Análise da trajetória de aun si no espanhol
Bárbara Ribeiro Fante
Universidade Estadual Paulista, Brasil
barbara.fante@unesp.br
Sebastião Carlos Leite Gonçalves
Universidade Estadual Paulista, Brasil
sebastiao.goncalves@unesp.br
Talita Storti Garcia
Universidade Estadual Paulista, Brasil
talita.garcia@unesp.br
Trabajo recibido el 2 de noviembre de 2023 y aprobado el 22 de marzo de 2024.
Resumo
Este artigo apresenta uma análise diacrônica da trajetória de aun si no espanhol, segundo os pressupostos teóricos de gramaticalização assentados nas bases da Gramática Discursivo-Funcional (Hengeveld 2017; Hengeveld y Mackenzie 2008). Na tradição gramatical espanhola, aun si é considerada uma locução conjuntiva concessivo-condicional por atuar em orações tanto concessivas quanto condicionais. A análise de ocorrências dos períodos antigo, médio e moderno do espanhol mostram que, em sincronias mais pretéritas, a conjunção condicional si é escopada por aun, enquanto no período moderno ocorre fixação de aun e de si, conforme atestam os critérios de mobilidade e de modificação aplicados à locução (Keizer 2007; Giomi 2020). Apesar dessa tendência geral, o cline de gramaticalidade de aun si não comprova totalmente a hipótese inicial de que sua trajetória parte do valor condicional (nos períodos mais pretéritos) e, no processo de gramaticalização, segue em direção ao valor concessivo. Uma vez que se constata uma estabilidade sintática, semântica e discursiva de aun si desde o século XIII até o XXI, o que explica a coexistência no espanhol moderno, de dois tipos de aun si: o condicional e o concessivo-condicional.
Palavras-chave: aun si, gramaticalização, gramática discursivo-funcional.
Analysis of the trajectory of aun si in Spanish
Abstract
This article presents a diachronic analysis of the trajectory of aun si in Spanish, according to the theoretical assumptions of grammaticalization based on Discursive-Functional Grammar (Hengeveld 2017; Hengeveld y Mackenzie 2008). In the Spanish grammatical tradition, aun si is considered a concessive conditional conjunctive phrase as it operates in both concessive and conditional clauses. The analysis of occurrences from the ancient, middle and modern periods of Spanish show that, in past synchronies, the conditional conjunction si is scoped by aun, while in the modern period there is a fixation of aun and si as attested by the criteria of mobility and de modification applied to the conjunction phrase (Keizer 2007; Giomi 2020). Despite this general tendency, the grammaticality cline of aun si does not fully prove the initial hypothesis that its trajectory starts from the conditional value (in the past periods) and, in the process of grammaticalization, follows towards the concessive value since syntactic, semantic and discursive stability of aun si was verified from the 13th to the 21st century which explains the coexistence, in modern Spanish, of two types of aun si: the conditional and the concessive conditional.
Keywords: aun si, grammaticalization, functional discourse grammar.
Análisis de la trayectoria de aun si en español
Resumen
Este artículo presenta un análisis diacrónico de la trayectoria de aun si en español según los supuestos teóricos de la gramaticalización sustentados en las bases de la Gramática Discursivo-Funcional (Hengeveld 2017; Hengeveld y Mackenzie 2008). En la tradición gramatical española, aun si se considera una locución conjuntiva condicional concesiva ya que actúa tanto en oraciones concesivas como en condicionales. El análisis de ocurrencias de los períodos antiguo, medio y moderno del español enseña que, en sincronías pasadas, la conjunción condicional si es alcanzada por aun mientras que en el período moderno existe una fijación de aun y de si, como lo atestiguan los criterios de movilidad y de modificación aplicados a la locución (Keizer 2007; Giomi 2020). A pesar de esa tendencia general, el cline de gramaticalidad de aun no comprueba plenamente la hipótesis inicial de que su trayectoria parte del valor condicional (en los períodos más pretéritos). En el proceso de gramaticalización, se dirige hacia el valor concesivo ya que se observa una estabilidad sintáctica, semántica y discursiva de aun si desde el siglo XIII hasta el XXI, lo que explica la coexistencia, en el español moderno, de dos tipos de aun si: el condicional y el condicional concesivo.
Palabras clave: aun si, gramaticalización, gramática discursivo-funcional.
1. Introdução
No espanhol contemporâneo, aun (mesmo ou inclusive, em português) é classificado, no Diccionario de la Lengua Española (2022), como advérbio de foco cujo sentido é o de impedir que uma dada situação aconteça ou ainda o de indicar que algo se produz na situação em que se expressa mesmo que seja surpreendente. Como advérbio, aun pode coocorrer com a conjunção condicional prototípica si (se em português), formando a locução conjuntiva aun si que, de acordo com a Gramática de la Real Academia Española (Real Academia Española, 2009), corresponde a uma conjunção que introduz orações concessivo-condicionais. Segundo König (1986), as orações concessivo-condicionais encontram-se entre a concessão e a condição, o que as fazem ter propriedades desses dois tipos de oração: com as concessivas, por um lado, compartilham a propriedade de apresentarem oração principal factual e exibirem um significado contrastivo; as condicionais, por outro lado, compartilham a característica de apresentarem uma oração subordinada hipotética, como mostra a ocorrência em (1).
1) Aun si no me otorgan el crédito, ampliaré la casa (Real Academia Española 2009, 3541).
Mesmo se não me outorgarem o crédito, ampliarei a casa.
Em (1), a subordinada aun si no otorgan el crédito constitui uma hipótese que se situa em uma situação extrema; efeito garantido pela presença da partícula aun que, nesse caso, tem o papel de localizar o que segue em um ponto mais alto de uma escala de possibilidades. Assim, um valor de quebra de expectativa é gerado já que o evento codificado na oração principal (ampliar a casa) se realizará mesmo diante da verificação da possibilidade extrema enunciada na oração subordinada (a não outorga de crédito).
Considerando a definição básica das orações concessivo-condicionais, o objetivo deste artigo é verificar, por meio do papel desempenhado pelos elementos aun e si ao longo dos períodos antigo, médio e moderno do espanhol, se aun si corresponde a uma locução conjuntiva ou a uma estrutura cujos elementos têm funções diferentes na oração. Para isso, empreendemos uma análise diacrônica de aun si, seguindo os princípios de gramaticalização propostos por Hengeveld (2017) com base na arquitetura de gramática da Gramática Discursivo-Funcional (GDF, daqui em diante) formulada por Hengeveld e Mackenzie (2008). Submetemos também a partícula aun aos critérios de mobilidade e de aceitação de modificadores propostos por Keizer (2007) e revisitados por Giomi (2020). A expectativa é a de que a adoção desses pressupostos teóricos nos permita aferir a relação entre aun e si em diferentes sincronias do espanhol peninsular. com vistas a verificar se o cline de mudança proposto para conjunções consideradas concessivo-condicionais do inglês, tais como even if, se aplica também à aun si, como postulam autores como König (1986) que afirma que a condição é ponto de origem de outras conjunções adverbiais,tais como a concessão.
