A palavra “sistema” na Gramática castellana (1847), de Andrés Bello

Kelly Cristini Granzotto Werner

Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Brasil
kcgwbr@gmail.com

Trabajo recibido el 6 de marzo de 2022 y aprobado el 1º de noviembre de 2022.

Resumo

Este artigo resulta do trabalho doutoral: “A noção de língua na Gramática Castellana (1847), de Andrés Bello: conjuntura histórica e política” (Werner, 2022). Fiz, então, um recorte, buscando refletir sobre a noção de “sistema” presente na obra Gramática de la lengua castellana, destinada al uso de los americanos (1847), de Andrés Bello para compreender em que sentido ela é proposta. Para tanto, faço a discussão, analisando as incidências da palavra sistema no texto do Prólogo da referida gramática, a partir do ponto de vista teórico da Semântica do Acontecimento, de Guimarães (2002, 2018), especificamente, dos procedimentos analíticos dessa semântica, a “reescrituração” e a “articulação”. Constatei três ocorrências da palavra, e a análise realizada aponta a noção de sistema diretamente relacionada à concepção de língua do gramático e à forma como ele acredita que ela deve ser descrita e analisada.

Palavras-chave: língua espanhola, gramática, Andrés Bello, sistema, Semântica do Acontecimento.

La palabra “sistema” en la Gramática castellana (1847), de Andrés Bello

Resumen

Este artículo resulta del trabajo de doctorado: “A noção de língua na Gramática Castellana (1847), de Andrés Bello: conjuntura histórica e política” (Werner, 2022). Hice, entonces, un recorte, buscando reflexionar sobre la noción de “sistema” presente en la obra Gramática de la lengua castellana, destinada al uso de los americanos (1847), de Andrés Bello, para comprender en qué sentido se propone. Para tanto, realicé la discusión, analizando las incidencias de la palabra sistema en el texto del Prólogo de la gramática, desde el punto de vista teórico de la Semántica del Acontecimiento, de Guimarães (2002, 2018), específicamente, de los procedimientos analíticos de la “reescritura” y la “articulación”. Encontré tres apariciones de la palabra, y el análisis realizado apunta la noción de sistema directamente relacionada a la concepción de lengua del gramático y a la forma como él cree que ella debe describirse y analizarse.

Palabras clave: lengua española, gramática, Andrés Bello, sistema, Semántica del Acontecimiento.

The word “system” in Gramática castellana (1847), by Andrés Bello

Abstract

The present article is a result of the doctoral work: “A noção de língua na Gramática Castellana (1847), de Andrés Bello: conjuntura histórica e política” (Werner, 2022). In order to understand the notion of “system” applied in Gramática de la lengua castellana, destinada al uso de los americanos (1847), by Andrés Bello, a reduction was made to enable the comprehension of its meaning. For this purpose, the discussion is articulated based on the analysis of the occurrences of the word system along the Prologue text in the referred grammar book, from the theoretical perspective of the Semantics of the Event, by Guimarães (2002, 2018), focusing on specific analytic procedures, namely “rewriting” and “articulation”. It was possible to identify three occurrences of the word and the performed analysis indicates that the notion of system is directly related to the comprehension of language that the grammarian has and to the way he believes it will be described and analyzed.

Keywords: Spanish language, grammar, Andrés Bello, system, Semantics of the Event.

1. Introdução

No âmbito do estudo de tese de doutorado1 realizado sobre a obra gramatical de Andrés Bello, especificamente, da Gramática de la lengua castellana, destinada al uso de los americanos (1847), me deparei com a noção de “sistema”, ao analisar parte do Prólogo da obra. Surgiu então a inquietude de propor um exame mais detalhado dessa noção. Para esta oportunidade, portanto, fiz um recorte, buscando abordar o tema, a partir das ocorrências da palavra nesse paratexto. Mesmo assim, não é uma pretensão oferecer una resposta definitiva ao assunto neste artigo, mas sim trazer uma reflexão, porque ele perpassa o interior dessa gramática e supõe-se que se faça presente em outras produções do autor como a obra póstuma Filosofía del entendimento (1881), nesta, sobretudo, articulado ao conceito de “ideas-signos”, que valeria investigar.

Nos estudos linguísticos, principalmente os realizados no âmbito da Linguística Moderna, a noção de sistema torna-se um elemento central com os/nos trabalhos de Ferdinand Saussure (1857-1913), ainda que não tenha sido cunhada por ele. Segundo Coelho (2015), essa ideia já estava presente no Ocidente nas reflexões elaboradas por autores dos estudos da linguagem muito antes de Saussure (1857-1913) assim como em outras áreas do conhecimento. Essa noção, portanto, também já se mostrava antes de Bello (1781-1865). Isso fortalece a afirmação de Auroux (2014), que, desde a perspectiva da História das Ideias Linguísticas, compreende que o saber tem memória:

Todo conhecimento é uma realidade histórica, sendo que seu modo de existência real não é a atemporalidade ideal da ordem lógica do desfraldamento do verdadeiro, mas a temporalidade ramificada da constituição cotidiana do saber. Porque é limitado, o ato de saber possui, por definição, uma espessura temporal, um horizonte de retrospecção, assim como um horizonte de projeção. O saber (as instâncias que o fazem trabalhar) não destrói seu passado como se crê erroneamente com frequência; ele o organiza, o escolhe, o esquece, o imagina ou o idealiza, do mesmo modo que antecipa seu futuro sonhando-o enquanto o constrói. Sem memória e sem projeto, simplesmente não há saber (Auroux 2014, 12).

