A motocicleta na vida das famílias dos produtores rurais mineiros


Ana Louise de Carvalho Fiúza

Universidade Federal de Viçosa, Departamento de Economia Rural. Viçosa , Brasil.
https://orcid.org/0000-0002-3898-1583

Angelita Alves de Carvalho

Escola Nacional de Ciências Estatísticas, IBGE. Río de Janeiro, Brasil.

Neide Maria de Almeida Pinto

Universidade Federal de Viçosa, Departamento de Economia Doméstica. Viçosa, Brasil.
https://orcid.org/0000-0002-8713-5471

Natália Barbosa Rodrigues

Universidade Federal de Viçosa, Departamento de Agronomia. Viçosa, Brasil.

Recibido: 6/6/2022. Aceptado: 27/3/2023.

Resumo

O “deslocamento rotineiro” entre a cidade (rua) e o campo (roça) e não apenas o da roça para a rua intensificou o uso da motocicleta pelas famílias de produtores rurais, a qual vem tornando-se, cada vez, mais presente na paisagem dos pequenos munícipios de economia agrícola. O objetivo deste estudo foi compreender o uso da motocicleta por parte das famílias de produtores rurais de Minas Gerais, segundo estado com maior número de motocicletas no Brasil. Utilizou-se dados do levantamento de dados primários, obtidos por meio da aplicação de 605 questionários, em 11 das 12 mesorregiões do estado. Os resultados revelaram que a motocicleta foi caracterizada como viabilizadora à manutenção da vida na “roça”. O uso da motocicleta foi percebido pelos produtores rurais como favorecendo a gestão da propriedade rural e o desenvolvimento das atividades produtivas na propriedade. Mesmo mediante a moradia na “rua”, a propriedade rural continuou a se mostrar como parte integrante da vida da família, sobretudo, para os produtores pouco tecnificados, com baixa renda agrícola, que buscavam na cidade a possibilidade de combinar atividades agrícolas e não-agrícolas para a sua reprodução social.

Palavras-chave: Motocicleta. Deslocamento Pendular Cidade-Campo. Moradia citadina de Agricultores

The Motorcycle in the Life of the Families of Rural Producers in Minas Gerais

Abstract

The “routine displacement” between the city (street) and the countryside (countryside) and not just from the countryside to the street has intensified the use of motorcycles by families of rural producers, which has become increasingly present in the landscape of small municipalities with an agricultural economy. The objective of this study was to understand the use of motorcycles by families of rural producers in the Minas Gerais, the second state with the highest number of motorcycles in Brazil. The data used were from the primary data, obtained through the application of 605 questionnaires, in 11 of the 12 mesoregions of Minas General. The results revealed that the motorcycle was characterized as enabling the maintenance of life in the “country”. The use of motorcycles was perceived by rural producers as favoring the management of rural property and the development of productive activities on the property. Even through housing on the “street”, the rural property continued to show itself as an integral part of family life, especially for low-tech producers, with low agricultural income, who sought in the “street” the possibility of combining agricultural and cultural activities non-agricultural resources for their social reproduction.

Keywords:  Motorcycle. City-Country Commuting.

Introdução

Dentre os meios de transporte adotados para locomoção no Brasil, a motocicleta, em 2009, representava 14.695.247 unidades, já em 2019 passou para 28.179.083: um crescimento de 91,8% em 10 anos. Os dados do Ministério de Infraestrutura de 2023 apontam para a existência de aproximadamente 31.227.975 entre motocicletas e motonetas no país representando, cerca de 27% do total de veículos, sendo que para o Estado de Minas Gerais eram cerca de 3.233.609, ou seja, 1 moto para cada 7 habitantes (Senatran, 2023). Segundo Maciel (2016), o baixo custo de aquisição e manutenção em relação a outros meios de transporte e o incentivo de políticas públicas voltadas para facilitar a sua compra se constituem em motivos associados ao aumento do número de motocicletas no Brasil. Antes de 1990, a posse de motocicletas era verificada, principalmente, por pessoas de renda alta, que a adquiriam por motivo de lazer majoritariamente. Essa realidade começa a se modificar com a consolidação da indústria de motocicletas através dos incentivos fiscais na década de 1990, a partir do processo de liberalização econômica do governo brasileiro (Pantoja; Mendes, 2020).

O estudo de Carvalho et al. (2017:4), aponta que “na área rural a posse de motocicletas pelos moradores dos domicílios apresenta um percentual muito superior ao observado nas áreas urbanas, superando inclusive a posse de automóvel, o que indica uma praticidade grande desses veículos nas atividades e deslocamentos rotineiros realizados pela população rural”.

Segundo a Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, bicicletas e similares – ABRACICLO (2020), a produção de motocicleta passou de 5.200 unidades/ano, em 1975, para mais de 2.136.891 milhões de unidades/ano, em 2011. Em 2019 foram 1.107.758 unidades/ano. Em relação as viagens que são feitas, de acordo com a Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP (2020), em 2003 eram realizadas no Brasil cerca de 0,9 bilhões de viagens/ ano de motocicleta, já em 2016, esse número passou para 2,7 bilhões de viagens/ano. Em relação ao tempo de deslocamento utilizando a motocicleta, em 2003, a população gastava anualmente cerca de 0,2 bilhões de horas deslocando-se. Em 2016, o consumo passou para 0,7 bilhões de horas.