A GDF é uma teoria estrutural-funcional que organiza o componente gramatical da língua em níveis hierárquicos, a saber: o interpessoal, responsável pela formulação pragmática o representacional, reservado à formulação semântica, o Morfossintático no qual se processa a codificação das estruturas formuladas nos dois níveis superiores e o Fonológico, responsável por converter as estruturas em representações acústicas. Cada nível comporta, também de modo hierárquico, camadas próprias.
Segundo Hengeveld (2017), a flutuação de uma estrutura linguística do nível mais baixo ao nível mais alto pode revelar processos de gramaticalização em razão da ampliação sistemática de escopo de uma dada estrutura. Amparado nessa concepção de gramaticalização, e também na proposta de König (1986), de que as orações concessivas se originam de condicionais tendo, como passo intermediário da mudança, as concessivo-condicionais. Nosso objetivo principal é, então, reunir evidências diacrônicas que permitam comprovar uma trajetória de mudança das funções desempenhadas por aun si, prevendo-se, como hipótese, o desenvolvimento de funções que partem dos níveis e camada mais baixos para os níveis e camadas mais altos previstos pela GDF. Isso significa que, em sincronias mais pretéritas apenas funções reconhecidas nos níveis mais baixos do componente gramatical estejam disponíveis na língua, enquanto as funções de níveis mais altos se desenvolvem temporalmente depois das de níveis mais baixos, hipótese que pode ser sintetizada no seguinte cline, alinhando-se Nível, Camada e função:
Nível: |
Representacional > Interpessoal |
Camada: |
Proposição > Ato Discursivo > Movimento |
Função: |
Condicional > Concessivo-condicional > Concessiva |
Com base na proposta de König (1986) e de Hengeveld (2017), propomos o cline acima, prevendo que, em sincronias mais pretéritas, as orações articuladas por aun si ocorrem em contextos condicionais e se estabelecem no nível representacional atuando, primordialmente, como proposições (p). Com o passar dos séculos, a expectativa é encontrar, de modo cada vez mais frequente, a atuação de aun si na camada do atos discursivos (A) do nível interpessoal e, quando mais gramaticalizadas, introduzindo movimentos (M). Essa atuação mais acentuada no nível pragmático revelaria a alteração de matizes de significado de condicional para concessivo-condicional e de concessivo-condicional para concessivo quando o processo de gramaticalização estaria mais avançado.
Neste artigo, a seção 2, fundamenta teoricamente a análise de aun si, com ênfase nos postulados sobre gramaticalização tal como propostos pela GDF. Na seção 3, apresentamos os aspectos metodológicos da investigação diacrônica de aun si, cujos resultados são apresentados e discutidos na seção 4. Frente aos resultados, reservamos a última seção às principais conclusões a que chegamos, considerando os objetivos e a hipótese formulados para esta investigação.
2. A Gramaticalização na perspectiva da Gramática Discursivo-Funcional
A GDF, modelo gramatical formulado por Hengeveld e Mackenzie (2008), apresenta uma organização hierarquicamente descendente dos níveis e camadas do componente gramatical de que a língua se constitui. A hierarquia entre os níveis parte do nível interpessoal (NI, daqui em diante), com a formulação da intenção comunicativa do falante, e gradualmente se estende até o nível fonológico (NF, daqui em diante), quando as expressões linguísticas estão prontas para serem submetidas à operação de articulação (fala, escrita ou sinais) no componente de saída da língua. Entre o NI e o NF, situam-se os níveis representacional (NR, daqui em diante) e morfossintático (NM, daqui, daqui em diante). Enquanto as expressões linguísticas se submetem a operações de formulação no NI e no NR, as operações de codificação ocorrem no NM e no NF.
O NI, por ser de natureza pragmática, captura aspectos da interação verbal e os formula em termos de funções retóricas e pragmáticas que revelam como o falante (F) organiza os componentes do discurso, com o objetivo de alcançar um propósito comunicativo junto ao ouvinte (O). Também expõe as propriedades formais de um conteúdo comunicado (C) que influenciam o ouvinte a aceitar o que diz o falante. Assim, o NI organiza-se internamente pelas camadas hierárquicas do movimento (M), do ato discursivo (A) e do conteúdo comunicado (C), este último comportando subatos de referência (R) e de atribuição (T) sem relação hierárquica entre si.
O NR comporta a representação semântica das expressões linguísticas. As relações hierárquicas designadas neste nível compreendem as camadas do conteúdo proposicional (p), do episódio (ep), do estado-de-coisas (e) e da propriedade configuracional (f), esta última fora da relação hierárquica que organiza as demais camadas.
O NM e o NF lidam com os aspectos estruturais de uma expressão linguística. O NM é responsável por codificar morfossintaticamente as informações vindas dos níveis de formulação (NI e NR) sem distinção entre nível sintático e morfológico porque os princípios da formação de palavras são os mesmos da formação de sintagmas e orações. As camadas hierárquicas internas ao NM são a expressão linguística (Le), a oração (Cl), o sintagma (Xp) e a palavra (Xw).
Por fim, no NF as informações formuladas no NI e no NR são codificadas morfossintaticamente no NM são convertidas em unidades acústicas por meio de regras fonéticas que sustentam a expressão linguística. As relações hierárquicas das camadas desse nível são o enunciado (U), a frase entonacional (IP), a frase fonológica (PP), a palavra fonológica (Pw), o pé (F) e a sílaba (S).
