Impacto científico e o monopólio do inglês: desafios para a diversidade linguística
Claudio França
Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
claudio.franca@ufes.br
Kyria Rebeca Finardi
Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
kyria.finardi@ufes.br
Trabajo recibido el 5 de febrero de 2025 y aceptado el 30 de abril de 2025.
Resumo
Este trabalho examina a relação entre idioma de publicação e impacto científico, com foco no número de citações recebidas por artigos de autores da América Latina e Caribe (ALC) sobre a internacionalização da educação superior. A investigação se fundamenta na análise dos trabalhos mais citados nas bases de dados bibliográficas Scopus, WoS e Lens, buscando refletir se a atual dinâmica de internacionalização da ciência tem efetivamente ampliado os diálogos internacionais ou se, ao contrário, tem reforçado a hegemonia do inglês e dos países centrais. A dinâmica de publicação promove a adoção de um habitus entre os pesquisadores que incentiva o uso de uma língua comum, o inglês, para fins de disseminação dos resultados das pesquisas, o que acaba restringindo e desvalorizando outras línguas e perspectivas acadêmicas. Concluiu-se que, embora a publicação em inglês aumente a visibilidade e o impacto científico, ela também tende a perpetuar as desigualdades geopolíticas no campo científico, onde o conhecimento produzido nos países periféricos precisa se adaptar aos padrões ditados por (e para) os países centrais para ser reconhecido. Essa realidade coloca os pesquisadores da ALC diante de um dilema: adotar o inglês para alcançar maior visibilidade ou priorizar as línguas locais para garantir impacto social e local e para preservar a diversidade epistemológica e cultural.
Palavras-chave: internacionalização da educação superior, diversidade linguística, impacto científico, América Latina e Caribe.
Scientific impact and the monopoly of English: challenges for linguistic diversity
Abstract
This study examines the relationship between the language of publication and scientific impact, focusing on the number of citations received by articles authored by researchers from Latin America and the Caribbean (LAC) on the internationalization of higher education. The research data stems from the analysis of the most cited works in three bibliographic databases (Scopus, WoS and Lens) discussing whether the current dynamics of scientific internationalization have effectively expanded international dialogues or, conversely, reinforced the hegemony of English and central countries. This dynamic promotes the adoption of a habitus among researchers, encouraging the use of a common language, English, for the dissemination of research outcomes, ultimately restricting and devaluing other languages and academic perspectives. Based on the collected and analyzed data, it is concluded that while publishing in English increases visibility and scientific impact, it also tends to perpetuate geopolitical inequalities in the scientific field, where knowledge produced in peripheral countries must conform to standards dictated by (and for) central countries so as to gain recognition. This reality places LAC researchers in a dilemma: to adopt English to achieve greater visibility or to prioritize local languages to guarantee social and local impact and also to preserve epistemological and cultural diversity.
Keywords: internationalization of higher education, linguistic diversity, scientific impact, Latin America and Caribbean.
Impacto científico y monopolio del inglés: desafíos para la diversidad lingüística
Resumen
Este trabajo examina la relación entre el idioma de publicación y el impacto científico, con enfoque en el número de citaciones recibidas por artículos de autores de América Latina y el Caribe (ALC) sobre la internacionalización de la educación superior. La investigación se basa en el análisis de los trabajos más citados en tres bases de datos bibliográficas, Scopus, WoS y Lens, y discute si la dinámica actual de internacionalización de la ciencia ha ampliado efectivamente los diálogos internacionales o si, al contrario, ha reforzado la hegemonía del inglés y de los países centrales. Esa dinámica promueve la adopción de un habitus entre los investigadores que incentiva el uso de un idioma común, el inglés, para la difusión de los resultados de investigación, lo que acaba restringiendo y devaluando otros idiomas y perspectivas académicas. Se concluye que, aunque la publicación en inglés aumenta la visibilidad y el impacto científico, también tiende a perpetuar las desigualdades geopolíticas en el campo científico, donde el conocimiento producido en los países periféricos debe adaptarse a los estándares dictados por (y para) países centrales, para ser reconocido. Esa realidad coloca a los investigadores de ALC ante un dilema: adoptar el inglés para alcanzar mayor visibilidad o priorizar los idiomas locales para garantizar impacto social y preservar la diversidad epistemológica y cultural.
Palabras clave: internacionalización de la educación superior, diversidad lingüística, impacto científico, América Latina y el Caribe.
1. Introdução
A internacionalização da educação superior tem sido promovida como um meio de ampliar o diálogo internacional bem como o alcance e a relevância do conhecimento científico em escala global. No entanto, o modo como esse processo se desenvolve tem gerado questionamentos sobre suas implicações para o Sul Global (Leal, Finardi e Abba 2022) e para a equidade e a diversidade epistêmica (Finardi, França e Guimarães 2022; 2023). Uma das críticas centrais à internacionalização acadêmica refere-se à predominância da língua inglesa como meio de publicação e disseminação do conhecimento, o que impacta diretamente a visibilidade e o reconhecimento da produção acadêmica no Sul Global (Finardi 2022a). No caso da América Latina e Caribe (ALC), a adoção do inglês como língua de publicação é frequentemente vista como uma estratégia para ampliar o impacto científico, ainda que possa reforçar assimetrias no acesso e na circulação do conhecimento (França e Finardi no prelo).
