Isabel Cristina Nunes de Sousa
Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Geociências e Ciências Exatas,
Rio Claro, SP, Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8657-6785
Renata Bovo Peres
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Departamento de Ciências Ambientais (DCAm), São Carlos – SP, Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5455-6667
Recibido: 30 de noviembre de 2021. Aceptado: 15 de diciembre de 2022.
Neste estudo, buscou-se ampliar a compreensão sobre o papel do gênero nas percepções sobre uso dos meios de transporte e sobre as condições de mobilidade urbana. O intuito era compreender, de maneira mais aprofundada, as condicionantes sociais que interferem diretamente nos padrões de deslocamento da população e perpassam indiretamente as estratégias e políticas públicas elaboradas para direcionar a escolha dos modos de transporte. Por meio da análise de respostas a um questionário, focou-se na mobilidade urbana sob uma perspectiva de gênero, especificamente nos papéis e relações sociais inerentes. Foram levantados dados primários e realizadas análises estatísticas (descritivas e inferenciais) para mensuração da influência do gênero sobre a) uso dos meios de transporte para deslocamentos diários, e b) percepções sobre as condições de mobilidade urbana. A pesquisa foi feita em uma cidade média brasileira do interior do Estado de São Paulo (São Carlos). Constatou-se uma provável relação entre o gênero dos respondentes e o uso do meio de transporte principal, visto a existência de diferenças entre homens e mulheres, sem influência constatada, entretanto, nas percepções sobre as condições de mobilidade urbana no município em questão.
Palavras-chave: Mobilidade urbana. Gênero. Percepção. Políticas públicas. Meios de transporte.
Gender perspectives in the use of transport means and the perception of urban mobility conditions
In this study, we sought to broaden the understanding of gender roles in the perceptions about the use of transport means and urban mobility conditions. We aimed to understand better the social conditions that directly interfere with the population’s displacement patterns and indirectly permeate the strategies and public policies designed to guide the choice of transport modes. Through the analysis of questionnaire responses, the evaluation focused on urban mobility from a gender perspective, specifically on the roles and inherent social relations. Primary data collected were statistically analyzed (descriptive and inferential analysis) to measure the influence of gender on a) use of transport means in daily commuting and b) perceptions about urban mobility conditions. The research occurred in a mid-sized Brazilian city in the interior of the São Paulo State (São Carlos). We found a probable relationship between the gender of the respondents and the use of the leading transport means, given the differences between men and women. However, we do not observe any influence on the perceptions of the urban mobility conditions in the studied municipality.
Keywords: Urban mobility. Gender. Perception. Public policies. Transport means.
A escolha do meio de transporte está atrelada a um comparativo de desempenho e custo entre as diferentes possibilidades existentes (Deák, 2015). A opção pelos modos ativos de deslocamento (a pé e bicicleta), por exemplo, condiciona-se a fatores “individuais (idade, gênero, renda, educação), ambientais (clima, topografia, ambiente construído) e características próprias de cada deslocamento, como a distância a ser percorrida, o motivo do deslocamento e seu custo” (Sá et al., 2016:2). Especificamente no contexto latino-americano, “acessibilidade e mobilidade são fortemente impactadas por recortes de renda, escolaridade, cor e etnia, aspectos culturais e morais, entre outras variáveis” (Harkot, Lemos e Santoro, 2018:58). Logo, a mobilidade urbana1 não se refere apenas ao indivíduo, mas sim à forma como os indivíduos se inserem no contexto social de maneira ampla, desde o âmbito familiar até a comunidade e a sociedade em geral, demonstrando ser impossível dissociar mobilidade do “contexto social, cultural e geográfico – as especificidades de lugar, tempo e pessoas” (Hanson, 2010:8). Portanto, compreender necessidades específicas de gênero, idade, etnia e perfil socioeconômico pode adicionar novas perspectivas sobre a mobilidade urbana de maneira geral, contribuindo para melhorar o acesso aos destinos para segmentos mais amplos da população (EU, 2020), a partir da elaboração de políticas públicas mais inclusivas.
Neste estudo, buscou-se ampliar a compreensão sobre o papel do gênero2 nas percepções sobre uso dos meios de transporte e sobre as condições de mobilidade urbana, por meio da análise de respostas a um questionário. No entanto, como o intuito não era determinar causalidades, recorreu-se à literatura existente sobre os prováveis processos que auxiliam na compreensão das diferenças encontradas, para uma adequada interpretação dos resultados. Foram destacados os papéis e relações sociais inerentes, visto que, de maneira geral, em sociedades marcadas por profundas desigualdades de gênero, homens e mulheres apresentam diferentes papéis sociais, acesso a recursos e controle dos mesmos, possuindo necessidades díspares e diferentes formas de experienciar a cidade (Jirón, 2007), ocasionando em prováveis discrepâncias de percepção (Fadda e Jirón, 1999). Além de relevar diferenças estruturais concernentes, por exemplo, à acessibilidade, o gênero também se revela “na própria experiência da mobilidade”, isto é, “na forma como essa prática é vivida, percebida e desenvolvida” (Jirón e Singh, 2017:1, tradução própria). Nesse sentido, “a utilização de gênero como categoria serve de atributo para explicar as relações de poder na produção do espaço, revelando as condições e disparidades em seu exercício […]” (Moreira, 2022:95).
O artigo está estruturado de maneira que, a princípio, é apresentada a relação entre escolha do modo de transporte e políticas públicas, com destaque para o papel do poder público no direcionamento dos incentivos a determinados modos, à luz do marco regulatório nacional brasileiro. Posteriormente, destaca-se como gênero e mobilidade urbana se vinculam, com enfoque nos pressupostos da literatura consultada a respeito de diferenças pautadas por atitudes e preferências, restrições de tempo em razão das responsabilidades domésticas, e normas sociais que recaem de forma diferenciada sobre homens e mulheres. O método empregado nesse estudo é descrito na sequência, assim como os principais resultados das análises e suas interpretações, seguido pelas considerações finais, em que são evidenciadas as implicações e limitações do estudo.
Escolha do modo de transporte e políticas públicas
Ao definir as condições para os deslocamentos, as políticas públicas influenciam nas escolhas individuais sobre o meio de transporte a ser utilizado, pois interferem nos custos e benefícios, oportunidades e barreiras, bem como nos incentivos e desincentivos (Winters, 2017). Desta forma, “uma política de transportes deve contemplar naturalmente todos os modos de transporte [...], uma vez que o desempenho de qualquer um deles depende do desempenho de todos os demais” (Deák, 2015:332, destaque do autor).
As políticas de transporte brasileiras são definidas no nível nacional, mas estados e municípios tem autonomia no desenvolvimento de suas próprias estratégias e diretrizes, desde que consoantes às diretrizes nacionais. Para Jones e Azevedo (2013), esse modelo garante que características locais não sejam negligenciadas, algo que poderia ocorrer caso houvesse uma maior centralização, visto a diversidade regional e cultural do país.