Um estudo de caso no distrito de Altmarkkreis Salzwedel, no estado da Saxônia-Anhalt da Alemanha, evidenciou como a pandemia do COVID-19 afetou a mobilidade das pessoas nas áreas rurais. Notou-se que a proporção dos que usavam carro particular diariamente foi reduzida de 56,8% para 43,9% e que viagens de ônibus e viagens a pé também diminuíram. Já a frequência de viagens de bicicleta e motocicleta manteve-se constante, com pequena tendência de aumento (König; Dressler, 2021). Já, no Brasil, o Observatório das Metrópoles (2019), observou-se que entre os anos de 2008 a 2018 o crescimento mais expressivo na frota de motocicletas aconteceu nas cidades menores, típicas de regiões agrícolas.

No que diz respeito, especificamente, ao meio rural esse crescimento no número de motocicletas se faz notar nas estradas e estabelecimentos agropecuários, assim como nas ruas dos pequenos munícipios com menos de 20 mil habitantes, os quais representam mais de 80% dos municípios brasileiros. Segundo os dados do Censo Agropecuário do IBGE de (2017) 73% dos estabelecimentos rurais brasileiros possuem pelo menos uma moto na propriedade. Esse trânsito de motocicletas e motonetas entre a cidade (rua) e o campo (roça) merece atenção, pois aponta para uma não ruptura com as atividades desenvolvidas nos estabelecimentos agropecuários. Ainda segundo os dados do Censo Agropecuário do IBGE utilizados no estudo de Fiúza et al. (2020) evidenciaram que a grande maioria dos produtores rurais da Zona da Mata Mineira, uma região marcada por um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano de Minas Gerais, tem ido morar na sede urbana dos municípios da região sem abandonar as suas atividades agropecuárias. Nesses municípios a presença da moto se dá em mais de 64% dos estabelecimentos rurais.

Este fenômeno da moradia citadina dos produtores rurais apresenta, no entanto, características muito distintas daquelas descritas por Kochan (2015), ao descrever as “aldeias urbanas chinesas”, formadas pela migração dos aldeãos agrícolas. Estas “aldeias urbanas” chinesas se apresentavam mais como “enclaves de aldeãos” apartados na cidade. Ao abandonarem as suas aldeias agrícolas indo viver nas periferias das cidades chinesas, estes perdiam o elo com as suas raízes e a sua identidade original. Viviam à margem, sem direito oficial à moradia na cidade e aos benefícios sociais advindos desta autorização para nela morar. Viviam, portanto, como párias sociais, em condições de precarização.

Já no caso dos produtores rurais da Zona da Mata Mineira, no Brasil, que vão viver na cidade, estes não perdem o elo que os liga ao meio rural. Através do uso da motocicleta ou de outro meio de transporte, eles se deslocam de forma rotineira para trabalhar em seus estabelecimentos agropecuários. Para além disso, encontram-se integrados à dinâmica da vida nesses pequenos municípios. Na cidade recebem os seus benefícios sociais, como aposentadorias e pensões, fazem as suas compras, visitam parentes, estudam, buscam lazer, enfim, integram-se à dinâmica do município, se sentem parte dele como retrata (Comes, 2015).

Dessa forma, objetivou-se, neste estudo, compreender a importância da motocicleta para as famílias dos produtores rurais que vivem na cidade, buscando analisar de que forma a mobilidade costumeira entre a cidade (rua) e o campo (roça) influencia a gestão dos seus estabelecimentos agropecuários e as atividades produtivas neles desenvolvidos. Objetivou-se, ainda, compreender quais as facetas do modo de vida dessas famílias de produtores rurais estão sendo afetadas pela ruptura do binômio “moradia e trabalho” no próprio estabelecimento.

Marco teórico

A “mobilidade”, segundo Balbim (2016: 27), “supera a ideia de deslocamento físico, pois traz para a análise suas causas e consequências – ou seja, a mobilidade não se resume a uma ação”. Segundo o autor, o termo “mobilidade” surgiu para ampliar a visibilidade sobre novas transformações sociais, desta forma, o estudo que se associa à mobilidade perpassa o deslocar, chega à cultura e à estrutura social. Segundo Camarero (2017), Milbourne (2014), Baeninger (2012), Maciel e Favoretto (2012) e Hannam (2006), a “mobilidade pendular” baseia-se na busca temporária ou sazonal por destinos mais produtivos. Por meio da pendularidade, alguns pequenos municípios podem ganhar a característica de “municípios dormitórios”, nos quais os indivíduos mantêm apenas as suas residências no local de origem, mas as demais atividades cotidianas são realizadas nos locais de destino. Sendo assim, a mobilidade pode ser vista como fator que afeta a organização das relações sociais.

Milbourne (2014), destaca que a ausência ou a dificuldade de aquisição de bens e serviços no meio rural e o custo de deslocamentos para obtê-los influenciam na permanência no meio rural. Principalmente as mulheres e os jovens migram em maior número para a cidade, onde o acesso a emprego, educação e outros serviços são mais acessíveis. Todavia, segundo Maciel e Favoretto (2012), as motivações relativas à “mobilidade pendular” se constituem, na atualidade, em processos mediadores para a construção dos projetos de vida de vários segmentos da população rural e não apenas dos jovens.

Sánchez (2009), Cunha (2012) e Camarero (2017) consideram que o processo de interação entre o campo e a cidade favorece a reestruturação regional da economia e do espaço rural. A mobilidade intermunicipal de curta distância seria de extrema importância para as dinâmicas locais, em termos da adaptação aos novos mercados de trabalho sazonais, contribuindo, consequentemente, para o aumento da mobilidade intersetorial do mercado de trabalho.