O objetivo é compreender a noção de sistema no pensamento gramatical de Bello, mostrando, por sua enunciação, sua concepção. Para isso, a reflexão se apoia na perspectiva teórica da Semântica do Acontecimento, proposta pelo teórico brasileiro Eduardo Guimarães (2002, 2018), tomando a palavra como uma designação2. Ou seja, busco analisar o que ela significa no Prólogo, o que vem a ser sistema para Bello, atentando aos seus modos de reescrituração e articulação nos enunciados em que aparece.

2. Generalidades sobre o autor e a obra

A partir do trabalho de Jaksić (2010), recupero brevemente a trajetória biográfica e intelectual de Andrés Bello. Ele nasceu em Caracas, Venezuela, em 1781, e faleceu em Santiago, no Chile, em 1865, aos 84 anos. Pertenceu a uma família culta e teve acesso à educação clássica e religiosa, iniciada em Caracas, onde se formou em Artes (hoje, Humanidades), em 1800, e continuada em Londres, durante os 19 anos no exercício de atividades diplomáticas em prol dos países latino-americanos. Aprendeu línguas estrangeiras como latim, francês e inglês e era leitor e estudioso de textos europeus, o que lhe rendeu oportunidades de trabalho como o magistério, sendo, por exemplo, professor de Simón Bolívar, como funcionário da Coroa Espanhola e depois como diplomata de governos locais, sobretudo o Chile, onde exerceu cargos diversos, como o de senador por três mandatos, além de autor de discursos presidenciais e outros textos importantes para a nova nação.

Devido às suas experiências de vida (Caracas, 1781-1810, Londres, 1810-1829 e Santiago, 1829-1865) e afetado pela conjuntura histórica, política e social, cujo período foi o da passagem das colônias espanholas a jovens nações independentes e a sua consolidação como Estados nacionais, produziu bastante, no Chile, em diferentes áreas, como literatura, linguística, filosofia, jornalismo, direito, educação, política, configurando-se em “notable polígrafo” (Jaksić 2016, 9). Destaco a elaboração do Código Civil de la República de Chile (1856), a participação na fundação de escolas, na elaboração de currículos, na criação da Universidad de Chile (1843), da qual foi professor e primeiro reitor, a produção da norma ortográfica3 e a Gramática de la lengua castellana, destinada al uso de los americanos (1847).

Sua trajetória permite afirmar que sua figura é vista como uma personalidade importante da história chilena e de outras nações latino-americanas, além de ser um dos mais destacados intelectuais de seu tempo. Alguns estudiosos de sua obra afirmam que ele foi um dos mais importantes, como, por exemplo, Arnoux (2006), Cartagena (2014) e Pérez (2016). Para este último, o autor é o intelectual mais saliente no século XIX, na América Hispânica, e considera uma injustiça que tenha ficado esquecido, invisível na historiografia canônica da língua espanhola. Não é meu objetivo neste trabalho refletir sobre esse aspecto, mas as considerações de Pérez (2016) sobre o tratamento dado a Bello e sua obra pela historiografia suscitam uma pergunta: por que motivo isso aconteceu/acontece? Essa questão merece ser mais discutida de modo a expandir a reflexão, mas em outro momento.

Quanto ao pensamento de Bello sobre a língua, seus trabalhos se desenvolveram no âmbito gramatical, ortográfico, filológico (linguístico), filosófico e literário, em paralelo a outros textos em outras áreas, as quais se interessava, dentro de seu trabalho de intelectual humanista, ilustrado, como o direito, a educação, a divulgação científica, o jornalismo. Seus estudos que congregam no seu pensamento em diversas áreas, não se desvincularam da conjuntura sócio-histórica e política do momento, século XIX latino-americano. A produção completa do autor foi reunida nas Obras Completas, com 26 tomos, publicada pela Fundación la Casa de Bello, em Caracas, 1981-1984 (Jaksić 2010).

Para este artigo, interessa-me a gramática de 1847. As condições sócio-históricas de sua produção dizem respeito ao processo de independência das colônias hispano-americanas e sua consolidação como nações. Neste trabalho, utilizo a primeira edição, respeitando a ortografia original. A obra está estruturada em um Prólogo de nove páginas, dividido em doze números, uma página de Erratas, uma página de Noções Preliminares, cinquenta e um capítulos, dezenove notas de fim e duas páginas de Índice. Existem quatro edições posteriores da obra de 1847, revisadas por Bello, a saber: 1853, 1854, 1857 e 1860.

Ao lado de outros textos de Bello (norma ortográfica, manuais, gramática, textos normativos), essa obra integra um processo de codificação da língua espanhola no Chile (com a pretensão de ser também para a América Latina), sobretudo, encabeçado por Andrés Bello, desde a sua condição intelectual, educacional e governamental. Segundo Cartagena (2002, 60), esse processo é longo e teria acontecido de 1842 a 1938, no que denominou “período de estandarización de la lengua española en Chile”4. A Gramática de la lengua castellana, destinada al uso de los americanos (1847) se tornaria a base desse processo, que acontece como uma política linguística prescritiva, isto é, um meio de ação sobre a língua por parte desse autor, que a desenvolve desde o lugar da elite intelectual e apoiada oficialmente pelo governo chileno. Conforme Moré (2004, 69):

La gramática es la instancia en que se expresan y definen las decisiones (qué enseñar, cómo enseñar, a quién enseñar, por qué enseñar, etc.), que, bajo la forma de acciones, pretenderán hacer realidad los objetivos de la intervención del poder sobre el uso de la lengua: uniformar los hábitos lingüísticos y garantizar la unidad del código de comunicación5.