O monopólio do inglês na produção acadêmica tem sérias implicações para a diversidade linguística e epistemológica. A hierarquização dos idiomas na ciência, impulsionada por políticas editoriais e acadêmicas de avaliação do impacto, favorece publicações em inglês enquanto marginaliza pesquisas divulgadas em outras línguas importantes, como é o caso do espanhol e do português.
Esse fenômeno está alinhado a uma lógica de colonialidade do saber, na qual o conhecimento produzido no Sul Global precisa ser validado pelas instituições e padrões do Norte para obter reconhecimento internacional (Piccin e Finardi 2021). Assim, a presença desigual do conhecimento produzido por autores da ALC (em espanhol e português) em bases de dados de ampla circulação, como Scopus e Web of Science (WoS), reflete não apenas uma hegemonia linguística (do inglês), mas também uma estrutura geopolítica de poder (dos países centrais) no campo acadêmico global.
Diante desse panorama, este estudo busca analisar a relação entre o idioma de publicação e o impacto científico, considerando o número de citações recebidas por artigos de autores ALC sobre a internacionalização da educação superior. Para isso, a investigação se fundamenta na observação dos trabalhos mais citados nas principais bases de dados para a região, a saber, Scopus, WoS e Lens, a fim de avaliar padrões de visibilidade acadêmica e identificar possíveis assimetrias no reconhecimento da produção científica da ALC.
Além disso, o estudo problematiza as implicações do idioma de publicação para a diversidade epistêmica e linguística, questionando os impactos do domínio do inglês sobre a pluralidade do conhecimento. Nesse sentido, busca-se refletir se a atual dinâmica de internacionalização da ciência tem efetivamente ampliado os diálogos internacionais ou se, ao contrário, tem reforçado a hegemonia do inglês e dos países centrais, restringindo a valorização de outras línguas e perspectivas acadêmicas oriundos de países e línguas não centrais.
2. Internacionalização da educação superior: desafios para a produção e disseminação do conhecimento científico
A internacionalização da educação superior, definida como a integração intencional de aspectos e dimensões internacionais, interculturais ou globais nas ações, missões e contribuições do ensino superior para a sociedade (De Wit et al. 2015), é um processo dinâmico e multifacetado que impacta diversas áreas da sociedade, dentre elas as práticas de produção e disseminação do conhecimento. O impacto nas práticas de produção, avaliação e disseminação do conhecimento, por sua vez, informam e interferem nas políticas de incentivo à produção científica desenvolvidas por países e instituições de ensino superior (IES).
Apesar do potencial positivo desse processo para a integração internacional e intercultural da ciência, a internacionalização enfrenta críticas devido à sua associação com a lógica da globalização do capitalismo internacional e acadêmico (Leal et al. 2024, 6) cujos traços de colonialidade são evidentes e se manifestam através da língua, cultura e prática científica (Chiappa e Finardi 2021). O processo de internacionalização é questionado também por beneficiar mais os países e instituições centrais do Norte do que as de países e instituições periféricas, do Sul (Vavrus e Pekol 2015; Finardi, Amorim e Sarmento 2024).
Essa perspectiva, cujas raízes remontam à lógica colonial, perpetua desigualdades globais, desvalorizando conhecimentos locais e mantendo a percepção do Sul como um espaço para o extrativismo acadêmico, em outras palavras, para a “coleta de dados” a serem analisados por teorias produzidas no e pelo Norte. Nessa ótica o Sul é visto como exportador de commodities e no caso da ciência, como um mero produtor de evidências, se colocando como importador de produtos com valor agregado e consumidor de teorias vindas do Norte (Connell 2007). No caso do conhecimento produzido no ensino superior, isso implica uma visão do Sul como sendo ‘importador’ do conhecimento produzido no Norte e que se materializa, por exemplo, nos fluxos e direções da mobilidade acadêmica, refletida na ida de alunos do Sul para o Norte (ver por exemplo, Díaz (2018) e no caso do Brasil, Finardi, Mendes e da Silva (2022)).
Mesmo antes da pandemia que alterou os fluxos de alunos internacionais em mobilidade acadêmica, Díaz (2018) denuncia a estreita relação entre língua e geopolítica mostrando que mais da metade dos estudantes internacionais vão para apenas quatro países (EUA, Reino Unido, Canadá e Austrália), todos anglófonos e centrais. Países como Jamaica, África do Sul e Índia, para citar apenas três exemplos, apesar de serem também anglófonos, não atraem tantos alunos internacionais em virtude de serem percebidos como países periféricos ou semi-periféricos vinculados ao imaginário do Sul Global. Nos países centrais, parcerias são estratégicas e instituições de ensino superior competem por reconhecimento, obtido por meio de rankings internacionais (Lumb 2023, ver também Finardi e Guimarães 2017 no caso do Brasil).
Essa dinâmica revela um aspecto da internacionalização mais alinhado à competição do que à cooperação ou integração internacional (De Wit 2020; Finardi, Mendes e da Silva 2022). A busca por reconhecimento por meio de métricas globais, como rankings e publicações em inglês, reforça a hierarquia entre centro e periferia, perpetuando a subalternidade/dependência do Sul em relação ao Norte. Tal lógica competitiva, em vez de promover uma verdadeira colaboração internacional, acaba por reforçar as assimetrias existentes, limitando o potencial de uma ciência global mais inclusiva e diversa.
