Dossier - Artículo original
Estupro de vulnerável e aborto legal. Tensões em torno do reconhecimento da violência sexual e legitimação de direitos no Brasil

Violación de vulnerables y aborto legal: tensiones en torno al reconocimiento de la violencia sexual y la legitimación de derechos en Brasil

Rape of vulnerable and legal abortion: tensions surrounding the recognition of sexual violence and the legitimization of rights in Brazil

Estupro de vulnerável e aborto legal. Tensões em torno do reconhecimento da violência sexual e legitimação de direitos no Brasil.
Runa, vol. 45 no. 2, (57- 76 pp.), Jul-Dec, 2024, doi: 10.34096/runa.v45i2.14258. ISSN: 1851-9628
Instituto de Ciencias Antropológicas, Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires


Introdução

“Quis pedir-lhe desculpa por ser tão nova. Por ter nenhuma autoridade sobre os meus sentimentos, sobre o meu corpo e a esperança tão difícil de algum dia ser adulta. Eu queria muito pedir desculpa por não servir para nada. Para criança ou para mulher. Era um lugar de intermédio, sem autoridade nem submissão completa. Apenas um impasse. As raparigas aos doze anos eram ridículas.” (Valter Hugo Mãe, 2017, p. 76)

Iniciar este artigo com uma citação literária é oportuno uma vez que trataremos de um tema que na maioria das vezes carece de informações sobre o ponto de vista da principal personagem envolvida: a criança que engravida. No livro de Valter Hugo Mãe, Halla, uma criança de 12 anos que tenta elaborar o luto pela sua gêmea falecida, se percebe grávida após encontro sexual com um jovem de seu vilarejo. No trecho citado destaca-se, para além do tom melancólico da protagonista, a sua percepção de não ter autoridade alguma sobre seu corpo, de estar em um lugar indefinido e intermediário.

Embora Halla seja uma personagem fictícia, sua fala ilustra o papel reservado à criança na cultura ocidental moderna: o de indivíduo tutelado pela família, pela comunidade, pela sociedade em geral, e pelo poder público, sempre objeto, mas nunca sujeito cuja agência é reconhecida (Lowenkron, 2015a).

Este trabalho se configura como ensaio teórico-reflexivo ao conjugar certa bibliografia estabelecida e reconhecida do campo da antropologia e da saúde coletiva com documentos oficiais do governo federal, dados estatísticos secundários e a apresentação de um caso polêmico, veiculado pela mídia brasileira, sobre uma menina grávida em busca de aborto legal.1 Ele resulta de um acúmulo de reflexões e resultados de sólidas pesquisas desenvolvidas na área da saúde e dos direitos reprodutivos e governança reprodutiva, nas duas últimas décadas, por docentes e estudantes de pós-graduação e de graduação, integrantes do grupo de pesquisa Saúde Reprodutiva, Gênero e Sociedade, coordenado pela Profª. Drª. Cristiane S. Cabral, na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.2 Esta larga experiência permitiu aos autores desenvolver o argumento central do artigo, a saber, a interposição de novas barreiras de acesso ao aborto legal a partir da suspeição da idade de consentimento sexual, elemento que embasa a definição de estupro de vulnerável e, portanto, de direito garantido por lei à interrupção de gestação. Este debate tem tido forte incremento e crescente visibilidade nos últimos anos, sobretudo pela veiculação, na grande imprensa e nas redes sociais, de casos de meninas menores de 14 anos grávidas que buscam acessar o aborto legal, mas têm seus direitos negados por representantes do Estado ou enfrentam itinerários bastante complexos para aceder a tal permissivo. Dentre os diversos episódios que têm sido publicizados, optamos por retratar especificamente o “caso da menina de SC”, por sua ampla repercussão nacional e por condensar exemplarmente as atuais tensões entre consentimento sexual, “estupro de vulnerável” e acesso ao aborto legal.

Em 2022, o país acompanhou as agruras de uma menina de 11 anos e as dificuldades enfrentadas para conseguir a interrupção da gestação no estado de Santa Catarina. Essa história destaca-se, sobretudo, pelo seguinte dado: a identificação de que o outro genitor era um adolescente de 13 anos. Notícias da época (Santos, 2022) afirmam que “os dois teriam confirmado se tratar de uma ‘relação consentida’”, uma vez que mantinham um relacionamento afetivo. Embora a presunção de “estupro de vulnerável” não admita exceções, esse fato levantou questionamentos sobre a legitimidade do direito ao aborto. Além disso, ao buscar o serviço de saúde, a criança foi colocada sob tutela do Estado e enfrentou inúmeros impeditivos para acessar o aborto. Dentre eles, destacou-se a tentativa de dissuasão feita pela juíza responsável por uma das audiências sobre o caso, a qual teve seu áudio divulgado em uma notícia em jornal de ampla circulação (Guimarães, Lara e Dias, 2022).

É notório no caso mencionado, bem como em outros semelhantes noticiados pela mídia, que a escalada de discursos contrários ao aborto tem contribuído para a ampliação das barreiras de acesso. Esse fato compõe um quadro mais amplo no qual se identifica uma verdadeira ofensiva contra direitos sexuais e reprodutivos na cena brasileira nas duas últimas décadas (Brandão e Cabral, 2019; Dieguez e Cabral, 2024). No caso acima, profissionais da justiça e da saúde tiveram um importante papel nas tentativas de atrasar ou impedir o acesso ao procedimento, esforços para os quais a noção de consentimento sexual desempenhou papel central.

