Uso da biometria facial para o controle de benefícios e gratuidades no Transporte Público Coletivo: um estudo de caso na cidade de Ilhéus, Bahia, Brasil
"Marcionílio Barbosa Sobrinho
Universidade Fundação Mineira de Educação e Cultura. Belo Horizonte, Brasil.
ORCID: 0009-0003-7790-5932
Fábio Corrêa
Universidade Fundação Mineira de Educação e Cultura. Belo Horizonte, Brasil.
ORCID: 0000-0002-2346-0187
Aleida Nazareth Soares
Universidade Fundação Mineira de Educação e Cultura. Belo Horizonte, Brasil.
ORCID: 0000-0002-2671-3661
Jurema Suely de Araújo Nery Ribeiro
Universidade Fundação Mineira de Educação e Cultura. Belo Horizonte, Brasil.
ORCID: 0000-0002-6465-6020
Diego Roberto Colombo Dias
Filiação: Universidade Federal do Espírito Santo. Espírito Santo, Brasil.
ORCID: 0000-0001-9619-2171
Recibido: 23/9/2022. Aceptado: 11/10/2023.
O sistema de Transporte Público Coletivo apresenta expressiva relevância para a mobilidade urbana brasileira. Com ênfase no transporte por ônibus, na relação entre o uso do Transporte Público Coletivo de passageiro e o cidadão, podem ocorrer desvios pelo não pagamento da tarifa estabelecida, utilizando-se de meios para burlar o sistema. Assim, tecnologias, como a biometria facial, se apresentam como um meio para controlar e evitar evasão de receitas provocadas por usos indevidos e fraudes. Nesse sentido, esta pesquisa se orienta pelo objetivo de analisar a contribuição da biometria facial ao combate do uso indevido de gratuidades e benefícios no Transporte Público Coletivo da cidade de Ilhéus, Bahia. Trata-se de uma pesquisa exploratória-descritiva, de natureza básica, que faz uso da abordagem quantitativa em dados não paramétricos, devidamente avaliados pelo teste de Wilcoxon. Mediante a análise de uso do transporte público no intervalo de abril de 2011 a abril de 2013, constatou-se que houve redução de 691.476 (17,36%) passagens nos 12 meses posteriores à adoção da biometria facial, o que sugere uma adequação do uso dos benefícios. Por pesquisas futuras é sugerida a análise da correlação entre a adoção da biometria por reconhecimento facial como controle e ferramenta de mitigação da evasão tarifária.
Palavras-chave: Transporte Público. Biometria Facial. Gratuidades e Benefícios. Evasão de Tarifa.
The Collective Public Transport system has significant relevance for Brazilian urban mobility. With an emphasis on transport by bus, in the relationship between the use of Collective Public Transport by passengers and citizens, deviations may occur due to non-payment of the established fare, using means to circumvent the system. Thus, technologies, such as facial biometrics, present themselves as a means to control and prevent revenue evasion caused by misuse and fraud. In this sense, this research is guided by the objective of analyzing the contribution of facial biometrics to combating the misuse of gratuities and benefits in Collective Public Transport in the city of Ilhéus, Bahia. This is an exploratory-descriptive research, of a basic nature, which makes use of the quantitative approach in non-parametric data, duly evaluated by the Wilcoxon test. By analyzing the use of public transport from April 2011 to April 2013, it was found that there was a reduction of 691,476 (17.36%) tickets in the 12 months after the adoption of facial biometrics, which suggests an adequacy of the use of benefits. Future research suggests the analysis of the correlation between the adoption of biometrics by facial recognition as a control and mitigation tool for tariff evasion.
Keywords: Public Transport. Facial Biometrics. Free Pass and Benefits. Fare Evasion.
O sistema de Transporte Público Coletivo (TPC) é relevante para a mobilidade urbana brasileira, pois assegura o deslocamento diário de pessoas que desenvolverão suas atividades rotineiras (Freitas, 2015). Segundo a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP, 2020a), o serviço de ônibus, de caráter urbano, é estruturado em nível municipal ou estadual, no caso das ligações metropolitanas, e é prestado por cerca de 1.800 empresas concessionárias privadas, com frota estimada de 107 mil ônibus que atendem 2.901 municípios no Brasil. Esse sistema permite a universalização do ir e vir, congregando as mais diversas classes sociais.
No Brasil, cada município estabelece os critérios para a prestação do serviço e a própria municipalidade é responsável direta pela prestação do serviço ou estabelece concessões para a iniciativa privada fazer a execução desse (ANTP, 2020a). Para os serviços prestados são estabelecidos valores tarifários que, segundo ANTP (2020a), consistem em montas que irão remunerar as empresas operadoras de acordo com os custos projetados e, ou, apurados, os quais são arcados por cada cidadão para acesso aos serviços.
Decorrente do processo da relação entre o uso do TPC de passageiro e o cidadão, podem ocorrer desvios por parte desses ao não pagarem a tarifa estabelecida, utilizando-se de meios para burlar o sistema. Essa prática é denominada evasão de tarifa ou fraude, que a longo prazo pode desequilibrar o sistema, uma vez que as receitas geradas pela venda de passagens têm uma contribuição significativa na manutenção de viabilidade financeira do sistema de transporte (Fürst e Herold, 2018).
Fraiha (2016) relata que o ato de evitar o pagamento de tarifa de transporte pode ser considerado como corrupção no nível cotidiano. Para tal afirmativa esse autor se sustenta na definição proposta por Heidenheimer (1970), apontando a corrupção de forma atrelada à ideia de “bem público”. Assim, para o autor, uma prática é considerada como corrupta quando o interesse comum, pensando como algo que tem existência e pode ser identificado, é violado em função da preocupação com ganhos particulares. De modo geral, o nível de corrupção afeta a percepção da própria corrupção na sociedade que, por sua vez, aumenta a tolerância dos cidadãos a atitudes desviantes da norma (Fraiha, 2016).