Segundo Hengeveld (2017), a modularização do componente gramatical organizado em níveis e camadas, torna possível tratar da gramaticalização de formas linguísticas como um processo de mudança que leva à ampliação de seu escopo de atuação, dos níveis e camadas mais baixos para os níveis e camadas mais altos do componente gramatical. Isso significa, segundo o autor, que a mudança das formas linguísticas, no plano do conteúdo, tende a ser gradual obedecendo ao aumento sistemático de escopo das camadas e níveis e, no plano da forma, é também gradual e envolve uma diminuição sistemática da lexicalidade. No caso da mudança de conteúdo, é importante destacar que funções pragmáticas do NI podem se desenvolver diacronicamente a partir de funções semânticas do NR, mas o contrário não se verifica, como atestam Hengeveld e Wanders (2007). Segundo Hengeveld (2017), o aumento de escopo das expressões linguísticas, envolvendo o NR e o NI, ocorre unidirecionalmente, no plano horizontal entre as camadas do mesmo nível (NI ou NR) (cf. figuras (2a) e (2b)) ou no plano vertical entre camadas do nível inferior (NR) e as do superior (NI) (cf. figura (2c)).
Figura 1. Cline de gramaticalização por ampliação de escopo, segundo a GDF (Hengeveld 2017, 5-9, com adaptações).
Um entendimento a priori dessa proposta de gramaticalização da GDF é a consideração de que formas linguísticas com funções alocadas nos níveis e camadas mais altos são mais gramaticalizados do que aquelas com funções alojadas nos níveis e camadas mais baixos. Desse modo, a gramaticalização pode se iniciar em qualquer ponto das camadas próprias de cada nível e seguir rumo a camadas mais altas do mesmo nível ou de nível mais alto como mostra a figura 3, adaptada de Hengeveld (2017).
Figura 3. Possibilidades de ponto inicial da mudança linguística (Hengeveld 2017, 5-7, com adaptações).
Após essa breve descrição do funcionamento da gramaticalização segundo a GDF, na próxima seção apresentamos os aspectos metodológicos da investigação diacrônica de aun si.
3. Aspectos metodológicos
O córpus selecionado para a pesquisa é o CORDE (Corpus Diacrónico del Español)1, um córpus que abarca textos em espanhol de diversos gêneros textuais, em prosa e em verso, do século XIII até o século XX. Para esta investigação, os dados de aun si foram selecionados, século a século, começando pelo século XIII, em que a aun si aparece pela primeira vez nos textos. Optamos pela Espanha como espaço geográfico de origem dos textos, porque a maioria das obras do córpus, principalmente as representativas do século XIII ao XV, advém da região da Península Ibérica. Pela baixa frequência de aparição de aun si em dados do espanhol antigo (séculos XIII, XIV e XV) e médio (séculos XVI, XVII e XVIII), optamos por não selecionar uma temática especifica para os textos, o que significa que foram selecionadas obras de temas distintos e variados. Por fim, com respeito ao meio de publicação dos textos, excluímos apenas o meio oral, pela ausência de dados em todas as sincronias, e mantivemos os meios escritos em livros, jornais, revistas e diversos. Também por conta da baixa frequência de dados no século XXI, optamos por ampliar o córpus adicionando dados do banco de dados CREA2.
Após o levantamento de dados, descartamos ocorrências de texto em verso, obtendo, ao final, 53 ocorrências da fase antiga, 35, da fase média e 44, da fase moderna, num total de 132 dados.
A periodização do espanhol adotada segue a classificação de Eberenz (1991): em fase antiga, que vai do século XIII ao XV, fase média, do século XVI a XVIII e, a fase moderna, do século XIX ao XXI. Esta padronização capta bem as fases das transformações da língua.
Todas as ocorrências levantadas foram analisadas à luz dos seguintes parâmetros: (i) estatuto semântico condicional, concessivo ou concessivo-condicional da oração introduzida por aun si; (ii) nível e camada da GDF em que a oração atua; (iii) posição da oração subordinada em relação à principal; (iv) factualidade de oração subordinada; e (v) integração de aun e de si, segundo critérios de mobilidade e aceitação de modificadores (Keizer 2007; Giomi 2020), os quais seguem justificados.
O controle do nível e da camada de atuação das orações introduzidas por aun si nos permite verificar, em primeiro lugar, se ocorre ou não ampliação de escopo da conjunção ao longo das fases do espanhol e qual seu papel na estruturação da oração complexa. Em segundo lugar, esse fator contribui para o entendimento dos elementos constitutivos da locução conjuntiva enquanto um primitivo da GDF. Entende-se, na GDF, que as conjunções concessivas e condicionais codificam funções retóricas do NI ou funções semânticas do NR codificadas gramaticalmente na língua por meio palavras gramaticais como as conjunções. As funções retóricas, formuladas no NI, refletem estratégias argumentativas utilizadas pelo falante na organização do discurso a fim de se atingir um objetivo comunicativo perante o ouvinte. As funções semânticas, por sua vez formuladas no NR, especificam relações semânticas entre uma entidade nuclear e uma dependente e veiculam uma relação entre proposições. Assim, verificaremos se aun si desempenha funções retóricas e semânticas semelhantes.
A análise do estatuto semântico de aun si se fundamenta na proposta de Rodríguez Rosique (2012) para a locução incluso si. Segundo a autora, existem três tipos diferentes de orações introduzidas por esse conector. Em primeiro lugar, ela menciona incluso si condicional que assinala força argumentativa mais forte que outras informações disponíveis no contexto. Nesse caso, há possibilidade de se inserir uma condição suficiente si y solo si (se e somente se) e de se substituir incluso por y es más, já que a função da locução na oração não está atrelada a si mas à ênfase de um argumento disponível. Em segundo lugar, a autora observa usos de incluso si concessivo, nos quais a oração subordinada contém o argumento mais forte do que as proposições contextuais envolvidas. A diferença entre esse caso e o anterior é a possibilidade de substituir este último por aunque + subjuntivo e a impossibilidade de substituir incluso por y es más. Por fim, Rodriguez Rosique (2012) trata do caso de incluso si com valor concessivo-condicional de sentido polar ou universal: no sentido polar incluso escopa o extremo de uma escala que contém duas possibilidades enquanto, no sentido universal, escopa o extremo de uma escala de várias possibilidades. Para verificar se incluso si é concessivo-condicional, a autora aplica os critérios da substituição da conjunção por aunque + subjuntivo e verifica a impossibilidade de substituir aun por (y) es más e comprova, que a informação contextual é relevante para identificar que incluso introduz uma informação considerada extrema em uma escala de fatos possíveis.
As análises de Rodríguez Rosique (2012) para incluso si revelam que há critérios sintáticos que podem ajudar a avaliar o estatuto semântico de aun si e classificá-lo como condicional, concessivo ou concessivo-condicional e, por isso, aplicamos esses mesmo testes a nossa análise de aun si.