Essas interações espaciais efetuadas mediante uso de transporte, seja público ou particular, são mecanismos essenciais para a produtividade do trabalho e para o desenvolvimento, uma vez que a interação espacial no contexto dos transportes de pessoas contribui para maior a possibilidade de interação com os diferentes espaços aumentando, portanto, o acesso às oportunidades assentadas nesses seja na forma de empregos, de equipamentos coletivos, entre outros (Silveira; Cocco, 2010).

Para Baeninger (2012), o fenômeno gerador da “força de trabalho móvel” decorreria, pois, das possibilidades de oferta de trabalho existentes em âmbito regional. No caso da Zona da Mata mineira, a questão dos empregos sazonais é ressaltada especialmente pela consistente produção cafeeira (IBGE, 2019).

Para Camarero (2017), as transformações sofridas nas últimas décadas em relação à mudança do mercado nacional para o regional geraram alterações radicais na demanda de trabalho em nível regional, afetando, principalmente, os fluxos de mobilidade até então existentes. Maciel e Favoretto (2012) destacam que a mobilidade pendular tornou-se, assim, uma estratégia familiar dos rurais em busca de mercados de trabalho, que não exigiam a migração definitiva para os grandes centros urbanos. Nesse sentido, de acordo com Gomes (2015), a partir da mobilidade campo-cidade, em nível regional, novos hábitos de consumo seriam introduzidos ao modo de vida dos rurais, em função do acesso às novas tecnologias, meios de transporte, bens e serviços. Em decorrência desta mobilidade cotidiana, corriqueira, em nível regional, Camarero (2017) aponta uma hibridização dos modos de vida dos rurais em função da constância da relação com os citadinos e o ambiente urbano. A mobilidade espacial ampliada e a conectividade tecnológica diminuiriam as distâncias e ampliariam a circularidade das informações entre os rurais, sendo o “tempo” e o “espaço vivido”, em nível local, influenciados pela dinâmica globalizada.

A presença da motocicleta no cotidiano de vida das famílias de produtores rurais intensifica a conexão mesmo em relação aos ambientes vizinhos que se tornam muito mais intensamente acessados. Por meio da pendularidade facilitada pela motocicleta, as famílias dos produtores rurais acessam um “mundo de objetos” que passa a os rodear nos diversos ambientes existentes nas sedes urbanas dos municípios da região. Muito além do simples ato de consumir, os bens materiais adquiridos consubstanciam-se novos habitus, novas predisposições de pensar e agir (Bourdieu, 1996). As interações espaciais dos rurais com a expansão do capitalismo para o seu entorno implica no que Corrêa (2016) descreve como envolvendo o movimento de superação do espaço pelo tempo, ou seja, as sociedades rurais vão sendo perpassadas pelas dinâmicas sociotécnicas globais.

Segundo Miller (2013), a materialidade trazida pelas “coisas” instaura um processo de objetificação, no qual pelo incremento de objetos na rotina novas versões dos indivíduos se tornam possíveis, pois é um incentivo ao próprio desenvolvimento, como “os próprios carros que uma vez feitos, tornam-se parte do que somos” (Miller, 2013:92). Ou seja, a cultura material incorporada pelas famílias de produtores rurais mediante a proximidade com a cultura urbana age sobre os seus modos de vida e as suas práticas cotidianas. Dessa forma, a motocicleta enquanto um meio de transporte facilitador do acesso a outros objetos, apresenta a capacidade de reestruturar o modo de vida destas famílias de produtores rurais. O estudo de Las Heras e Schouten (2017) apontou o aumento expressivo por parte das mulheres mais novas da aquisição de carteira de motocicleta, o que pode apontar para a possibilidade de construção de novas identidades sociais e habitus. As mulheres rurais que possuem motocicleta podem usá-la como uma via para sair da domesticidade imposta, ou mesmo para reiventar um novo universo da domesticidade”, abalando o tradicional recolhimento das mulheres ao ambiente doméstico, sobretudo, entre as famílias de produtores rurais. Enfim, como afirma Nascimento et al (2017), as próprias mudanças observadas na casa, a partir do avanço da urbanização nos modos de morar, viver e trabalhar, realçam o papel dos artefatos e objetos, como a motocicleta, nos novos habitus desenvolvidos pelos membros das famílias de produtores rurais.

Procedimentos metodológicos

Para analisar a utilização da motocicleta por parte dos produtores rurais mineiros foi aplicado um questionário online, através do aplicativo “WhatsApp”. A parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) possibilitou que os produtores rurais a ele ligados tivessem acesso, pelo whats app, ao link no qual foi hospedado o questionário. Mediante esta estratégia de aplicação dos questionários alcançou-se produtores rurais de 11 das 12 mesorregiões do Estado de Minas Gerais. Apenas a mesorregião do Noroeste de Minas não fez parte da amostra (Tabela 1).

Tabela 1. Frequência absoluta e relativa de produtores rurais mineiros respondentes da pesquisa segundo mesorregião onde vivem. Fonte: Dados da pesquisa, 2021.