Assim, este artigo busca compreender de que forma a noção de consentimento sexual e “estupro de vulnerável” são mobilizadas para disputar a legitimidade do direito à interrupção de gravidez, definindo quem pode acessar ou não esse direito. Argumentamos estar em curso uma espécie de cooptação da noção de “idade do consentimento” na intensa empreitada de ataques aos direitos reprodutivos no Brasil, que acaba não apenas por enfraquecer ou relativizar a noção de “estupro de vulnerável”, mas também se constitui como mais uma barreira de acesso ao aborto legal.

No texto, abordamos brevemente iniciativas do Estado brasileiro para constituição de dispositivos legais e regulações estatais sobre infância e adolescência. Em seguida, apresentamos a noção de “idade de consentimento” e suas variações sócio-históricas, que incidem/embasam a proposição de leis, tal como a que trata de “estupro de vulnerável”. Por fim, discutimos de que forma os direitos atribuídos às crianças se relacionam com o acesso ao aborto entre menores de 14 anos no Brasil, tendo a noção de consentimento como uma peça estratégica na conformação dessa dinâmica.

Marcos regulatórios para/sobre crianças e adolescentes: breves apontamentos

Desde o início do século XX no Brasil, com a promulgação de legislações específicas de proteção à infância, identificam-se esforços em regulamentar a menoridade, a responsabilidade parental e o abandono (Brasil, 1923). A avaliação de dinâmicas familiares, acompanhada da definição de delinquência e de qualificações sobre o comportamento materno, subsidia a deslegitimação de famílias consideradas “desestruturadas”, ao mesmo tempo em que posiciona a pobreza como uma falta moral das famílias pauperizadas (Passetti, 1991; Cintra e Souza, 2010).

Já a partir da década de 1960, sob o regime civil-militar, observamos no plano legislativo a promoção de ações a fim de abordar o “problema do menor” (Brasil, 1964). Por meio do entendimento de que certas crianças necessitariam de condução guiada para sua integração à comunidade, a norma previa o fomento à institucionalização de crianças e adolescentes, classificados em infratores ou abandonados. É nesse contexto que se originam as Fundações Nacionais e Estaduais para o Bem-Estar do Menor.

A cultura da institucionalização de crianças e adolescentes -hegemônica por décadas e cultivada por meio de políticas públicas- manifesta-se por um conjunto de práticas de forte teor higienista, uma vez que corresponde à sistemática retirada das crianças de famílias pobres (Rizzini e Rizzini, 2004), bem como ao controle das crianças “fora do lugar” (Gregori, 2000). Embora duramente criticada por movimentos sociais a partir dos anos de 1970 e 1980, ressaltamos que certas perspectivas acerca do comportamento do Estado em relação à infância mantêm algumas continuidades.

Nesse sentido, a figura do “menor”, presente no antigo Código de Menores,3 compõe um cenário no qual a infância, em especial a infância empobrecida, incorpora os “dilemas sociais, políticos e morais da sociedade brasileira” (Gregori, 2000, p. 15) como que ensejando o Estado a atuar nesse campo de modo a dirimir tais mazelas. Para que essa dinâmica funcione, a manutenção de um status de menoridade das crianças e adolescentes é fundamental. A pesquisadora destaca que o planejamento e a execução de intervenções institucionais para esse público tornam-se campo de disputa, uma vez que envolve recursos financeiros, alianças políticas e disputas de sentido (Gregori, 2000).

As pesquisas de Vianna (1999, 2002) iluminam tal debate ao defender que é a construção de um personagem, de um tipo social, no caso o “menor”, teria sido responsável por permitir, legitimar e fundamentar a atuação de diversas instâncias estatais em múltiplas camadas do tecido social com intuito de normalizar corpos e comportamentos. Um dos argumentos apresentados pela autora nos convoca a considerar a perspectiva de que a “substancialização da menoridade” é indissociável do estabelecimento de uma relação de dominação, configurada pelo poder de tutela e de guarda exercido por familiares e responsáveis e, em última instância, pelo Estado (Vianna, 1999). Ainda que o campo jurídico atue de modo muito premente para a tessitura desse cenário, identifica-se também a relevância das produções no âmbito da medicina, da sociologia, da psicologia e outras disciplinas para que o menor, enquanto tipo social, tenha condições de possibilidade de existência.

Na esteira da Constituição Cidadã de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) substitui o Código de Menores, representando um marco jurídico imbuído de um espírito democrático que se volta para a garantia de direitos de cidadania, estabelecendo parâmetros para que crianças e adolescentes de até 18 anos alcancem o status de sujeitos de direitos (Brasil, 1990). Seguindo legislações e acordos internacionais de proteção aos direitos da criança e do adolescente, o ECA constitui um movimento transnacional de fortalecimento dos direitos da criança no âmbito dos direitos humanos (Schuch, 2009). Na cena nacional, além de se somar a políticas sociais com expressiva participação popular, o ECA também denota um crescente interesse das políticas públicas em temas relativos à infância e à adolescência. Com isso, institui-se um novo status jurídico e simbólico para as crianças e os adolescentes, agora entendidos como sujeitos de direitos especiais.

A pressuposição de uma vulnerabilidade “natural” da criança, a qual passa a ser entendida como vítima dos constrangimentos da sociedade, sustenta a atribuição de direitos especiais. É fortalecida uma preocupação com o crescimento saudável dos sujeitos, a fim de que possam percorrer trajetórias de vida bem-sucedidas (Heilborn, Aquino, Bozon e Knauth,2006). Neste contexto, a violência sexual contra crianças emerge de forma mais evidente como um problema a ser evitado, combatido e punido (França Junior, 2003). Considera-se que até determinada idade uma pessoa não tem maturidade cognitiva para medir as consequências de um ato sexual, o que determina que ela deve ser tutelada pelo Estado e protegida de quem busque se beneficiar de sua condição de vulnerabilidade. Tal entendimento não implica que o indivíduo abaixo dessa idade não possa sentir desejo ou prazer sexual, mas que ainda não desenvolveu competências consideradas necessárias para consentir a relação (Lowenkron, 2016).