Por outro lado, existem políticas tarifárias que oferecem benefícios como gratuidades e descontos. No Brasil, um em cada cinco passageiros não paga a passagem ou parte dela, em função de gratuidades e descontos tarifários que beneficiam, principalmente, estudantes, idosos e outras categorias, dependendo da legislação federal, estadual e municipal, a exemplo de policiais, carteiros, bombeiros, etc.
Para evitar a ocorrência da evasão por uso indevido e conter o avanço dessa prática nos benefícios e gratuidades concedidos, a indústria de desenvolvimento de soluções de Bilhetagem Eletrônica associou a esse sistema o uso do reconhecimento facial para efetivo controle dos beneficiários (Assis et al., 2013). Neste aspecto, a utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) podem aumentar a qualidade das informações e remover ou diminuir as oportunidades de fraude (Heeks, 1998).
Mediante a este contexto, esta pesquisa tem o objetivo de analisar a contribuição da biometria facial ao combate do uso indevido de gratuidades e benefícios no Transporte Público Coletivo na cidade de Ilhéus, Bahia. Desse modo, se almeja responder à seguinte problemática: quanto a adoção da tecnologia de biometria facial contribui para minimizar o uso indevido de gratuidades e benefícios no Transporte Público Coletivo na cidade de Ilhéus, Bahia?
No intuito de alcançar o objetivo proposto, a presente pesquisa se propõe a realizar um estudo de caso que analisa a implantação do controle de benefícios e gratuidades, através da biometria por reconhecimento facial, avaliando o comportamento da frequência de uso do transporte público pelos usuários destes benefícios. Essa análise considera usuários em um período de 24 meses, sendo 12 meses antes da adoção da tecnologia e 12 meses após. O estudo de caso faz uso das informações cedidas pelo operador da cidade de Ilhéus, Estado da Bahia, no período de abril de 2011 a abril de 2013.
Sistema de Transporte Público Coletivo (STPC)
De acordo com o Art. 4º da Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2021, o transporte público coletivo é definido como “serviço público de transporte de passageiros acessível a toda a população mediante pagamento individualizado, com itinerários e preços fixados pelo poder público” (Brasil, 2012, Art. 4). Por uma perspectiva detalhada, têm-se que
Em termos teóricos, o transporte público coletivo urbano: 1) é serviço público local, desde que se limite ao território de um único município. Quando envolver dois ou mais Municípios de um Estado, será serviço estadual. Se envolver áreas urbanas de Municípios pertencentes a dois ou mais Estados e a países vizinhos, o serviço público urbano será de competência federal; 2) sujeita-se aos princípios da universalidade, da continuidade e da adequação, pilares dos serviços públicos; 3) é remunerado, inclusive mediante tarifas diferenciadas, ou gratuito; 4) aceita delegação a empresas particulares por concessão ou permissão; 5) aceita delegação a consórcios públicos formados pelo Município responsável com outros entes políticos; 6) pode ser viabilizado por diversas técnicas de transporte, desde o tradicional ônibus, passando pelos trens e bondes até outros tipos de veículo e 7) tem seu itinerário fixado pelo poder público de acordo com os princípios da eficiência, da impessoalidade e da finalidade pública (Marrara, 2014:15).
De acordo com a pesquisa de Kneib (2020), o transporte público traz diversos benefícios às cidades e aos cidadãos, como: redução de congestionamentos; melhoria do aproveitamento do espaço urbano (uma vez que uma viagem regular no trajeto entre a casa e o trabalho, feita por um automóvel, consome 20 vezes mais espaço que a mesma viagem feita por transporte público coletivo, liberando áreas para outras atividades); ampliação do acesso às diversas atividades urbanas, através da conexão das pessoas às atividades sociais; promoção da inclusão social; potencialização do desenvolvimento econômico, social e ambiental.
Aproximadamente, 95% dos passageiros transportados diariamente fazem uso de sistemas por ônibus, na maior parte das cidades brasileiras (ANTP, 2020b). O sistema por ônibus pode ser simples ou mais intricado, a exemplo da implementação do corredor central e o BRT (Bus Rapid Transit) e dos sistemas sobre trilhos, como monotrilho, metrô e trem (Amicci, 2018).
Assim, a capacidade de adaptação a diferentes demandas, tecnologia simples e facilidade de troca ou criação de novas rotas, associados aos baixos custos de fabricação, implementação e operação, comparados a outros modais, como metrô e trens, fazem com que o transporte público de ônibus sejam a escolha principal das cidades brasileiras e operadores deste meio (Bassi Filho, 2016).
A Lei nº 12.587, no artigo 9º parágrafo 1º, estabeleceu uma contrapartida para a prestação dos serviços de transporte público coletivo através da tarifa e outras receitas adicionais. A tarifa aplicada para a remuneração do serviço de transporte público coletivo “[...] deverá ser constituída pelo preço público cobrado do usuário pelos serviços somado à receita oriunda de outras fontes de custeio, de forma a cobrir os reais custos do serviço prestado ao usuário por operador público ou privado, além da remuneração do prestador” (Brasil, 2012).
Segundo Carvalho (2016), a política tarifária se enquadra no conceito amplo de política pública, entendida como um conjunto de ações e intervenções do Estado em relação a questões ou problemas de interesse da sociedade. Perante o entendimento de política tarifária como política pública, derivam objetivos de interesse da sociedade, os quais podem estar ligados às questões de âmbito social, operacional e econômico-financeiro, constituídos pelos seguintes aspectos:
Objetivos sociais: relacionados às questões de equidade, como redistribuição da renda e melhoria das oportunidades para os grupos menos favorecidos.
Objetivos ambientais e desenvolvimento urbano: ligados ao desestímulo aos movimentos em áreas de risco ambiental ou de proteção ao patrimônio histórico e cultural; à redução do congestionamento de tráfego e dos acidentes; à redução da poluição sonora e do ar; o desestímulo ao espraiamento urbano e ocupação de áreas distantes ou o estímulo ao adensamento urbano em áreas específicas, entre outros.