Mesorregião

Frequência

Porcentagem

Porcentagem válida

Porcentagem acumulativa

Zona da Mata

89

14,2

14,7

14,7

Campo das Vertentes

6

1,0

1,0

15,7

Vale do Rio Doce

55

8,8

9,1

24,8

Norte de Minas

102

16,3

16,9

41,7

Metropolitana de Belo Horizonte

44

7,0

7,3

48,9

Vale do Mucuri

14

2,2

2,3

51,2

Triângulo Mineiro / Alto Paranaíba

72

11,5

11,9

63,1

Oeste de Minas

17

2,7

2,8

66,0

Jequitinhonha

66

10,5

10,9

76,9

Central Mineira

8

1,3

1,3

78,2

Sul / Sudoeste de Minas

132

21,1

21,8

100,0

Total

605

96,6

100,0

 

Missing

21

3,4

 

 

TOTAL

626

100,0

 

 

Utilizou-se um questionário contendo questões abertas e fechadas que buscaram informações relativas ao deslocamento realizado com a motocicleta pelos membros das famílias de produtores rurais, considerando-se: 1) a abrangência do deslocamento (se circunscrito à zona rural; para fora da zona rural, mas no próprio município; para outros municípios de pequeno porte da microrregião; para outros municípios de médio porte da microrregião; 2) aspectos do modo de vida das famílias dos produtores rurais afetadas pela mobilidade costumeira entre o campo e a cidade; e 3) de que forma a mobilidade pendular entre a “rua” (cidade) e a “roça” (campo) afetava a gestão da propriedade rural e as atividades produtivas nela desenvolvidas.

Após o projeto de pesquisa ter sido submetido à Plataforma Brasil para verificação e validação dos seus aspectos éticos, o questionário foi então enviado ao SENAR MINAS, que o divulgou entre os produtores rurais. O tempo médio de preenchimento foi de 20 minutos, sendo precedido de um texto curto a respeito da temática. Utilizou-se o aplicativo Google Forms para o gerenciamento da pesquisa, em função deste aplicativo ser conhecido e de acesso fácil, tornando a experiência dos respondentes prática e compreensível. O link de acesso foi encaminhado aos produtores rurais através dos mobilizadores do SENAR.

Realizou-se uma revisão da literatura a fim de se conhecer o “estado da arte” relativo à temática referente ao “deslocamento pendular cidade-campo” na literatura nacional e internacional. Esta varredura teórica da literatura viabilizou o diálogo e a aproximação dos resultados obtidos na pesquisa com outros estudos realizados sobre o uso da motocicleta no meio rural e as transformações dos modos de vida e trabalho no campo. A busca foi realizada em diferentes bancos de dados, tais como Banco de dissertações e teses da CAPES, IPEA, Scielo, Web of Science e Google Acadêmico.

Durante a pesquisa de teses, dissertações, artigos e livros sobre a temática foram utilizadas combinações de palavras-chave: “deslocamento rural”, “deslocamento campo e cidade”, “mobilidade pendular”, “mobilidade campo e cidade, “mobilidade cotidiana” e “commuting”. Foram excluídos os trabalhos que, após a sua análise, constatou-se que não se relacionavam com a temática estudada. Utilizou-se, ainda, em termos de dados secundários, os dados provenientes do Denatran, da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) e do Censo Agropecuário de 2006 e 2017. Para a análise das respostas das perguntas fechadas do questionário semiestruturado foi utilizado o software SPSS, que permitiu a realização da análise descritiva dos dados e a criação de tabelas e gráficos.

Resultados e análises

Caracterização dos proprietários e seus estabelecimentos

Como pode ser observado na Tabela 2, dentre os respondentes dos questionários enviados através do whats app pelos mobilizadores do SENAR Minas, aproximadamente 85% eram produtor rural. Observou-se uma grande disparidade de gênero entre os respondentes, visto que apenas 15% visto que apenas 15% dos mesmos foram respondidos por produtoras rurais. Quanto à faixa etária dos respondentes, aproximadamente 68% dos respondentes, se enquadravam na faixa dos 30 aos 59 anos, evidenciando-se o envolvimento na propriedade rural de um significativo percentual de produtores em idade produtiva. O percentual de idosos que respondeu ao questionário foi de 13%. Aproximadamente, 66% dos respondentes era casado, mas não foi desprezível a porcentagem de solteiros que respondeu ao questionário: 25% da amostra. Como o percentual de respondentes com menos de 30 anos ficava em torno de 18%, como observado na Tabela 3, nota-se um percentual de solteiros que extrapola a faixa etária até 30 anos.

Tabela 2. Frequência absoluta e relativa de produtores rurais mineiros respondentes da pesquisa segundo mesorregião onde vivem. Fonte: Dados da pesquisa, 2021.

Variáveis

Frequência

Porcentagem

Porcentagem válida

Sexo

Feminino

89

14,2

14,7

Masculino

516

82,4

85,3

Total

605

96,6

100,0

Missing

21

3,4

 

Grupos de idade

15 a 29 anos

113

18,1

18,7

30 a 59 anos

412

65,8

68,2

Acima de 60

79

12,6

13,1

Total

604

96,5

100,0

Missing

22

3,5

 

Estado conjugal/civil

Solteiro(a)

153

24,4

25,3

Casado(a)

400

63,9

66,1

Separado(a) /Divorciado(a)

35

5,6

5,8

Viúvo(a)

12

1,9

2,0

Amigado(a)

5

0,8

0,8

Total

605

96,6

100,0

Missing

21

3,4

 

TOTAL

626

100,0

 