Nesse sentido, gestões públicas municipais desempenham um papel decisivo na promoção/viabilização dos diferentes modos de transporte, podendo aderir a iniciativas para estimular o uso dos modos ativos ou públicos coletivos de deslocamento, por exemplo, via construção de redes cicloviárias, provisão e adequação de calçadas, criação de programas públicos de compartilhamento de bicicletas e expansão de faixas exclusivas para ônibus (Winters, 2017). Por outro lado, políticas públicas municipais também podem fazer com que veículos privados motorizados se tornem muito mais convenientes em comparação a outros modos, ao exigir um número mínimo de vagas de garagem em prédios e estabelecimentos comerciais, ou não cobrar pelo estacionamento em vias públicas, por exemplo, o que representa um subsídio público para os motoristas (Gössling, 2016) e resulta em estacionamento gratuito ou de baixo custo em espaço público de uso coletivo (Winters, 2017). Nesse cenário, conforme Vasconcellos (2016:65), “o patrimônio público representado pelas vias não é distribuído igualmente entre as pessoas, sendo seu uso profundamente desigual”.
Essencialmente de cunho político, portanto, por estarem relacionadas à destinação de recursos orçamentários, as distintas prioridades de investimento no sistema de transportes e nas condições de deslocamento das pessoas transformam o ambiente construído e repercutem nas decisões dos indivíduos, podendo gerar e reproduzir desigualdades sociais e espaciais (Guimarães e Lucas, 2020), além de impactar a saúde da população (Woodcock et al., 2009; Stevenson et al., 2016; Sá et al., 2019).
Saldiva (2018:37), por exemplo, destaca que “há hoje um consenso internacional de que as medidas que estimulam a caminhada e o uso da bicicleta estão entre as políticas mais eficazes para o combate à obesidade [...]”. Algo de especial relevância quando se considera a associação existente entre sobrepeso/obesidade e doenças cardiovasculares, diabetes e alguns tipos de câncer, particularmente no contexto latino-americano, em que as taxas de prevalência de inatividade física e sobrepeso/obesidade são maiores do que no restante do mundo (Habinger et al., 2020).
Autores como Mitlin e Satterthwaite (2002) também destacam as consequências das mudanças climáticas, ocasionadas pelo aquecimento global, apontando para a necessidade de uma rápida redução das emissões de gases do efeito estufa, o que implicaria medidas que interfiram no uso indiscriminado dos automóveis particulares. Isso é reforçado pelas evidências de que avanços tecnológicos, como carros elétricos e combustíveis alternativos (renováveis), auxiliam até certo ponto (Stevenson et al., 2016), sendo insuficientes, no entanto, para mitigar os efeitos do gradual aumento da frota de veículos, como consumo de energia, congestionamentos, acidentes de trânsito, poluição sonora e do ar (Sá et al., 2019). O exemplo dos serviços de compartilhamento de automóveis (via aplicativos como Uber, Lyft e 99, por exemplo) é ilustrativo nesse aspecto. Inicialmente idealizados como uma opção mais sustentável de deslocamento, tais serviços não desestimularam a posse de automóveis, como inicialmente previsto. Pelo contrário, evidências obtidas em cidades norte-americanas apontam que o uso desses serviços piorou os congestionamentos e reduziu as viagens via transporte público (Diao, Kong e Zhao, 2021).
Embora a dependência do automóvel seja um fenômeno de difícil reversão, existem condicionantes que impactam, não obstante indiretamente, na escolha do modo de transporte. Ainda que “possa ser vista em termos puramente instrumentais, [tal dependência] é um domínio fortemente relacionado ao gênero” (Polk, 2009:75, tradução própria). Nesse sentido, de maneira geral, é notório que homens se deslocam por distâncias mais longas, via modos de transporte mais energeticamente intensivos (Polk, 2009). De tal maneira que, em comparação aos deslocamentos feitos pelas mulheres, os homens se utilizam mais do automóvel. E esse é apenas um dos diferenciais de gênero que podem ser constatados quando se compara deslocamentos entre mulheres e homens, conforme se observará na sequência.
De modo geral, vários estudos empíricos conduzidos em países do Norte e do Sul Global já demonstraram diferenças nos padrões de mobilidade urbana sob uma perspectiva de gênero. Gauvin et al. (2020), por exemplo, em um estudo na área metropolitana de Santiago (Chile), identificaram que os deslocamentos das mulheres são, em média, mais curtos do que os dos homens. No entanto, em comparação aos homens, as mulheres costumam se deslocar mais, encadeando múltiplos propósitos (vários locais em um mesmo percurso), o que torna seus deslocamentos mais duradouros, caracterizando combinações mais complexas (Olivieri e Fageda, 2021). Discrepâncias também foram observadas com relação ao uso dos meios de transporte, que se reflete “nas escolhas da forma de se locomover pela cidade” (Lemos, Harkot e Santoro, 2017:110).
As distinções entre gêneros são frequentemente vinculadas a percepções de risco (Thuany et al., 2020) atreladas à segurança viária e pessoal, com as mulheres sendo associadas à maior aversão aos riscos e, portanto, usuárias menos frequentes do transporte cicloviário, por exemplo, especialmente em cidades de países com reduzido percentual de deslocamentos por bicicleta (Singleton e Goddard, 2016). Como resultado, em culturas dominadas pelo automóvel, as mulheres são menos propensas a se sentirem seguras ao andar de bicicleta, devido a preocupações sobre segurança no trânsito ou segurança pessoal, priorizando infraestruturas cicloviárias segregadas do tráfego motorizado, consideradas mais seguras, porém, escassas na maioria das cidades.
Ainda assim, “normas e expectativas culturais, como as que regem a segmentação do mercado de trabalho com base no gênero” (Hanson, 2010:17) também têm papel importante nos diferenciados padrões de deslocamento, sendo marcados pela persistente disparidade de renda e empregabilidade entre homens e mulheres. Nesse aspecto, cabe ressaltar que, de maneira geral, o Brasil tem níveis comparativamente baixos de equidade de gênero, com uma das maiores lacunas da América Latina - ocupando o 22º lugar entre os 25 países da região no Índice Global de Diferenças de Gênero (World Economic Forum, 2019). Ademais, a renda média dos homens é 72% maior do que das mulheres no país, conforme Relatório de Desenvolvimento Humano 2020, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2020). Nesse sentido, embora a média de anos de estudo das mulheres (8,2 anos) seja maior que a dos homens (7,7 anos), a renda das brasileiras, em 2017, foi de 10,5 mil dólares (o equivalente a 34,7 mil reais), e a dos brasileiros foi de 18,1 mil dólares (59,9 mil reais).
As desigualdades salariais e de renda se refletem no acesso diferencial a tempo, dinheiro e recursos (Shaw et al., 2020), e afetam as chances de as mulheres possuírem veículos próprios (Lemos et al., 2017). Ademais, “a renda mais baixa continua sendo um fator relevante que restringe a mobilidade das mulheres, mesmo quando o transporte público está disponível” (Gauvin et al., 2020:11, tradução própria). Nessa vertente, “a proporção de pessoas que se deslocam a pé ou de bicicleta diminui com o aumento da renda e escolaridade em ambos os gêneros” (Sá et al., 2016:3), sendo essa redução “mais pronunciada entre os homens, o que faz com que a prática do deslocamento ativo se torne mais frequente entre mulheres do que entre homens nos estratos de maior renda e escolaridade” (Ibid.). Ademais, especificamente no que concerne ao transporte cicloviário, divisões de classes e renda podem afetar diferenciadamente homens e mulheres, a exemplo das evidências sobre a “bicicleta ser uma opção de transporte para homens com menos recursos, mas ser menos usada, entretanto, por mulheres em situações semelhantes” (Singleton e Goddard, 2016:116, tradução própria). Ainda assim, Gauvin et al. (2020) observaram diferenças de gênero nos padrões de mobilidade entre pessoas que se encontram em classes de renda mais altas, indicando que a plena igualdade não é alcançada mesmo na presença de uma renda maior.