Na dinâmica da produção, circulação e avaliação da ciência, promover uma internacionalização equitativa é desafiador, já que as diretrizes para o reconhecimento da ciência de qualidade e das instituições de ensino superior (rankings) são majoritariamente estabelecidas pelo mercado acadêmico capitalista e pelo Norte. Uma consequência disso é que a internacionalização reforça assimetrias, hierarquias e desigualdades como, por exemplo, a associação entre impacto acadêmico e visibilidade à publicação em periódicos internacionais indexados, à obtenção de métricas de impacto e visibilidade e à adoção do inglês como meio de instrução (EMI na abreviação em inglês e doravante) e idioma de publicação (inglês como língua franca acadêmica, ver Jenkins 2013) além da valorização de trabalhos que abordam questões tidas como “universais” em detrimento de pesquisas oriundas de contextos periféricos como sendo “locais” (Hamel 2013), para citar apenas alguns.
Em virtude disso, vozes do Sul (ex: Leal, Finardi e Abba 2022; Leal, Abba e Finardi 2024) denunciam a necessidade de pensarmos esse processo para e desde o Sul. A crítica aponta para a urgência de repensar as práticas de internacionalização, de modo a valorizar as especificidades locais e regionais, promovendo uma ciência mais inclusiva e diversa, que não reproduza as hierarquias e dependências históricas entre Norte e Sul.
Do anterior, vemos que a ciência periférica e semiperiférica, ligada ao Sul Global, bem como as línguas relacionadas a esse espaço geopolítico, enfrentam o dilema de seguir a globalização do conhecimento para obter maior visibilidade global, se colocando como um peixe pequeno em um grande aquário ou buscar reconhecimento local, optando por temas e disseminação em idiomas locais (Guzmán-Valenzuela et al. 2022), como um peixe grande em um aquário pequeno (De Swaan 2001). Esse dilema reflete a tensão entre a necessidade de alcançar visibilidade internacional ao mesmo tempo em que se vê a importância de alcançar relevância social ao usar outras línguas além do inglês para preservar as especificidades culturais e epistemológicas locais.
No que diz respeito às evidências regionais na ALC, pesquisas mostram um aumento de publicações em bases como WoS e Scopus entre 2000 e 2015 na ALC, indicando uma tendência de direcionamento para o Norte em um esforço para disseminar trabalhos em revistas de abrangência global (Guzmán-Valenzuela e Goméz 2019). Essa tendência parece ser confirmada por outros estudos na região (ex. Céspedes 2021; Finardi, França e Guimarães 2022, 2023), sugerindo que, apesar dos esforços para inserir a produção latino-americana em diálogos internacionais, a dependência do inglês e dos padrões do Norte permanece como um desafio a ser equacionado.
Apesar dos esforços para inserir a produção latino-americana em diálogos internacionais, essas produções têm baixo impacto e visibilidade, sugerindo que outros fatores, como a instituição ao qual o autor está vinculado, sua língua nativa, a colaboração com autores internacionais, origem dos periódicos e participantes da pesquisa, influenciam o desenvolvimento do campo (Hamel 2013).
Demeter (2019) argumenta que a visibilidade acadêmica é alcançada por meio de capital acadêmico de pesquisadores e canais de disseminação do Norte. Pesquisadores do Sul buscam publicar em inglês e em co-autoria com autores do Norte para aumentar sua visibilidade e capital acadêmico (ver Finardi et al. (2020) para um exemplo de parcerias entre Brasil e Estados Unidos). Reconhecimento internacional e autoridade no campo são quase impossíveis sem esse capital, mostrando que avanços epistêmicos não são a única medida de sucesso na construção do conhecimento (Tamrat 2022).
Em um contexto ideal de produção e internacionalização do conhecimento, parcerias entre pesquisadores deveriam ser baseadas em afinidades e diálogos no campo. Entretanto, como vimos, aspectos geopolíticos e linguísticos também influenciam essas redes e parcerias (Finardi 2022a; Finardi 2022b; Finardi, Amorim e Sarmento 2024). Gueye e outros (2022) mostram que colaborações entre países africanos, americanos e asiáticos ocorrem principalmente com os EUA, devido à hegemonia geopolítica desse país.
A exigência de publicação em inglês reflete relações capitalistas no âmbito acadêmico, criando tensões entre prestígio e visibilidade, e reforçando uma dependência epistemológica, já que as regras da comunicação científica são ditadas por (e para) países centrais (Guzmán-Valenzuela 2017). Estudos sobre educação superior mostram que a internacionalização e a influência econômica, política e social reiteram relações coloniais, tratando o Sul como aprendiz do Norte em termos de técnicas, métodos e parâmetros de qualidade e excelência, promovendo uma uniformidade com a falsa universalidade epistêmica (Sanchéz-Tarragó 2021; Piccin e Finardi 2021).