Dentre os chamados direitos especiais conferidos a crianças e adolescentes, estão as leis da “idade do consentimento”, responsáveis por estabelecer a idade reconhecida pelo Estado para que o indivíduo possa consentir uma relação sexual. No Brasil, a lei 12.015/2009 introduziu o conceito de “estupro de vulnerável”, que criminaliza a prática sexual com pessoas menores de 14 anos por considerar que elas não têm o discernimento necessário para consentir a relação (Brasil, 2009). Assim, nos casos de gravidez em que a gestante tem menos de 14 anos, a violação sexual é presumida por lei. Por esse motivo, essas gestantes têm direito a optar pelo aborto legal, já que a interrupção da gestação é permitida desde 1940 no Brasil em casos de estupro.

Por um lado, a produção de legislação sobre infância e adolescência até o final do século XX aponta, entre outras coisas, para um avanço do Estado e suas entidades em relação ao espaço doméstico, a elaboração das categorias “estupro de vulnerável” e “consentimento” e sua intersecção com o direito ao aborto legal constituem dispositivos de governança sobre corpos com capacidade de gestar. Por outro lado, o marco etário mobilizado na definição da “idade do consentimento” é estipulado pela legislação de cada país, fundamentado em pressupostos culturais locais. Assim, cabem as perguntas: quais são as fronteiras do consentimento? O que se entende por consentimento hoje? De que forma o consentimento está relacionado às diferentes relações de poder de classe social, de gênero, de idade, dentre outras?

Os limites (não tão evidentes) do consentimento

Abordar o tema do consentimento, sobretudo em uma pesquisa a respeito das vivências de crianças e adolescentes, constitui um dos maiores desafios deste trabalho. Inspirados por Lowenkron (2015b), consideramos fundamental ressaltar que não se trata, aqui, de questionar a legitimidade das leis de proteção à infância e à adolescência, ou a gravidade da violência sexual contra aqueles que estão nessa faixa etária. O objetivo deste tópico é abordar a questão do consentimento em sua complexidade, identificando as mudanças históricas ocorridas nesse conceito, as teorias que as fundamentam e de que forma se manifesta na contemporaneidade.

Com raízes no iluminismo e na “autonomia” do indivíduo, surge a ideia de agência como possibilidade de agir “livre” e “racionalmente” a partir de requisitos morais estabelecidos nas sociedades ocidentais. Fruto desse pressuposto temos o consentimento, entendido como a capacidade de um indivíduo agir de forma considerada adequada em determinado contexto e sociedade (Waites, 2005). Diversos campos disciplinares têm buscado definir quais indivíduos têm a possibilidade de consentir, em que contextos e quais critérios fundamentam estas definições.

Embora baseada na concordância voluntária, na “liberdade” e na agência individual, a delimitação da capacidade de consentir deve levar em conta o contexto social e o status do agente. Em décadas recentes, os debates sobre as condições necessárias para o consentimento foram ampliados, incluindo questões relacionadas às desigualdades de poder (Waites, 2005). Ao pensar sobre as diferenças nas sociedades capitalistas, Lorde (2007) afirma que a hierarquização da pluralidade a partir de dimensões como raça, idade, sexo é necessária para que parte da população seja sistematicamente obrigada a ocupar espaços inferiorizados e/ou patologizados para servir como massa dispensável. Tal rejeição institucionalizada da diferença, como a autora nomeia esse processo, se faz fundamental no capitalismo e tem como resultado três formas de lidar com a diferença: “ignorar e, se não for possível, copiar quando a consideramos dominante ou destruir quando a consideramos subalterna” (Lorde, 2007). As diferenças não se dão apenas na idade, orientação sexual, identidade de gênero, raça/cor ou classe econômica. É necessário um olhar cuidadoso na importância da cultura e região geográfica, tal como Vigoya (2018) mostra ao fazer uma profunda análise da construção das masculinidades latino-americanas, em que destaca que “as estruturas de raça e classe não operam em abstrato, mas, por exemplo, pelo viés de tecnologias de subjetivação e de normalização cujo funcionamento deve ser estudado empiricamente a nível local” (Vigoya, 2018, p. 94).

As diferenças sobre quem pode ou não consentir também são abordadas por Alderson (1990) ao criticar as teorias biologicistas que estabelecem a incapacidade das crianças para a tomada de decisões, interrogando, portanto, a ideia de sujeito autônomo e racional do iluminismo. Por outro lado, a autora considera que crianças podem desenvolver algumas competências relevantes em seus contextos locais, tornando mais complexa, situada e relacional a determinação de um padrão para a autonomia individual na infância.

Além da possibilidade de alguma medida de agência da criança, as pesquisas sobre sexualidade também têm, progressivamente, admitido a existência de prazer sexual no período da infância, sobretudo a partir do espraiamento dos escritos de Freud no século XX (Waites, 2005). Reconhecer esse fenômeno implica a pressuposição de que a vivência da sexualidade pode, em alguns casos, proporcionar prazer à criança e não ser interpretada por ela como violência. Weeks (2002) sugere que os efeitos negativos da relação sexual entre adultos e crianças estão mais ligados aos estigmas do sexo, à possibilidade de envolvimento da justiça e aos significados culturais atrelados à sexualidade que geram vergonha e culpa, do que ao sofrimento gerado pelo ato. A compreensão de uma relação vivida na infância como abuso sexual frequentemente se dá somente anos depois, após a introjeção desses símbolos culturais associados ao sexo.