Os distintos papéis e atividades atribuídos a homens e mulheres na sociedade influenciam na mobilidade e nos padrões de viagens (Macêdo et al., 2020; Shaw et al., 2020). As mulheres têm menos mobilidade do que os homens, sobretudo em lares de casais com filhos (Olivieri e Fageda, 2021). Desta forma, ter filhos é considerado um fator preponderante na dinâmica dos deslocamentos das mulheres (Macêdo et al., 2020), podendo ter influência no uso da bicicleta como meio de transporte, por exemplo (Lemos et al., 2017). Isso porque ainda há uma desigual distribuição das responsabilidades pelo cuidado na sociedade, recaindo de forma mais intensa sobre as mulheres a atribuição pelo chamado trabalho reprodutivo (IPEA, 2010), isto é, pelos afazeres domésticos (limpeza, higiene, alimentação) e de cuidado familiar (tanto infantil quanto de pessoas com deficiência, de idosos e doentes), o que por sua vez resulta em menos tempo para outras atividades, incluindo deslocamentos diários (Shirgaokar, 2019), especialmente quando se considera a (in)disponibilidade de sistemas de suporte (Jirón e Gómez, 2018).
Em média, mulheres dedicam 4 horas e 25 minutos por dia em trabalhos não remunerados de cuidado, tempo três vezes superior ao dos homens, que despendem cerca de 1 hora e 23 minutos diariamente (OIT, 2018). O percentual de mulheres que realizam esses afazeres (92,1%) é mais alto do que o de homens (78,6%) no Brasil (IBGE, 2020a), caracterizando uma sobrecarga de trabalho – a chamada jornada dupla (Lemos, Harkot e Santoro, 2017). Como principais responsáveis pelo trabalho reprodutivo, as mulheres enfrentam, como consequência, menos tempo para se dedicarem ao trabalho remunerado, vivenciado diversas formas de discriminação no mercado de trabalho. Essa realidade ainda prevalece mesmo após o aumento da participação feminina no mercado de trabalho a partir da década de 1970, de tal maneira que, “a tradicional divisão sexual do trabalho [...] dá lugar a um arranjo no qual mulheres e homens realizam o trabalho produtivo enquanto o trabalho reprodutivo continua a cargo das mulheres” (IPEA, 2010:419).
Em síntese, mulheres brasileiras estudam mais, despendem mais tempo em tarefas domésticas não remuneradas e têm salários inferiores aos dos homens (IBGE, 2019). A maior responsabilização feminina pelos afazeres domésticos tende a se agravar com as mudanças demográficas advindas do envelhecimento populacional (IPEA, 2010). Há uma tendência de crescimento da população idosa que não é acompanhada pela disponibilidade de serviços para os cuidados que exige3, além do fato de que, geralmente, “a entrada no mercado de trabalho não faz com que as mulheres se desobriguem dos afazeres domésticos” (IPEA, 2010:421). Em tais condições, com carência na atuação do Estado sobre trabalhos de cuidado, persiste um “arranjo familiar que conta com o trabalho feminino para suprir as lacunas dos serviços públicos” (IPEA, 2010:419), visto a histórica naturalização de uma visão que atribui a obrigação pelos afazeres domésticos exclusivamente às mulheres e que, devido à determinadas condições necessárias à formação do sistema capitalista e à acumulação de capital, possibilitaram a não remuneração desse trabalho reprodutivo (Federici, 2017).
Como os diferentes “papéis designados para homens e mulheres são social e culturalmente construídos” (Lemos, Harkot e Santoro, 2017:110), políticas públicas mais equânimes se tornam necessárias, por serem pautadas pela transversalidade de gênero (gender mainstreaming) e por não reforçarem estereótipos e desigualdades, desafiando as desiguais atribuições e responsabilidades tradicionalmente destinados a homens e mulheres e sendo capazes de amenizar parte das atuais diferenças de gênero na mobilidade urbana (Prati, 2018; Shaw et al., 2020). Isso porque as circunstâncias em que os deslocamentos das mulheres ocorrem interligam-se com os papéis sociais que lhes são atribuídos (convenções de gênero), circunscrevendo a mobilidade das mulheres e refletindo as amplas e persistentes desigualdades existentes na sociedade (Dobbs, 2005). Desta forma, “a mobilidade não é apenas um reflexo das estruturas sociais, isto é, não apenas as reproduz, mas é também produtora dessas diferenças” (Jirón e Singh, 2017:1, tradução própria).
Considerando as diferenças nos deslocamentos de homens e mulheres, a próxima seção detalha o método empregado nesse estudo, em que se buscou abordar a influência do gênero nas percepções sobre uso dos meios de transporte e sobre as condições de mobilidade urbana. O intuito era compreender, de maneira mais aprofundada, as condicionantes sociais que interferem diretamente nos padrões de deslocamento da população e perpassam indiretamente as estratégias e políticas públicas elaboradas para direcionar a escolha dos modos de transporte.
Destaca-se o uso do termo escolha em itálico, daqui em diante no decorrer do texto, de maneira a evidenciar que não se trata de uma escolha no sentido literal da palavra. Isso porque, com frequência o uso de determinado meio de transporte não ocorre por predileção, estando condicionado, por exemplo, pelas diferentes e desiguais posições sociais e múltiplas identidades dos usuários, não se tratando, portanto, de decisões meramente individuais, mas tomadas no contexto de relações assimétricas de poder (Levy, 2013). Um exemplo de restrição à escolha seria o caso do que se convencionou chamar de pedestre cativo (Cervero, 2013), fenômeno recorrente em diversas cidades do Sul Global em que o caminhar é adotado como forma principal de deslocamento devido às restrições de renda. A indisponibilidade de serviços públicos coletivos de transporte também ilustra outra condicionante capaz de restringir a escolha real por determinada forma de deslocamento, assim como não possuir carteira de habilitação. Em ambos os casos diferenças de gênero se sobressaem pois, além de se deslocarem com maior frequência por meios públicos de transporte coletivo, as mulheres no Sul Global também são menos propensas a possuírem carteira de habilitação (Levy, 2013) e, portanto, dirigem menos, viajando mais como passageiras (Villagrán, 2014).
Neste estudo empírico, de caráter exploratório e abordagem metodológica quantitativa, foram levantados dados primários e realizadas análises estatísticas (descritivas e inferenciais) para mensuração da influência do gênero sobre a) uso dos meios de transporte para deslocamentos diários, e b) percepções sobre as condições de mobilidade urbana. A pesquisa foi aplicada em uma cidade média brasileira do interior do Estado de São Paulo (São Carlos).
Questionários foram utilizados como instrumento de pesquisa, por se tratar de uma técnica que padroniza a coleta de dados, além de facilitar a tabulação, codificação e tratamento dos dados obtidos, permitindo a realização de análises estatísticas (Appolinário, 2012).