Objetivos econômico-financeiros: referem-se à cobertura dos custos dos sistemas; ao estímulo ao uso mais intenso da capacidade instalada e à economia de escala.
Objetivos operacionais: voltados para a facilidade de arrecadação e controle da receita; aquisição e cancelamento de créditos; a redução da evasão de receitas e de fraudes; e o incentivo à melhoria do desempenho operacional da rede de transporte. (Carvalho, 2016:10-11).
Segundo o Banco Mundial (2002), o objetivo principal da tarifação do transporte público é gerar receitas que possam garantir que a oferta do transporte público seja eficiente e adequada, e que também essa receita possa contribuir para uma redução dos congestionamentos nas vias, além de facilitar uma coordenação eficiente dos meios de transporte público, auxiliando, assim, a redução da pobreza. Em análise o Banco Mundial argumenta, de maneira ampla, que não se deve esperar que o transporte público absorva todos os seus custos totais. Para isso as principais cidades do mundo subsidiam uma parte do transporte público urbano (Banco Mundial, 2002). A Tabela 1 apresenta algumas cidades no mundo e seu percentual de subvenção (assistência).
Existem outros fatores que afetam a tarifa, como as gratuidades e benefícios tarifários. Estes são concedidos a determinadas classes de usuários, por força de lei ou decretos, os quais tornam-se isentos de pagamento da tarifa do transporte público coletivo, tais como maiores de 65 anos, carteiros, fiscais do trabalho e oficiais de Justiça Federal (NTU, 2018).
Tabela 1 - Subvenções ao transporte público como percentual da arrecadação total - 2007 e 2015. Fonte: Brinco (2017:3).
Cidade |
Subvenção (%) |
|
Européia (2007) |
Bruxelas |
68 |
Amsterdã |
62 |
|
Madri |
60 |
|
Zurique |
57 |
|
Barcelona |
56 |
|
Paris |
55 |
|
Berlim |
51 |
|
Londres |
39 |
|
Latinoamerica (2015) |
Buenos Aires |
71 |
Caracas |
54 |
|
Santiago |
29 |
|
Brasília |
27 |
|
Montevideo |
24 |
|
São Paulo |
23 |
|
Cidade do México |
13 |
|
Quito |
11 |
A Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU, 2018) assinala que os estados e municípios podem legislar sobre benefícios ou gratuidades atinentes a suas áreas. A concessão de passes estudantis, garantidos na maioria das vezes por legislações municipais e estaduais, são benefícios disponíveis principalmente para os alunos dos ensinos fundamental, médio e superior. Estes benefícios estão sujeitos a regras e realidades de cada localidade e contemplam passes integrais ou parciais. Em pesquisa elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2017, que abrangeu 1.679 municípios com serviço de transporte coletivo por ônibus, foram elencados os tipos de isenção ou benefícios ofertados à população (Tabela 2). O impacto das gratuidades nos custos tarifários chega a 18,19% em média, conforme aponta estudo realizado pela NTU em 21 capitais.
Tabela 2 - Tipo de isenção ou benefícios presentes por município. Fonte: Adaptado de IBGE (2017:45).
Tipo de Isenção ou Benefício |
Municípios |
% Atingido de municípios com |
Maiores de 60 anos |
1192 |
71.00 |
Crianças menores de 5 anos |
860 |
51.20 |
Pessoas com deficiência |
765 |
46.60 |
Estudantes da rede pública |
539 |
32.10 |
Estudantes da rede privada |
219 |
13.00 |
Policiais |
547 |
32.60 |
Carteiros |
288 |
17.20 |
Professores municipais |
149 |
8.90 |
Mediante ao supramencionado, é plausível inferir que, aproximadamente, um quinto do valor da tarifa poderia ser reduzido, caso houvesse outras fontes de financiamento para cobertura do impacto dos benefícios (NTU, 2018).
Sistemas tecnológicos para o controle de arrecadação tarifária
O uso da bilhetagem eletrônica tem sido relacionado ao aumento da segurança nos veículos devido à: redução de dinheiro em circulação; maior rapidez no embarque, uma vez que dispensa a necessidade de troco; e redução do custo operacional além da geração e controle das informações dos usuários, através do monitoramento da sua presença no sistema de transporte. (Corrêa et al., 2015).
O Sistema de Bilhetagem Eletrônica (SBE) pode ser definido como um sistema de arrecadação responsável pelo controle da comercialização, distribuição e uso de tickets ou bilhetes e compensação (clearing), permitindo acesso ao sistema de transporte. Esse sistema faz parte dos Intelligent Transport Systems (ITS) e são compostos, basicamente, pela integração de componentes de software e hardware que permitem operação com alto nível de confiabilidade e requerem equipe de técnicos dedicada (Born, 2003). Dito de outro modo, “Este sistema [SBE] de bilhetagem consiste, basicamente, no uso de dispositivos eletrônicos ou magnéticos para o gerenciamento dos créditos de viagens realizadas pelos usuários do sistema de transporte coletivo” (Pereira, 2007:34).
A bilhetagem eletrônica caracteriza-se, no Brasil, pela predominância do uso de soluções baseadas em cartões inteligentes sem contatos, os smartcards (Martinelli e Aroucha, 2012). Embora outras tecnologias, tais como QRCode e smatphones, sejam hodiernas, “[...] o Smartcard [é] a opção mais moderna e flexível de pagamento de tarifa” (Guerra, Barbosa e Oliveira, 2014:27). Os smartcards possuem características singulares, tais como: memória de armazenamento; comunicação por contato ou por via de ondas de alta frequência; criptografia dos dados e microprocessador para execução de rotinas pré-programadas (Pelletier et al., 2011). A associação destas à maleabilidade e durabilidade configuram características adequadas para autorização e pagamento nos meios de transportes públicos (Freitas, 2015).
