fora) e em Engenharia de Transporte Ferroviário de Cargas (Instituto Militar de Engenharia). Mestrando em Engenharia de Transportes (Instituto Militar de Engenharia). Atuando profissionalmente como Coordenador de Segurança Operacional na MRS Logística S.A. Experiência na área de manutenção ferroviária com foco em eletroeletrônica, sinalização e passagens em nível, além de segurança operacional e pessoal.

Mariana Verbena Casella / marianavcasella@gmail.com

Graduada em Ciências Econômicas (Universidade Federal de Juiz de Fora), pós-graduação em Método Estatísticos (Universidade Federal de Juiz de Fora), Master Business Administration em Gestão Empresarial (Universidade Católica Dom Bosco) e mestranda em Engenharia de Transportes (Instituto Militar de Engenharia). Atuação prática há mais de 9 anos na área de transportes em uma empresa de logística ferroviária no Brasil.

Aldrei Camille Max Skwarok / aldreisk@hotmail.com

Graduada em Engenharia Civil (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), pós-graduação em Lean Six Sigma Black Belt (Pontifícia Universidade Católica do Paraná) e Mestranda em Engenharia de Transportes (Instituto Militar de Engenharia). Atuação prática em segurança ferroviária e atuação por mais de 4 anos na área de transportes em empresa de logística ferroviária no Brasil.

Renata A. de Mello Bandeira / re.albergaria@gmail.com

Graduada em Engenharia de Fortificação e Construção (Instituto Militar de Engenharia), mestrado em Engenharia de Produção com ênfase em Sistemas de Transportes (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), doutorado em Administração de Empresas (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e doutorado em Engenharia de Transportes (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Major do Exército Brasileiro. Atualmente é professora nomeada no Instituto Militar de Engenharia.

Vânia Barcelos Gouvêa Campos / vania@ime.eb.br

Graduada em Arquitetura (Universidade Federal do Rio de Janeiro), mestrado em Engenharia de Transportes (Instituto Militar de Engenharia), doutorado em Engenharia de Produção (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e pós-doutorado (Universidade do Minho em Portugal). Professora Titular do Instituto Militar de Engenharia atuando principalmente no Mestrado em Engenharia de Transportes desde 1986. Experiência na área de Engenharia de Transportes, com ênfase em Planejamento de Transportes.

Orivalde Soares da Silva Junior / orivalde@ime.eb.br

Graduado em Ciência da Computação (Escola de Engenharia de Piracicaba), mestrado em Engenharia de Transportes (Instituto Militar de Engenharia) e doutorado em Engenharia de Produção (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e pós-doutorado (na mesma instituição). Tem experiência na área de Computação e Engenharia de Transportes. Atualmente é professor adjunto no Instituto Militar de Engenharia.