Em virtude das assimetrias na produção e valorização do conhecimento, a internacionalização da educação superior deve procurar promover colaboração e reconhecimento da pluralidade de conhecimentos locais, considerando raízes epistêmicas e condições históricas dos países e instituições de ensino superior do Sul (Leal e Moraes 2018), evitando tratar a ciência do Norte como sendo mundial enquanto a do Sul é vista como meramente local (Vessuri, Guédon e Cetto 2014). Nesse sentido, Guzmán-Valenzuela e Gómez (2019) sugerem uma agenda em que acadêmicos e universidades do Sul colaborem com o Norte, sem deixar de valorizar seu próprio conhecimento, criando uma ecologia de saberes do Norte e do Sul.
Para tanto, em um cenário ideal, é crucial valorizar as línguas locais para a internacionalização, construção colaborativa e integração do conhecimento bem como para manter essa ecologia. Porém, o modelo atual, que considera a ciência de qualidade como aquela publicada em inglês e por autores do Norte, é colonial e limita o acesso ao conhecimento para quem não domina essa língua, exacerbando desigualdades e a falta de reciprocidade entre Norte e Sul (Knight 2020; Laranjeira e Paris 2020, Finardi, França e Guimarães 2022; 2023). Políticas editoriais e linguísticas que promovem o monolinguismo hierarquizam sistemas linguísticos, dividindo as línguas em centrais, periféricas e semiperiféricas ou ainda, como sugerido por De Swaan (2001) reforçando o capital simbólico (Q-value) e hegemonia do inglês como única língua hipercentral.
A característica do inglês como hipercentral é validada por conglomerados editoriais e agências de financiamento, moldando a circulação do conhecimento e excluindo vozes das periferias. A predominância do inglês em bases de dados como WoS e Scopus reduz a visibilidade de publicações em outros idiomas (Beigel e Jackson 2022). Embora seja possível observar esforços para incluir conhecimentos de fora dos países centrais (Adams et al. 2021), a prevalência de artigos em inglês na ALC (Finardi, França e Guimarães 2022; 2023; França e Finardi 2024) indica uma tendência de usar esse idioma para alcançar maior visibilidade.
Adotar um único padrão linguístico para comunicar a ciência pode ser prejudicial, internalizando práticas que favorecem prestígio e visibilidade, mas que também invizibilizam conhecimentos reforçando dependências epistemológicas e visões distorcidas do que seria uma verdade universal. Para promover uma verdadeira integração de internacionalização do conhecimento, num modelo mais equitativo de ciência, é necessário repensar políticas e métricas para incentivar o intercâmbio de conhecimento entre pesquisadores da ALC e outras regiões sub-representadas, valorizando outras línguas na democratização da produção, circulação e acesso ao conhecimento (Beigel e Jackson 2022).
O panorama atual de produção e circulação do conhecimento suscita questionamentos sobre caminhos alternativos que reconheçam e qualifiquem a ciência tida como periférica, ou seja, aquela fora do mainstream, frequentemente associado a países do Sul. O discurso sobre internacionalização da educação superior emergiu para potencializar o alcance do conhecimento além das fronteiras nacionais, mas, de forma não intencional, revelou uma dinâmica unidirecional, guiada majoritariamente pelos países do Norte, reforçando a condição colonial na produção, valorização e circulação do conhecimento.
3. Diversidade e inclusão linguística na ciência
As hierarquias e assimetrias observadas na adoção desse modelo de internacionalização da educação superior, importado dos países centrais do Norte e replicado no Sul, usam a lógica e a política linguística do English only nas atividades de comunicação científica. Em outras palavras, apenas a língua inglesa é vista como capaz de proporcionar visibilidade, impacto e interlocução com os pares dentro de um campo de conhecimento. Essa visão do inevitável reforça uma concepção de superioridade de um determinado ponto de vista cultural sobre outros e influencia a produção e o acesso ao conhecimento (Gorovitz e Munoz 2022).
Embora a adoção de uma língua franca possa em tese parecer um instrumento facilitador para promover diálogos além-fronteiras, frequentemente refletindo o modus operandi das ciências exatas, essa regra não se aplica a todas as áreas nem ao universo da produção do conhecimento. Nos campos de investigação onde a realidade ou contexto local tem maior peso na análise, disseminar os resultados nas línguas locais se configura como uma ação promotora de inclusão, uma vez que o domínio de um segundo idioma é privilégio de poucos.
Contudo, a promoção do multilinguismo e da diversidade com um forte apelo observado nos últimos anos, ainda padece de maior adesão por parte dos outros atores que colaboram na geração, disseminação e aplicação do conhecimento e integram o ecossistema científico global. Alguns desses agentes são integrantes de agências governamentais de financiamento, instituições acadêmicas e de pesquisa, e membros de corpos editoriais ou de políticas científicas vinculadas a mercados editoriais. Esses atores estão interligados por uma rede de interdependência mútua, formando uma rede de interações complexas.
Com efeito, na tentativa de demover modelos padronizados no âmbito da comunicação científica, tendo a adoção de uma língua franca como uma das iniciativas, organismos internacionais de apoio à cultura, educação e ciência têm incentivado os formuladores e gestores de políticas científicas, organizações, redes, universidades, instituições de pesquisa, financiadores de pesquisa, bibliotecas e pesquisadores a promoverem o multilinguismo na comunicação científica. As iniciativas visam manter a pesquisa relevante divulgando seus resultados em línguas de acesso global e local1.