No funcionamento do SBE o usuário faz uso de um dispositivo smartcard ou um e-ticket em dispositivo móvel para validar a viagem. O servidor central armazena os dados do usuário, além de todas as transações realizadas na validação. Este processo configura o ponto central do sistema. Por questões de confidencialidade, normalmente as informações cadastrais são segregadas das demais informações operacionais. Os dados sobre rotas, horários, linhas, alocação do meio de transporte são fornecidos pelo sistema de informação operacional. Todas as informações financeiras são tratadas pelo subsistema financeiro. Assim, esse subsistema tem correlação tanto com o subsistema de cadastro e comercialização quanto com os bancos de dados de validações das viagens. Com base nesses dados o subsistema financeiro é o responsável por todo o controle contábil da operação.
O SBE, desempenha, além do seu papel organizador, um papel importante para redução de fraudes no sistema TPC. O SBE influencia a eficiência econômica do transporte público, por meio da oferta de maior agilidade nas operações de embarque nos veículos, impactando diretamente a velocidade operacional (Guerra, Barbosa e Oliveira, 2014), além de dificultar a realização de fraudes, diminuindo as perdas na arrecadação.
O uso de cartões inteligentes – smartcards – ou bilhetes eletrônicos – e-tickets – auferem ao SBE um grau de segurança relativo, reduzindo a incidência de evasões que ocorriam anteriormente nos sistemas quando esses faziam uso massivo de bilhetes de papel para controle (Chan, 2015). O uso associado à capacidade do SBE de rastrear o registro de transporte de forma rápida e segura provê confiabilidade na transação, além de possuir a capacidade de desativar um cartão em caso de perda ou fraude do bilhete, conferindo grau de confiança ao sistema (Chan, 2015). Práticas anteriores, altamente utilizadas, com o intuito de burlar a arrecadação no TPC, são dificultadas através da adoção do SBE, impactando de forma positiva a sociedade e a economia em torno do transporte público.
Assim, o uso do SBE acarretou impactos sociais e econômicos no Brasil, por meio da imposição de restrições ao comércio ilegal (vendas ilegais de passagens), criação de dificuldades para a utilização indevida de benefícios como passagens escolares e descontos (uso do cartão de outro usuário), redução das fraudes no uso de isenções (uso inadequado de isenções a classes de funcionários públicos, idosos, dentre outros) e redução de valores em espécie nos ônibus (redução da atratividade a assaltos nos ônibus) (Lübeck et al., 2012:80-81).
Segundo Born (2003:62), “As gratuidades são, em geral, rudimentarmente controladas, pelo fato de os beneficiários não se utilizarem das barreiras (exceto em casos especiais, como nos metrôs). Na implantação de bilhetagem automática, todos os usuários devem portar um título e passar pelas barreiras”. Guerra, Barbosa e Oliveira (2014) exploram a estimativa de matriz origem/destino como um meio para tratamento da evasão, o que permite inferir a prevalência do rudimentar controle das gratuidades na hodiernidade. Assim, a adoção do SBE como controle para concessão de benefícios, tais como passe estudantil, portadores de necessidades especiais ou idosos, através do cadastramento e uso intransferível de cartão, não resolveu questões associadas a empréstimo de passes a terceiros, configurando assim uma nova forma de evasão.
Para conter o avanço da fraude, a indústria de desenvolvimento de soluções de SBE associou a este sistema o uso do reconhecimento facial para efetivo controle. (Assis et al., 2013). Como descrito por Bolle et al. (2004), o reconhecimento de pessoas é uma atividade fundamental na nossa sociedade e cultura, uma vez que garantir a autenticidade e identidade das pessoas é um pré-requisito para muitas atividades cotidianas. Dessa forma, a identificação biométrica, ou biometria, se refere à identificação com base em características distintas de um indivíduo.
O termo biometria é utilizado para se referir a um modo específico de reconhecimento de pessoas. Dessa forma, a impressão digital e o reconhecimento facial são duas biometrias, pois constituem exemplos específicos de caraterísticas reconhecidas sistematicamente, como uma imagem de íris ou uma assinatura (Bolle et al., 2004). De forma geral, um sistema biométrico pode ser encarado, independentemente da característica biométrica utilizada, como um sistema de reconhecimento de padrões de propósito específico (Bolle et al., 2004).
Basicamente, um sistema biométrico é composto por sensores, ou leitores de biometria, recursos de extração de atributos, a partir da captura de entrada e de um recurso para comparação de dois conjuntos de características biométricas (Bolle et al., 2004).
Um sistema de autenticação consiste em dois subsistemas, um para inscrição e outro para autenticação, efetivamente. Durante a inscrição as medições biométricas de um sujeito são realizadas, as informações com características que identificam o sujeito são extraídas e essas informações são armazenadas. Normalmente, juntamente com a representação das características biométricas, é armazenada alguma forma de identificação para o sujeito, como um número único de um documento, número de cartão etc. Assim, a informação de identificação armazenada é associada a representação biométrica do sujeito, possibilitando o armazenamento das informações em um token físico que pode ser emitido para o usuário (Bolle et al., 2004).
A tarefa do subsistema de autenticação é reconhecer o sujeito em um estágio posterior, e identificar uma pessoa dentre muitas ou ainda a verificar se a biometria de uma pessoa corresponde a uma identidade reivindicada (Bolle et al., 2004). Assim, a principal função da biometria facial aplicada ao transporte público envolve controlar e evitar evasão de receitas provocadas por usos indevidos e fraudes, através do bloqueio de fraudadores, que podem ser recorrentes ou eventuais, além da inibição de futuros fraudadores (Empresa 1, 2021).
A solução se baseia de forma análoga ao apresentado por Bolle et al. (2004). De modo simplificado, para um indivíduo receber o cartão de benefício tarifário deve-se, primeiramente, fazer o registro na base de dados. Neste momento, o usuário fornece as informações necessárias e seus respectivos comprovantes para, logo em seguida, ser tirada a foto para o cadastro no sistema. A cada uso no sistema de transporte a imagem desse usuário é retirada e comparada a posteriori com a foto cadastral. Esse procedimento determina se o indivíduo que está fazendo o uso é o proprietário do cartão e, deste modo, caso não seja, aplica as sansões devidas e acordadas, que variam desde aplicação de multas até cancelamento do benefício (Assis et al., 2013).