Uma informação de importância central neste estudo dizia respeito ao local de moradia dos respondentes. A vinculação com a cidade, embora em menor proporção, foi mais significativa que os dados encontrados no Censo Agropecuário de 2017, alcançando, aproximadamente, 35% dos respondentes. Este evidencia de forma contundente que o fenômeno da moradia citadina de produtores rurais e suas famílias precisa mesmo ser estudado mais atentamente, visto que afeta a forma de gestão da propriedade, as atividades nela desenvolvidas e mesmo as perspectivas de sucessão. Tradicionalmente, a sucessão estava claramente associada ao filho que permanecia morando com os pais no meio rural. O deslocamento do produtor rural e sua família para a cidade altera essa configuração. Entre os entrevistados, 65% residiam no meio rural e 28% no meio urbano (Tab.3). Quando se aprofunda esta informação relativa ao local de moradia dos produtores rurais e suas famílias, levando-se em conta a mesorregião na qual o respondente do questionário vivia pode-se perceber onde este fenômeno se mostrou mais pronunciado, em termos daqueles que responderam o questionário. Percebe-se que o Norte de Minas e o Vale do Rio Doce foram dentre as mesorregiões com maior número de respondentes, aquelas nas quais a moradia rural do produtor rural e da sua família foi mais significativa. Em contrapartida, a moradia citadina foi superior a 35% dos respondentes: no Vale do Mucuri (50%), Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba com (43%), Jequitinhonha com (39,4%), na Zona da Mata Mineira com (39,3%) e o Sul/Sudoeste de Minas com (35,6%).

Tabela 3. Frequência relativa de produtores rurais mineiros respondentes da pesquisa segundo mesorregião e local onde vivem. Fonte: Dados da pesquisa, 2021.

Mesorregião

Local onde vive

Total

Meio Rural

Cidade

Meio Rural e Cidade

Zona da Mata

60,7

23,6

15,7

100,0

Campo das Vertentes

50,0

33,3

16,7

100,0

Vale do Rio Doce

81,8

9,1

9,1

100,0

Norte de Minas

82,4

4,9

12,7

100,0

Metropolitana de Belo Horizonte

54,5

27,3

18,2

100,0

Vale do Mucuri

50,0

21,4

28,6

100,0

Triângulo Mineiro / Alto Paranaíba

56,9

22,2

20,8

100,0

Oeste de Minas

35,3

47,1

17,6

100,0

Jequitinhonha

60,6

25,8

13,6

100,0

Central Mineira

75,0

0,0

25,0

100,0

Sul / Sudoeste de Minas

64,4

28,0

7,6

100,0

Total

65,3

20,8

13,9

100,0

Esses percentuais evidenciam que em mesorregiões caracterizadas por diferentes Índices de Qualidade de Vida, o fenômeno da moradia citadina está presente. Segundo estudo realizado por Cardoso e Ribeiro (2015: 370):

Os municípios com maior qualidade de vida encontram-se, sobretudo, nas regiões do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, Metropolitana de Belo Horizonte, Sul e Sudoeste de Minas e Central Mineira. Por outro lado, os de piores condições de vida estão no Jequitinhonha, Vale do Mucuri, Vale do Rio Doce, Norte de Minas e em parte da Zona da Mata. (Cardoso e Ribeiro, 2015: 370)

Como foi destacado anteriormente, a moradia citadina de produtores rurais foi expressiva tanto em mesorregiões marcadas pela alta qualidade de vida, como Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba com (43%), e o Sul/Sudoeste de Minas com (35,6%); mas, também, nas mesorregiões com baixa qualidade de vida, como o Vale do Mucuri (50%), Jequitinhonha com (39,4%) e a Zona da Mata Mineira com (39,3%). Dessa forma, as variáveis internas relativas aos estabelecimentos rurais, como, também, aquelas relativas as estratégias de reprodução social adotadas pelas famílias de produtores rurais ganham relevância explicativa para compreender o crescimento do fenômeno da moradia citadina entre produtores rurais.

Tabela 4. Frequência relativa de produtores rurais mineiros respondentes da pesquisa segundo tipo de ocupação do proprietário, tipo de ocupação do proprietário e tipo de cuidados demandado pela atividade produtiva. Fonte: Dados da pesquisa, 2021.

Variáveis

Local onde vive

Meio Rural

Cidade

Meio Rural e Cidade

Tipo de ocupação do proprietário

Agrícola

76,7

42,3

47,2

Não-agrícola

13,3

35,8

32,6

Pluriativa

9,9

21,7

20,1

Total

100,0

100,0

100,0

Intensidade do cuidado demandado pela atividade produtiva

Cuidado diário

40,8

27,0

48,8

Cuidado semanal

15,2

13,5

13,1

Cuidado eventual

44,1

59,5

38,1

Total

100,0

100,0

100,0

A Tabela 4, a seguir, apresenta a tabulação cruzada entre o “local onde os produtores rurais viviam” e o “tipo de ocupação dos mesmos”. Nota-se, na tabela, que a ocupação majoritária entre os entrevistados foi a de “agricultor”, sendo a mesma exercida de forma exclusiva por aproximadamente 63,3% dos entrevistados, os quais, em sua maioria, 76,7%, morava no meio-rural. Aproximadamente, 23% daqueles que trabalhavam com a agricultura em tempo integral, viviam na cidade, embora uma porcentagem destes (9,9%), dividissem o tempo de moradia com a “roça”. Os agricultores pluriativos, que combinavam atividades agrícolas e não agrícolas, representavam, aproximadamente, 24% dos respondentes. Mas, dentre eles, o percentual dos que viviam na cidade, ainda que não integralmente, foi maior do que os que viviam no meio rural: 52,7% contra 47,2%. A mesma tendência foi observada entre os proprietários rurais que exerciam ocupação não agrícola: a moradia na cidade superou a moradia exclusivamente na roça, 57,5% contra 42,3%, respectivamente. Contudo, em termos gerais, 65% dos proprietários rurais entrevistados viviam no meio rural, enquanto 35% viviam na cidade, ainda que não integralmente, pois, também, ficavam na “roça”.