Embora esses fatores sejam relevantes, tal argumentação deve ser feita com cautela, já que pode contribuir para questionamentos sobre a existência de violência nas chamadas “relações intergeracionais” (Weeks, 2002), caso não haja o reconhecimento de expressões de violência física, dor ou desconforto. Algumas organizações recentes de pedófilos4 têm emergido com o objetivo de legitimar relações entre adultos e crianças e abolir as leis da idade do consentimento, com base na afirmação de que estas podem ocorrer de forma “consensual” e proporcionar experiências positivas às crianças (Weeks, 2002; Waites, 2005). Waites (2005) destaca que os argumentos em defesa da autonomia da criança em relação ao consentimento não levam em consideração importantes marcadores da diferença e as desigualdades de poder existentes, como o fator geracional, gênero, raça e também a classe. Esses argumentos têm negligenciado a importância do conhecimento necessário para calcular e entender os riscos das relações sexuais, como a transmissão de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e a ocorrência de gravidez indesejada.

A respeito da capacidade de avaliar os riscos, Gagnon (2004) afirma que a maioria das teorias considera as crianças somente como vítimas quando são envolvidas em relações sexuais, enquanto outros grupos, como homens gays e adolescentes são tidos como dotados de autocontrole e capacidade de escolha por uma conduta ou outra. O autor considera que as abordagens estruturais − que levam em conta como o contexto social produz desigualdades específicas − são fundamentais para transformações que possibilitem menos riscos e melhores condições para o exercício da sexualidade para esses diferentes grupos. Entretanto, as abordagens puramente estruturais, que constroem papéis rígidos e estereotipados de “mocinhos” e “vilões”, podem contribuir para a formulação de “soluções” ineficazes para o enfrentamento dos riscos envolvidos na prática sexual.

Ainda considerando que a sexualidade é permeada por hierarquias sociais, aquisição de competências, diferenças de poder e recursos desigualmente distribuídos pelo tecido social, alguns estudos feministas apontam para um continuum entre a atividade heterossexual “consentida” e aquela que restringe a escolha individual e as possibilidades de negociação (Waites, 2005; Cordeiro, Heilborn, Cabral e Moraes, 2009). As pesquisadoras Heise, Moore e Toubia (1995) destacam a importância de abordar a “coerção sexual” para ampliar a compreensão das violências sofridas pelas mulheres e meninas nas pesquisas e intervenções no campo da saúde sexual e reprodutiva. Segundo as autoras, esse conceito designa o ato de tentar ou efetivamente forçar alguém a se envolver em ato sexual contra a sua vontade, o que pode ocorrer devido a ameaças, fraude, violência, insistência verbal, dependência econômica, expectativas culturais, dentre outros fatores que marcam as diferenças de poder exercidas no âmbito da relação. As análises feministas, portanto, expandem os limites sobre o que é ou não violência sexual, associando-a às relações desiguais de gênero. Essas reflexões adicionam camadas de complexidade sobre a concepção hegemônica de consentimento individual por apontar que as assimetrias de poder constrangem e delimitam a capacidade e a possibilidade concreta de negociar práticas em uma determinada relação.

Para Scott (1995), a categoria gênero é pensada como uma forma primária de estruturação das relações de poder nas sociedades ocidentais. De forma semelhante, Connell (2021) parte do pressuposto de que a masculinidade e a heteronormatividade estruturam não somente as relações de gênero, mas estão imbricadas a outras estruturas coloniais, como as raciais e socioeconômicas. Trata-se, portanto, da busca por fazer do corpo do outro um objeto, negando-lhe seu lugar de sujeito. A autora também destaca como a hierarquização da sociedade permite que sejam identificadas situações de violência, ainda que nem sempre suas manifestações ocorram de forma agressiva e/ou dolorosa. Partindo dessa ideia, é possível considerar violento algum ato que supostamente ocorra com o consentimento da pessoa.

Assim, longe de ser uma categoria fixa e inequívoca, a capacidade de consentir e as fronteiras entre o aceitável e inaceitável, baseadas em idade cronológica, condições psicológicas, dentre outros elementos, estão sujeitas a redefinições e deslocamentos, a depender das discussões que são propostas por diferentes agentes e de distintos contextos históricos (Lowenkron, 2007). Um dos agentes fundamentais na (re)definição das normas e padrões morais que regulam a conduta sexual é a lei (Waites, 2005; Lowenkron, 2007), que não somente estabelece normas, mas também estratégias de proteção e de punição, caso elas sejam transgredidas. Assim, importa sobremaneira não somente o que ela interpela, mas o que ela produz e operacionaliza a partir de casos concretos. Nos deteremos no tópico seguinte sobre como a “idade do consentimento” é construída e regulada pela legislação de diversos países, com especial atenção para o caso do Brasil.

A “idade do consentimento” e a lei

A compreensão de que crianças não têm as aptidões necessárias para avaliar os riscos decorrentes das relações sexuais influenciou a formulação de leis que delimitaram a idade em que o consentimento se torna válido. Essas leis variam entre os países, seja em função da idade ou no modo de aplicação. Em alguns deles, são também levados em consideração o sexo ou identidade sexual dos envolvidos, o tipo de ato sexual, dentre outros fatores (Waites, 2005).

Desde o século XIX, a expressão “idade do consentimento” tem sido utilizada para nomear a regulação estatal da sexualidade a partir da idade cronológica. No entanto, somente a partir do século XX, este conceito passa a se referir a outros tipos de sexo além do heterossexual (Waites, 2005). O desenvolvimento de pesquisas sobre a “idade do consentimento”, em contexto global, possibilita não somente um panorama histórico, como também potencializa mudanças na legislação dos Estados.