Essa política linguística de correção dos hábitos linguísticos dos falantes em língua espanhola, em prol da unidade da língua na América Latina, para fins de sua conservação e garantia da comunicação, aparece materializada em “instrumentos linguísticos”, sendo a gramática de 1847 um deles. Na visão de Auroux (2014), gramáticas e dicionários são produtos do que denomina de “gramatização”, devendo ser tomados como instrumentos linguísticos. Nas palavras do autor: “por gramatização deve-se entender o processo que conduz a descrever e a instrumentar uma língua na base de duas tecnologias, que são ainda hoje os pilares de nosso saber metalinguístico: a gramática e o dicionário” (Auroux 2014, 65, grifos do autor). Ou ainda, “gramatizar é construir um instrumento linguístico [...] “construir protocolos que os sujeitos linguísticos podiam utilizar na sua atividade de produção linguística” (126). Assim, para esse autor (2014, 126), “uma língua “gramatizada” é uma língua instrumentada que dispõe de referência e normas”. O autor amplia sua explicação sobre os instrumentos linguísticos, dizendo que:

A gramática não é uma simples descrição da linguagem natural, é preciso concebê-la também como um instrumento linguístico: do mesmo modo que um martelo prolonga o gesto da mão, transformando-o, uma gramática prolonga a fala natural e dá acesso a um corpo de regras e de formas que não figuram junto na competência de um mesmo locutor. Isto é ainda mais verdadeiro acerca dos dicionários [...] (Auroux 2014, 70).

Nesse sentido, o instrumento linguístico, gramática, no caso, a de Bello (1847), deve ser entendida como um objeto que serve de referência para os falantes em relação ao uso correto da língua espanhola, que é tomada como língua nacional, no século XIX, pós-independência.

3. Reescrituração e articulação: procedimentos de análise dos sentidos na Semântica do Acontecimento

Como procedimento de análise das ocorrências da palavra “sistema”, enquanto designação, nos enunciados selecionados, considero dois modos de relação enunciativa e de fazer sentidos na língua, adotados por Guimarães (2002, 2018), na Semântica do Acontecimento,—a reescrituração e a articulação— pois permitem compreender seu funcionamento enunciativo no texto que integra e ler os sentidos que estão em movimento em razão de sua presença.

A Semântica do Acontecimento (doravante SA), também designada como Semântica Histórica da Enunciação, delineada por Guimarães (2002 e 2018), se apresenta como uma Semântica da Enunciação, dentro das teorias da enunciação. Assim se coloca devido sua filiação às semânticas de Émile Benveniste e de Oswald Ducrot. Além disso, dialoga, em alguns aspectos, com a Análise de Discurso francesa. Ela se caracteriza por ser uma semântica não referencialista, de cunho materialista, pois reflete sobre o funcionamento do sentido, considerando fundamental a relação entre história e os processos de significação. Portanto, tomar essa semântica para analisar um texto implica refletir enunciativamente sobre um texto, pensando sua significação na história.

A SA, base desse estudo, compreende que, para analisar o sentido na linguagem, é necessário fazer um estudo da enunciação, ou seja, o acontecimento do dizer. Sendo assim, o sentido de uma palavra, no exemplo aqui tomado, a palavra “sistema”, não tem um significado fixo nem se reduz a um conceito, mas seu sentido se constitui em cada um dos enunciados em que aparece, em relação ao seu funcionamento no acontecimento. Considera-se a relação de sentido entre palavras, e essa relação é construída enunciativamente. Por isso, o sentido é uma questão enunciativa.

A SA vê a língua como possibilidade de enunciação, já que se propõe a investigar a enunciação, que passa a ser um conceito central e em torno do qual outras noções são desenvolvidas pela teoria como, por exemplo, acontecimento, sujeito, espaço de enunciação, cena enunciativa, designação, sentido, entre outros. Guimarães (2018, 22) assim a define: “A enunciação é o acontecimento do funcionamento da língua num espaço de enunciação”.

Segundo Guimarães (2018, 15), há quatro elementos decisivos que compõem a conceituação do acontecimento de linguagem: a língua, o sujeito, a temporalidade e o real, enquanto materialidade histórica do real. Isso significa que ele ocorre com esses quatro componentes. Não é visto, portanto, como algo empírico, como se fosse um fato no tempo. Para o autor, não estaria no tempo cronológico, nem no tempo do locutor, e sim constituiria sua temporalidade própria. Por isso, o autor afirma que “é acontecimento enquanto diferença na sua própria ordem” e que a diferença se daria no fato de que ele próprio “temporaliza” (16-17), e essa temporalização é sempre nova. Sem essa propriedade, não haveria acontecimento de linguagem, nem enunciação e nem sentido.

Parafraseando o semanticista, a temporalidade se configura de um lado, por um presente e uma latência de futuro, sem o qual não haveria a possibilidade de projeção, e, por outro lado, um passado recortado como memorável, que, na verdade, seria o presente e o futuro funcionando por esse passado o qual permite que signifiquem. O memorável é compreendido como “um gesto de encontrar no presente do dizer um enunciado anterior”, ou seja, um “encontrar um passado no interior de um presente, conduzindo o dizer a uma orientatividade futura, cerne argumentativo” (Steigenberger et al 2011, 63).