Tal qual apresentado no desenho conceitual de Bolle et al. (2004), o processo de inscrição é feito através das informações cadastrais e documentais do beneficiário e, neste momento, é capturada uma foto cadastral, através do uso de uma câmera fotográfica (Empresa 1, 2021). A partir dessa foto são extraídas as características biométricas e é verificada se a foto capturada é um exemplar válido para comparação futura. Neste momento, o beneficiário recebe um cartão, pessoal e intransferível, com suas informações pessoais que deverá ser apresentado no uso do transporte público.
Associado ao validador – um equipamento de leitura e validação do cartão para o sistema de bilhetagem eletrônica – é instalada uma câmera que possui uma integração com o dispositivo de validação. Quando um cartão é apresentado o equipamento verifica se esse deve ou não ter registro das imagens para a biometria facial. Em caso positivo, esse envia comando para a câmera para armazenar alguns frames (quadros) a partir da apresentação desse cartão (Empresa 1, 2021). Desse modo, a câmera guarda as informações tanto do identificador do cartão quanto das imagens associadas ao mesmo, para posterior comparação (Empresa 1, 2021).
Não é feita nenhuma comparação no momento do uso. Desta forma, nenhum beneficiário é restringido de fazer o uso sem a existência de uma análise posterior. Ao final da jornada de trabalho de cada veículo, ou baseado em um horário definido, os eventos de uso, que contêm a associação entre a identificação do usuário e as imagens associadas a este evento, são transmitidos para processamento em BackOffice, onde ocorrerão os processos de comparação (Empresa 1, 2021), tal como descrito no subsistema de autenticação apresentado por Bolle et al. (2004). Neste momento é verificado se é possível determinar uma face na foto encontrada, sendo que as fotos em que não se determinou uma face, no processo de extração, são armazenadas para análise posterior das causas de ausência de face.
Após ser efetuado o processo de comparação, onde para cada beneficiário é obtida sua foto cadastral e essa é comparada ao evento ocorrido, o algoritmo determina o score de similaridade e, a partir desse determina se o usuário do cartão do evento é o usuário do cadastro, ou seja, se o usuário foi reconhecido. Em caso negativo envia o registro para um procedimento chamado inspeção visual, onde uma pessoa designada irá efetuar a avaliação se o que está ocorrendo se trata de fraude ou se é um False Reject (FR) (Empresa 1, 2021). Ao se confirmar que o uso foi fraudulento, após o processo de inspeção visual, as informações são registradas como evidências da infração e cada localidade toma sanções cabíveis contra o proprietário do cartão de benefício (Empresa 1, 2021).
A presente pesquisa é de natureza básica, pois pretende gerar novos conhecimentos sem o compromisso efetivo com aplicação posterior deste. A pesquisa é caracterizada, quanto os objetivos, como descritiva, uma vez que faz parte de seus objetivos principais a descrição das características de determinados fenômenos, os quais estão sujeitos a uma população específica. Desta forma, pode-se estabelecer relações entre variáveis e definir-se a sua natureza (Gil, 2008). Também se enquadra como exploratória, uma vez busca o aprimoramento das ideias ou ainda descobertas de intuições baseadas no objeto pesquisado, por meio da análise de exemplos que facilitarão e estimularão a compreensão (Gil, 2008), além de permitir que que o problema se torne mais explícito (Gerhardt e Silveira, 2009).
Quanto à abordagem, a pesquisa é quantitativa, enfatizando o uso do raciocínio dedutivo, através de regras da lógica e de atributos mensuráveis numericamente (Gerhardt e Silveira, 2009). Dessa forma, utilizou-se a estatística descritiva, com seu arcabouço matemático para as análises, testes e comparações que orientaram o desenvolvimento da pesquisa.
Do ponto de vista dos procedimentos técnicos que sustentaram esta pesquisa, a mesma possui duas classificações, sendo a primeira como documental, pois a natureza da fonte são materiais ainda sem tratamento analítico e ainda existe uma dispersão nesta fonte (Gil, 2008). Assim, esta pesquisa tem em vista fazer uso de documentos existentes nos órgãos de controle do transporte público coletivo e em publicações setoriais especializadas, lançando mão de informações internas destes locais. A segunda, é um estudo de caso da cidade de Ilhéus, no Estado da Bahia, pois, segundo Yin (2001:32), “o estudo de caso é uma investigação empírica de um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, sendo que os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”.
A pesquisa utilizou como fonte de dados, além de informações disponíveis a respeito do sistema transporte público coletivo e do município de Ilhéus, no Estado da Bahia, Brasil, os dados de registros existentes no sistema de controle de arrecadação. O conjunto de dados foi obtido diretamente nos dados gerados pelo sistema de arrecadação da localidade. A extração da ocorreu através de mecanismo computacional compatível.
Utilizou-se um modelo padronizado para obtenção dos dados a partir dos sistemas de informação. A base contém as informações de uso do transporte diário pelo conjunto de usuários que possuem concessão de gratuidade ou benefício. Esta base possuiu, minimamente, 24 meses de utilização, tendo como referência a data de início da operação do controle por biometria facial. O conjunto de dados analisados é: a) Identificador do usuário: identificador codificado do beneficiário (SHA256); b) Tipo do benefício, sendo Idoso, Pessoa com Deficiência ou Estudante; c) Sexo (texto); d) Data de concessão do benefício; e) Data de revogação do benefício; f) Idade do beneficiário; g) Dia e hora do uso; h) Data de início da biometria facial; e i) Frequência de utilização.
A partir da base de dados obtida foram aplicados filtros nos mesmos, no sentido de definir os usuários e usos elegíveis para a pesquisa. Dessa forma, padronizou-se a própria pesquisa, descartando registros que poderiam interferir na análise final. A seguinte regra de elegibilidade foi aplicada: somente deverá conter registros cujo usuário esteja ativo durante todo o período de análise, ou seja, o usuário deve permanecer na base durante 24 meses, preservando a condição de ativo nos dados obtidos, abrangendo 12 meses antes da adoção da tecnologia de biometria facial e 12 meses após essa.