Alguns estudos comparativos, em nível internacional, revelam uma diversidade de estruturas que fundamentam a formulação das leis. A primeira delas, apontada por Waites (2005), é a ideia de idade mínima. Alguns países consideram tal fator primordial, e definem como crime qualquer relação sexual abaixo de determinado limite etário. Em outros, a legalidade da relação é definida também pelas condições específicas de cada interação e pelas motivações individuais. Outros consideram também as relações de autoridade, adicionando restrições baseadas em desigualdades de poder entre os envolvidos.

Esses estudos também identificaram alguns padrões históricos e culturais. Segundo Waites (2005), países colonizados pela França e Espanha, por exemplo, tendem a delimitar idades mais baixas.5 Outros de colonização inglesa, como o exemplo dos Estados Unidos da América (EUA), mantiveram ao longo do século XX idades mais altas do que a maioria dos países. No caso específico dos EUA, em que cada estado tem autonomia para legislar, muitos deles, como Califórnia, Nova York, Oregon e Tennessee, estipulam os 18 anos para a idade do consentimento (AgeOfConsent.net, 2023).

Na América do Sul, seis países utilizam como parâmetro a idade de 14 anos: Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Paraguai e Brasil (AgeOfConsent.net, 2023). No Brasil, a idade de 14 anos foi adotada pela primeira vez no Código Penal de 1940, para fins de “adequação aos avanços sociais e culturais” (Sauer, 2014, p. 98). Em leis anteriores, a idade do consentimento era mais elevada, sendo de 17 anos no Código Penal de 1832 e de 16 anos em seu sucessor, promulgado em 1890. A legislação de 1940 designava a relação sexual com menor de 14 anos como violência ficta, ou presumida, a saber, um ato considerado juridicamente violento, ainda que não ocorresse violência factual, por considerar-se que a vítima não dispunha da capacidade de oferecer resistência. Entretanto, a idade não era critério absoluto para determinar a violência, podendo ser relativizada dependendo das circunstâncias (Sauer, 2014). Por esse motivo, algumas decisões judiciais relativizavam a presunção de violência em relação a atos sexuais com menores de 14 anos, o que levou à promulgação da lei 12.015 (Brasil, 2009), que passa a estabelecer a idade como critério inequívoco para a determinação da ocorrência de violência sexual, por meio da categoria “estupro de vulnerável” (Lowenkron, 2007).

Dentre esses casos, Lowenkron (2007) cita uma decisão histórica do Superior Tribunal Federal, de 1996, que concedeu habeas corpus a um homem de 24 anos que manteve relação sexual com uma menina de 12 anos. Uma das alegações que fundamentaram a sentença era de que o réu não teria condições de saber que a suposta vítima era menor de 14 anos e que, consequentemente, cometia um crime. Essas posições adotadas pelo judiciário refletem uma tensão entre o reconhecimento da vulnerabilidade infantil, sobretudo a feminina, e a responsabilização da figura masculina adulta, expressando uma dinâmica, difundida socialmente, que tende a suavizar os atos de violência dos homens contra mulheres e meninas (Lowenkron, 2007).

Outra figura que permeia o imaginário popular como ser sexualmente desejável é a chamada “novinha”. Ao analisar um contexto de periferia urbana, representado por duas favelas da zona norte do Rio de Janeiro, Fernandes (2017) destaca que a “novinha” se distingue das categorias de infância e adolescência construídas pelas instituições do Estado, médicas e psicológicas, visto que é definida como uma jovem atrevida e sexualmente experiente. Não se trata de designar uma idade específica, mas de caracterizar uma performance. Alguns relatos da pesquisa revelam preocupações de algumas pessoas em “proteger” os homens do corpo exposto dessas meninas, sob alegação de que eles não conseguem desviar o olhar e evitar o desejo. Essa interpretação não difere das estratégias de responsabilização da vítima em decisões judiciais, como aquela analisada por Lowenkron (2007).

O contexto apresentado sugere que há diferentes controvérsias relacionadas à “idade do consentimento”. Embora a lei funcione como hierarquizadora de direitos (Lowenkron, 2016), além de definidora de normas e limites sociais e morais em relação ao comportamento sexual (Weeks, 2002; Lowenkron, 2007), alguns paradoxos permeiam a opinião pública e a atuação do Estado em relação a esse tema. Ao mesmo tempo em que a sexualização de crianças, principalmente de meninas, é fomentada e naturalizada pela cultura popular, como observado no caso das “novinhas”, a luta contra o abuso sexual infantil vem apresentando grande relevância nos últimos anos. Enquanto o Estado amplia suas estratégias de combate ao abuso sexual infantil, figuras presentes no imaginário popular, como as “novinhas”, borram as noções de infância e adolescência estabelecidas pelas leis (Fernandes, 2017) e têm sua “menoridade” desconstruída com base na imagem que performam.

O Brasil apresenta números elevados de casamento infantil (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2023). Uma pesquisa publicada em 2015 (Taylor, Lauro, Segundo e Greene, 2015) define como casamento infantil todo aquele, formal ou informal, que envolve pelo menos uma pessoa menor de 18 anos. A mesma pesquisa identificou cerca de 877 mil mulheres na faixa etária entre 20 e 24 anos que relataram ter se casado antes dos 15 anos. Um documento mais recente (UNICEF, 2021) reconhece o Brasil como um dos 5 países com maior taxa de casamentos infantis no mundo, ao lado de Índia, Bangladesh, Nigéria e Etiópia.