A coleta de dados via aplicação de questionários ocorreu em outubro de 2018 na cidade de São Carlos – SP. Elaborados com questões fechadas (escolha múltipla e escolha ordenada) e abertas (respostas espontâneas), os questionários foram aplicados por alunos da graduação, como parte das atividades de uma disciplina.
Os alunos foram divididos em sete grupos, sendo que cada um ficou responsável pela aplicação de cerca de 40 questionários. Dois grupos abordaram pedestres, dois abordaram passageiros de ônibus, e outros dois abordaram motoristas de veículos privados, sendo que apenas um grupo abordou ciclistas, visto o reduzido número de pessoas que utilizam a bicicleta como meio de transporte (em relação aos usuários dos demais modos de transporte) na maioria das cidades brasileiras (SIMOB/ANTP, 2018).
As questões elaboradas envolviam o perfil do respondente: gênero (mulher | homem)4, idade (categorizada em cinco faixas etárias: até 18 anos, 19 a 25 anos, 26 a 40 anos, 41 a 60 anos, acima de 60 anos) e profissão/setor de atuação profissional, além de perguntas sobre o meio de transporte utilizado com maior frequência para deslocamentos diários. Ademais, foram incluídas questões de opinião sobre políticas públicas, nível de satisfação e possibilidade de mudança do modo de transporte, específicas para cada um dos quatro conjuntos de usuários, da seguinte forma:
»Pedestres – você acha que as políticas públicas de São Carlos incentivam o caminhar?
»Ciclistas – você acha que as políticas públicas de São Carlos incentivam o uso da bicicleta?
»Passageiros de ônibus - se você tivesse outra opção, mudaria o seu modo de transporte prioritário?
»Motoristas de veículos privados – você estaria disposto(a) a utilizar como prioridade em São Carlos um meio de transporte coletivo e/ou ativo (pedestre/ciclista)?
Por conseguinte, as perguntas específicas foram pensadas de maneira a refletir a percepção dos pedestres e ciclistas sobre as políticas públicas voltadas ao transporte ativo na cidade. Para os usuários de ônibus, a questão específica buscava averiguar, indiretamente, a satisfação dos usuários do transporte público coletivo. Já no que concerne aos motoristas de veículos privados, o intuito era compreender se haveria a disposição em migrar para modos de transporte considerados mais sustentáveis.
As respostas dos questionários foram tabuladas em planilhas eletrônicas do Microsoft Excel (arquivos com extensão CSV). A análise dos dados foi feita via estatística descritiva (distribuição de frequências absolutas e relativas) e inferencial (teste de hipóteses), com as informações sendo posteriormente contrastadas com o referencial teórico consultado.
No caso específico deste estudo, o intuito era averiguar a existência de eventuais diferenças estatisticamente significativas na distribuição do meio de transporte principal (utilizado com maior frequência para deslocamentos diários) por gênero. Logo, foi verificado se as características do respondente (gênero) poderiam influenciar na escolha do meio de transporte principal. Em síntese, foram empregadas técnicas de estatística inferencial com a finalidade de verificar se a hipótese nula poderia ou não ser rejeitada:
»Hipótese nula (H0): as variáveis são independentes, não havendo relação entre as mesmas.
»Hipótese alternativa (H1): as variáveis são dependentes, havendo uma relação entre as mesmas.
Geralmente adota-se o nível de significância de 0.05, o que equivale à 5% de chance de obtenção do mesmo resultado quando a hipótese nula é verdadeira. Trata-se, portanto, de uma chance de 5% de erroneamente rejeitar a hipótese nula. Assim sendo, convencionalmente adota-se uma probabilidade menor do que 0.05 para rejeição da hipótese nula (p-value < 0.05), com o valor de p sendo utilizado para verificar se os grupos são estatisticamente diferentes, de maneira que, ao adotar o nível de significância usual de 0.05 (intervalo de confiança de 95%), com um valor de p < 0.05 é possível rejeitar a hipótese nula e afirmar que a diferença provavelmente existe.
No caso específico deste estudo, a hipótese nula assumida era que o gênero seria independente da escolha do meio de transporte principal. Isso sugeriria que as características do respondente não influenciariam no modo de transporte escolhido. Se o teste sugerisse o contrário, levando à rejeição da hipótese nula, seria mais provável a existência de uma relação (dependência) entre as variáveis (hipótese alternativa).
Para tanto, empregou-se, no software RStudio IDE versão 4.0.3 (RStudio Team, 2020), o teste de independência Qui-quadrado (Pearson’s chi-square test of independence), para verificar a existência de associação entre as frequências das variáveis qualitativas (categóricas) observadas e, consequentemente, aceitar ou rejeitar a hipótese nula de independência entre as variáveis (H0). Foi feita, também, uma análise do resíduo de Pearson padronizado, de modo a compreender a natureza e a força da associação entre cada categoria das variáveis.
O cálculo do Qui-quadrado requer a construção e comparação de tabelas de contingência, com as frequências observadas na amostra, e as frequências esperadas caso não houvesse nenhuma relação entre as variáveis categóricas (nominais) analisadas - que podem possuir dois ou mais níveis. Nesse sentido, as frequências esperadas, assumindo independência entre as variáveis, são comparadas com as frequências reais (observadas), em que a variação entre as duas é testada pelo cálculo do Qui-quadrado.
A tabela de contingência das frequências esperadas é calculada a partir das frequências observadas. Para tanto, calcula-se o valor esperado para cada célula, multiplicando o total da linha pelo total da coluna e dividindo pelo tamanho da amostra, conforme a seguinte fórmula:
Em que:
O: frequências observadas
E: frequências esperadas
i: número de linhas na tabela
j: número de colunas na tabela
Importante destacar que não é recomendado o uso do teste Qui-quadrado se alguma das frequências esperadas for igual a zero e/ou se mais de 20% for menor do que 5 (Moore, Notz e Flinger, 2017). Nesse caso, recomenda-se agregar categorias (se este for um procedimento lógico) ou utilizar o teste exato de Fisher (Dancey, Reidy e Rowe, 2017).
Nesse estudo optou-se pela primeira opção, com a combinação de duas ou mais categorias e a adoção de uma divisão consoante ao referencial teórico. Desta forma, os modos de transporte motorizados foram agrupados e renomeados em veículos privados (como motorista: carro e moto; ou como passageiro: carona, táxi/Uber), e veículos públicos (transporte coletivo: ônibus).
Na seção seguinte, após caracterização de alguns aspectos referentes à mobilidade urbana na área de estudo, bem como do perfil da amostra de respondentes dos questionários, são discutidas as percepções gerais sobre as condições de mobilidade urbana, seguida pela análise dos resultados desagregados por gênero.
Caracterização de São Carlos – SP
São Carlos (Figura 1) é um município brasileiro do interior do estado de São Paulo (região Sudeste do país) com elevado Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – IDHM (0,805) e alto grau de urbanização (96%), com uma população estimada em 256.915 habitantes em 2021 (Atlas Brasil, 2017; IBGE, 2021; SEADE, 2021).
Figura 1. Localização de São Carlos – SP. Fonte: Elaboração própria, com base em dados de IBGE (2020b).