Ao mesmo tempo, essas estratégias reivindicam a promoção da diversidade linguística nos sistemas de avaliação e financiamento da pesquisa. Exigem que a qualidade da pesquisa seja avaliada de forma independente do idioma ou do canal de publicação nos processos de revisão pelos pares. Além disso, enfatizam a importância de considerar adequadamente revistas e livros em diferentes idiomas quando são utilizados sistemas baseados em métricas (Helsinki Initiative 2019).
Sobre os sistemas de avaliação, como já mencionado, eles também fazem parte do ecossistema de produção do conhecimento. Muito antes das métricas e indicadores para medir o impacto e a visibilidade de pesquisadores e instituições, foram desenvolvidos recursos quantitativos para avaliar os canais que publicam os trabalhos de pesquisa. Além da forma tradicional de avaliação da qualidade de um trabalho, a revisão por pares, podemos contar, desde a década de 1960, com um conjunto de métricas de natureza quantitativa para avaliar o impacto de uma revista científica a partir dos trabalhos nela publicados, sendo a mais conhecida o Fator de Impacto.
Mesmo cercado de críticas, a atribuição de um Fator de Impacto a uma revista científica, é um critério relevante considerado pelos sistemas de avaliação. Com efeito, o processo de obtenção dessa métrica ou de outras similares envolve uma série de exigências e recomendações como, por exemplo, a adoção do inglês como idioma de publicação dos trabalhos, ainda que a revista não seja oriunda de um país de fala anglo-saxã. A lógica aqui aplicada é que, como muitas dessas métricas são construídas tendo como base a quantidade de citações recebidas, ao se publicar em um idioma de maior visibilidade, os trabalhos serão automaticamente mais lidos e, potencialmente, mais citados, granjeando maior impacto.
Atraídos pela possibilidade de obter maior visibilidade e reconhecimento nos sistemas de classificação, os editores, mesmo de revistas de circulação local ou regional, sentem-se frequentemente impelidos a alinhar suas decisões editoriais à essa política linguística, adotando o inglês como língua para disseminação das pesquisas ou, alternativamente, publicando em dois idiomas simultaneamente, tendo o inglês como uma opção praticamente obrigatória. Essa prática reflete a pressão por atender aos padrões globais de comunicação científica que privilegiam o inglês como idioma dominante, mesmo em contextos onde outras línguas poderiam ser mais apropriadas para a disseminação do conhecimento local e para o impacto social.
Conforme demonstrado por Céspedes (2021), no cenário latino-americano, os pesquisadores tendem a escolher o inglês como segunda opção, em detrimento do espanhol, quando publicam em português, e vice-versa. Essa estratégia, no entanto, não gera a reciprocidade esperada. Céspedes (2021) denuncia a falta de reciprocidade na adoção dessa prática, destacando que, embora autores latino-americanos publiquem em inglês para obter mais visibilidade e reconhecimento, isso não se traduz em citações por parte de autores do Norte. A visibilidade alcançada não é acompanhada de um reconhecimento proporcional, evidenciando uma assimetria na valorização do conhecimento mundial e nas relações acadêmicas globais. Isso ocorre porque não é apenas a língua de publicação que conta, mas também a língua materna e a vinculação institucional do autor (Finardi 2022a). A hegemonia do inglês como língua franca acadêmica não elimina as barreiras geopolíticas e culturais que marginalizam a produção científica do Sul Global. Mesmo quando publicados em inglês, os trabalhos de autores latino-americanos muitas vezes não são citados por pesquisadores do Norte, reforçando a dependência epistemológica e a hierarquia existente no campo científico internacional. Essa dinâmica evidencia a necessidade de repensar as práticas de comunicação científica para promover uma maior equidade e inclusão.
Portanto, consideramos que as práticas editoriais adotadas pelas revistas relacionadas a essa política linguística, influenciada pelo mercado científico de produção do conhecimento, têm fomentado a constituição de um habitus com vistas à obtenção de visibilidade e impacto que vai na direção contrária à proposição de diversidade e inclusão na ciência. Esse reconhecimento internacional, conforme a teoria bourdieusiana, converte-se em capital científico (Bourdieu 2004). A fim de analisar a relação entre idioma de publicação e esse capital científico, entendido aqui como impacto científico, na próxima seção nos debruçamos sobre o método usado para analisar o número de citações recebidas por artigos de autores da América Latina e Caribe (ALC) sobre a internacionalização da educação superior.
4. Metodologia
Este estudo tem caráter bibliométrico e foi desenvolvido a partir de uma perspectiva exploratória com enfoque descritivo e analítico. O objetivo foi investigar a relação entre o impacto científico, medido por meio de citações obtidas, e a língua de publicação acadêmica. Para tanto, tomamos como local de investigação artigos científicos sobre a temática da internacionalização da educação superior publicados por autores latino-americanos e caribenhos e/ou por pesquisadores de outros continentes, desde que vinculados às instituições da região.
Os dados foram obtidos junto às bases Scopus, WoS e Lens que, além de disporem dos registros bibliográficos, também contabilizam a quantidade de citações recebidas pelos trabalhos nelas indexadas. Consideramos importante promover a comparação entre essas três bases em razão de diferenças relativas às políticas de indexação adotadas por elas, o que influencia os critérios para inclusão de uma revista e, por conseguinte, a cobertura da produção da região.