Considerando a relação entre a “atividade principal da propriedade” e o “local de moradia” criou-se um critério de classificação que considerasse a intensidade do cuidado que a atividade exigia. Pode observar ainda na Tabela 4 que entre as “atividades de cuidado diário” foram consideradas aquelas relativas à pecuária leiteira, granja de suínos e aves e hortaliças, Entre as “atividades de cuidado semanal” foram consideradas atividades como o cuidado do gado de corte. Já entre as “atividades de cuidado eventual” foram consideradas atividades aquelas referentes à lavoura de café, fruticultura e silvicultura.

O uso da moto pelas famílias de produtores rurais

Segundo Coutinho (2014) as diferentes interações sociais existentes no processo de deslocamento campo-cidade influenciam na construção da identidade dos rurais, visto que com a mobilidade cotidiana, o indivíduo passa por um processo de adaptação e assimilação de novas referências e incorpora novas práticas culturais. Figueiredo e Maia (2014) e Vanderlei (2014) afirmam que a mobilidade através da motocicleta pode reduzir o grau de isolamento de uma população ou comunidade. Assim, o deslocamento entre o campo e a cidade deve ser visto como um importante instrumento de análise das transformações dos modos de vida dos rurais. Miller (2013) aponta, nesse sentido, para uma agência da cultura material no cotidiano daqueles que as assimilam, dada a possibilidade das coisas de se colocarem como atuantes, como capazes de afetar as suas ações, de forma positiva ou não. Quando se observa o uso da moto por parte das famílias de produtores rurais fica evidente a sua presença no cotidiano deste segmento social: 84% dos entrevistados usavam a moto. Este dado revela que a mesma está presente nos habitus de deslocamento das famílias de produtores rurais. Para algumas regiões (Gráfico 1), a presença da moto se mostrou mais relevante como é o caso da Zona da Mata Mineira, Região Metropolitana de Belo Horizonte e Norte de Minas com mais de 90% dos entrevistados relatando o uso da moto. Por outro lado, percebe-se que o uso entre os entrevistados da mesorregião do Triangulo Mineiro utilizam menos a moto, assim como no Campo das Vertentes com 55% e 66% dos entrevistados utilizando motos.


Gráfico 1. Frequência relativa de produtores rurais mineiros respondentes da pesquisa segundo uso da moto e mesorregião Fonte: Dados da pesquisa, 2021.

A Tabela 5 apresenta a posse da moto segundo algumas características dos entrevistados. Nota-se que não há diferença no uso da moto segundo o sexo dos entrevistados, o uso da moto é maior entre os mais jovens entre aqueles moradores no meio rural, especialmente entre aqueles em que a principal ocupação da propriedade é de atividades agrícolas.

Tabela 5. Frequência relativa de produtores rurais mineiros respondentes da pesquisa segundo uso da moto e variáveis de interesse. Fonte: Dados da pesquisa, 2021

Sexo

mulher

84,3

homem

84,1

Grupos de idade

15-29

91,2

30 a 59

85,2

60 e mais

68,4

Local onde esse vive

meio rural

88,4

cidade

76,2

meio rural e cidade

76,2

Tipo de ocupação

agricola

87,2

não agricola

80,8

pluriativa

77,8

Segundo Comerci e Mostacero (2021), fatores estruturais como a busca por melhores condições de trabalho e educação motivam a mobilidade, mas não implicam, necessariamente, em um desejo de abandono do local de origem. Nesse sentido, Brandão (2017) aponta em seu estudo para o fato de como o acesso a bens e serviços em cidades que adquirem melhores padrões de urbanização se constituem em canais de acesso à cidadania e a direitos. Assim, as famílias pluriativas de agricultores familiares, com atividades no campo e na cidade, vêm conseguindo se reproduzir buscando a integração entre o rural e o urbano. Apesar de viabilizarem uma rotina mais próxima à cidade, a intenção demonstrada por parte dos respondentes não foi a de se distanciar do campo. A motocicleta foi retratada como permitindo o aperfeiçoamento das práticas produtivo-reprodutivas, como pode ser percebido na fala de um dos entrevistados:

A moto envolve menos gastos para chegar na lavoura e uma boa economia para resolver coisas que precisam da família do dia a dia na lavoura. Quando preciso olhar preço de café gastando menos em relação ao carro quando quero comprar algum nutriente para o café para ir em cursos e palestras muito importante para nós produtor rurais (B., 39 anos, sexo masculino, usa motocicleta).