A taxa de motorização no município em 2020 era de 60,8 veículos individuais (automóveis e motocicletas) para cada 100 habitantes, sendo superior, portanto, à taxa nacional, de 38,7 (IBGE, 2020c; 2021; BRASIL, 2021). De acordo com o banco de dados da Pesquisa Nacional de Mobilidade Urbana – PEMOB 2019, o número médio de viagens diárias no município de São Carlos – SP é de 1,5 viagem por habitante por dia (Brasil, 2019), similar ao de municípios de mesmo porte (250 a 500 mil habitantes), de 1,56 viagem por habitante por dia em 2018 (SIMOB/ANTP, 2020).
Quanto à divisão modal, a primeira (e até então única) pesquisa Origem Destino (O/D) realizada em São Carlos-SP em 2007/2008, revelou que 29% das viagens são feitas a pé, 3% por bicicleta, 19% por ônibus, 37% por transporte individual motorizado (como motorista ou passageiro) e 11% dos deslocamentos ocorrem por outros meios (PMSC, 2010). Comparativamente, a distribuição do percentual de viagens por porte de município, em 2018, indicava que, em municípios de 250 a 500 mil habitantes, 44,4% das viagens era realizada por meios ativos de transporte (a pé e por bicicleta), 23,7% por transporte público coletivo e 31,8% transporte individual motorizado – automóvel e moto (SIMOB/ANTP, 2020).
No que concerne às vias dedicadas, o município de São Carlos – SP conta com 1 km de faixas exclusivas para ônibus, 8 km de ciclovias, e 9 km de ciclofaixas (Brasil, 2019). Cabe destacar que, no Brasil, apenas 817 municípios (14,7% dos 5.570 municípios do país) possuíam ciclovias em 2017 – data da última Pesquisa de Informações Básicas Municipais – MUNIC que investigou a presença de ciclovias e bicicletários públicos nos municípios brasileiros, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Considerando o porte populacional, 61,9% dos municípios do mesmo porte de São Carlos – SP (100.001 a 500.000 habitantes) possuíam ciclovias (IBGE, 2017).
278 pessoas responderam aos questionários para este estudo, sendo que a amostra se caracterizou por uma distribuição relativamente equilibrada entre homens e mulheres, com predomínio de jovens adultos, majoritariamente estudantes (Quadros 1 e 2).
GÊNERO |
FAIXA ETÁRIA |
||||
Até 18 anos |
18 |
6,5% |
|||
Mulher |
135 |
48,6% |
19 a 25 anos |
95 |
34,2% |
26 a 40 anos |
77 |
27,7% |
|||
Homem |
143 |
51,4% |
41 a 60 anos |
53 |
19,1% |
Acima de 60 anos |
35 |
12,6% |
|||
TOTAL |
278 |
100% |
TOTAL |
278 |
100% |
PROFISSÃO/SETOR DE ATUAÇÃO |
Frequência absoluta |
Frequência relativa |
Estudante |
89 |
32% |
Autônomo/Profissional liberal |
61 |
21,9% |
Comércio/Prestação de serviços |
46 |
16,5% |
Funcionário público |
21 |
7,6% |
Aposentado(a) |
20 |
7,2% |
Indústria |
13 |
4,7% |
Trabalhos domésticos |
11 |
4% |
Desempregado(a)/Não trabalha |
9 |
3,2% |
Motorista |
7 |
2,5% |
Agricultura |
1 |
0,4% |
TOTAL |
278 |
100% |
O elevado número de estudantes na amostra se justifica pelo perfil universitário da cidade, onde estão instalados campi de duas universidades públicas (Universidade de São Paulo – USP e Universidade Federal de São Carlos – UFSCar), e de uma instituição privada de ensino superior (Centro Universitário Central Paulista – UNICEP), de tal maneira que o contingente de estudantes universitários equivale a cerca de 10% da população urbana (PMSC/FUSP, 2011).
Conforme supramencionado, foram elaborados questionários específicos para os usuários de cada modo de transporte. Assim, dos 278 respondentes, 81 eram pedestres, 40 ciclistas, 77 passageiros de ônibus e 80 motoristas de veículos privados. No entanto, tais valores não representam a distribuição de frequências do meio de transporte principal dos respondentes da amostra (Quadro 3). Como o meio de transporte principal corresponde ao utilizado mais frequentemente para deslocamentos diários, ele não necessariamente corresponde ao que a pessoa estava utilizando no momento em que respondia ao questionário, visto poder tratar-se de um dia atípico na rotina do respondente. Complementarmente, os dados sobre a distribuição de frequências do meio de transporte principal dos respondentes da amostra não equivalem à distribuição modal (número de viagens ou deslocamentos realizados), apenas à dependência de determinado meio de transporte, declarada pelo entrevistado. Em outras palavras, o foco recaiu sobre “a pessoa e não a viagem ou o deslocamento” (Galindo e Lima Neto, 2019:15).
MEIO DE TRANSPORTE |
Frequência absoluta |
Frequência relativa |
Carro |
97 |
34,9% |
Ônibus |
92 |
33,1% |
A pé |
38 |
13,7% |
Bicicleta |
34 |
12,2% |
Moto |
12 |
4,3% |
Táxi/Uber |
3 |
1,1% |
Carona |
2 |
0,7% |
TOTAL |
278 |
100% |
Percepções gerais sobre as condições de mobilidade urbana
Dentre os motoristas consultados, 62,5% disseram estar dispostos a utilizar, prioritariamente, um meio de transporte coletivo e/ou ativo em São Carlos-SP. As intenções de mudança do modo de transporte podem estar pautadas em inúmeros fatores, que variam desde um aumento na sensibilização ambiental que privilegia a diminuição da pegada ambiental nos deslocamentos, até uma maior preocupação com a saúde física, representada pela vontade de incluir mais exercícios físicos na rotina, ou até mesmo uma questão econômica, de ponderação de custos entre as opções. Entretanto, por estarem condicionadas não apenas a mudanças comportamentais individuais, como também a características do ambiente construído, tais intenções não necessariamente se refletem em ações concretas.
Desta forma, não é esperado que todas as pessoas que se declararam dispostas a migrar para meios ativos de transporte e público coletivos o façam, especialmente quando se considera a situação precária das calçadas e o risco de atropelamento (Silva, Azevedo Filho e Silva, 2009), a insegurança no trânsito (Silva, Azevedo Filho e Silva, 2009) e a inexistência de redes cicloviárias adequadas, além da baixa eficiência dos ônibus na localidade em questão. Nesse sentido, aliados à existência de políticas públicas, o papel das condições do ambiente urbano torna-se relevante.
Para 90,1% dos pedestres consultados as políticas públicas de São Carlos não incentivam o caminhar. Entre os ciclistas, todos afirmaram que as políticas públicas de São Carlos não incentivam o uso da bicicleta.
Estes resultados, obtidos junto aos usuários dos modos ativos de transporte, podem estar refletindo o predomino de decisões e políticas públicas que privilegiam os modos individuais motorizados de transporte (Galindo e Lima Neto, 2019). Isso porque, no Brasil, e em diversos outros países latino-americanos, ainda prevalecem as políticas de incentivo aos modos individuais motorizados de deslocamento, em detrimento das medidas de estímulo ao uso do transporte ativo e público coletivo. O desenho da rede de transporte de São Carlos-SP apresenta essa tendência, de modo que “somente a região central da cidade possui bons níveis de acesso às atividades propostas por todos os modos de transportes” (Silva e Silva, 2016: 71), implicando “notável dependência dos modos motorizados individuais para grande parte da população” (Silva e Silva, 2016: 72).