Com efeito, enquanto Scopus e WoS caracterizam-se pelo caráter mais seletivo, no que diz respeito à indexação de revistas científicas, priorizando aquelas consideradas de circulação internacional, publicadas por editoras com fins comerciais e majoritariamente em inglês; a Lens mostra-se mais abrangente, dando maior visibilidade à produção proveniente do Sul Global (The Lens 2024), atributo importante para a finalidade do nosso estudo, já que a produção objeto de investigação, é proveniente de países localizados em uma região periférica, dentro da dinâmica da geopolítica da produção do conhecimento.
A coleta de dados foi realizada em abril de 2024, fazendo uso do recurso de busca simples nas três bases de dados. A fim de contemplar a maior quantidade possível de documentos indexados, a estratégia de busca foi redigida em português e espanhol, as línguas de maior representatividade na região, e em inglês, cuja incidência nos trabalhos mostra-se importante, a título de comparação com as línguas locais da região.
Para realizar a busca, combinou-se os conceitos de internacionalização e educação superior, utilizando suas variações em português, espanhol e inglês. A estratégia foi estruturada da seguinte forma: (internacionalização OR internacionalización OR internationalization OR internationalisation) AND (“educação superior” OR “educación superior” OR “higher education”). Para refinar os resultados, foram aplicados três filtros: um relacionado ao tipo de documento, selecionando-se exclusivamente artigos publicados em periódicos científicos; outro geográfico, limitando os resultados apenas a publicações oriundas de países da América Latina e Caribe e, por fim, um de delimitação temporal, com documentos publicados entre os anos 2008 e 2023.
Após remover os registros duplicados e excluir os documentos que, embora abordassem a internacionalização, não se relacionavam especificamente com a educação superior, chegamos a um total de 713 documentos, distribuídos da seguinte forma entre as bases de dados: 72 na Scopus, 193 na WoS e 448 na Lens. Como é característico na difusão do conhecimento científico, independentemente da fonte de informação consultada, apenas uma parte das publicações alcança visibilidade através de citações em trabalhos posteriores. Neste estudo, dos 713 registros identificados, 354 receberam pelo menos uma citação. Considerando que as citações são um dos indicadores de impacto científico, este subconjunto de documentos citados foi selecionado como corpus para nossas análises.
5. Resultados
Para conduzir esta análise, selecionamos como amostra os 15 artigos mais citados em cada uma das três bases de dados estudadas. O objetivo é examinar, a partir da produção de maior impacto, se há convergência entre essas variáveis, buscando verificar a hipótese de que publicar em inglês e em canais de circulação internacional editados em países centrais influencia significativamente a repercussão do trabalho, resultando em um maior número de citações.
Na base Scopus, há a ocorrência de trabalhos publicados em inglês (7), espanhol (4) e português (2). Também se registrou a publicação na modalidade plurilíngue (2). Além do predomínio expresso como língua de publicação, os artigos em inglês destacam-se entre aqueles que mais receberam citação, conforme apresentado no quadro 1.
Quadro 1. Língua, citações e procedência dos artigos mais citados na base Scopus (dados da pesquisa, 2024).
Referente aos dois artigos na modalidade plurilíngue, embora tenham sido inicialmente publicados em periódicos espanhóis, utilizando o idioma local como primeira opção, ambos contavam também com versões traduzidas para o inglês. A estratégia de disponibilizar uma versão em inglês, paralelamente à publicação na língua de origem, contribui para ampliar o alcance desses trabalhos junto a pesquisadores não hispanofalantes, possivelmente impulsionando a maior repercussão refletida no número de citações recebidas.
O domínio do inglês como língua de publicação entre os artigos mais citados também foi observado na WoS. No entanto, diferentemente do constatado na Scopus, na WoS o inglês foi o único idioma presente nesse conjunto de publicações de maior impacto, as quais foram veiculadas em revistas editadas em países europeus e nos Estados Unidos. Conforme ilustrado no quadro 2, chama atenção que 12 desses artigos foram disseminados por periódicos do Reino Unido. Isso ratifica o protagonismo dessa região tanto no campo dos estudos sobre educação superior —considerável parcela das revistas se dedica a essa temática— quanto em relação à tradição britânica de editoração de periódicos e seus vínculos com grandes grupos editoriais.
Quadro 2. Língua, citações e procedência dos artigos mais citados na base WoS (dados da pesquisa, 2024).
As evidências outrora apresentadas referentes à base Lens, no que diz respeito à maior representatividade de revistas publicadas na ALC e diversidade de línguas utilizadas nos artigos publicados, não foi confirmada quando da observação realizada tomando como amostra os 15 artigos mais citados. Tal conjuntura, à semelhança das demais bases, ratificou o inglês como a língua utilizada nos trabalhos que alcançam o maior número de citações, sendo os nove mais citados publicados nesse idioma, segundo demonstra o quadro 3.
Quadro 3. Língua, citações e procedência dos artigos mais citados na base Lens (dados da pesquisa, 2024).