A significação do acontecimento de linguagem está nessa possibilidade de projetar em si mesmo o futuro. Por exemplo, há rememoração de dizeres que se reinscrevem na palavra “sistema” e se atualizam em cada novo acontecimento que ela ocorre. A atualização que o acontecimento produz na sua temporalidade possibilita os sentidos circularem a cada enunciação, e eles estão determinados pela história e pelas condições sócio-históricas e políticas. Portanto, cada vez que o falante Andrés Bello é agenciado a enunciar a palavra “sistema”, os sentidos vão sendo ressignificados. O acontecimento em questão, neste trabalho, é especificado na formação nominal6 (FN) em que a palavra “sistema” está.

O acontecimento para a SA é um acontecimento enunciativo, que é analisado pelo semanticista pela “metodologia catafórica” (Steigenberger et al 2011, 66) uma vez que essa análise prioriza um depois, uma futuridade que é projetada pela temporalidade. Segundo os autores, os procedimentos analíticos utilizados por essa semântica permitem ao analista “ir a um futuro textual”. Nesse sentido, “o acontecimento é sempre o início de um outro, produzindo um efeito catafórico, posterior” (Steigenberger et al 2011, 63).

Nesse conjunto de relações que envolve a definição da enunciação, na SA, outro conceito considerado fundamental é o de espaço de enunciação. Configura-se por ser “o espaço de relações de línguas no qual elas funcionam na sua relação com falantes” (Guimarães 2018, 23). Sendo assim, há línguas se há falantes e vice-versa. Caracteriza-se por ser um espaço desigual porque as línguas não se distribuem igualmente e nem os falantes as tomam do mesmo modo. Por isso, o autor defende que o espaço de enunciação é “um espaço político de funcionamento de línguas” (Guimarães 2018, 24), entendendo que o agenciamento dos falantes é desigual, é conflituoso.

O agenciamento do falante pelo espaço de enunciação se dá na “cena enunciativa” (Guimarães 2018), que o distribui em lugares de enunciação, de modo que o sujeito não é uma pessoa, não é o centro, não é o responsável pela enunciação, não é a origem do tempo, não tem intenções. O sujeito é constituído na e pela temporalidade do acontecimento, sendo uma questão linguística, ou seja, não existe a priori. O sujeito é o falante, que é o lugar de enunciação. O agenciamento do falante, que também é político, ou seja, desigual, se mostra na cena enunciativa, que se configura por uma divisão de lugares de enunciação, sendo três as disposições: Locutor (L, lugar que diz), alocutor (al-x, lugar social de dizer) e enunciador (E, lugar de dizer), com seus correlatos, Locutário (LT), alocutário (at-x), -7, respectivamente. Logo, o agenciamento do falante faz aparecer as suas faces, sua característica díspar, desigual.

Diante de sua natureza e de suas características, essa semântica “analisa enunciados e expressões no acontecimento da enunciação” (Guimarães 2018, 9). Ou seja, o enunciado (produto da enunciação) é tomado como unidade de análise da SA, o lugar de observação do sentido. Ele é definido por sua relação de integração ao texto. Isso significa dizer que só é enunciado em um texto e que os enunciados existem quando são ditos na enunciação. Ali é que essa unidade de linguagem pode ser encontrada. O teórico assim o caracteriza: “o enunciado é a unidade de linguagem que apresenta, no seu funcionamento, uma consistência interna, aliada a uma independência relativa” (Guimarães 2018, 15). Esse modo de analisar o enunciado, levando em conta esses dois aspectos, considera que o sentido se estabelece na relação das sequências linguísticas com o exterior, com o texto em que figuram, o que expande a noção de integração pensada por Benveniste em seu texto “Os níveis de análise linguística” (1964).

As análises semântico-enunciativas que se fazem pelo viés da SA buscam compreender o sentido a partir do exame dos enunciados, ou seja, a significação dos enunciados. Esse é, portanto, o objeto da SA. O sentido não estaria na língua, mas no seu funcionamento. Para Guimarães (2018), o sentido é produzido enunciativamente no e pelo acontecimento da enunciação. Para essa perspectiva, os modos de relação enunciativa são de dois tipos, a articulação e a reescrituração, que se apresentam em virtude das duas características do enunciado, a consistência interna (articulação) e a independência relativa (reescrituração).

A significação de um enunciado é conhecida a partir do que as palavras ou expressões significam no funcionamento da língua, conforme as condições sócio-históricas que sustentam o acontecimento. Esse entendimento faz pensar não em sentido do enunciado, mas em efeitos de sentido. Vale lembrar que essa semântica prima por tratar o sentido como uma futuridade.

Partindo da ideia de Guimarães (2018) de que uma forma linguística funciona em um enunciado apenas se ela funciona em um texto, e, por isso, ajuda a constituir o sentido do texto, proponho a analisar os enunciados em que a palavra (ou formação nominal) “sistema” se faz presente, considerando que esses enunciados significam no texto e que o texto será compreendido como acontecimento enunciativo. Deste modo, a palavra “sistema” pode significar coisas diferentes, em cada acontecimento, pois, no funcionamento do texto, em que ela ocorre, no caso, o Prólogo, da Gramática (1847), pode ser reescriturada e articulada, seja por mecanismos de retomada ou de contiguidade, relações que fazem os sentidos circularem.