Esta regra evitou que usuários que perderam o benefício ao longo do período fossem incluídos na análise. Como as gratuidades incidem em determinadas pessoas da população com características distintas, tais como idosos e estudantes, a regra se fez necessária. Um estudante, por exemplo, pode ter deixado de ser elegível ao benefício por ter concluído os estudos, ou outras causas também aplicáveis aos idosos e pessoas com deficiência, tais como falecimento.
Foi realizada uma análise prévia na base de dados para determinação da normalidade da mesma. Ao aplicar o teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov nos dados, identificou-se que esses não possuíam distribuição normal para nenhum dos dois conjuntos (antes e após adoção da biometria facial), sendo o valor p encontrado < 0,05. Derivado da determinação da distribuição dos dados, possuindo estes a característica de dados não paramétricos, sem distribuição normal, foi delineada a aplicação do teste de Wilcoxon, por meio do software SPSS, versão 25.0, para a sequência das análises.
A cidade de Ilhéus, localizada no estado da Bahia, apresenta uma população de 184.236 habitantes (IBGE, 2021). O sistema de transporte público da cidade era operado, em 2012, por duas concessionárias, as quais eram responsáveis, além do transporte coletivo, pela concessão de gratuidades para os beneficiários regulamentados, idosos, estudantes, Pessoas com Deficiência (PcD) e funcionários com isenção legal.
Responsável por 50% do transporte público coletivo no município de Ilhéus, a empresa de transporte, objeto do estudo, transportava no período de janeiro a dezembro de 2012, 1.500.000 de passageiros por mês a uma tarifa de R$2,40, atendendo a 92.130 usuários do sistema e desse total 62,69% (57.760) se tratava de benefícios concedidos.
O alto índice de concessão de benefícios na cidade, associado aos altos custos de manutenção do sistema, impulsionaram as empresas de transportes para adoção de mecanismos de controle dos benefícios, de forma que estes fossem regulados e que o uso irregular pudesse ser combatido. A gratuidade, por si, gera impacto nos custos tarifários, de 18,19% em média, conforme aponta estudo realizado pela NTU (2018).
De acordo com pesquisa apresentada pelo IBGE (2019), os tipos de benefícios seguem um padrão. A cidade de Ilhéus oferece à população boa parte dos benefícios demonstrados pelo estudo do IBGE (2019). A distribuição de gratuidades concedidas pela empresa de transporte é seccionada quanto ao tipo de gratuidade, sendo: a) Estudante: 43.534 gratuidades; b) Idoso: 9.742 gratuidades; c) PcD: 2.884; e d) Outras: 1.600 gratuidades.
Além de fazer uso de procedimentos adicionais, como os descritos pela NTU (2018), a empresa utilizava um controle manual para tentativa de combate à evasão, analisando diariamente os vídeos das câmeras internas de vídeo monitoramento, associados ao rastreamento de uso de cada beneficiário. Este processo local se mostrava extremamente improdutivo e manual e sujeito a múltiplas falhas de detecção.
Biometria Facial em Ilhéus, Estado da Bahia
Diante da necessidade de controle das gratuidades concedida, além do combate ao uso indevido dos cartões com gratuidade, o sistema de controle de biometria por controle facial foi adotado em março de 2012.
Foram elaboradas campanhas de marketing, as quais foram veiculadas na cidade nas estações de rádio e nas traseiras dos ônibus, visando a conscientização da população em relação as sanções previstas no controle. Também foi definido no conjunto de sanções aplicáveis a aqueles que tivessem confirmação de uso indevido, sendo que esses teriam os cartões bloqueados com ação de suspenção do benefício, podendo, na primeira ocorrência, solicitar o desbloqueio mediante a pagamento de multa e assinatura de termo de compromisso, concordando que em uma nova ocorrência o benefício seria cancelado em definitivo.
O procedimento de controle anterior, praticado até março de 2012, bloqueava em média 300 cartões e possíveis usos indevidos e início da operação do controle de biometria por reconhecimento facial os documentos da empresa assinalavam o bloqueio de 8.093 cartões em um período de 10 meses, o que gerou uma receita acumulada de R$ 101.016,00 a título de solicitação de desbloqueio. A Tabela 3 apresenta estes dados.
Tabela 3 - Receita obtida pelo desbloqueio de cartões irregulares do Caso Ilhéus.
Fonte: Dados da pesquisa (2022).
Mês |
Bloqueados |
Desbloqueados |
Cancelados |
Receita |
abr/12 |
859 |
- |
859 |
- |
mai/12 |
1.469 |
342 |
1.127 |
R$ 12.312,00 |
jun/12 |
1.790 |
513 |
1.277 |
R$ 18.408,23 |
jul/12 |
1.671 |
638 |
1.033 |
R$ 22.893,67 |
ago/12 |
928 |
474 |
454 |
R$ 17.008,78 |
set/12 |
300 |
227 |
73 |
R$ 8.145,55 |
out/12 |
490 |
236 |
254 |
R$ 8.468,50 |
nov/12 |
201 |
156 |
45 |
R$ 5.597,83 |
dez/12 |
236 |
159 |
77 |
R$ 5.705,48 |
jan/13 |
149 |
69 |
80 |
R$ 2.475,96 |
Total |
8.093 |
2.814 |
5.279 |
R$ 101.016,00 |
Os registros documentais da empresa relatam haver uma queda no uso de gratuidades; entretanto, não foi realizada nenhuma análise para verificação da informação, que se concentrou apenas no resultado de aumento de uso dos cartões de vale transporte (6,12%) no período, além de um aumento de 4,89% no volume de pessoas pagantes de passagens em dinheiro.