Para o conjunto de dados em análise, observamos uma peculiaridade na Lens mas não nas outras bases no que diz respeito à procedência das revistas que publicaram em inglês. Dos 12 artigos em inglês, apenas três foram publicados em revistas editadas em países anglofalantes. O restante encontra-se distribuído entre revistas da Hungria (4), Holanda (3) e Colômbia (2). A justificativa para a adoção do inglês por parte das revistas holandesas e húngara, é a de que o conteúdo publicado por ambas é agregado pela editora Springer e que adotada como padrão a publicação na língua inglesa.
No que se refere às revistas colombianas, é importante destacar que apenas uma delas, a Latin American Journal of Content & Language Integrated Learning, é integralmente editada na região da ALC. A outra revista, International Journal of Educational Technology in Higher Education, apesar de ter a Universidad de Los Andes (Colômbia) como uma das instituições editoras, é publicada em conjunto com a Universitat Oberta de Catalunya (Espanha) e a editora Springer, sediada na Holanda. Essa configuração indica que, embora haja participação de uma instituição colombiana, o periódico não é totalmente gerido e editado dentro da própria região latino-americana, o que tende a influenciar a escolha do inglês como língua de publicação do trabalho.
Similarmente ao observado na Scopus, os artigos publicados em modalidade plurilíngue na Lens também apresentam, além da versão original, uma tradução para o inglês. Esses trabalhos foram publicados, respectivamente, em uma revista brasileira e uma espanhola. Chama atenção que, no caso da revista espanhola, a publicação original se deu em língua catalã, demonstrando um esforço em direção à diversidade linguística, especialmente de idiomas locais com número expressivo de falantes, porém circunscritos a territórios específicos. Essa estratégia plurilíngue adotada por alguns periódicos sugere uma tentativa de ampliar o alcance e a visibilidade de trabalhos produzidos em línguas menos difundidas internacionalmente, paralelamente à publicação em inglês.
6. Discussão e análise
A análise dos dados sobre o impacto científico da produção acadêmica da ALC revela um cenário de dependência do inglês para a obtenção de visibilidade, um ponto crítico que traz à tona as discussões sobre a distribuição geopolítica da produção do conhecimento. O papel do inglês como língua hipercentral, descrito por De Swaan (2001), não apenas facilita a circulação internacional do conhecimento, mas também reflete e reforça uma hierarquia linguística que subordina idiomas locais a um modelo de comunicação acadêmica predominantemente anglófono. A hipercentralidade do inglês, nesse sentido, atua como uma forma de capital simbólico, conforme discutido por Bourdieu (2007), conferindo prestígio acadêmico e aumentando a possibilidade de citações, elementos essenciais para a construção de autoridade científica.
Essa centralidade, porém, gera um efeito de exclusão. Em sua análise sobre a geopolítica da escrita acadêmica, Canagarajah (2002) aponta que a imposição linguística contribui para uma “colonização do conhecimento” onde vozes e epistemologias do Sul permanecem marginalizadas, mesmo quando traduzidas para o idioma dominante. As evidências obtidas por meio de nosso estudo ratificam que artigos escritos em inglês tendem a ter mais citações em bases de dados como Scopus e WoS, mas esse fenômeno não gera reciprocidade ou inclusão das epistemologias dessas regiões. Em outras palavras, a adoção do inglês não garante que o conhecimento produzido na ALC seja integrado aos debates globais em pé de igualdade com produções do centro.
A exigência implícita da publicação em inglês implica também uma reconfiguração do habitus acadêmico na ALC, conforme a teoria de Bourdieu, que concebe o habitus como um sistema de disposições incorporadas que moldam práticas e percepções. O campo científico, orientado por normas de prestígio ligadas ao inglês, faz com que os pesquisadores da região internalizem a prática de publicar em inglês como um imperativo para o sucesso acadêmico. Esse habitus, construído sob a pressão de sistemas de avaliação e políticas editoriais centralizadas em países anglófonos, desvaloriza o capital cultural local e impõe uma “autocolonização” nas práticas de escrita científica da ALC, em que os próprios pesquisadores aceitam e reforçam uma hierarquia que os coloca em posição de desvantagem epistêmica.
A dinâmica estabelecida entre visibilidade e internacionalização também revela os efeitos do capital acadêmico, um conceito bourdieusiano que descreve a acumulação de reconhecimento e autoridade no campo científico. Pesquisadores da ALC, ao publicarem em inglês e em periódicos indexados por bases de maior prestígio, como WoS, buscam aumentar seu capital acadêmico. Contudo, como Canagarajah (2002) argumenta, essa busca é frequentemente frustrada, uma vez que o sistema de avaliação global privilegia não apenas o idioma, mas também as origens institucionais e nacionais dos autores. Assim, mesmo quando publicados em inglês, os artigos da ALC podem não obter o mesmo nível de citação que trabalhos provenientes de países centrais, sugerindo que o capital acadêmico se constrói não apenas sobre a competência linguística, mas também sobre uma geopolítica de influência que favorece instituições do centro.
Nesse sentido, os resultados analisados aqui sinalizam para um dilema epistemológico: a internacionalização da ciência na ALC parece condicionar a relevância científica à adoção de padrões ditada por países do Norte, uma lógica que Canagarajah (2002) descreve como uma forma de colonialidade epistêmica. Assim, a imposição do inglês como língua de circulação científica promove uma homogeneização do saber, dificultando a inclusão de perspectivas e realidades outras.