A reescrituração consiste em redizer algo no texto, mas isso não deve ser entendido como uma simples operação de substituição. O que é redito pode transformar ou manter sentidos. Nas palavras de Guimarães (2002, 38),

A reescrituração é uma operação que significa, na temporalidade do acontecimento, o seu presente. A reescrituação é a pontuação constante de uma duração temporal daquilo que ocorre. E ao reescriturar, ao fazer interpetar algo como diferente de si, este procedimento atribui (predica) algo ao reescriturado. E o que ele atribui? Àquilo que a própria reescrituração recorta como passado, como memorável.

Em vista disso, para o autor (2002), a reescrituração pode ser tomada como um dos procedimentos analíticos das relações enunciativas que se constituem na materialidade textual. Cabe ao analista, portanto, identificar os mecanismos de redizer o que já foi dito nos enunciados delimitados, sempre considerando a sua relação integrativa com o texto de que fazem parte.

O processo de reescrituração a que se refere Guimarães (2018, 86) pode ocorrer no interior do texto e entre textos, de modos diversos, colocando em funcionamento o que chama de “operação enunciativa de atribuição de sentido (determinação semântica)”.

Metodologicamente o movimento de sentidos, estabelecido pela relação enunciativa de reescrituração, pode ocorrer segundo Guimarães (2018), por repetição, substituição, elipse, expansão, condensação e definição. Os sentidos podem constituir-se por sinonímia, hiperonímia, especificação, definição, desenvolvimento, generalização, enumeração e totalização, conforme o figura 1:

Modos de reescrituração

Sentido

Repetição

sinonímia / hiperonímia

Substituição / Elipse

especificação / definição

Expansão

desenvolvimento / generalização / enumeração

Condensação

totalização / generalização

Figura 1. Modos de reescrituração e sentidos (Guimarães 2018, 93).

A articulação, por sua vez, é um procedimento de análise que diz respeito às relações de contiguidade, ou seja, da coesão de uma ideia com outra, materializada linguisticamente por elementos que têm essa função, por exemplo, as preposições e as conjunções. Em suas palavras,

Chamo de articulação relações como predicação, complementação, caracterização (relação determinante – determinado), e outras, tradicionalmente consideradas no estudo da frase ou enunciado. [...] a articulação é um modo de relação enunciativa que dá sentido às contiguidades linguísticas, é, então, uma relação local entre elementos linguísticos que significam pela relação com os lugares de enunciação agenciados pelo acontecimento (Guimarães 2018, 80).

Diferentemente da reescrituração, que opera pela retomada, esse funcionamento enunciativo se movimenta pela contiguidade, mostrando como elementos linguísticos podem afetar o sentido de seus vizinhos, os quais eles não reescrevem, mas articulam. As relações de articulação, embora ocorram na consistência interna dos enunciados, não são apenas relações internas a eles (à estrutura), mas também são vínculos de contiguidade que fazem deles elementos integrantes de um texto. Também é uma relação do Locutor com aquilo que ele diz dentro de um espaço enunciativo.

O autor considera três modos diferentes de articulação —por dependência, por incidência e por coordenação— e aponta sentidos para eles, conforme o figura 2.

Modos de articulação

Sentido

Dependência

referência / caracterização

Coordenação

enumeração / relações argumentativas

Incidência

relações argumentativas

Figura 2. Modos de articulação e sentidos, adaptada pela autora a partir de Guimarães (2018, 85).

O estudo desses dois modos de relação enunciativa da palavra “sistema”, por exemplo, permite dizer qual é o seu sentido, o que implica poder estabelecer o que Guimarães (2007) denominou de Domínio Semântico de Determinação (DSD). Assim o conceitua: “um DSD é constituído pela análise das relações de uma palavra com as outras que a determinam em textos em que funciona” (2007, p. 80). O DSD pode ser representado graficamente com os sinais: “├ ou ┤ ou ┬ ou ┴ significam determina, ___ significa sinonímia; e um traço como __________, dividindo um domínio, significa antonímia” (Guimarães 2007, 81), escrita que mostra as relações.

4. A palavra “sistema” no prólogo da Gramática (1847)

O Prólogo da Gramática de la lengua castellana, destinada al uso de los americanos (1847) é um texto extenso, com nove páginas, e não está assinado por Andrés Bello, embora lhe seja atribuída a autoria. Esse paratexto serve para conhecer as fontes e filiações, as condições sócio-históricas de produção da gramática, as posições e o discurso metalinguístico do gramático, a orientação de como usar a obra. Nesse caso, também se caracteriza por se apresentar como um texto marcado pelas justificativas.

A atenção se centra nas ocorrências da palavra “sistema”, sobre a qual desenvolvo uma reflexão em torno de sua concepção e funcionamento no pensamento gramatical do autor, supondo que a referida noção venha a perpassar o discurso do sujeito gramático e do instrumento linguístico por ele produzido8. Encontrei três ocorrências da palavra “sistema”, e elas determinaram a quantidade dos recortes (R)9 realizados. Eis os dois recortes feitos:

(1) R 1

El habla de un pueblo es un sistema artificial de signos10, que bajo muchos respectos se diferencia de los otros sistemas de la misma especie; de que se sigue, que cada lengua tiene su teoría particular. No debemos, pues, aplicar indistintamente a un idioma los principios, los términos, las analojías en que se resumen bien o mal las prácticas de otro. Esta misma palabra idioma (a) está diciendo que cada lengua tiene su jenio, su fisionomía, sus jiros; i mal desempeñaría el gramático que explicando la suya se limitara a lo que ella tuviese de comun con otra, o (todavía peor) que supusiera semejanzas donde no hubiese mas que diferencias, i diferencias importantes, radicales. Una cosa es la gramática jeneral, i otra la gramática de un idioma dado: una cosa comparar entre sí dos idiomas, i otra considerar un idioma como es en sí mismo. ¿Se trata, por ejemplo, de la conjugacion del verbo castellano? Es preciso enumerar las formas que toma, i los significados i usos de cada forma, como si no hubiese en el mundo otra lengua que la castellana (Bello 1847, VI)11.