Análise do uso da gratuidade pós-implantação da biometria por reconhecimento facial
Com o objetivo de evidenciar a efetividade da solução, bem como complementar as informações sobre os resultados documentados pela empresa de transporte público coletivo, foi elaborado uma análise da frequência de uso das gratuidades disponibilizadas aos cidadãos do município de Ilhéus.
Os registros de uso de cartões foram coletados junto a empresa e processados nesta pesquisa. As informações de usuários foram anonimizadas, não permitindo a identificação pessoal de cada usuário. Foi aplicada a regra de elegibilidade, onde somente foram considerados registros cujo usuário estivesse ativo durante todo o período de análise, ou seja, o usuário permaneceu na base de dados durante 24 meses. Assim, somente foram considerados registros de usuários ativos, abrangendo 12 meses antes da adoção da tecnologia de biometria facial e 12 meses após essa.
Foram analisados 57.760 indivíduos distintos e, após aplicação da supracitada regra de elegibilidade, foram descartados 20.656 indivíduos, culminando na amostra de 37.104 beneficiários elegíveis. Estes beneficiários elegíveis foram responsáveis por 3.982.449 utilizações nos 12 meses que antecederam a adoção do controle de reconhecimento por biometria facial.
Derivado da determinação da distribuição dos dados, possuindo esses a característica de dados não paramétricos, sem distribuição normal, aplicou-se o teste de Wilcoxon, por meio do software SPSS. Obteve-se os resultados expressos por meio da Tabela 4, onde os dados foram apresentados de forma geral e por categoria de benefício concedido na cidade.
Tabela 4 - Estatística descritiva por categoria do Caso Ilhéus. Fonte: Dados da pesquisa (2022).
Categoria |
Qtde (N) |
Média (D.P.) |
Mediana (P25-P75) |
Mín-Máx |
Valor p* |
Geral |
Antes (37.104) |
107,33 (81,29) |
91 (36-169) |
7-454 |
<0,001 |
Depois (37.104) |
88,70 (76,47) |
65 (25-142) |
7-446 |
||
Estudantes |
Antes (26.540) |
108,41 (78,21) |
96 (38-171) |
8-359 |
<0,001 |
Depois (26.540) |
86,10 (72,12) |
64 (24-141) |
8-360 |
||
Idosos |
Antes (7.306) |
93,83 (82,86) |
68 (28-138) |
9-366 |
<0,001 |
Depois (7.306) |
85,38 (80,89) |
58 (22-126) |
9-365 |
||
PcD |
Antes (937) |
149,67 (96,87) |
141 (66-222) |
7-411 |
<0,001 |
Depois (937) |
141,38 (96,49) |
129 (59-212) |
7-446 |
||
Acompanhantes PcD |
Antes (1.345) |
123,84 (92,20) |
103 (44-193) |
7-454 |
<0,001 |
Depois (1.345) |
115,66 (86,48) |
97 (44-172) |
7-441 |
||
Outros benefíciários |
Antes (976) |
115,61 (95,31) |
93 (29-189) |
10-360 |
<0,001 |
Depois (976) |
96,44 (93,21) |
59 (18-163) |
9-354 |
Legenda: Qtde: Quantidade, D.P.: Desvio Padrão, Min: Mínimo, Máx: Máximo,
*Teste de Wilcoxon.
Foi possível verificar que o número de utilizações após a implantação de uso da biometria facial em Ilhéus é inferior ao uso anterior onde não existia o controle, tanto para a amostra geral quanto para as categorias avaliadas – estudantes, idosos, PcD, acompanhantes PcD e outros beneficiários – (valor-p < 0,001). Observa-se que foram seguidos critérios anteriores para seleção e exclusão de beneficiários (elegibilidade). Conforme observado pela Empresa 1 (2021), a principal função do uso da biometria facial aplicada ao transporte envolve tanto o controle quanto a mitigação de evasão de receitas recorridas por usos indevidos e fraudes, colocando em evidência os fraudadores, corrigindo usos indevidos e inibindo futuros fraudadores.
Ao observar a redução das frequências de utilização, pode-se confirmar que, mediante a ótica da mudança do comportamento de usos diários do transporte pelos beneficiários, houve efetividade da adoção da biometria facial como controle e combate do uso indevido do benefício. No caso da cidade de Ilhéus os dados apresentam a redução de 691.476 (17,36%) passagens nos 12 meses posteriores à adoção da biometria facial, o que sugere uma adequação do uso dos benefícios. Mediante à tarifa de R$2,40 da época, essa redução gerou uma economia de R$1.659.542,40, se considerada a quantidade de passagens evitadas multiplicado pela tarifa vigente na época.
É inegável a importância do funcionamento adequado dos sistemas de transportes público aos cidadãos. Com o avanço das cidades e o crescimento populacional estes sistemas se tornaram vitais para o deslocamento das pessoas. O equilíbrio financeiro do sistema é condição fundamental para o seu funcionamento, bem como a concessão de formas de inclusão da população mais necessitada. Elementos que causam desequilíbrios neste sistema, tais como a evasão tarifária, afetam não somente os concessionários e prestadores dos serviços, mas também a própria população.
A busca de mecanismos de controles eficazes, principalmente para garantia da arrecadação, se tornou um processo corriqueiro no dia a dia das empresas. O auxílio de métodos e tecnologias se tornaram parte integrante deste sistema. Aliada a outros meios de controle e regulação, a biometria por reconhecimento facial se demonstra eficaz no auxílio a redução da evasão tarifária, funcionando de forma transparente e não invasiva para este fim.
Neste contexto, esta pesquisa teve por intento analisar a contribuição da biometria facial ao combate do uso indevido de gratuidades e benefícios no transporte público coletivo na cidade de Ilhéus, Bahia. Foi possível evidenciar que a partir da adoção da tecnologia e as práticas associada à mesma, o comportamento de utilização, associado aqui à frequência de uso de benefícios, pode ser regularizado. A análise das informações obtidas na cidade de Ilhéus demonstrou que houve redução do uso diário de uma mesma pessoa. Isso sugere que existe patamares regulares de uso, evidenciado pela redução de uso após a implantação da sistemática de controle por biometria facial. Foi demonstrado ainda que os controles anteriores apresentavam ineficiência operacional, em comparação com a adoção da biometria facial.