Embora as pesquisas sobre esses dados e os impactos nas trajetórias de vida dos envolvidos sejam escassas, e com grande possibilidade de subnotificação, Cardoso e colaboradoras (2022) reconhecem que o casamento infantil permanece expressivo no Brasil, especialmente nas regiões menos desenvolvidas. A legislação brasileira, entretanto, a partir da lei 13.811 de 2019, proíbe o casamento de pessoas menores de 16 anos em quaisquer circunstâncias (Brasil, 2019). Antes da publicação desta lei, algumas exceções eram admitidas, como para evitar pena criminal ou em caso de gravidez (em que o casamento funcionaria também como uma espécie de reparação pelo crime), embora permanecesse a criminalização de relações sexuais com menores de 14 anos (Temer, 2023).

A gravidez de menores de 14 anos não é incomum no país. Segundo dados do Ministério da Saúde, foram registrados 17.458 nascidos vivos de crianças e adolescentes com até 14 anos, somente no ano de 2021. Considerando a aplicação do conceito de estupro de vulnerável, todas estas gestantes teriam direito a acessar o aborto legal. No entanto, no mesmo ano, o Sistema de Informações Hospitalares do SUS, registrou apenas 131 abortos por razões médicas, isto é, abortos legais, na faixa etária até 14 anos.6

A comparação entre dados tão destoantes nos leva a alguns questionamentos sobre as dificuldades de acesso ao aborto que são enfrentadas pelas crianças que gestam. O próximo e último tópico se propõe discutir sobre essas barreiras, e de que forma os estigmas e simbolismos associados ao aborto e às relações sexuais com crianças podem contribuir para as tensões no cenário atual do aborto legal em menores de 14 anos no Brasil.

Estupro de vulnerável, gravidez e aborto

No Brasil, o direito à interrupção da gestação é garantido por lei, desde 1940, em casos de risco de vida à gestante e quando a gravidez é decorrente de estupro. Mais recentemente, o país ampliou o permissivo para casos de gestação de fetos anencéfalos. No entanto, são inúmeras as barreiras enfrentadas por meninas, adolescentes e mulheres adultas quando necessitam de interrupção legal da gravidez. Estas dificuldades são ainda mais potencializadas quando a pessoa que gesta tem menos de 14 anos de idade, na medida em que estão imiscuídas dimensões como moralidade em relação à sexualidade de adolescentes, contextos de vulnerabilidade social, etária, racial e de gênero, sobretudo em casos de abuso e violência sexual contra crianças, e as próprias questões políticas e culturais em relação à interrupção de gestação em si. Em outras palavras, ainda que o aborto seja garantido por lei a qualquer pessoa gestante menor de 14 anos, casos recentes publicizados na mídia e redes sociais e o descompasso entre os dados estatísticos demonstram inúmeras dificuldades no acesso a esse direito, em que são acionados expedientes diversos para impedir a obtenção/realização deste direito.

Diferentes atores, estatais ou não, contribuem na constituição de barreiras para o acesso ao aborto legal, destacando-se: atribuição de impedimento em função da idade gestacional; atribuição de personalidade jurídica ao feto; qualidade das informações oferecidas às vítimas; indisponibilidade de serviços. Deve-se acrescer a este cenário as já conhecidas e reiteradas desigualdades socioeconômicas, de gênero, de raça, de região de moradia, dentre outras, que incidem na construção de barreiras para acesso ao aborto legal no país, independentemente da idade da pessoa que está grávida. Estes obstáculos dificultam (ou mesmo, impedem em diversos casos) o acesso ao aborto permitido por lei, tal como em contexto de “estupro de vulnerável” em que a idade do consentimento é um importante eixo estruturante de tal permissivo.

Recente trabalho realizado por Jacobs (2022) mostra a imensa desigualdade em relação à distribuição pelo território brasileiro de serviços de aborto legal, constituindo-se como importante barreira para efetivação deste direito para mulheres de todas as idades. A distância dos serviços, que tendem a se concentrar nas capitais, é um importante obstáculo para quem não tem condições socioeconômicas suficientes para realizar deslocamentos entre municípios e/ou estados neste país de dimensões continentais. As autoras apontam que a barreira geográfica dificulta a própria obtenção de informações a respeito do aborto legal para quem dele necessita, o que é agravado se considerarmos o frequente desconhecimento sobre os permissivos legais por parte das meninas e mulheres, suas famílias e, até mesmo, de profissionais de saúde.

Outras dificuldades são também impostas de forma extralegal a quem necessita interromper uma gestação, tais como o “custo, limite de tempo gestacional, assédio moral, limitações de estrutura física, equipe ou sigilo” (Jacobs, 2022, p. 63) e recusas dos profissionais de saúde. Recentes casos de gravidez de meninas menores de 14 anos têm a querela sobre o tempo gestacional como fundamento para atuação de diversos agentes de saúde e da justiça no sentido de tentar impedir o aborto legal. No entanto, o Código Penal Brasileiro não estabelece limite de tempo gestacional para interrupção da gravidez nos casos previstos em lei. É importante destacar que crianças e adolescentes tendem a demorar mais tempo para descobrir a gravidez, tanto pela possibilidade de sofrerem ameaças, quanto por não compreenderem a situação que estão passando (Toledo et al., 2015). As restrições baseadas em idade gestacional constituem uma barreira que afeta, principalmente, pessoas em condições mais vulneráveis, como crianças e adolescentes e pessoas com menor escolaridade (Jacobs e Boing, 2022; Toledo et al., 2015).7

Além disso, o tempo gestacional deve ser levado em conta apenas para a escolha do procedimento mais adequado para realizar o aborto. Argumentos baseados em “idade gestacional avançada” emprestam um falso verniz técnico às decisões judiciais, mobilizam a opinião pública e a ação de diversos profissionais e agentes do Estado. Indo além, colaboram na construção de um suposto conflito entre os direitos do feto e da gestante, contribuindo sobremaneira para dificultar ou negar acesso ao direito aborto em casos de estupro.