(2) R 2

Despues de un trabajo tan importante como el de Salvá, lo único que me parecia echarse de menos era una teoría que exhibiese el sistema de la lengua en la jeneración i uso de sus inflexiones i en la estructura de sus oraciones, desembarazando de ciertas tradiciones latinas que de ninguna manera le cuadran (Bello 1847, IX)12.

Na cena enunciativa dos dois recortes, o falante é agenciado naquele que diz, como sendo ilusoriamente a fonte do dizer, o Locutor Andrés Bello. Este se coloca, na enunciação, no lugar social de filólogo (El habla de un pueblo es un sistema artificial de signos, que bajo muchos respectos se diferencia de los otros sistemas de la misma especie; de que se sigue, que cada lengua tiene su teoría particular) ou de gramático (restante do R1 e todo o R2), dividindo-se outra vez (alocutor). Suas marcas na materialidade do enunciado são facilmente recuperadas, seja no uso da primeira pessoa do singular (me parecía) ou do plural (no debemos) seja em outras formas (Es preciso enumerar las formas...). Assume essas posições sociais porque tem conhecimento sobre a língua espanhola, é uma autoridade linguística no século XIX, na América Hispânica e, ao menos, nos dois recortes selecionados, suas enunciações são desses lugares sociais.

Nesse acontecimento, o Locutor Andrés Bello assume o lugar de dizer (E), que oscila entre o coletivo e o individual. No Recorte 1, a postura do enunciador torna-se coletiva porque assume a posição de alocutor gramático, colocando-se como um deles e orientando como deveriam fazer seu ofício. No Recorte 2, suas enunciações evidenciam a primeira pessoa do singular, que expressam uma questão particular, o seu trabalho como gramático relacionado ao de outro gramático da língua espanhola, Vicente de Salvá.

A palavra “sistema” aparece reescriturada três vezes. Em todas elas, a forma de redizer é por repetição e esta se dá de maneira completa, sendo apenas uma no plural. A palavra se repete, mas, em todas as três situações, ela integra formações nominais diferentes, com elementos que, pela relação de contiguidade (articulação), passam a atribuir sentidos a cada uma das ocorrências. Então não há como compreender a significação dessa palavra, o que ela designa, se não forem observados mais elementos, que figuram nos enunciados.

No recorte 1, as duas retomadas de “sistema” estão num enunciado que é a definição de “habla”, que, na verdade, é uma reescritura catafórica por substituição metonímica de “lengua”, conforme recorte 2. Nesse sentido, o “sistema” é parte da definição de “habla” que é “lengua”.

Ainda, cabe analisar as formações nominais de que “sistema” faz parte: “un sistema artificial de signos” e “los otros sistemas de la misma especie”. Poderia considerar que, além da reescritura por repetição, também há reescritura por especificação, de modo que “artificial de signos” e “de la misma especie” particularizam esse sistema.

Também se visualizam relações de articulação de elementos por dependência nas FNs em foco. Guimarães (2002) ressalta que os modos de funcionamento enunciativo, a articulação (contiguidade) e a reescrituração (retomada), podem produzir coexistência de funcionamentos e de sentidos, o que as análises explicitam. A articulação por dependência acontece porque os elementos contíguos se organizam em uma relação que constitui no conjunto um só elemento. Por exemplo, na primeira FN, “un” e “de signos” vinculam-se a “sistema artificial”, constituindo uma unidade. Na segunda FN, “los otros” e “de la misma especie” associam-se a “sistemas”, formando a unidade.

Então, tanto a retomada quanto a articulação mostram o funcionamento dos sentidos em relação à palavra sistema: na primeira FN, ele é indefinido ou tomado como geral, uma vez que é determinado por “un”, e é caracterizado por “artificial” sendo que o tipo de sistema é “de signos”. Mas, pelo fato de estar em um enunciado definidor de língua (habla), passa-se a saber que o sistema de que se trata é um sistema linguístico; na segunda, ainda não há uma especificação desse sistema linguístico, pois os elementos enunciados só permitem dizer que são outros da mesma espécie, ou seja, outros sistemas linguísticos (los otros). Tem-se: um sistema linguístico, que é artificial e composto de signos, que se diferencia de outros sistemas linguísticos de mesma natureza, porque cada um tem sua teoria particular.

Assim, ao analisar o funcionamento de “sistema” de signos, tem-se o seguinte DSD do R1:

particular ┤ un sistema (de signos) ├ artificial

habla

otros sistemas de la misma especie

Figura 3. DSD do R1, elaborada pela autora (2022).

Nesse acontecimento, as palavras “particular”, “artificial” e “habla” determinam “sistema”, o que significa que todas elas constituem a significação de “sistema”. Esse sistema assim determinado se diferencia de outros da mesma espécie, por isso, o traço de antonímia.