No tocante à posição das orações, o esperado é que a depender do valor que aun si assume, a oração por ele introduzida pode ter uma posição preferida como atestam Montolío (1999), para as condicionais canônicas que tendem a ser antepostas; Garcia (2010), para as concessivas do português e Parra (2016), para as concessivas com aunque do espanhol. Esses tipos oracionais flutuam de posição a depender de sua camada de atuação. Como a conjunção si é parte de aun si e introduz orações subordinadas. É relevante tratar da posição da oração por ela introduzida.
No que diz respeito à factualidade, neste artigo, em conformidade com o modelo da GDF, entendemos que as orações adverbiais podem ser factuais ou não factuais a depender da camada em que atua (Hengeveld 1998; Pérez Quintero 2002; Hengeveld y Mackenzie 2008). Assim, no domínio do conteúdo, os estados de coisas podem ser reais ou não reais; no domínio epistêmico, os conteúdos proposicionais podem ser verdadeiros ou não verdadeiros e, no domínio dos atos de fala, os atos discursivos podem ser assertivos ou não assertivos.
Na verificação dos elementos que compõem aun si, e em face de a RAE (2009) incluí-la no rol das conjunções concessivo-condicionais, pretendemos verificar em cada fase da história do espanhol, se aun si tem suas partes fixadas ou não na locução,3 recorrendo aos critérios propostos por Keizer (2007): mobilidade e/ou modificação das partes, de modo a sancionar seu estatuto lexical ou gramatical.
O primeiro critério, o da mobilidade, permitirá verificar se aun pode ocupar outra posição na oração sem perda de significados das orações envolvidas, considerando que a mobilidade se associa a elementos mais lexicalizados. Segundo Giomi (2020), quando mais gramaticalizados, esses elementos são operadores ou cumprem o papel de funções retóricase, quando mais lexicalizados, atuam apenas como modificadores. Ainda segundo o autor, é típico dos elementos que codificam função retórica assumirem posição fixa no enunciado, antecedendo a oração que introduzem, porque são expressões gramaticais de funções retóricas. O segundo critério, o da modificação, buscará comprovar se aun si pode ser modificado ou não por outros elementos lexicais. Conforme aponta Keizer (2007), apenas elementos mais lexicais podem-se submeter a operações de modificação. Além disso, Hengeveld e Wanders (2007) afirmam que, para determinar se os itens que compõem uma locução formam, de fato, uma conjunção complexa ou se, ao contrário, trata-se de uma conjunção simples modificada, é necessário verificar se parte dessa locução pode ou não ser modificada por significados lexicais adicionais (p.214).
Expostos e justificados os parâmetros de análise das ocorrências levantadas no córpus, passamos, na próxima seção, à análise dos dados.
4. Análise dos dados
Nesta seção, descrevemos os resultados alcançados a fim de buscar evidências diacrônicas para a trajetória de mudança de aun si sob a hipótese de que a trajetória dessa locução parte do valor condicional atuando nos níveis mais baixos da GDF e, no processo de gramaticalização, segue em direção ao valor concessivo passando a atuar nos níveis mais altos. Iniciando pela verificação do estatuto semântico de aun si, os dados revelam a existência de orações condicionais e de orações concessivo-condicionais em todos os períodos do espanhol com diferença apenas da proporção quantitativa com que aparecem em cada sincronia, conforme mostra a tabela 1.
Fase Estatuto semântico |
Antiga |
Média |
Moderna |
Σ |
Condicionais |
33/53 = 62,3% |
24/35 = 68,5% |
9/44 = 20,4% |
66/132 = 50% |
Concessivo-condicionais |
20/53 = 37,3% |
11/35 = 31,5% |
35/44 = 79,6% |
66/132 = 50% |
Concessivas |
0 |
0 |
0 |
0 |
Σ |
53/132 = 40,1% |
35/132 = 26,5% |
44/132 = 33,4% |
132 = 100% |
Tabela 1. Valores semânticos de aun si nas diferentes sincronias do espanhol. |
Dos resultados acima, destaque-se primeiramente que, em nenhuma das fases analisadas, encontramos dados de aun si de valor puramente concessivo. Como se observa, aun si condicional e concessivo-condicional convivem desde a fase antiga, com as condicionais superando, em quase o dobro, a proporção das concessivo-condicionais; diferença que se mantêm praticamente a mesma na fase média mas que chega à fase moderna com as concessivo-condicionais superando em quatro vezes mais as condicionais. Observemos a ocorrência (2).
2) ca entonce encienden una estopa e la lanzan en alto ansí encendida, e luego es consumida e dan grandes voces diciendo: “Ansí pasa la gloria de este mundo.” Et aun si conoscieses la dolencia del honor, non curarías de la querencia del honor, ca te paresciera dolor; porque según dice Pedro de Revenas, siempre el cuidado acompaña al honor por luengo tiempo (1417. Mística. Libro de las Consolaciones de la Vida Humana CORDE).
porque então eles acendem um reboque e o jogam bem alto assim aceso, e então ele é consumido e eles gritam bem alto dizendo: “Assim passa a glória deste mundo”. E mesmo se conhecesses a doença da honra, não serias curado do amor à honra que te parecesses dor; porque segundo Pedro de Revenas, o cuidado sempre acompanha a honra por muito tempo.
Aplicando à ocorrência em (2) os critérios de Rodríguez Rosique (2012) – em (2a) a possibilidade de substituir aun si por aunque+subjuntivo, em (2b) a impossibilidade de substituir aun por y es más e em (2c) a verificação de informação contextual relevante para a contextualização, obtemos, respectivamente, as seguintes paráfrases:
2a) Aunque conociese la dolencia del honor, non curarías de la querencia del honor.
2b) (y) es más si conociese la dolencia del honor, non curarías de la querencia del honor.
2c) Aun si conociese el dolor del honor (traz a informação implícita de que o interlocutor não conhece essa dor, o que quer dizer que o contexto é relevante para o entendimento da construção).
Constatamos que (2a) e (2b) constituem paráfrases possíveis já que o sentido da oração original se mantém. Além disso, a informação implícita de que o interlocutor não conhece a dor a que o enunciador se refere, mostra que o contexto é altamente relevante para o entendimento da construção o que comprova, portanto, que esse caso configura uma oração concessivo-condicional.
Vejamos, agora, a análise de uma ocorrência de aun si condicional para que as diferenças fiquem claras com respeito à ocorrência (2) apresentada anteriormente.