Ao privilegiar publicações em inglês, o campo científico cria uma hierarquia na qual o conhecimento produzido em outras línguas é tratado como local e de menor relevância. A pesquisa evidencia que mesmo periódicos editados em países não anglófonos, como Colômbia e Hungria, adotam o inglês para alcançar uma maior visibilidade internacional, demonstrando o alcance da hegemonia linguística no ecossistema acadêmico global.
Ao analisar esses dados sob a ótica de uma ecologia de saberes —que propõe uma ciência inclusiva e plural, conforme defendido por Santos (2019)— emerge a necessidade de revisitar as práticas de internacionalização da produção científica da ALC. Para que o conhecimento da região seja verdadeiramente visível e valorizado, é necessário que políticas editoriais e sistemas de avaliação promovam uma maior inclusão linguística, valorizando o multilinguismo e respeitando as especificidades epistemológicas da região. Somente assim será possível transformar o atual modelo de internacionalização em uma troca equitativa, onde o inglês deixa de ser um filtro enviesado de validade científica e passa a ser um dos muitos canais possíveis de expressão acadêmica.
7. Considerações finais
Conquanto estudos que se destinam a aferir o impacto científico por meio de citações e sua relação com a língua utilizada para disseminar os resultados das pesquisas sejam relativamente comuns, em nosso estudo o olhar foi direcionado para as produções da ALC, especialmente aquelas que investigam o fenômeno da internacionalização da educação superior. Essa abordagem permite compreender de que maneira a escolha do idioma influencia a visibilidade e o reconhecimento dessas pesquisas.
A escolha não se deu de forma aleatória; pelo contrário, houve a intencionalidade de investigar como a variável idioma incide sobre o impacto granjeado pelos trabalhos. Desse modo, buscou-se analisar se, também neste campo, a disseminação das pesquisas tem adotado tal habitus como estratégia para alcançar maior impacto científico, visibilidade e capital acadêmico.
De fato, os resultados sinalizam que a partir da perspectiva do impacto medido por meio de citações, os artigos publicados em inglês repercutem mais intensamente do que aqueles publicados em espanhol e português. Porém, como evidenciado em nossa pesquisa, a escolha do inglês como língua de disseminação dos trabalhos é parte da conjuntura atual das formas de comunicar ciência.
Pelos dados demonstrados, ficou patente que o impacto medido por meio de citações recebidas pelos pares, é potencializado por meio da audiência e visibilidade proporcionada pelo canal de disseminação, o periódico. À medida que essas revistas são publicadas por grandes conglomerados editoriais, indexadas em bases de dados de reconhecimento, como as que utilizamos como fontes de dados para o desenvolvimento da pesquisa, elas passam a ditar regras como, por exemplo, a exclusividade da publicação em inglês.
Em suma, a análise realizada evidencia que, embora a publicação em inglês aumente a visibilidade e o impacto científico, por outro lado, ela perpetua as desigualdades geopolíticas no campo científico, onde o conhecimento produzido no Sul precisa se adaptar aos padrões centrais para ser reconhecido. Essa realidade coloca os pesquisadores da ALC diante de um dilema: adotar o inglês para alcançar maior visibilidade ou priorizar as línguas locais para garantir impacto social e preservar a diversidade epistemológica e cultural.
Com isso, é importante repensar as políticas editoriais e de avaliação científica, promovendo uma maior valorização do multilinguismo e das especificidades regionais. Iniciativas como a Iniciativa Helsinki sobre Multilingüismo en la Comunicación Científica e a Declaración del Foro Latinoamericano de Evaluación Científica (Folec) apontam para a necessidade de criar sistemas de avaliação que considerem a qualidade da pesquisa independentemente do idioma de publicação. Além disso, é essencial fortalecer as redes de colaboração regional e internacional que permitam a circulação do conhecimento produzido na ALC em suas próprias línguas, sem que isso implique uma perda de visibilidade ou impacto.
Por fim, a internacionalização da ciência deve ser entendida como um processo de diálogo e troca equitativa, e não como uma imposição de padrões linguísticos e epistemológicos hegemônicos. Para isso, é necessário que os pesquisadores, instituições e agências de fomento à pesquisa da ALC assumam um papel ativo na defesa de uma ciência mais inclusiva e plural. Somente assim será possível construir um ecossistema científico global que valorize a diversidade linguística e epistemológica, permitindo que o conhecimento produzido na região seja reconhecido e integrado aos debates internacionais em condições de igualdade.
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Agradecimentos
Kyria Rebeca Finardi agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio à pesquisa na forma de Bolsa de Produtividade em Pesquisa.
1 São exemplos a Carta Europea de los Investigadores (Comissão Europeia), a Iniciativa Helsinki sobre Multilingüismo en la Comunicación Científica (Red Europea para la Evaluación de la Investigación en Ciencias Sociales y Humanidades e outros), a Recomendación UNESCO sobre Ciencia Abierta (Unesco), a Declaración del Foro Latinoamericano de Evaluación Científica (Folec), e a Declaración sobre colaboración regional para la visibilización de la ciencia ibero-americana (Secretaría General Iberoamericana).