Para Vasconcellos (2016), de maneira geral, as cidades brasileiras foram historicamente moldadas para o uso do automóvel, com investimentos prioritários na expansão do sistema viário, em função do poder de influência dos grupos sociais de maior renda, que predominantemente utilizam os automóveis para seus deslocamentos, e da relevância econômica da indústria automobilística no país. Como consequência, pessoas que se deslocam a pé e/ou por bicicleta são negligenciadas pelas políticas oficiais, tornando-se “atores ‘invisíveis’ no trânsito” (Vasconcellos, 2016:75).
Esse favorecimento contribuiu para o aumento da adesão ao transporte individual motorizado no Brasil, somado ao aumento da renda das famílias, à expansão do crédito, e de políticas públicas nacionais de atração de investimentos da indústria automobilística, que se converteram na expansão da capacidade de produção e na criação de “políticas que estimulassem a venda e o uso de automóveis e motocicletas” no país (Carvalho, 2016:353).
A atenção prioritária dispensada ao uso do automóvel criou desestímulos ao transporte público coletivo, que teve sua qualidade prejudicada apesar dos aumentos da tarifa superiores à inflação (Carvalho, 2016), conferindo uma imagem negativa que se consolidou culturalmente. Para Vasconcellos (2016:76), “a sociedade foi ensinada a desgostar do transporte coletivo e passou a vê-lo como um ‘mal necessário’ enquanto não é possível mudar para o automóvel ou a motocicleta”. No contexto são-carlense, por exemplo, 63,6% dos passageiros de ônibus que responderam ao questionário desse estudo disseram que, caso tivessem outra opção, mudariam o modo de transporte utilizado com mais frequência.
Como neste estudo os passageiros de ônibus não foram questionados sobre o motivo para tal mudança, convém destacar os resultados da pesquisa sobre mobilidade urbana do Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS Mobilidade Urbana), realizada em 2011. Trata-se de uma pesquisa em âmbito nacional, que trouxe apontamentos relevantes no que concerne às percepções da população, revelando uma avaliação negativa generalizada sobre as condições do transporte público, tanto entre usuários quanto entre pessoas que nunca o utilizaram ou que têm pouca experiência de uso (Galindo e Lima Neto, 2019).
Nessa mesma pesquisa (SIPS Mobilidade Urbana 2011), quando usuários de outros meios de transporte foram indagados sobre o que seria necessário para que passassem a usar ou utilizassem com mais intensidade o transporte público, a maioria dos que se deslocavam por carro e moto apontaram maior rapidez e conforto como fatores preponderantes. Entre os que se utilizavam de modos ativos, foram apontados aspectos relacionados à disponibilidade do serviço e custo (ser mais barato), algo que, de acordo com Galindo e Lima Neto (2019:36), “reflete em muito a situação desses indivíduos na cidade – sendo sua mobilidade condicionada não somente pela sua restrição orçamentária como também pela cobertura do serviço de transporte público”.
Como alternativa, Carvalho (2016:360) destaca a necessidade de redução das tarifas do transporte coletivo, além da priorização deste, juntamente aos modos ativos, “tanto no âmbito da alocação dos recursos quanto no âmbito da divisão do espaço urbano, [...] em todas as esferas de planejamento público e tomada de decisão”. Isso porque em sociedade desiguais, como na América Latina, o acesso ao transporte é uma questão proeminente de justiça social (Castañeda, 2021).
Tais medidas sugeridas estão em consonância com a Política Nacional de Mobilidade Urbana – PNMU (Lei nº 12.587), instituída em 2012 no Brasil. O conceito de mobilidade, trazido por essa lei federal, refere-se às condições em que os deslocamentos se realizam no espaço urbano, relacionando-se à facilidade de deslocamento e, consequentemente, às características de onde tais deslocamentos ocorrem (Galindo e Lima Neto, 2019).
Dentre seus princípios, a PNMU estabelece a “equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros” (Brasil, 2012, art. 5º, inc. VIII), sendo que uma de suas diretrizes determina que os modos ativos de transporte (a pé e por bicicleta) e os serviços de transporte público coletivo devam ser priorizados em relação ao transporte individual motorizado (Brasil, 2012, art. 6º, inc. II).
Tais disposições tornariam os sistemas de transporte ambientalmente e socialmente mais sustentáveis, por abarcarem os paradigmas da mobilidade sustentável (Banister, 2008) e da justiça no transporte urbano (Gössling, 2016), alcançando o chamado urbanismo humano (Sá et al., 2019). Haveria, portanto, uma ênfase maior na dimensão social da sustentabilidade, a partir do conceito de equidade, criando “oportunidades equivalentes de acesso para todos os grupos populacionais” (Guimarães e Lucas, 2019:76). Isto porque, além de “cerca de um terço da população masculina e feminina do Brasil desloca[r]-se a pé ou de bicicleta para o trabalho” (Sá et al., 2016:3), na maioria dos casos, grupos socioeconomicamente vulneráveis são os que mais dependem dos modos de transporte ativo e público coletivo (Sá et al., 2019).
Influência das características da população
Quando a análise das respostas do questionário desse estudo é feita no âmbito das questões sobre a distribuição das profissões/setores de atuação por gêneros, percebe-se um reflexo da histórica e cultural responsabilização feminina pelos trabalhos domésticos (IPEA, 2010), que são desempenhados apenas por mulheres na amostra (Figura 2).
Com relação ao gênero dos usuários, isto é, dos respondentes segmentados por modo de transporte utilizado durante a aplicação do questionário, observou-se uma maior proporção de mulheres dentre os passageiros de ônibus, e de homens dentre os motoristas. Entre os modos ativos, embora houvessem mais homens dentre ciclistas e pedestres, a diferença entre gêneros foi menos acentuada, conforme figura 3.
Portanto, seguindo tendência encontrada em outros estudos (PMSC, 2010; Macêdo et al., 2020; Shaw et al., 2020), constatou-se maior uso do transporte público entre as mulheres, e maior utilização dos veículos motorizados privados entre os homens.
Essa propensão a recorrer mais aos deslocamentos via transporte público garante que as viagens das mulheres sejam relativamente mais sustentáveis (Polk, 2009), devido ao uso comparativamente maior de um modo de transporte com reduzida emissão de gases do efeito estufa (Shaw et al., 2020). Isso talvez não represente, no entanto, uma escolha propriamente, podendo estar “associado às limitações e constrangimentos que as mulheres enfrentam cotidianamente nos seus deslocamentos” (Silva, Dantas e Dimenstein, 2020:126), tratando-se, basicamente, de “mulheres aparentemente pertence[ntes] ao grupo dos chamados ‘passageiros cativos’, que usam o transporte público não de maneira voluntária, mas sim porque não têm o carro como alternativa” (Matthies, Kuhn e Klöckner, 2002:165). Em um estudo desenvolvido na Área Metropolitana de Montevidéu (Uruguai), por exemplo, Olivieri e Fageda (2021) constataram que as mulheres têm, em média, uma probabilidade menor de se deslocar por carro (cerca de 25%).