3) lo qual no es necessario que con palabras os manifieste como el amor que yo os he tenido ha sido el mayor y más hirviente que ningún hombre a muger aya tenido por sola fama, y ansí será sin faltar tanto como la vida me acompañará, y aun si en la otra vida como acá se ama, podéys ser segura que jamás os pueda faltar (1511-12. Relato extenso novela y otras formas similares CORDE).
o que não é necessário para eu mostrar com palavras como o amor que eu tive por você foi maior e mais ardente do que qualquer homem ou mulher já teve por mera fama, e assim será sem falta enquanto a vida me acompanhará, e mesmo se na vida após a morte você amar como aqui, pode ter certeza de que nunca poderá perdê-lo.
Aplicando-se os critérios propostos para moderar aun si condicional em (3a), possibilidade de inserir a expressão si y solo si e em (3b), a possibilidade de substituir aun por y es más, obtemos, respectivamente, as seguintes paráfrases:
3a) y aun si (y solo si) en la otra vida como acá se ama, podéys ser segura que jamás os pueda faltar.
3b) es más si en la otra vida como acá se ama, podéys ser segura que jamás os pueda faltar.
Verificamos, a partir da ocorrência em (3) que as paráfrases em (3a) e (3b) são possíveis, mantendo-se o sentido condicional original da oraçã; o que comprova que (3) corresponde, de fato, a uma oração introduzida por aun si condicional.
Com relação aos níveis e camadas de atuação de aun si, constatamos que a grande maioria das relações entre orações se estabelecem no NR, na camada do conteúdo proposicional e, uma pequena parte, no NI, na camada do ato discursivo, conforme resultado exposto na tabela 2, que apresenta o cruzamento desses dois critérios.
Fase Est. semântico / Camada Condicionais |
Antiga |
Média |
Moderna |
Σ |
||||||
Cond |
Cc |
Conc |
Cond |
Cc |
Conc |
Cond |
Cc |
Conc |
||
Ato Discursivo (NI) |
4/33 12,1% |
3/20 15% |
0 0% |
1/23 4,3% |
4/12 33,3% |
0 0% |
1/7 14,3% |
14/37 37,8% |
0 0% |
27/132 22,2% |
Conteúdo Proposicional (NR) |
29/33 87,9% |
17/20 85% |
0 0% |
22/23 95,7% |
8/12 66,7% |
0 0% |
6/7 85,7% |
23/37 62,2% |
0 0% |
105/132 77,8% |
Σ |
33/53 62,3% |
20/53 37,7% |
0 0% |
23/35 65,7% |
12/35 34,3% |
0 0% |
7/44 16% |
37/44 84% |
0 0% |
132/132 100% |
Tabela 2. Cruzamento entre o estatuto de aun si e a camada de atuação nas diferentes sincronias do espanhol. |
A tabela 2 revela que orações com aun si condicional e concessivo-condicional convivem desde a fase antiga, já no século XIII, podendo ser constatada mudança apenas em termos da frequência de uso de tipos das fases antiga e média, nas quais condicionais são mais frequentes (62,3% e 65,7%, respectivamente), para a fase moderna, quando as concessivo-condicionais superam as condicionais (84%). Essa constatação permite-nos interpretar que aun si concessivo-condicional tem seu uso sedimentado somente na fase moderna.
Quanto às camadas de atuação, é interessante observar que a sedimentação do valor concessivo-condicional reflete a distribuição da atuação de aun si nas camadas. Da fase antiga para as fases média e moderna, a camada do ato discursivo assume relevância pelo aumento de frequência gradual das concessivo-condicionais que se configuram nessa camada, embora prevaleçam em todas as fases as condicionais que se implementam na camada do conteúdo proposicional. Na camada do ato discursivo, a oração introduzida por aun si assume a função de introduzir um adendo sobre o tópico em desenvolvimento, conforme pode ser visto na ocorrência (4).
4) La posibilidad de una feroz represalia islámica parece tan real, que Israel ha pedido a Washington que se contenga. Que no castigue de momento a Irán, aun si descubre que fueron sus agentes los que derribaron el avión de la TWA el mes pasado (1996. Ejército, ciencia militar CORDE).
A possibilidade de uma feroz retaliação islâmica parece tão real que Israel pediu a Washington para se conter. Não puna o Irã por enquanto, mesmo se descobrirem que foram seus agentes que derrubaram o avião da TWA no mês passado.
Em (4), “aun si descubre que fueron sus agentes los que derribaron el avión de la TWA el mes pasado” funciona como um comentário que o falante julga necessário acrescentar para justificar o ato expresso anteriormente de que mesmo com a descoberta de quais agentes derrubaram o avião, o Irã não sofrerá represália. As orações introduzidas por aun si da camada do conteúdo proposicional, por sua vez, são diferentes, conforme se verifica em (5).
5) Et entra en las melezinas que son contra todas las enfermedades de las narizes. & de la boca. & de llagas & de fistolas; & otrossi de las amorroydas. Et es bona pora pora meter en las melecinas… /2/ pechos. Et si safuman con ella al que a tos antigua; tienel grand pro. & aun si comen della un poco mezclado con miel; esclarece mucho la uoz. Et la estrella que es delantera de las dos tenebrosas que son en el arco septentrional de la corona a poder en esta piedra & della recibe la uertud. (1250. Geología. Lapidario CORDE).
E entra nas medicinas que são contra todas as doenças do nariz. E da boca. E chagas. E de feridas; E também das hemorroidas. E é boa para colocar nas medicinas... E se defuma com ela a tosse antiga; e até se se come dela um pouco misturado com mel; limpa muito a voz. E a estrela dianteira das duas tenebrosas que são o arco septentrional da coroa a poder nessa pedra e dela recebe a virtude.
Em (5), há duas proposições relacionadas por meio de uma função semântica condicional pois se veicula uma consequência que advém da verificação posterior de uma hipótese, a contida na proposição subordinada “si come un poco de ella, limpia mucho la voz”.
Como já mencionamos anteriormente, para Hengeveld (2017) ocorre gramaticalização quando há ampliação de escopo,4 ou seja, um elemento que atua em uma camada mais baixa passa a atuar em uma mais alta. No caso de aun si, não foi possível constatar em que momento histórico houve a ampliação de escopo pois, como mostra a tabela 2, desde a fase antiga coexistem casos de condicionais e concessivo-condicionais de conteúdos proposicionais (87,9% e 85%, respectivamente) e de atos discursivos (12,1% e 15%, respectivamente). O simples aumento de frequência, na fase moderna, de condicionais e concessivo-condicionais de ato discursivo (14,3,% e 37,8%, respectivamente) não comprova que houve ampliação de escopo, mas apenas que a função de aun si de introduzir ato discursivo se tornou mais consolidada na língua. Portanto, o que constatamos é a estabilidade sintático, semântica e discursiva das funções exercidas por aun si desde o século XIII até o XXI, com especialização lenta e gradual na representação de relação concessivo-condicional.