Na esteira dos elementos que contribuem para a interposição de obstáculos ao aborto legal, há ainda o caso de profissionais que transmitem às famílias informações imprecisas sobre os métodos e os riscos do aborto. Observamos, por exemplo, situações nas quais um profissional de saúde diz à mãe da menina gestante que o procedimento poderia levá-la a óbito (Guimarães, 2023). É importante considerar, porém, que os riscos de morte associados ao aborto estão relacionados ao uso de métodos inseguros, como consequência da criminalização desta prática (Heilborn, Da Silva Cabral, Reis Brandão, Faro, Cordeiro, e Lopes Azize, 2012).

O aborto legal é um procedimento muito mais seguro do que uma gestação saudável levada à termo (Bartlett, Berg, Shulman, Zane, Green, Whitehead e Atrash, 2004). Além disso, a pesquisa de Conde-Agudelo, Belizán e Lammers (2005) identificou que adolescentes, especialmente menores de 16 anos, apresentaram maior probabilidade de morte durante a gravidez, o que pode estar associado ao maior risco de anemia, hemorragia pós-parto e endometriose puerperal nessa idade, em comparação com gestantes adultas. Estes dados indicam que a manutenção de uma gravidez em idade inferior a 16 anos representa maior risco de morte do que a sua interrupção.

Outro obstáculo a ser enfrentado no acesso ao aborto legal é o questionamento sobre a veracidade do estupro. Uma pesquisa realizada por Diniz e colaboradoras (2014) identificou que as equipes de saúde costumam adotar um regime de suspeição em relação ao estupro, apesar de não ser necessário apresentar boletim de ocorrência ou qualquer prova do acontecimento relatado para interromper a gravidez. A verdade do estupro e o papel de vítima são construídos a partir de diversos “testes”, como checagem de datas, e investigações sobre a conduta da gestante. A mesma pesquisa aponta que a construção da imagem de vítima tem sido fundamental para o acesso ao aborto (Diniz, Canabarro Dios, Mastrella e Pereira Madeiro, 2014).

No caso de Santa Catarina (SC), inicialmente retratado neste artigo, observamos que a possibilidade de a gravidez decorrer de uma relação com outro adolescente fortaleceu argumentos de que o ato teria sido consensual. A divulgação dessa informação em notícias (Santos, 2022) levou a inúmeras reações nas redes sociais que buscavam descaracterizar o permissivo legal de gravidez decorrente de violência sexual a partir do argumento de que os genitores mantinham um relacionamento afetivo-sexual, inclusive reconhecido e validado pela família. A reivindicação da capacidade de consentir, neste caso, contribuiu para a desconstrução da menoridade e da imagem de vítima da criança envolvida. Se a imagem da vítima deve ser comprovada e até “performada” pela pessoa que busca um aborto após uma situação de estupro (Diniz et al., 2014), a repercussão do caso de SC sugere que essa premissa também se aplica às gestantes menores de 14 anos, ainda que a lei reconheça o “estupro de vulnerável”. Tanto a menoridade quanto a noção de “vulnerabilidade” associada a essa categoria podem ser desconstruídas em casos concretos, especialmente quando a pessoa envolvida apresenta características que “borram” a noção idealizada da infância ancorada em noções como “pureza e inocência” (Lowenkron, 2015a). Esse processo evidencia uma perversa relação entre proteção à infância e acesso a direitos, que condiciona o segundo à manutenção do status de “objeto e nunca de sujeito” (Lowenkron, 2015b) à criança ou adolescente que busca efetivá-los.

Sendo assim, argumentos que colocam em xeque a categoria “estupro de vulnerável” com base na noção de consentimento sexual podem impactar gravemente o acesso ao aborto legal. Com isso, a invocação da capacidade de consentir para algumas crianças (considerando marcadores sociais como classe, raça e gênero) soma-se às demais barreiras de acesso ao aborto legal para menores de 14 anos.

Meninas e mulheres negras e indígenas estão entre os grupos mais expostos a um maior risco de morbimortalidade materna em decorrência de aborto inseguro (Diniz, Medeiros e Madeiro, 2023; Goes, 2023). A precariedade enfrentada na execução do procedimento (locais insalubres, profissionais pouco qualificados, métodos inseguros com objetos perfurocortantes e substâncias tóxicas, entre outros fatores), sobretudo por mulheres negras e em condição de pobreza, as torna mais vulneráveis a desfechos trágicos, assinalando a distribuição desigual das barreiras de acesso ao aborto no Brasil. São também as mulheres negras aquelas que se veem mais solitárias e isoladas no processo de decisão sobre a interrupção da gestação, com uma rede de apoio mais enfraquecida e menor participação de parceiros (Cabral e Brandão, 2021). Esse grupo de mulheres enfrenta maiores obstáculos em ter sua gestação reconhecida, legitimada e valorizada pelos parceiros, sendo alvo de atitudes negativas destes, como abandono, descrédito e humilhação (Goes, 2023).

Soma-se a isso o agravante da chegada tardia aos serviços de saúde. A chance de meninas e mulheres negras, indígenas e pobres sofrerem violência institucional na saúde são consideravelmente mais elevadas em comparação a mulheres brancas (de Lima, Pimentel e Lyra, 2021), o que pode contribuir diretamente para um afastamento desse público dos serviços de saúde. Considerando a intersecção dessas condições, Goes (2023, p. 40) afirma que: “a resistência em procurar os serviços se inclui entre aqueles impedimentos que não se referem à mera disponibilidade de serviços, mas ao poder da população, poder de tempo e transporte, poder financeiro e poder de lidar com a organização”.