Nesse sentido, quando se observa a relação entre a “intensidade do cuidado dispendido com a atividade econômica principal da propriedade” e o “tempo de uso da moto”, observa-se que os produtores que desenvolviam atividades econômicas que exigem cuidado diário representavam 39% do total de produtores. Nesse grupo, a moto era usada há mais de 10 anos por aproximadamente 54% deles, revelando se constituir em uma prática arraigada no habitus de deslocamento e trabalho dos produtores rurais. Percentual semelhante a esse está presente em todos os demais produtores rurais, que independente da intensidade do cuidado exigida nas atividades que desenvolvem nas suas propriedades, utilizam a moto há mais de 10 anos.

Tabela 6: Frequência relativa de produtores rurais mineiros respondentes da pesquisa segundo o tempo de uso da moto e a intensidade do cuidado dispendido com a atividade principal da propriedade. Fonte: Dados da pesquisa, 2021

Tempo de uso da moto

Intensidade do cuidado dispendido nas atividades desenvolvidas no estabelecimento rural

Total

Atividade de Cuidado Diário

Atividade Cuidado Semanal

Atividade de Cuidado Eventual

Nunca usou moto

4,7

1,1

5,2

11,2

Há muitos anos/Sempre

1,6

0,6

0,6

2,9

Até 5 anos

3,8

3,1

5,7

12,7

De 6 a 10 anos

7,7

2,9

8,9

19,6

De 11 a 20 anos

13,7

4,4

14,3

32,5

Mais de 20 anos

7,2

2,1

11,4

20,8

Total

39

14,5

46,4

100

No Gráfico 2, a seguir, observa-se que existe grande relação do uso da moto com o tipo de atividade desenvolvida na propriedade, sendo a moto mais presente naqueles estabelecimentos pluriativos e com atividades agropecuárias (94% e 89%, respectivamente). Por outro lado, o menor percentual de motos se dá naquelas propriedades de subsistência, em que o percentual de respondentes com moto foi inferir à 67%. Nesse mesmo sentido, as principais atividades produtivas associadas à presença da moto foram o gado leiteiro e o café, em que o grau de “muita importância” da moto atribuído à essas atividades ultrapassou à 50%.

Estudos como os de Gomes (2015), mostram que através da “mobilidade rotineira” entre a cidade e o campo, os membros das famílias de produtores rurais têm a possibilidade de exercer diferentes atividades, combinando as atividades agrícolas com as não-agrícolas, mantendo, assim, as atividades produtivas no estabelecimento agropecuário familiar. Silva (2013) salienta, especificamente, que a utilização da motocicleta tem contribuído tanto em relação a aspectos econômicos da vida dos produtores rurais, quanto em termos da elevação da sua qualidade de vida. Por outro lado, a motocicleta não apenas serve a múltiplas finalidades, mas, também, segundo Miller (2013), ao se tornar familiar atinge uma condição na qual compõe cenários que influenciam no comportamento de uma forma leve e sutil. Ao se incorporar na rotina das famílias rurais, gerando hábitos a ela associados, ela torna-se parte constitutiva de novas práticas e costumes adotados pelas famílias rurais. Nesse sentido, elas se adequam ao contexto de fortalecimento das opções de renda e trabalho criadas, em fins dos anos de 1990, a partir do fortalecimento do mercado regional no interior do Brasil.


Gráfico 2. Distribuição percentual de produtores rurais mineiros respondentes da pesquisa segundo uso da moto e tipo de propriedade agrícola.
Fonte: Dados da pesquisa, 2021.

Um percentual elevado de entrevistados (85%) disse que houve mudanças significativas na sua vida com a presença da moto. Em relação a importância atribuída ao uso da motocicleta, numa escala de 0 a 10, 58,3 % dos entrevistados responderam 10 a importância da moto para ele próprio e 65% disseram 10 para a importância da motocicleta para suas famílias. Ou seja, no âmbito coletivo, a motocicleta faz-se ainda mais útil. Essa importância segundo homens e mulheres, observou-se que 84,6% dos entrevistados afirmavam ser ela igualmente importante para ambos os sexos. Esse dado reforça os dados apresentados na Tabela 5, ao revelarem o quanto o uso da moto por indivíduos de ambos os sexos é visto igualmente comum entre os entrevistados dos produtores rurais entrevistados. Um crescente número de mulheres vem obtendo a Carteira Nacional de Habilitação para a categoria A, conforme os dados do Denatram (2021).

Adicionalmente, no Gráfico 3 pode-se constatar o grau de importância dos respondentes atribuído às atividades na propriedade e o percentual deles que utilizava a moto. As principais atividades produtivas associadas à presença da moto foram o gado leiteiro e o café. Evidencia-se pelas respostas que as viagens tendem a ser rotineiras e, em relação ao tempo, de duração curta, para o entorno da propriedade, com a finalidade de estudar, trabalhar ou, como muito citado, “resolver problemas” do dia a dia. Quando a família possui segunda moradia citadina, observa- se a ida diária à propriedade para manutenção das atividades produtivas. Ou em alguns casos, a ida de forma menos frequente, aos finais de semana.

Considerações finais

Constatou-se nos últimos anos um crescimento no uso dos veículos de duas rodas, no Brasil e em Minas Gerais. Essa maior utilização das motos também chegou no meio rural e tem se tornado um importante instrumento para as novas ruralidades. A partir dos dados primários desta pesquisa, constatou-se que o uso da motocicleta se mostrou relevante para as famílias rurais, em virtude da facilidade, agilidade e custo do deslocamento para a resolução de questões da rotina familiar. Revelou-se que a maior parte das famílias de produtores rurais utiliza o meio de transporte na propriedade, em substituição aos animais de tração. Foi possível notar, também, que o tipo de propriedade e atividades desenvolvidas são essenciais para delinear o uso da moto. Ficou evidente que a fiscalização e os tratos culturais da cultura do café eram realizados com o uso da motocicleta. Igualmente, em relação à gestão do gado de leite e transporte dos produtos lácteos. Sendo, a moto, considerada muito importante para o grupo pesquisado.