Com relação ao parâmetro posição da oração subordinada, constatamos que houve uma variação na frequência de concessivo-condicionais pospostas. Observemos a tabela 3.
Est. semântico / Posição Condicionais |
Antiga |
Média |
Moderna |
Σ |
||||||
Cond |
Cc |
Conc |
Cond |
Cc |
Conc |
Cond |
Cc |
Conc |
||
Anteposição |
29/33 87,8% |
16/20 80% |
0 0% |
20/23 87% |
12/12 100% |
0 0% |
5/7 71,4% |
23/37 62,1% |
0 0% |
105/132 79,6% |
Posposição |
4/33 12,2% |
4/20 20% |
0 0% |
3/23 13% |
0 0% |
0 0% |
2/7 28,6% |
14/37 37,9% |
0 0% |
27/132 20,4% |
Σ |
33/53 62,3% |
20/53 37,7% |
0 0% |
23/35 65,7% |
12/35 34,3% |
0 0% |
7/44 16% |
37/44 84% |
0 0% |
132/132 100% |
Tabela 3. Posição de orações introduzida por aun si segundo o estatuto das orações nas diferentes sincronias do espanhol. |
A tabela 3 revela que, independentemente do estatuto das orações introduzidas por aun si, em todas as sincronias prevalece a anteposição das orações. No entanto, a frequência de aun si introduzindo orações pospostas aumenta em pouco mais que o dobro das fases antiga e média para a fase moderna tanto para as condicionais (de 12,2% para 28,6%) quanto para as concessivo-condicionais (de 20% para 37,9%) mas sem superar os casos de anteposição que continua sendo a posição prototípica para esses dois tipos oracionais. Na tentativa de se alcançar correlações entre posição e camada de atuação das orações introduzidas por aun si, procedemos ao cruzamento desses dois parâmetros e o resultado é o que segue na tabela 4.
Camada Fase / Posição |
Ato Discursivo |
Conteúdo Proposicional |
Σ |
|
Fase antiga Concessivo-condicionais Concessivas |
Anteposição |
2/7 = 28,6 |
43/46 = 93,5% |
45/53 = 84,9% |
Posposição |
5/7 = 71,4 |
3/46 = 16,5% |
8/53 = 15,1% |
|
Subtotal |
7/27 = 25,9% |
46/105 = 43,8% |
53/132 = 40,1% |
|
Fase média |
Anteposição |
5/5 = 100% |
27/30 = 90% |
32/35 = 91,4% |
Posposição |
0 = 0% |
3/30 = 10% |
3/35 = 8,6% |
|
Subtotal |
5/27 = 18,5% |
30/105 = 28,6% |
35/132 = 26,5% |
|
Fase moderna |
Anteposição |
5/15 = 33,3% |
23/29 = 79,3% |
28/44 = 63,7% |
Posposição |
10/15 = 66,6% |
6/29 = 20,7% |
16/44 = 36,3% |
|
Subtotal |
15/27 = 55,6% |
29/105 = 27,6% |
44/132 = 33,4% |
|
Σ |
Anteposição |
12/27 = 44,4% |
93/105 = 88,6% |
105/132 = 79,5% |
Posposição |
15/27 = 55,6% |
12/105 = 11,4% |
27/132 = 20,5% |
|
Total |
27/132 = 20,5% |
105/132 = 79,5% |
132 |
|
Tabela 4. Distribuição da posição e das camadas de atuação das orações introduzidas por aun si em diferentes sincronias do espanhol. |
Como tendência geral, observa-se dos resultados da tabela 4 que orações da camada do ato discursivo apresentam tendência em todas as sincronias de ocorrerem pospostas, ao passo que as que atuam na camada da proposição assumem a anteposição como posição preferida. A mudança que se observa em termos frequenciais diz respeito ao fato de, independentemente do tipo de camada, a frequência de orações pospostas cresce da fase antiga para a fase moderna (de 15,1% para 36,3%), o que pode ter sua explicação no aumento de frequência, nesses mesmos períodos, de concessivo-condicionais e de atuação das orações na camada do ato discursivo que, como já demonstrado, tem por função introduzir um comentário adicional com relação ao ato anterior.
Com respeito à factualidade, a tabela 5 a seguir mostra que, ao longo de quase todas as sincronias, prevalecem aun si não factual independentemente do estatuto da oração (se condicional ou concessivo-condicional), o que era esperado como aponta Montolío (1999) para as condicionais prototípicas com si que pressupõem presença de informação hipotética.
Estatuto da oração / Factualidade |
Antiga |
Média |
Moderna |
Σ |
||||||
Cond |
Cc |
Conc |
Cond |
Cc |
Conc |
Cond |
Cc |
Conc |
||
Factual |
0 0% |
0 0% |
0 0% |
1/23 4,3% |
2/12 16,6% |
0 0% |
0 0% |
7/37 18,9% |
0 0% |
10/132 7,6% |
Não factual |
33/33 100% |
20/20 100% |
0 0% |
22/23 95,7% |
10/12 83,4% |
0 0% |
7/7 100% |
30/37 81,1% |
0 0% |
122/132 92,4% |
Σ |
33/53 62,2% |
20/53 37,8% |
0 0% |
23/35 65,7% |
12/35 34,3% |
0 0% |
7/44 15,9% |
37/44 84,1 |
0 0% |
132/132 100% |
Tabela 5. Factualidade e tipos de orações introduzidas aun si em diferentes sincronias do espanhol. |
A aplicação do parâmetro factualidade revela que as orações factuais só emergem na fase média e com baixa frequência em contextos de condicionais (4,3%) e de concessivo-condicionais (16,6%), com somente este último tipo preservando praticamente a mesma frequência de uso na fase moderna (18,9%). O que podemos constatar é que aun si tende a ser não factual sendo a preservação do traço de factualidade das concessivo-condicionais na fase moderna um bom prognóstico de mudança para aun si rumo a contextos puramente concessivos, que são sempre factuais, conforme apontam Olbertz, Garcia y Parra (2016).
Por fim, com relação ao parâmetro de fixação dos elementos aun e si em cada período analisado, ao combinar os traços mobilidade e modificação, obtivemos os resultados mostrados na tabela 6.