Figura 2. Profissões/setores de atuação por gênero dos respondentes de São Carlos – SP, ano 2018. Valores absolutos. Fonte: Elaboração própria.
Figura 3. Gênero dos respondentes, com divisão por modo de transporte utilizado durante a aplicação do questionário em São Carlos – SP, ano 2018. Valores relativos. Fonte: Elaboração própria.
O fato de as condições do transporte público serem geralmente inferiores aos modos privados reforça essa percepção de não se tratar necessariamente de uma escolha para elas. Embora sejam as principais usuárias, suas necessidades não são completamente atendidas, à exemplo do fato de que modos coletivos de transporte público (especialmente o ônibus), dificilmente são planejados para atender às demandas de uma pessoa que se desloca com um carrinho de bebê (Matthies, Kuhn e Klöckner, 2002), especialmente quando se considera um contexto no qual as mulheres ainda são as mais responsabilizadas pelo cuidado infantil. Nesse cenário, o ambiente urbano torna-se espaço privilegiado de domínio masculino, com as restrições espaciais construindo “barreiras materiais e simbólicas que acabam afetando a vida das mulheres e definem uma estrutura espacial de oportunidades e riscos […]” (Villagrán, 2014:210, tradução própria).
Deslocamentos por transporte público coletivo também equivalem a um maior gasto de tempo, repercutindo em um menor acesso a oportunidades e condições de trabalho, pois tratam-se de meios de menor velocidade e de reduzido alcance em comparação às outras opções – dentro de um mesmo intervalo de tempo (Macêdo et al., 2020). Como utilizam mais o transporte público, as mulheres seriam, portanto, as mais afetadas em contextos com menor cobertura e dificuldade de acesso a esse meio de transporte (Olivieri e Fageda, 2021).
Dobbs (2005) ressalta a possibilidade de que o acesso a um veículo próprio potencializaria as chances de empregabilidade entre as mulheres. Entretanto, a posse de um veículo não garante seu uso, pois não são incomuns os casos em que, havendo apenas um automóvel disponível no domicílio, seu uso é preferencialmente destinado aos homens (Dobbs, 2005). Isso pode acontecer em detrimento de fatores que tornariam menos convenientes os deslocamentos por outros modos de transporte, como os padrões mais complexos de viagens devido à necessidade de acomodar responsabilidades domésticas5 com o trabalho remunerado, e a maior sensação de insegurança nos deslocamentos diários, em função da criminalidade e da possibilidade de sofrer variados tipos de assédio (Dobbs, 2005) e violência sexual (Villagrán, 2017).
Ao considerar a distribuição de frequências do meio de transporte principal dos respondentes da amostra dessa pesquisa, a mesma divisão se manteve, com mulheres utilizando mais o transporte público, e homens recorrendo mais aos veículos privados, sendo possível perceber, no entanto, uma maior proporção de homens utilizando a bicicleta como meio de transporte principal (Figura 4). De acordo com Prati (2018), embora existam diferentes barreiras e motivadores para o uso da bicicleta entre as mulheres, a sub-representação feminina em posições de poder, além da divisão tradicional de tarefas entre homens e mulheres no cuidado dos filhos e nas responsabilidades domésticas, podem inibir a participação das mulheres no transporte cicloviário. Ademais, há que se considerar as maiores expectativas com relação à aparência pessoal no local de trabalho, impostas de maneira mais acentuada às mulheres, como parte das razões para a menor propensão delas optarem pela bicicleta em seus deslocamentos diários (Carroll et al., 2020) - algo ligado aos papéis sociais normativos de gênero (Singleton e Goddard, 2016). Desta forma, “desigualdades de gênero e espaciais reforçam-se mutuamente nas experiências de mobilidade cotidianas” (Jirón e Singh, 2017:4, tradução própria).
Figura 4. Gênero dos respondentes, com divisão por meio de transporte utilizado com mais frequência em São Carlos – SP, ano 2018. Valores relativos. Fonte: Elaboração própria.
As averiguadas diferenças na escolha do modo de transporte, além de respaldadas pela literatura científica consultada, também são estatisticamente significativas. Isso porque, ao empregar, neste estudo, o teste de independência Qui-quadrado (X2), constatou-se a existência de diferença estatisticamente significativa (p < 0.05) entre os grupos de respondentes com base na estratificação por gênero, χ2 (3, N = 278) = 24.38, p = 2,08293 x 10-5. Assim, pode-se rejeitar a hipótese nula de que as variáveis são independentes, não sendo possível descartar, portanto, uma provável associação entre as mesmas. Em outras palavras, pode-se afirmar que uma característica dos respondentes (gênero) provavelmente se relaciona com a escolha do meio de transporte principal, visto a existência de diferenças entre os grupos.
No entanto, os resultados não permitem apontar como tal relação entre variáveis ocorre, apenas que é provável que ela exista. Em outras palavras, apesar de identificar evidências de associação entre as variáveis, o teste Qui-quadrado (X2) tem como limitação o fato de não identificar a natureza ou a força da associação entre cada categoria de variáveis. Para tanto, foram calculados os resíduos de Pearson padronizados, por permitirem uma comparação direta entre as categorias e auxiliarem na compreensão da natureza e do grau de dependência entre as variáveis.
Na figura 5 consta o gráfico de mosaico das tabelas de contingência das frequências observadas dos meios de transporte utilizados pelos respondentes do questionário, diferenciados por gênero. Ademais, são ilustrados o valor de p, que consta no canto inferior direito da imagem, bem como os resíduos de Pearson padronizados, com destaque para os que excedem 2 em valores absolutos, indicando que a categoria contribui muito para o resultado do Qui-quadrado (χ2) e não se ajusta à hipótese nula (H0). As cores indicam onde as frequências observadas desviam-se das frequências esperadas (caso as variáveis fossem independentes). Em vermelho são os casos em que as frequências observadas são menores do que as frequências esperadas, enquanto que, em azul, são maiores.
Figura 5. Mosaico das frequências observadas dos meios de transporte utilizados pelos respondentes, diferenciados por gênero, em São Carlos – SP, ano 2018. Fonte: Elaboração própria.
Com base nos resíduos de Pearson padronizados (Figura 5), nota-se que existe uma contagem maior do que o esperado de homens que utilizaram veículos privados e de mulheres que utilizaram o ônibus, algo constatado pelo valor + 2,7 (maior do que 2 em valores absolutos). Por conseguinte, há um contingente menor do que o esperado de homens que utilizaram ônibus e de mulheres que utilizaram veículos privados, que pode ser constatado pelo valor −2,7 (maior do que 2 em valores absolutos). Caso não houvesse relação entre meio de transporte principal e gênero, essa distribuição estaria mais equilibrada, sendo estes, portanto, os maiores desvios em relação às frequências esperadas.
Percepções sobre as condições de mobilidade urbana por gênero
No que concerne à percepção dos respondentes, desagregados por gênero, constata-se que tanto motoristas homens como mulheres da amostra apontaram que, em sua maioria, estariam dispostos a utilizar, prioritariamente, um meio de transporte coletivo e/ou ativo em São Carlos-SP, com uma proporção um pouco maior de mulheres dispostas a fazer tal mudança (Figura 6).