No recorte 2, a reescritura da palavra “sistema” está em um FN em que não se enuncia “habla”, e sim “lengua” (reescrituração por substituição metonímica, com sentido de especificação). Refere-se ao sistema da língua, no mesmo sentido das ocorrências anteriores, mesmo que haja oscilação nas palavras usadas. A palavra “sistema”, então, é reescriturada por especificação, de modo que “de la lengua” particulariza esse sistema. Seria o mesmo que dizer “sistema linguístico”, de modo que o funcionamento semântico da última palavra é caracterizar a primeira.

Nesse recorte, o sistema linguístico não é mais indefinido, geral ou comparado a outros, mas aparece especificado, pela relação de articulação por dependência, estabelecida pelos determinantes “el” e “la” em “de la lengua”. Trata-se do estado e funcionamento da língua espanhola/castelhana. É a esse sistema linguístico que esse recorte se refere. Claro que a enunciação do nome de Salvá e o conhecimento exterior ao enunciado também auxiliam na identificação da língua ali referida. Tem-se: o sistema linguístico, que é artificial e composto de signos, que é o sistema da língua espanhola. É um sistema conhecido e é desse que o Locutor, assumindo o lugar social de gramático, vai tratar na obra que se propõe a escrever.

A partir desse funcionamento semântico, chega-se ao DSD do R 2:

particular ┤ el sistema (de signos) ├ artificial

la lengua (española)

otros sistemas de la misma especie

Figura 4. DSD do R2, elaborada pela autora (2022).

Nesse acontecimento, as palavras “particular”, “artificial” e “la lengua (española)” determinam “sistema”, o que significa que todas elas também atribuem sentido a “sistema”, fazendo com que ele diferencie, de outros da mesma espécie, por isso, numa relação de antonímia.

Isso permite dizer que a noção de sistema é parte do conceito de língua que o autor tem, isto é, sistema e língua são noções diretamente relacionadas. O gramático se preocupa em revelar já no Prólogo a sua concepção de língua enquanto um sistema artificial e particular de signos. Ao enunciar que “El habla de un pueblo es un sistema artificial de signos”, o autor compreendia a língua como um produto cultural, uma construção do povo, um sistema estabelecido entre os falantes, validado pelo uso.

Ainda no R1, o gramático Bello prossegue assinalando que os sistemas linguísticos são diferentes entre si e que cada um tem sua própria estrutura e funcionamento. Ele explica porque parece recusar as ideias da gramática histórica e da gramática geral. Para ele, não há leis gerais para as línguas porque “[...] no cree en sistemas universales de significaciones, sino en los privativos de cada idioma”13 (Alonso, [1951] 1995, XLI). Bello também menciona o ofício da função de gramático, julgando que precisa considerar as diferenças dos sistemas de cada língua para desempenhar bem seu papel. Faz essa afirmação e exemplifica com um elemento, o verbo.

Na verdade, defende que a língua é a autoridade em si mesma e é nela que o gramático deve se apoiar para explicá-la. Sobre isso escreveu numa passagem mais adiante no Prólogo, ressaltando que

No he querido, sin embargo, apoyarme en autoridades, porque para mí la sola irrecusable en lo tocante a una lengua es la lengua misma. Yo no me creo autorizado para dividir lo que ella constantemente une, ni para identificar lo que ella distingue. No miro las analojías de otros idiomas, sino como pruebas accesorias. Acepto las prácticas como la lengua las presenta; sin imajinarias elípsis, sin otras explicaciones que las que se reducen a ilustrar el uso por el uso (Bello 1847, VIII)14.

Ou seja, Bello, enquanto gramático, atem-se ao seu objeto de descrição, a língua castelhana e seus usos na América Hispânica.

O autor também faz uma avaliação do trabalho do gramático, propondo-lhe uma diferente forma de ação, ideia presente no recorte 1 e corroborada na citação anterior. Para Cartagena (2014, 140), essa forma diferenciada de atuação “significaba fundamentalmente liberar la gramática española de la latina y estudiar la lengua vernácula”15, como se não houvesse outra além da castelhana. Ou seja, propunha olhar diretamente para essa língua, dispensando o latim como modelo ideal.

5. Considerações finais

O estudo da palavra “sistema” enquanto designação no Prólogo da Gramática de la lengua castellana, destinada al uso de los americanos (1847), de Andrés Bello, à luz da Semântica do Acontecimento (Guimarães 2002, 2018), aponta para um sentido relacionado à concepção de língua do gramático e à forma como ela deve ser descrita e analisada. Isso leva a inferir que o lugar do “sistema” passa a ser central na gramática elaborada por Bello, no sentido de que é determinante do modo de apresentação da mesma. O pensamento de que cada língua tem seu sistema particular lhe permitiu pensar a elaboração de uma gramática, sem ter que seguir como modelo a de outra língua, no caso, em questão, a língua latina. Isso é uma atualização no pensamento da época.

Portanto, conforme os recortes do Prólogo evidenciam, Bello só apresenta a noção de sistema, caracterizando-a, atrelada à definição de língua, mas não a desenvolve conceitualmente na obra em foco. Para ele, o sistema linguístico é formado de signos artificiais e cada língua tem o seu particular. Essa ideia permite concluir que o sistema linguístico pensado pelo gramático é: artificial (na medida em que depende do cuidado com a língua, do controle, das convenções feitas), único (cada língua tem um) e autônomo (em relação ao pensamento e a outras línguas). Se a língua é sistema, ela também passa a ter tais características.