Fase Fixação de aun e si |
Antiga |
Média |
Moderna |
Σ |
||||||
Cond |
Cc |
Conc |
Cond |
Cc |
Conc |
Cond |
Cc |
Conc |
||
+Mobilidade +Modificação |
33/33 100% |
2/20 10% |
0 0% |
23/23 100% |
0 0% |
0 0% |
6/7 85,7% |
0 0% |
0 0% |
64/132 48,5% |
+Mobilidade -Modificação |
0 0% |
17/20 85% |
0 0% |
0 0% |
12/12 100% |
0 0% |
1/7 14,3% |
10/37 27% |
0 0% |
40/132 30,3% |
-Mobilidade +Modificação |
0 0% |
0 0% |
0 0% |
0 0% |
0 0% |
0 0% |
0 0% |
0 0% |
0 0% |
0 0% |
-Mobilidade -Modificação |
0 0% |
1/20 5% |
0 0% |
0 0% |
0 0% |
0 0% |
0 0% |
27/37 73% |
0 0% |
28/132 21,2% |
Σ |
33/53 62,2% |
20/53 37,8% |
0 0% |
23/35 65,7% |
12/35 34,3% |
0 0% |
7/44 15,9% |
37/44 84,1% |
0 0% |
132 |
Tabela 6. Valores da fixação de aun e de si considerando o estatuto semântico nas fases antiga média e moderna (+ ‘possível’; - ‘impossível’). |
A matriz de traços de fixação de aun si dada na primeira coluna da tabela 6 representa, no extremo inferior (mobilidade e modificação impossíveis), a completa fixação de aun si já verificável nas fases antiga e moderna somente para os casos de concessivo-condicionais que ampliam consideravelmente a frequência de uso nesta última fase. No extremo superior (mobilidade e modificação possíveis de aun), situam-se os casos de total falta de fixação de aun e si, contexto aplicável, na fase antiga, mais às condicionais e raramente às concessivo-condicionais e, nas fases média e moderna, somente às condicionais. O ponto intermediário da matriz (mobilidade possível e modificação impossível de aun) refere somente casos de concessivo-condicionais altamente frequentes nas fases antiga e média e com drástica redução na fase moderna. Esse resultado de frequência revela que, ao longo do tempo, a perífrase vai se tornando gradativamente mais coesa e atinge somente os contextos de concessivo-condicionais na medida em que, das fases antiga e média para a fase moderna, diminui drasticamente a possibilidade de aun ocorrer deslocado de sua posição inicial mas não a de receber modificadores e ampliam aqueles em que nem a mobilidade nem a operação de receber modificadores são aplicáveis a aun. Inversamente aos contextos de concessivo-condicionais, nos de condicionalidade, aun apresenta, com alta frequência e em todas as sincronias, a possibilidade de ocorrer fora de sua posição inicial na perífrase, sendo também possível a ele se submeter à operação de modificação. Em (6), segue uma ocorrência em que aun pode ocupar outras posições que não a anteposta a si e pode ser modificado, conforme se atesta em (6a) e (6b), respectivamente.
6) lo qual no es necessario que con palabras os manifieste como el amor que yo os he tenido ha sido el mayor y más hirviente que ningún hombre a muger aya tenido por sola fama, y ansí será sin faltar tanto como la vida me acompañará, y aun si en la otra vida como acá se ama, podéys ser segura que jamás os pueda faltar (1511-12. Relato extenso novela y otras formas similares CORDE).
o que não é necessário para eu mostrar com palavras como o amor que eu tive por você foi maior e mais ardente do que qualquer homem ou mulher já teve por mera fama, e assim será sem falta enquanto a vida me acompanhará, e mesmo se na vida após a morte você amar como aqui, pode ter certeza de que nunca poderá perdê-lo.
6a) Mobilidade possível
y si aun en la otra vida como acá se ama, podéys ser segura que jamás os pueda faltar
y si [aun] en la otra vida como acá se ama, podéys ser segura que jamás os pueda faltar
6b) Modificação possível
y (antes aun) si en la otra vida como acá se ama, podéys ser segura que jamás os pueda falta
Conforme o teste em (6a), aun pode ser retirado de sua posição que o significado geral da oração não muda significativamente. Isso acontece porque o papel de aun é o de atribuir foco, enquanto o papel de codificar relação oracional é da conjunção si. Em outras palavras, ao mover aun de lugar dentro da oração, muda-se apenas o elemento sob seu escopo que deixa de ser a oração subordinada como um todo e passa a ser uma partícula específica, como pode ser constato em (6a), em que aun passa a focalizar “en la outra vida”. Em (6b), o modificador antes aplicado a aun não torna o enunciado agramatical e pode funcionar como um advérbio enfático de aun.
Conforme aponta Giomi (2020), para comprovar a possibilidade de um elemento receber modificação, é necessário aplicar um modificador mais lexicalizado. Assim, observa-se em (6b) que o modificador de propriedade antes incide unicamente sobre aun, não estando sob seu escopo nem si nem o conteúdo comunicado introduzido por si, o que comprova seu estatuto mais lexical e, portanto, o de que incide sobre uma conjunção condicional.
Como já observamos, na fase moderna, o papel de aun si muda, com as condicionais ainda permitindo a mobilidade de aun na oração, mas as concessivo-condicionais apresentando impossibilidade tanto de mudar aun de lugar como de adiciona-lhe um modificador. Com base na ocorrência em (7), analisemos, a partir de (7a), a impossibilidade de mobilidade de aun, e de (7b), a de receber modificadores.
7) Los remedios contra el escorbuto se conocieron empíricamente muy pronto; se hacían provisiones de naranjas y limones. Normalmente los comandantes que se preocupaban por la prevención de esta enfermedad, aun si los remedios eran equivocados, también miraban por la limpieza y la higiene en sus navíos, y cuando era posible desembarcaban a su gente para disfrutar del aire fresco (2001. Odiseo Revista de Historia nº 1 CREA).
Os remédios contra o escorbuto tornaram-se conhecidos empiricamente muito cedo; suprimentos de laranjas e limões foram feitos. Normalmente os comandantes que se preocupavam com a prevenção dessa doença, mesmo se os remédios estivessem errados, também cuidavam da limpeza e higiene em seus navios e, quando possível, desembarcavam sua gente para aproveitar o ar puro.’