Gráfico 3: Frequência relativa de produtores rurais mineiros respondentes da pesquisa segundo importância da atividade e posse de moto. Fonte: Dados da pesquisa, 2021

A facilidade de deslocamento conferida pela motocicleta contribui para a manutenção da propriedade rural, mesmo mediante a moradia da família na cidade, sobretudo, para os produtores com menor renda agrícola. O uso da motocicleta para a mobilidade pendular entre a “rua” (Cidade) e a “roça” (campo) demonstrou favorecer a gestão da propriedade rural e as atividades produtivas desenvolvidas na propriedade rural, em função de facilitar o deslocamento para a compra de insumos e a comercialização de produtos. Observou-se, por fim, que o uso cotidiano da motocicleta entre os jovens e mulheres que viviam no meio rural viabilizava a satisfação das suas necessidades aumentando a sua percepção de autonomia e a liberdade.

O uso da motocicleta para a mobilidade pendular entre a cidade e o campo demonstrou favorecer a gestão da propriedade rural e a realização das atividades produtivas desenvolvidas no estabelecimento agropecuário, fosse esse estabelecimento produtor de café, uma cultura que não exige mão-de-obra cotidianamente, ou de leite, uma atividade produtiva, que exige. O fato da motocicleta facilitar o deslocamento cotidiano entre o campo e a cidade, viabilizou as condições de trabalho, mas, principalmente, o pertencimento a dois espaços distintos e complementares: o campo e a cidade. Morar na cidade e trabalhar no campo, ou vice-versa, tem viabilizado o acesso desses agricultores pluriativos com pouca renda agrícola a melhores condições de vida e trabalho. Principalmente os jovens que viviam no meio rural tinham a moto como um meio de satisfação das suas necessidades e desejos, aumentando a sua percepção de autonomia e a liberdade.

Enfim, a pendularidade entre campo e cidade através do uso da moto evidencia o perfil de um agricultor pluriativo, com pouca renda. Ter uma “casa na roça” e uma “casa na cidade” não está, assim, vinculado ao tipo de atividade que o produtor desenvolve, lavoura de café e/ou pecuária leiteira, mas à necessidade de complementação da renda agrícola. A pendularidade se constitui como parte do seu cotidiano da gestão da propriedade rural e a escolha das atividades produtivas, como a leiteira, desenvolvida na propriedade rural demonstra a busca por se manter na condição de produtor rural e manter o próprio estabelecimento agropecuário. Já não estamos perante o tipo tradicional de “família agrícola” ou “família camponesa”, com os agricultores pluriativos, praticantes do deslocamento pendular entre o campo e a cidade assistimos, talvez, a derradeira tentativa desse grupo de agricultores com pouca renda agrícola perpetuarem por mais algum tempo a sua biografia de produtor rural e a sua história de pertencimento territorial e residencial ao seu lugar de origem.

Agradecimento: Os autores agradecem ao CNPq pela bolsa e auxílio financeiro.

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Ana Louise de Carvalho Fiúza / louisefiuza@ufv.br

Professora Titular do Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e docente no Programa de Pós-Graduação em Economia Doméstica da UFV. Doutora em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade na UFRRJ. Desenvolve pesquisas sobre Gênero, Geração, Ciência e tecnologia no campo; Famílias rurbanas na contemporaneidade; Mudanças nos modos de vida no campo; Mobilidade cotidiana entre o campo e a cidade.

Angelita Alves de Carvalho / angelita.carvalho@ibge.gov.br

É Pesquisadora em Informações Geográficas e Estatísticas na Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE/IBGE) e professora no Programa de Pós-Gradução em População, Território e Estatísticas Públicas e também é professora no Programa de Pós-Gradução em Economia Doméstica da UFV. Doutora em Demografia pelo CEDEPLAR/UFMG. Atua nos temas fecundidade, preferências reprodutivas, relações de gênero; saúde sexual e reprodutiva; demografia do meio rural, da religião e da raça/cor.

Neide Maria de Almeida Pinto / nalmeida@ufv.br

Professora titular do Departamento de Economia Doméstica e do Programa de Pós-Graduação em Economia Doméstica na Universidade Federal de Viçosa. Doutora em Ciências Sociais na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Tem desenvolvido pesquisas nos seguintes temas: Família, Habitação e Políticas Públicas; Família, Espaço Doméstico e Sociabilidades; Modos de Morar no Campo e na Cidade; Família, TICs e Uso do Tempo.

Natália Barbosa Rodrigues / natalia.b.rodrigues@ufv.br

Graduanda em Agronomia pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Técnica em Edificações pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG). É bolsista de Iniciação à Extensão em um projeto interinstitucional (UFMG, UFV e UFOP), que objetiva promover saúde e Segurança Alimentar e Nutricional para agricultores familiares. Foi bolsista de Iniciação Científica do CNPq, trabalhando em projetos de pesquisa sobre políticas públicas para o meio rural e os efeitos do deslocamento pendular campo-cidade nas práticas de manejo das famílias de agricultores.