Fora isso, chama a atenção a atitude científica, em relação à língua, deste latino-americano, Andrés Bello, que produziu um conhecimento linguístico, materializado em uma gramática do espanhol, cuja característica filológica, linguística se mostra. A noção de sistema que integra sua concepção de língua se alinha a uma ideia estruturalista, que seria apresentada, 69 anos mais tarde, aos estudos da linguagem, pelos trabalhos de Saussure, estudioso suíço que promoveu a Linguística como ciência, de que a língua é um conjunto/um sistema de convenções e um produto social, que evolui. (Saussure 2012).

Para terminar, cabe recuperar um fragmento do discurso proferido por Bello na inauguração da Universidad de Chile, em 1843, em que a noção de sistema aparece só que não referida à língua: “Todas las facultades humanas Forman un sistema, en que no puede Haber regularidad y armonía sin el concurso de cada una. No se puede paralizar una fibra (permítaseme decirlo así), una sola fibra del alma, sin que todas las otras enfermen”16. Parece que a ideia de sistema não está somente no entendimento de língua do autor, na sua produção gramatical, mas também estava no seu pensamento em geral, o que leva a crer que circulava na sua época.

Bibliografia

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1 Tese de Doutorado apresentada por mim ao PPG Letras UFSM – RS – BR, em 25 de janeiro de 2022, cujo título é“A noção de língua na Gramática Castellana (1847), de Andrés Bello: conjuntura histórica e política”. O trabalho foi orientado pela profa. Eliana Rosa Sturza.

2 Para Guimarães (2018, 154), “a designação é uma relação entre a linguagem e o mundo. O mundo não enquanto existente, mas enquanto significado pela linguagem”. Ou seja, é o modo como o real é significado na linguagem.

3 “Indicaciones sobre la conveniencia de reformar y uniformar la ortografía en América” (1823), texto publicado em coautoria com Juan García del Río e publicado em 1823, no jornal inglês Biblioteca Americana, e republicado em 1826, no Repertório Americano.

4 Tradução: Período de padronização da língua espanhola no Chile.

5 Tradução: A gramática é a instância em que se expressam e definem as decisões (o que ensinar, como ensinar, a quem ensinar, por que ensinar, etc.), que, sob a forma de ações, pretender tornar realidade os objetivos da intervenção do poder sobre o uso da língua: uniformizar os hábitos linguísticos e garantir a unidade do código de comunicação.

6 Conforme Dias (2013, 2015).

7 Para Guimarães (2018, 62), “o enunciador não projeta um tu, é um modo de o eu se apresentar na sua relação com o que se diz (o que se diz por quem diz)”. Por isso, não apresenta correlato, o que represento por -.

8 A hipótese aqui formulada encontra amparo no modo em que o sistema verbal é concebido nessa gramática e no conhecimento do trabalho de Hipogrosso (1998) sobre o verbo, nessa obra.

9 A noção de recorte é tomada conforme o entendimento de Guimarães (2018, 76): “é um fragmento do acontecimento da enunciação”.

10 Os destaques em itálico são meus nos recortes.

11 Tradução: A fala de um povo é um sistema artificial de signos, que sob muitos aspectos se diferencia de outros sistemas da mesma espécie; de que se segue que cada língua tem possui sua teoria particular, sua gramática. Não devemos, pois, aplicar indistintamente a um idioma os princípios, os termos, as analogias em que se resumem, bem ou mal, as práticas de outro. Esta mesma palavra idioma está dizendo que cada língua tem seu gênio, sua fisionomia, seus giros; e mal desempenharia o gramático que explicando a sua se limitasse ao que ela tivesse de comum com outra, ou (ainda pior) que supusesse semelhanças onde não houvesse mais que diferenças, e diferenças importantes, radicais. Uma coisa é a gramática geral e outra considerar um idioma como é em si mesmo. Trata-se, por exemplo, da conjugação do verbo castelhano? É preciso enumerar as formas que toma e os significados e usos de cada forma, como se não houvesse no mundo outra língua que a castelhana.

12 Tradução: Depois de um trabalho tão importante como o de Salvá, o único que me parecia sentir-se falta era de uma teoria que exibisse o sistema da língua na geração e uso de suas flexões e na estrutura de suas orações, desenredando de certas tradições latinas que de nenhuma maneira lhe enquadram.

13 Tradução: [...] não acredita em sistemas universais de significação, mas sim nos privativos de cada idioma.

14 Tradução: Não quis, no entanto, apoiar-me em autoridades porque, para mim, a solitária irrecusável no tocante a uma língua é a língua mesma. Eu não me sinto autorizado para dividir o que ela constantemente une nem para identificar o que ela distingue. Não olho as analogias de outros idiomas, mas sim como provas acessórias. Aceito as práticas como a língua as apresenta, sem imaginárias elipses, sem outras explicações que aquelas que se reduzem a ilustrar o uso pelo uso.

15 Tradução: Significava fundamentalmente liberar a gramática espanhola da latina e estudar a língua vernácula.

16 Tradução: Todas as faculdades humanas formam um sistema, em que não pode haver regularidade e harmonia sem o concurso de cada uma. Não se pode paralisar uma fibra (permitam-me dizê-lo assim), uma só fibra da alma, sem que todas as outras adoeçam.