7a) Mobilidade impossível
si los remedios eran equivocados *aun, también miraban por la limpieza y la higiene en sus navíos
7b) Modificação impossível
(antes/muy* aun) si los remedios eran equivocados, también miraban por la limpieza y la higiene en sus navíos
A ocorrência em (7) mostra que a mudança de posição de aun é impossível. Uma vez que a ausência de aun em posição anteposta a si, testada em (16a), não permite que uma condição seja veiculada pois o papel de si, nesse caso, não é o de estabelecer a hipótese de que “siendo o no equivocados los remédios, en cualquier caso, miraban por la limpeza del navio”. O papel de aun anteposto a si é o de escopar toda a informação ali veiculada, incluindo a hipótese codificada por si. A esse escopo, conforme aponta uma das descrições de aun dada pelo Dicionario de la Lengua Española (2022), atribui-se um matiz de contraexpectativa já que aun evoca o sentido de impedimento de realização. Em (7b) verifica-se que os modificadores antes ou muy, aplicados a aun tornam a oração ruidosa, inclusive agramatical, pois percebe-se a impossibilidade de paráfrase.
Os resultados advindos do fator mobilidade e de modificação de aun apontam, portanto, que aun si, nos períodos mais pretéritos (fase antiga) estavam menos fixos pois a presença de aun introduzindo uma oração subordinada atribuía foco à conjunção condicional e não necessariamente adicionava um matiz de contra expectativa. Por outro lado, o resultado da tabela 6, revela que houve um grande aumento, no período moderno, de aun ocupando posição fixa na perífrase com o papel de atribuir foco não à conjunção si, mas sim ao matiz de oposição apresentado na oração subordinada. Dessa forma aun, enquanto advérbio, deixa de poder receber modificador, principalmente nos casos de aun si concessivo-condicional, o que significa, segundo Keizer (2007) e Giomi (2020), que seu estatuto está se tornando mais gramatical. O quadro 1 mostra os padrões de fixação de aun e si resultantes do cruzamento do estatuto da oração introduzida por aun si e da fixação existente entre aun e si.
Estatuto da oração Parâmetros de integração |
Condicionais |
Concessivo - condicionais (2) |
Concessivas |
Possibilidade de receber modificador |
+ |
- |
/ |
Possibilidade de mover aun de lugar na oração ou de removê-lo |
+ |
- |
/ |
Quadro 1. Padrão de integração de aun si em contextos condicional, concessivo-condicional e concessivo. |
Como se pode observar, constatamos que o padrão da conjunção aun si pode ser de dois tipos: (i) aun pode receber uma modificação e pode flutuar de posição dentro da oração subordinada, tendo preferência por posição anteposta a si; (ii) aun não pode receber modificação nem mudar de posição na perífrase, estando restrito a prefaciar si. Associa-se, em primeiro lugar, a esse resultado o fato de que, no espanhol hodierno, as orações condicionais permitem a mobilidade e a modificação de aun enquanto as concessivo-condicionais não experimentam nenhuma dessas duas propriedades e, em segundo lugar, o fato de que não encontramos em todo o córpus diacrônico analisado nenhuma ocorrência de oração introduzida por aun si que corresponda aos fatores que determinam concessão.
5. Considerações finais
Este trabalho objetivou descrever a trajetória histórica da partícula aun si ao longo dos períodos antigo, médio e moderno do espanhol penínsular, a fim de constatar se a afirmação de autores como König (1986) de que as orações concessivo-condicionais se originam das condicionais se confirma. Nossa hipótese era a de que as orações concessivo-condicionais introduzidas por aun si se originariam das condicionais e estão em processo de gramaticalização em direção à concessão.
Diante dos resultados alcançados referentes à verificação do estatuto das orações introduzidas por aun si, seu nível e camada de atuação e a integração de aun e de si, constatamos que o cline hipotetizado não se confirma totalmente porque as orações introduzidas por aun si com valores condicional e concessivo-condicional convivem desde a fase antiga até a moderna, o que leva à compreensão de que, no período histórico analisado, há uma estabilidade sintático, semântica e discursiva das funções exercidas por esse conector que, lentamente, está-se especializando na codificação do valor concessivo-condicional.
Quanto à fixação de aun e si, observamos que, nas fases antiga e média, as orações condicionais permitiam mobilidade e modificação de aun, revelando que aun e si não estavam integrados, o que comprova, inclusive, seu estatuto de condicional. Por outro lado, na fase moderna, observou-se um aumento de frequência de aun si concessivo-condicional, único contexto em que nem mobilidade nem operação de modificação são aplicáveis a aun, revelando que a perífrase está totalmente fixada, o que comprova que o estatuto desse conector concessivo-condicional, apesar de ainda conviver com o de condicional, está ainda em processo de mudança e se especializando na codificação de relação concessivo-condicional.
A fim de representar essa constatação, propomos o cline da figura 4 que mostra que aun si condicional e concessivo-condicional convivem, no espanhol, desde o século XIII mas em proporções que se modificam ao longo das sincronias: enquanto no século XIII prevalecem os padrões condicionais sobre os concessivo-condicionais, no século XXI, essa proporção se inverte, com as concessivo-condicionais constituindo o padrão mais sedimentado para as funções de aun si.
Figura 4. Cline de trajetória de aun si constatado.
Sobre o parâmetro da posição, constatamos que aun si tende a antepor a oração nuclear em todas as sincronias embora tenha sido comprovado um aumento de casos de posposição na fase moderna, correlacionado com a camada do ato discursivo, que tende a apresentar um comentário da informação traída anteriormente pelo locutor. Quanto à factualidade observamos uma tendência de aun si a oscilar entre a semifactualidade e a contrafactualidade. Além disso, foi detectada a existência do traço de factualidade nas concessivo-condicionais, especificamente na fase moderna, como uma ótima estimativa de mudança para aun si rumo a contextos puramente concessivos.
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1 Disponível online em https://www.rae.es/banco-de-datos/corde. Acesso em mai.2020.
2 Disponível online em https://www.rae.es/banco-de-datos/crea. Acesso em mai.2020.
3 Por fixação, neste trabalho, entendemos que uma locução conjuntiva pode ser composicional. Isto é, formada por mais de uma palavra cujo sentido se depreende da soma de suas partes componentes, portanto não fixa, ou pode ser um item lexical/gramatical simples, portanto fixa. Essa definição advém de Keizer (2013) que considera semifixa a estrutura que tem um estatuto intermediário entre uma estrutura composicional e um item lexical simples. Para a autora, uma estrutura semifixa é uma construção considerada não totalmente transparente e composicional sendo uma maneira viável de tratar construções mistas.
4 Lembremos aqui que, segundo Hengeveld (2017), a gramaticalização pode se iniciar em qualquer ponto das camadas próprias de cada nível e seguir rumo a camadas mais altas do mesmo nível ou de nível mais alto não tendo necessariamente que passar por todas as camadas de cada nível.