Os dados apresentados demonstram que na trajetória de meninas e mulheres em busca do aborto legal incide um conjunto de elementos que podem atuar como dificultadores de acesso ao serviço e potenciais objetos de violência e discriminação. Em um cenário no qual a suspeição sobre a legalidade do aborto está instalada, categorias de diferenciação como raça, classe representam uma maior vulnerabilização das pessoas inscritas nesses grupos. Ou seja, há uma composição perversa entre o estigma social do aborto e a discriminação por raça/etnia, idade e classe social.

O uso indevido (e, por que não dizer, deturpado) das noções de “idade do consentimento” e “estupro de vulnerável” pode se converter em mais uma barreira para o acesso ao aborto legal. Em outras palavras, há uma nova investida de setores conservadores que são contrários ao direito ao aborto no país e que mobilizam tais conceitos para dificultar o acesso ao aborto legal de gestantes com menos de 14 anos. Assim, trata-se de uma ardilosa estratégia que busca colocar em xeque um dos poucos permissivos legais de interrupção de gravidez. Infelizmente, temos assistido, sobretudo na grande mídia mas também nos tribunais e serviços de saúde, casos de gravidez de pessoas menores de 14 anos que têm sido usadas nesta investida contra os direitos reprodutivos no Brasil.

Considerações finais

Neste texto, buscamos analisar de que forma a categoria “idade do consentimento” se articula a noções de sexualidade infantil, modulando o acesso a direitos reprodutivos, sobretudo o aborto legal. Mais do que um conceito de contornos bem delimitados, o consentimento mostra-se instável, contraditório e poroso, variando conforme os atores que o evocam e o contexto histórico e político no qual é enunciado.

De acordo com Fernandes, Rangel, Díaz-Benítez e Zampiroli (2020, p. 167), o consentimento “tornou-se modelo de regulação jurídica da sexualidade e principal critério de definição da licitude de um ato sexual”. Com isso, destaca-se seu caráter determinante na conformação de tipos, como vítima e agressor e, portanto, na construção de legitimidade no acesso a direitos reprodutivos, como o aborto legal. As controvérsias na aplicação da categoria no âmbito jurídico encontram-se na intricada definição de quem pode ser concebido como sujeito político de direitos e quem não pode.

No que concerne ao domínio da proteção da infância, o estabelecimento inequívoco de uma “idade do consentimento” fundada em um sujeito racional, autônomo, cuja decisão estaria salvaguardada de constrangimentos e coações, parece dar lugar a uma multiplicidade de sentidos. Nessas disputas, o conceito é traduzido, distendido e modificado de acordo com tensões oriundas das relações de poder, nas quais os marcadores sociais da diferença desempenham papel central.

A proliferação de sujeitos e de categorias jurídicas voltadas a regular a tutela das crianças, nas últimas décadas no Brasil, assinalam a produção de uma gramática específica composta por noções, tais como sujeito vulnerável e idade do consentimento. O esforço em determinar fenômenos e relações desde o âmbito jurídico coloca a infância no centro das intervenções, de modo que o Estado esteja habilitado para definir os limites da capacidade de consentir, a partir, entre outras coisas, da idade cronológica. As relações entre idade do consentimento e tutela da infância são permeadas por marcadores sociais da diferença, como classe, raça e gênero. A garantia de proteção estatal por meio do uso dessas categorias parece ficar mais frágil conforme aumenta a vulnerabilização sistemática de certos grupos sociais.

Devido à legislação restritiva ao aborto no Brasil, o reconhecimento da categoria estupro de vulnerável torna-se um importante fator para o acesso a esse direito. Ainda assim, o mesmo Estado que detém a tutela desses sujeitos tem produzido barreiras de acesso ao aborto legal para crianças gestantes. Soma-se a isso o recrudescimento de direitos no campo da saúde reprodutiva na cena o recente e intenso avanço do neoconservadorismo no Brasil, explicitando as tensões entre direitos da infância e direitos reprodutivos. Nessa conjuntura, iniciativas recentes, como o Projeto de Lei 1904/2024 - que pretende proibir e penalizar qualquer aborto em tempo gestacional superior a 22 semanas - promovem uma legitimação da interdição do aborto legal, sobretudo para crianças e adolescentes, considerando as particularidades da infância, que favorecem tanto a demora na descoberta da gravidez, em sua revelação a pais/responsáveis, bem como no acesso ao direito garantido desde o Código Penal de 1940.


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Notas:

[1] Um ensaio, ao aliar a liberdade autoral com a objetividade da ciência, não tem como fim a resolução de um problema apresentado, mas sim lançar luz às tensões existentes sobre determinado assunto (Adorno, 2003; Starobinski, 2011).

[2] Maiores informações podem ser acessadas em: dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/0396317731060987

[3] Promulgado em 1927 e editado em 1979.

[4] Waites (2005) cita dois exemplos desses grupos: a North American Man-Boy Love Association (NAMBLA), nos EUA e a Paedophile Information Exchange (PIE), no Reino Unido.

[5] Apesar dessa observação do autor, alguns países da América Latina, como Chile, Argentina, Nicarágua e Panamá, mantém a idade mínima de 18 anos para consentimento, segundo informações da plataforma https://www.ageofconsent.net/.

[6] Pesquisa realizada na plataforma Tabnet (http://tabnet.datasus.gov.br/).

[7] No momento de redação deste artigo, assistimos a mais um expediente (Projeto de Lei 1904/2024), mobilizado por representantes do poder legislativo federal e do Conselho Federal de Medicina, na busca por cercear o acesso ao aborto legal, através de alteração de artigo do Código Penal de 1940 e introdução de limite/tempo gestacional para realização da interrupção de gravidez em casos já previstos na lei brasileira.

Notas

[8] Financiamiento: A pesquisa recebeu financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.