Por sua vez, a maioria dos respondentes categorizados como passageiros de ônibus, tanto homens quanto mulheres, mudariam o modo de transporte prioritário atual. Novamente houve um contingente um pouco maior (relativamente) de mulheres dispostas a tal mudança (Figura 7).
Cabe mencionar que, como todos os ciclistas da amostra afirmaram que as políticas públicas de São Carlos não incentivam o uso da bicicleta, não foi feita uma comparação por gêneros sobre a percepção destes usuários.
Figura 6. Resposta à questão específica por gênero dos motoristas, em São Carlos – SP, ano 2018. Valores absolutos e relativos. Fonte: Elaboração própria.
Figura 7. Resposta à questão específica por gênero dos passageiros de ônibus, em São Carlos – SP, ano 2018. Valores absolutos e relativos. Fonte: Elaboração própria.
Por fim, para grande parte dos pedestres, tanto homens quanto mulheres, as políticas públicas de São Carlos-SP não incentivam o caminhar, com uma percepção relativamente mais positiva sobre as políticas públicas voltadas ao caminhar entre os homens da amostra (Figura 8). Cabe lembrar que houve mais pedestres homens na amostra (considerando o modo de transporte utilizado durante a aplicação do questionário), embora tenha havido um equilíbrio entre a proporção de homens e mulheres que declararam se deslocar a pé com mais frequência em seus deslocamentos cotidianos (meio de transporte principal).
Figura 8. Resposta à questão específica por gênero dos pedestres, em São Carlos - SP, ano 2018. Valores absolutos. Fonte: Elaboração própria.
Constata-se que, embora influencie na escolha do meio de transporte principal, o gênero parece não afetar substancialmente as percepções dos respondentes sobre as condições de mobilidade urbana no município em questão, com variações quantitativamente não expressivas entre homens e mulheres. Tais resultados podem parecer inesperados, visto o arcabouço teórico que aponta “diferentes vivências para homens e mulheres no espaço urbano” (Lemos, Harkot e Santoro, 2017:110), em função, principalmente, das normas sociais vigentes e dos distintos papéis desempenhados pela divisão sexual do trabalho. No entanto, estes convergem para reforçar a importância dessas diferentes vivências, justamente por demonstrarem que, apesar de não determinarem as percepções, ainda assim as condicionantes sociais se materializam de modo desigual sobre as escolhas (ausência de alternativas) referentes à forma de se deslocar.
Com este estudo se buscou abordar a influência do gênero nas percepções sobre uso dos meios de transporte e sobre as condições de mobilidade urbana, visando compreender, de maneira mais aprofundada, as condicionantes sociais que interferem diretamente nos padrões de deslocamento da população e perpassam indiretamente as estratégias e políticas públicas elaboradas para direcionar a escolha dos modos de transporte. Para isso, com o auxílio de técnicas de estatística descritiva e inferencial, foi averiguado se as características do respondente (gênero) poderiam influenciar na escolha do meio de transporte principal, além de ter sido feita uma análise, estratificada por gênero, das respostas a perguntas específicas, elaboradas de maneira a refletir a percepção dos respondentes. Constatou-se uma provável relação entre o gênero dos respondentes e a escolha do meio de transporte principal, visto a existência de diferenças entre homens e mulheres, sem influência constatada, entretanto, nas percepções sobre as condições de mobilidade urbana no município em questão.
Como limitações do estudo, destaca-se o fato de as questões que aferiam percepções sobre condições de mobilidade não definirem o que seria considerado políticas públicas, ficando a cargo dos respondentes opinarem conforme suas próprias concepções. Ademais, a pesquisa certamente se beneficiara caso mais de um grupo de estudantes tivesse abordado ciclistas, ampliando a representatividade dos usuários da bicicleta na amostra. Nesse sentido, poderia ter havido uma estratégica sobre-amostragem (oversampling), para aprimorar o poder estatístico e a robustez das comparações e análises de interação entre grupos. Reconhece-se também, como fator limitante, o fato de que não foram abordadas as múltiplas dimensões de gênero, visto o tratamento binário dos participantes, com apenas duas opções de resposta no questionário elaborado (mulher | homem), o que diminuiu o alcance de indivíduos representados ao não incorporar perspectivas sobre identidade e diversidade de gênero de todos os possíveis respondentes, como pessoas não-binárias, transgênero e intersexuais, bem como outras identidades além do paradigma cisgênero.
Em pesquisas futuras, análises mais detalhadas sobre características individuais poderiam englobar o cruzamento de outras identidades sociais, pela inclusão de questões sobre raça/etnia e renda/perfil socioeconômico – este último poderia envolver uma pergunta sobre nível de escolaridade, a ser utilizada como variável proxy, por exemplo. Discrepâncias de comportamento entre gerações também merecem atenção, pois impactam nas escolhas dos modos de transporte, especialmente quando se considera que em gerações recentes ter um automóvel já não é tão almejado quanto nas gerações anteriores, principalmente em razão da ampla disseminação de aplicativos para compartilhamento de automóveis, permitindo usufruir de um serviço que substitui a necessidade da posse. Complementarmente, abordagens qualitativas como entrevistas, grupos focais, pesquisa ação e observação participante ajudariam a aprofundar a compreensão sobre as prováveis barreiras sociais, históricas e culturais aos deslocamentos das mulheres.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
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Isabel Cristina Nunes de Sousa / icn.sousa@unesp.br
Gestora e Analista Ambiental com Mestrado em Engenharia Urbana pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Doutoranda em Geografia na Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro, SP. Bolsista de Doutorado do CNPq-Brasil.
Renata Bovo Peres / renataperes@ufscar.br
Professora Associada no Departamento de Ciências Ambientais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Arquiteta e Urbanista pelo Instituto de Arquitetura e Urbanismo – IAU/USP, com mestrado em Arquitetura e Urbanismo pelo Instituto de Arquitetura e Urbanismo – IAU/USP, especialização em Gestão Ambiental pela Universidade Federal de São Carlos e Doutorado em Engenharia Urbana pela Universidade Federal de São Carlos (2012).
1 Consoante à definição trazida por Hanson (2010), o termo mobilidade urbana é aqui entendido como o movimento cotidiano de pessoas de um lugar para outro da cidade.
2 Gênero é um conceito com múltiplos sentidos que, neste artigo, refere-se ao aspecto sociocultural e historicamente construído da identidade e das diferenças percebidas entre os sexos, associado a estereótipos, comportamentos, normas, traços, características e definições sobre os papéis de homens e mulheres na sociedade.
3 Serviços de cuidado e atendimento a idosos com algum tipo de dependência tendem a ser mais escassos do que creches e pré-escolas (IPEA, 2010).
4 Variável referente às “diferenças percebidas entre mulheres e homens e às relações de poder desiguais com base nessas diferenças percebidas” (Hanson, 2010:8).
5 Em comparação aos homens, mulheres são mais propensas a realizarem viagens como acompanhantes para servir outros passageiros (levar e buscar crianças na escola/creche, acompanhar idosos, doentes e pessoas com deficiência em consultas médicas, etc.), ou a viajar com objetos pesados, em função, por exemplo, da responsabilização pela compra de mantimentos (Prati, 2018).