Esta pesquisa não conseguiu evidenciar quais os benefícios diretos aos beneficiários. Desta forma, não apresentou se houve ou não aplicação dos ganhos obtidos no processo de aumentos tarifários que ocorrem nas cidades. Neste aspecto, as informações documentais da empresa relatam aumento da quantidade de passageiros que pagam pelo uso, mas em relação a quantidade de passageiros que compram vale transporte, não houve elementos para certificar a correlação com a adoção da tecnologia.
A partir dos resultados obtidos, algumas recomendações podem ser sugeridas para realização de pesquisas futuras. Uma é o estudo para a análise da correlação entre a adoção da biometria por reconhecimento facial como controle e ferramenta de mitigação da evasão tarifária. Outra é o aumento dos passageiros pagantes, de forma que se possa direcionar efetivamente a aplicação do incremento de receita como redutor nos aumentos tarifários futuros.
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Marcionílio Barbosa Sobrinho / a224916483@fumec.edu.br
Possui graduação em Ciência da Computacao pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (2003), especialização em MBA Executivo pela IBMEC(2006) e mestrado-profissionalizante em Sistemas de Informação e Gestão do Conhecimento pela Universidade FUMEC(2022). Tem experiência na área de Ciência da Computação. Atuando principalmente nos seguintes temas:transpoarte público, biometria facial, gratuidades e benefícios, evasão de tarifa.
Fábio Corrêa / fabiocontact@gmail.com
Pós-Doutorado pelo Programa de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutor e Mestre em Sistemas de Informação e Gestão do Conhecimento. Possui MBA em Engenharia de Software e Governança de Tecnologia da Informação e Graduação em Sistemas de Informação. Atuação como Professor do Curso de Ciência da Computação e do Programa de Pós-Graduação em Sistemas de Informação e Gestão do Conhecimento da Universidade FUMEC. Experiência profissional em consultorias e Projeto de Pesquisa e Desenvolvimento, bem como atuou por 15 anos no mercado de Tecnologia da Informação. Atualmente é professor na Graduação e no Programa de Pós-Graduação em Tecnologia da Informação e Comunicação e Gestão do Conhecimento da Universidade FUMEC. Atua na área de Ciência da Computação, com ênfase em Sistemas de Informação, e Ciência da Informação, com ênfase em Gestão do Conhecimento. Autor do livro: “Gestão do Conhecimento: uma abordagem para a ação” (disponível em www.gcholistica.com.br).
Aleida Nazareth Soares / aleida.soares@fumec.br
Graduada em Estatística pela UFMG (1999). Especialista em Administração com ênfase em Logística e Pesquisa Operacional (2002). Mestrado em estatística (qualificação: dez/07). Mestrado em Ciência da Saúde Linha de pesquisa Epidemiologia (defesa: out/2011). Doutorado em Ciência da Saúde :Linha de pesquisa Epidemiologia (desefa: Julho/2016). Pós- Doc finalizado em julho de 2021. Experiência como docente em universidades de Minas Gerais a nível de graduação e pós-graduação lato sensu e stricto sensu. Experiência em Pesquisa Clínica e Análise de Indicadores para Certificações de Qualidade.
Jurema Suely de Araújo Nery Ribeiro / jurema.nery@gmail.com
Doutora em Sistemas de Informação e Gestão do Conhecimento - FUMEC (2019). Mestre em Administração - Área de pesquisa: Estratégia e Competitividade - pela Faculdade de Estudos Administrativos de Minas Gerias - FEAD (2008); MBA em Logística pelo Centro Universitário de Ciências Gerenciais - UNA (2004); MBA em Finanças pelo Centro Universitário de Ciências Gerenciais - UNA (2004); MBA em Gestão de Instituições pelo Núcleo de Pós Graduação Pitágoras (2011), Especialização em Administração da Produção pelo Instituto de Educação Tecnológica - IETEC (1997); Bacharel em Administração pelo Centro Universitário Newton Paiva (1991). Construiu sua trajetória com experiência de 31 anos, como Gestora nas áreas Administrativa, Planejamento de Controle da Produção, Logística, Almoxarifado, Expedição, Suprimentos em algumas empresas nacionais e multinacionais (Jabil do Brasil, Itambé, ABC Dados, Condor Equipamentos Industriais) com ramos de atividades diversos (Eletroeletrônica, Laticínios e Metalurgia). No Ensino Superior possui sólida experiência de 16 anos atuando como Diretora de Campus, Coordenadora de Pós-graduação e Graduação e Professora universitária em diversas Instituições de Ensino Superior (FUMEC, Newton Paiva, PUC, SENAC, UEMG, UNA, UNIPAC). Associada individual da SBGC. Atualmente é Coordenadora do Curso de Administração da Universidade FUMEC e participa do grupo de Pesquisa KM-Inova da Universidade FUMEC, desenvolvendo pesquisas na área da Inovação, Estratégia e Gestão Conhecimento. Diretora Executiva da Capacitar JNR. Consultora Organizacional. Professora Universitária. Orientadora de trabalhos no Stricto Senso e MBA. Autora de Livros e Artigos publicados em Revistas e Congressos Nacionais.
Diego Roberto Colombo Dias / diego.dias@ufes.br
Professor Adjunto na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), junto ao Departamento de Estatística (DEST). Possui doutorado em Ciência da Computação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e período de doutorado sanduíche na RWTH Aachen University, mestrado em Ciência da Computação pela UNESP (IBILCE - São José do Rio Preto) e bacharelado em Ciência da Computação pela UNIVEM. É pesquisador do Instituto Brasileiro de Neurociência e Neurotecnologia (CEPID BRAINN). Possui experiência na área de Ciência da Computação, com ênfase em Computação Gráfica, Realidade Virtual e Aumentada, Inteligência Artificial e Aprendizado de Máquina.